III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 ATRIBUIÇÕES E REIVINDICAÇÕES UMA VISÃO POLÍTICA SOBRE JORNALISMO Ana Beatriz Silva Gianelli1 RESUMO: Como um relato de pesquisa, entendo que possa complementar a troca de informações necessárias para tornar o assunto da prática jornalística mais atual e próximo da realidade que dispomos no cenário brasileiro. Tendo a intenção de ambientar a discussão, abordo autores que contribuem de diferentes áreas e focos ao tema da função social e política do fazer jornalístico, que se soma à pesquisa “Mídia e Legitimidade Pública no Brasil Contemporâneo” que procura analisar o caráter democrático da relação entre imprensa, opinião pública e política. Somando o que foi apreendido na pesquisa com uma abordagem mais livre espera-se corresponder e despertar interesse daqueles que venham em busca de uma introdução a esse vasto caminho da atuação do jornalismo e sua interação com a política. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Política; Opinião Pública; Imprensa; Democracia. Uma questão importante para se retratar o cenário desse debate é dar conhecimento à disputa pela posse da voz das minorias políticas. A imprensa surge para suprir uma necessidade do povo com relação aos seus governantes, daí ser representada como pilar da liberdade de expressão. Enquanto a ideia de participação no âmbito político ainda não era suficientemente difundida, a busca pela inserção das camadas ascendentes no debate público ganhou força e se apoiou no grande contingente de excluídos politicamente para lançar-se como solução. A época retratada, séculos XVII e XVIII, vivia sob a influência de reis e nobres, porém decadentes de sua improdutividade, má gestão ou baixa assimilação das ideias iluministas, que finalmente colocavam a maior parte dos homens próximos ao que se poderia chamar de igualdade de direitos, deveres e oportunidades. Esta realidade mostra como a classe burguesa emerge e domina pela 1 Ana Beatriz Silva Gianelli. E-mail: [email protected] Graduanda em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 primeira vez a política sem ter se colocado no lugar dos reis, dominando o mais eficiente meio de ascensão social, a economia. A imprensa começa a ser efetiva quando essa nova classe passa a requerer e demandar dos governantes, forçando-os a aderir essa classe ao poder decisório. O conteúdo das primeiras publicações que circulavam nos cafés e tabernas era de tom questionador, ligado a legitimidade do posto autoritário dos governantes, sendo a primeira fonte de informação e debate crítico não oficial. Desse debate, palavras caras à política se disseminam e tornam-se mais graves: Representação e Democracia; nas suas formas mais rudes e pouco elaboradas, mas que se tornam um marco político, pois a nobreza não mais seria merecedora divinamente de seu posto, quem governasse deveria representar os interesses dos cidadãos e precisaria conquistar ou ser designado à função. Assim começa toda uma sequência de disputas teóricas sobre quem deveria governar e quem estaria apto à função, quem o escolheria e quem seria representado, como seriam as disputas, assim como as regras, limites, deveres, enfim; surge para além da polis grega, a política como algo público e que tem na representação a solução para o antigo regime monárquico feudal e no jornalismo a voz da “vontade popular” e o descontentamento reivindicante sem retaliações. Este pequeno esboço sobre o surgimento do jornalismo e como funciona sua prática pode ser mais bem compreendido com o artigo de Flávia Biroli “Técnicas de poder, disciplinas do olhar: aspectos da construção do “jornalismo moderno” no Brasil” de 2007. Podemos estabelecer uma comparação entre o surgimento da Imprensa e outro momento histórico fundamental, a Revolução Industrial (Séc. XIX), que na ocasião poderia melhorar as condições de trabalho e facilitar a operação e criação de bens de consumo, mas fora apropriada por aqueles que detinham o poder econômico e a capacidade de sujeitar os que não dispunham de nada além de sua força de trabalho. Com os meios de comunicação não houve diferença notável. Todas as classes se reivindicavam merecedoras de representação e voz nesses veículos e, aos poucos, surgem a imprensa estatal, as propagandas de interesse comercial e a compra massiva de jornais na intenção de criar monopólios de informação e tomar para si a oportunidade de conduzir a opinião pública, em vez de fazê-la pensar criticamente. III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 Corroborando com a abordagem acima, o texto de Mauro Pereira Porto (UNB) “Mídia e deliberação política: o modelo do cidadão interpretante” de Abril de 2003 apresenta um fator decisivo, de como a imprensa se torna responsável por boa parte da formação social da população e que, quando manipulativa, desvirtua a impressão que se têm da capacidade de autodeterminação dessas pessoas em relação a sua gerência e opinião crítica. Classificando como “competência cidadã” a questão mais debatida entre as correntes que abordam o tema, o autor nos oferece dois modelos já elaborados aos quais denomina: Cidadão ignorante e Cidadão racional ou razoável; além do seu próprio modelo que integra o título do artigo, o modelo de Cidadão interpretante. Parafraseando a que compreende cada denominação do autor, temos a seguinte explicação: O Cidadão Ignorante pertence a corrente dos que acreditam que a falta de informação é uma normal dos cidadãos comuns e que impõe sérios obstáculos à democracia, o Cidadão Razoável integra a corrente dos que acreditam que mesmo com baixo nível de informação de assuntos públicos e políticos, os indivíduos são competentes para desempenhar funções cívicas. Seu modelo, o de Cidadão Interpretante mostra como “os cidadãos são capazes de cumprir com as expectativas da teoria democrática se duas condições forem cumpridas: a) essas expectativas devem ser entendidas em termos da habilidade dos cidadãos de interpretar a realidade política em lugar da demanda de serem bem informados, e b) uma pluralidade de enquadramentos interpretativos esteja disponível na esfera pública, especialmente na mídia”. Nesta perspectiva podemos ver a mídia numa posição de fomentadora, comumente atribuindo o papel de conscientização a imprensa, já que a maior parte dos outros meios se dedicou mais ao apelo do entretenimento e não na mesma proporção o seu papel informativo. Quando se tem uma pequena parcela da população representando uma parte absoluta; aquela que é detentora de recursos atua de forma pouco provável a não exibir distorções de realidade e enviesamento, fazendo ruir outro pilar do jornalismo, o de que ele seria neutro e/ou imparcial. Como acreditar que esta pequena parcela defenderia interesses contrários aos de seus membros privilegiados e os de seus investidores? III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 No blog Demodê, do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da Universidade de Brasília, temos uma publicação recente do professor Luiz Felipe Miguel, cuja experiência no tema contribui para a base deste trabalho e convém destacar o trecho que reproduzo a seguir: “... é necessário estimular a mídia dos grupos minoritários, permitindo que mais segmentos tenham voz no debate, inclusive com financiamento público para sua produção, como ocorre em países do norte da Europa. Só assim a efetiva liberdade de expressão se emancipa do poder econômico e pode, de fato, servir ao aprimoramento da democracia.”. A importância atribuída dentro de uma democracia à comunicação é trabalhada anteriormente pelo autor em “Um ponto cego nas teorias da democracia: os meios de comunicação”, BIB 49, 2000. Em nosso projeto de pesquisa o professor Luiz Augusto Campos expõe como é visto este conflito sobre o tema: ...“Vistos em conjunto, os jornais parecem executar uma função vital para a democracia. Mas quando as dinâmicas jornalísticas são encaradas de perto, torna-se mais difícil acreditar nesse discurso apologético. Surge, assim, um cenário paradoxal. No atacado a imprensa é uma das instituições que viabiliza a constituição de uma esfera pública democrática; no varejo, ela é vista como um empecilho à realização desse ideal”. (...) “Walter Lippmann considerava impossível que a atividade jornalística dispensasse as técnicas retóricas de estilização e, por esse motivo, a imprensa não passaria de uma difusora de estereótipos, cujas retóricas permitiriam, no máximo, a fabricação de consensos” (1993). Com a pesquisa para ser entregue em agosto de 20152, tenta-se ambientar um espaço questionador das diferenças entre o que a imprensa representa ou se atribui e como atua quando se trata dos pilares democráticos a ela associados, tais como: liberdade de expressão, vontade popular, opinião pública, imparcialidade e balança dos poderes. Esta última existindo para evidenciar sua força dentro de uma democracia, competindo com 2 Data em que ocorre a Jornada de Iniciação Científica (JIC) onde bolsistas de iniciação científica UNIRIO, FAPERJ e CNPq contribuem para a divulgação e a discussão de pesquisas, inovações e produções em todos os centros de ensino da UNIRIO. III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 os poderes constitucionais estabelecidos, porém sem ser eleito e sem estar sob a regulação necessária para o controle dos limites que este “quarto” poder requereria. Como aquela força divina que fora combatida tempos atrás, surgem novos dogmas que tornam a imprensa um ser intocável e que não pode ser questionado. Esta reviravolta já era discutida quando se deu o conflito entre classes, quando se questionou o porquê da supremacia ou dos privilégios de umas sobre as outras. Essas mesmas classes capitalistas que dominaram a economia, também fizeram sua parte no monopólio dos meios de comunicação, seja através de financiamentos ou detendo ela mesma a produção da informação. Quando a imprensa fora pensada como meio de unir os trabalhadores sendo seu contato com ideias revolucionárias que se expandiam, foram drasticamente controlados. Entre as disputas ideológicas que eram travadas, Marx argui que “surgem apaziguadores que tentavam conciliar o socialismo as normas liberais; os pequenoburgueses e intelectuais recém-formados criam um socialismo dogmático, assim como os pilares dos meios de comunicação”. Em uma passagem do livro “A questão do partido” numa carta a F. A. Sorge diz: “... querem dar ao socialismo uma forma “ideal superior”, ou seja, substituir sua base materialista por uma mitologia moderna com suas deusas da justiça, da liberdade, da igualdade e da fraternidade”. A utilização destes recursos para a política como meio dominador foram realocados de certa forma e com ajustes finos à imprensa. Não discutir a “luta de classes” em ambos os casos, serviria apenas para manter sua posição e status quo. Não representando, portanto, a liberdade e a expressão da vontade popular. A pesquisa tem por objetivo entender como a mídia se legitima enquanto principal esfera de debate público contemporâneo e quais discursos são mobilizados pelos veículos de comunicação de massa para justificar sua importância política, seja durante a cobertura de temas polêmicos, seja em momentos em que a legitimidade da própria imprensa é contestada. A pesquisa avalia a imprensa não de forma estritamente teórica ou analítica, mas em uma interação onde são obtidos resultados a partir das declarações da própria mídia sobre si mesma; utilizando jornais de circulação nacional com bases de avaliação III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 estatística e interpretativa, onde os conhecimentos adquiridos integrarão uma bibliografia ainda bastante restrita no Brasil. A ciência política é uma área propícia para buscar entendimento sobre assuntos aparentemente complexos demais; assim como as ciências sociais já tiveram sua parcela de dever em demonstrar que fossem de fato uma ciência, a Ciência Política, por sua vez, o fez quando se tornou mais que apenas um ramo das Ciências Sociais. Alguns enxergam a ciência política como a “ciência do Poder”, outros como a “ciência do Estado”, e há ainda os que a enxergam como o intermédio entre as duas. A imprensa passa por uma avaliação parecida, onde se procura delimitar a extensão de sua influencia e se poderia ser, de fato, considerada um novo poder. Busca-se na imprensa a legitimação ou a contestação desta importância política, ora reivindicada, ora atribuída ao fazer jornalístico. Se a política dá sentido único a cada acontecimento, num momento históricosocial adequado, tomando medidas exclusivas e específicas, o jornalismo pratica o mesmo ofício, mas em nome de quem o faz e quem o designou para tal tarefa a literatura ainda não firmou consenso e são as consequências desse desacordo e seus efeitos sobre a democracia que pretendemos analisar numa sequência que se utilize dos resultados obtidos na pesquisa em que se baseou este relato. III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BIROLI, Flávia. 2007. “Técnicas de poder, disciplinas do olhar: aspectos da construção do jornalismo moderno no Brasil”. História, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 118-143. MIGUEL, Luiz F. Disponível em <http://grupodemode.tumblr.com/post/113504619322/ liberdade-de-expressao-e-controle-da-midia> - Acesso em: 13 de março de 2015 às 19h. MIGUEL, Luís Felipe. 2000. “Um ponto cego nas teorias da democracia: os meios de comunicação”, BIB 49. PORTO, Mauro Pereira. 2003. “Mídia e deliberação política: o modelo do cidadão interpretante” Revista: Política e Sociedade, Nº 2. Abril. São Paulo - SP, KAIRÓS LIVRARIA E EDITORA LTDA. 1ª edição, Novembro de 1978. “A QUESTÃO DO PARTIDO – Marx, Engels, Lênin e Trotski”. Projeto de Pesquisa do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRO) para o programa de Iniciação Científica, jul/2013. jul/2014.“Mídia e Legitimidade Pública no Brasil Contemporâneo”. Autor/Coorientador: CAMPOS, Luiz Augusto.