Elitismo democrático na era dos meios de comunicação de massa Autor Luis Humberto Vieira Leite1 Resumo Resposta inicialmente efetiva para o problema da escala nas sociedades democráticas, o modelo representativo depende da mediação entre cidadãos e as esferas decisórias, tendo como lado negativo uma configuração do poder conhecida como elitismo democrático. Neste contexto, os meios de comunicação ganham importância por assumirem o papel de efetivar a ligação entre cidadãos e seus representantes, e, conseqüentemente, assumirem o espaço de arena pública de debates. Esta função, no entanto, é exercida de maneira parcial e pouco satisfatória. Entre os principais motivos, estão o controle limitado dos veículos de comunicação, um modelo de produção excludente e a pouca oxigenação de idéias a partir da participação de novos atores sociais com temáticas de interesse público. Este artigo baseia-se em autores de ciências políticas e jornalismo para debater como os processos de newsmaking e concentração de poder no controle dos meios de comunicação de massa podem direta ou indiretamente afetarem os pilares da democracia em uma sociedade contemporânea, colocando em xeque a validade deste modelo democrático baseado na suposta isenção da mídia.. A transformação do acesso à informação em um processo mercantilista também permeiam as discussões propostas, tendo como fatores balizadores as proposições da teoria democrática, que prevê um debate livre de idéias, e as diretrizes e códigos deontológicos do jornalismo que favorecem a concentração do poder de enunciação. Receita para a democracia Liberdade de imprensa. Em um cenário de redemocratização de vários países latinoamericanos durante o final dos anos 80 e início dos anos 90, a Conferência de Chapultepec, realizada 1 Aluno do curso de pós-graduação em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais. Graduado em Comunicação Social – Jornalismo (Universidade Federal do Ceará/2005). Especialista em Assessoria de Comunicação (Universidade de Fortaleza/2008). em 1994 na Cidade do México, marcou o lançamento de uma declaração que trouxe esse princípio como um conceito máximo a ser adotado por todos os países. Elaborada pela Sociedade Interamericana de Imprensa, a Declaração de Chapultepec conta com a assinatura de diversas organizações, com destaque para a Unesco, Organizações dos Estados Americanos, Comitê Mundial de Liberdade de Imprensa e Associação Mundial de Jornais. Os presidentes brasileiros Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva assinaram o documento em 1996 e 20062, respectivamente, firmando o compromisso do Governo com os dez3 princípios precedidos por uma introdução clara: "Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade" (DECLARAÇÃO DE CHAPULTEPEC, 1994). Neste artigo, pretendemos demonstrar como essa concepção de liberdade de imprensa para uma América democrática está em consonância com a idéia de um elitismo democrático, como podemos conhecer em AVRITZER (1996) e AVRITZER et SANTOS (2003). Neste caso, além contrariar os conceitos iniciais de democracia ao afastar do povo o seu poder de deliberação, dando-lhe o papel apenas de eleger representantes, reforça este papel secundário por manter uma superlativa capacidade das elites de conduzirem a opinião pública a partir do controle dos meios de comunicação. Trata-se, em linhas gerais, de uma concepção de liberdade de imprensa decisiva para o fomento da democracia, mas de uma democracia limitada e elitista. Como nos lembra LIMA (2004), sempre quando questionados, os proprietários dos meios de comunicação de massa lembram-se de Thomas Jefferson: "Fosse deixado a mim decidir se deveriam ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir este último"; mas que a prática dá razão à A. J. Liebling: "Freedom of the press is guaranteed only to those who own one4" (LIMA, 2004). 2 Informação disponível no site da Associação Brasileira de Imprensa. Disponível no link http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=1428 3 Íntegra da Declaração de Chapultepec disponível em http://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-deimprensa/declaracao-de-chapultepec 4 Em tradução própria: “Liberdade de imprensa é garantida apenas para aqueles que têm a sua” Do sonho direto à esfera pública As concepções iniciais de democracia eram mais brandas com os sonhos de levar o povo ao poder. Jean-Jacques Rosseau, no alto do seu iluminismo, vislumbrava a possibilidade da separação dos interesses pessoais frente ao bem comum. "Nada mais perigoso que a influência dos interesses privados nos negócios públicos" (ROSSEAU, 1989, p.81). Rosseau não cria na representação, questão esta que se tornou a mais relevante fronteira das democracias, mas que foi levantada, naquela época, apenas em uma ironia do contemporâneo, e ácido, Voltaire. "A democracia aparece apropriada mais a um país bem pequeno, e ainda é preciso que esteja situado favoravelmente" (VOLTAIRE, 2003, p.151). O exagero é evidente quando vemos que AVRITZER (2002) demonstrar, ao longo do percurso por vários autores sobre a teoria democrática, que a democracia seria a única forma de governo explicável. No entanto, o esforço teórico que tem sido feito direciona para justificar o estreitamento da prática democrática para consolidar a democracia. A dificuldade presente de superar o problema da numerosa população, bem como sua diversidade e invariável separação geográfica levou à promoção da idéias de separar do povo o seu direito iluminista de tomar decisões, substituindo-se por mecanismos de representação. Essas concepções são iniciadas com Schumpter, que propõe limitar o direito à democracia ao poder de formar governos AVRITZER (2000), e chega até Habermas que aborda a inexistência de uma verdade objetiva, sendo a democracia válida a partir do ato argumentativo. As características do processo de argumentação permitem a Habermas definir a democracia como o processo de institucionalização dos procedimentos e das condições de comunicação, processo esse capaz de procedimentalizar a soberania popular ao tornar o sistema político dependente das redes periféricas de comunicação presentes na esfera pública (AVRITZER, 2000, p.123). Habermas vê os meios de comunicação como a possibilidade de se tornarem esferas públicas que permitam a deliberação racional dos indivíduos. A vantagem da publicização seria a oportunidade de ser feita uma cobrança dos governantes dos resultados dos seus atos, sendo esta cobrança e a conseguinte resposta realizadas de forma pública, ao alcance de todos. A imprensa aproximar-se-ia do papel de palco para o conceito de esfera pública proposto por Habermas. Este conceito versa sofre a possibilidade de um espaço diferenciado onde a população teria o contato com o estado de forma menos burocrática. A definição de temas para discussão refletiria as discussões das vontades populares. Os indivíduos também poderiam debater entre si, julgar a moralidade das ações governamentais e discutir as relações sociais. Tal argumentação teórica dá sustentação às organizações que defendem a liberdade de imprensa. O estudo das teorias de representação política, até este ponto, torna clara a importância anunciada para a Declaração de Chapultepec e forma a base ideológica para uma liberalização dos veículos de comunicação de massa sob a tutela de uma defesa racional. A realidade, no entanto, mostra que há uma larga diferença entre os argumentos até aqui apresentados e a prática da gestão da "esfera pública" no Brasil. Elitismo Político na Era da Parabólica Vivemos em uma sociedade midiatizada. Os jornais, desde a era moderna assumindo papel de intermediador entre comerciantes e, posteriormente, entre diversos autores sociais, ganharam a companhia, já no século XX, de meios eletrônicos que viriam praticamente a universalizar o acesso às notícias. O impacto social das atualmente gigantes da comunicação é notório quando abordamos as questões da democracia. MIGUEL (2003) aponta que a definição das temáticas públicas é uma das três faces do poder. Independente do grau de escolha de cada indivíduo e o seu posicionamento racional frente às diversas questões, a simples apresentação dessa agenda pública já é um exercício controle social. E a mídia é hoje detentora de boa parte deste poder. Para que o votante racional pondere a utilidade das diferentes alternativas eleitorais de que dispõe, ele deverá situá-las num espaço que é dado pelos vários temas controversos presentes na agenda. Ou seja, a informação é um item obviamente relevante no processo político,devendo estar disponível para a escolha esclarecida por parte dos cidadãos. Assim, a fixação da agenda condiciona as dimensões da escolha eleitoral, independentemente do grau de racionalidade e de autonomia dos eleitores na produção das próprias preferências. (MIGUEL, 2003, p.131) Os meios de comunicação de massa tornam-se ferramenta fundamental para o controle da chamada elite democrática. Para MIGUEL (2003), a definição da agenda pública é tão importante para o estabelecimento de uma elite democrática quanto o seu direito de cumprir o papel de representante popular. Os diversos grupos de interesse disputam a inclusão ou a exclusão de temas na agenda, bem como sua hierarquização, mas quem ocupa a posição central são os meios de comunicação de massa, conforme tem demonstrado a ampla literatura sobre a chamada agenda-setting (definição de agenda). “A mídia é, de longe, o principal mecanismo de difusão de conteúdos simbólicos nas sociedades contemporâneas e, uma vez que inclui o jornalismo, cumpre o papel de reunir e difundir as informações consideradas socialmente relevantes. Todos os outros ficam reduzidos à condição de consumidores de informação”. (MIGUEL, 2003, pp.131-132) Longe do simplismo da chamada teoria hipodérmica, podemos admitir que se não há um convencimento universal sobre os assuntos, há pelo menos uma força indelével na definição de quais assuntos as pessoas devem pensar, seja a favor ou contra. "Os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o que pensar em relação a um determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e longo prazo, influenciar sobre o que pensar e falar (...) A agenda da mídia termina por se constituir também na agenda individual e mesmo na agenda social" (HOHFELT, 1997, p.44) Essa hipótese é conhecida no meio como agenda-settig e baseia-se em dois princípios: os meios de comunicação são os principais canais para troca de informação; nem sempre tem-se um conhecimento dos fatos, fortalecendo a importância dessas fontes de informação. "Dependendo da mídia, sofremos sua influência, não a curto, mas a médio e longo prazos, não nos impondo determinados conceitos, mas incluindo em nossas preocupações certos temas que, de outro modo, não chegariam a nosso conhecimento e, muito menos, tornar-se-iam temas de nossa agenda" (HOHFELT, 1997, p.45) Essa influência não acontece de forma unilateral. Como dito anteriormente, não se trata de imputar opiniões. Pelo contrário. O papel dos meios de comunicação é proeminente mesmo quando se tem motivação para não pesquisar, mas partilhar algum tipo de conhecimento. O agendamento da mídia, pois, influencia e deixa-se influenciar, em uma grande rede de fluxos de informações. "A constituição da opinião pública não se dá, como é evidente, exclusivamente em função da relação direta da mídia com o receptor, e sim do conjunto de relações sociais que dela decorre". (BARROS FILHO, 1988, p.183) No entanto, por suas características de velocidade e mesmo superficialidade, os diversos meios de comunicação criam sua agenda e influenciam os demais envolvidos de forma mais contundente que o inverso. O processo de agendamento pode ser descrito como um processo interativo. A influência da agenda pública sobre a agenda da mídia é um processo gradual através do qual, a longo prazo, se criam critérios de noticiabilidade, enquanto a influência da agenda da mídia sobre a agenda pública é direta e imediata, principalmente quando envolve questões que o público não tem uma experiência direta. (BRUM, 2003, p.6) Com toda essa capacidade de sintetizar as agendas de diversos públicos em uma programação facilmente deglutível em escala nacional, o processo de agenda-setting justifica sua importância no processo democrático, como apontado por MIGUEL (2003). Mais ainda quando as questões políticas são abordadas pelo jornalismo valendo-se de um conceito de "objetividade". "A objetividade é apontada como uma das principais virtudes da matéria jornalística, qualidade defendida há quase um século pela imprensa americana, espelho de muitas, inclusive a brasileira". (AMARAL, 1996, p.17) O poder da mídia, pois, está em fornecer a lista de temas debatíveis para os cidadãos comuns e, adicionalmente, apresentá-las como se essa definição tivesse acontecido baseado em critérios de noticiabilidade que são mantidos em desconhecimento do grande público, mas que supostamente teria "a verdade" como princípio. PENA (2005) resume essa pretensão à idéia de que as páginas dos jornais seriam como um "espelho" dos fatos, organizando-os ou ignorando-os de acordo com sua importância. Obviamente, tal premissa não se configura como verdade, o que não impede de estar presente em declarações públicas sobre os "deveres básicos" dos jornalistas e dos meios de comunicação. A própria Declaração de Chapultepec traz em seu nono artigo esta idéia. A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, à busca de precisão, imparcialidade e eqüidade e à clara diferenciação entre as mensagens jornalísticas e as comerciais. A conquista destes fins e observância destes valores éticos e profissionais não devem ser impostos. São responsabilidade exclusiva dos jornalistas e dos meios de comunicação. Em uma sociedade livre, a opinião pública é que permia ou castiga. (DECLARAÇÃO DE CHAPULTEPEC, 1994) Este trecho é atribui somente aos grupos de comunicação e seus funcionários a função exclusiva da observância destes valores éticos. Em resumo, a imprensa diz falar a verdade, não explica direito como alcança essa verdade e quer, a todo custo, mostrar para a sociedade que aquilo que apresenta como verdade precisa ser respeitado. É difícil acreditarmos na sinceridade de um princípio como este baseado em um conceito tão abertamente refutado. Pensadores como Marx, Freud, Kant, Schopenhaeur e Weber, ao longo dos anos, demonstraram a invalidade dessa crença a partir de idéias de representação, inconsciente, subjetividade ou do contexto social (PENA, 2005). No entanto, precisamos ressaltar que sim, a objetividade é buscada pelo menos em sua aproximação. Trata-se de um bom negócio, inclusive. MARSHALL (2003) nos conta que até meados do século XIX a imprensa era formada pelos "publicistas", homens de letras que faziam seus pequenos jornais onde despejavam suas opiniões políticas. O crescimento desta atividade como negócio modificou as regras do jogo não apenas com técnicas de impressão mais rápidas: era preciso tentar deixar de lado as diferenças para agradar a todos e, por conseguinte, vender mais. A forma de se fazer isso foi inicialmente confusa. BARROS FILHO (1988) nos conta que em meados daquele século a agência Havas chegou a coletar os fatos e divulgá-los com nada menos que três versões diferentes, sendo uma republicana acentuada, outra de coloração moderada e uma terceira conservadora antirepublicana. Cada cliente recebia então o produto-notícia ao seu gosto. Superados os experimentalismos iniciais, o jornalismo passou a atuar com regras muito simples: confirmação dos fatos, apresentação de possibilidades conflitantes, apresentação de provas auxiliares e o uso judicioso das aspas. De acordo com a socióloga Gaye Tuchman (IN: TRAQUINA, 1999), em seu ensaio "A objetividade como ritual estratégico", essas diretrizes dariam ao texto o caráter de precisão. Ela, no entanto, ressalta que o que acontece é muito mais uma compilação de informações de acordo com o interesse que efetivamente uma busca da verdade. "Ao acrescentar mais nomes e citações, o repórter pode tirar as suas opiniões da notícia, conseguindo que outros digam o que ele próprio pensa". (TUCHMAN IN: TRAQUINA, 1999, p.82) O uso de fontes de informação veio a se tornar mais um fator de fortalecimento das relações de poder através do agendamento da mídia. A oportunidade de comunicar sua visão de mundo por meio de um veículo de alcance bem superior a qualquer esfera pessoal de influência deu às fontes um poder antes inimaginado. Mas nem todos ganharam esse direito. Dentro dessa perspectiva de confiança nas falas de outras pessoas, os jornalistas são direcionados a procurarem as fontes oficiais. Nos jornais, há uma enxurrada de coordenadores, diretores, chefes, superintendentes, técnicos, presidentes, etc. "As possíveis distorções do noticiário não seriam fruto de uma simples conspiração dos profissionais da imprensa com os dirigentes da classe hegemônica, mas, na verdade, uma subordinação às opiniões das fontes que têm posições institucionalizadas, também chamadas de definidores primários". (PENA, 2005, p.154) Ao definirem os temas, os definidores primários excluem da mídia toda uma infinidade de temáticas e opiniões. Acossado somente pelo que recebe, o grande público pode não se reconhecer na realidade ali construída, pois os fatos selecionados, apresentados nos jornais como o reflexo real do mundo, mostram um universo que não os inclui. Com receio de ficar ainda mais excluído, o público oculta suas preferências, preferindo o silêncio. "Os agentes sociais têm aguda percepção de qual é a opinião dominante, que seria, em grande parte, imposta pelos meios de comunicação. Resumindo, há uma tendência ao silêncio quando o indivíduo, por medo de isolamento, não expressa sua opinião quando ela é minoritária". (BARROS FILHO, 1988, p.208) Esse fenômeno, um contraponto à agenda-setting, é conhecido como "Espiral do Silêncio" (PENA, 2005). A Espiral do Silêncio é verificável, sobretudo com a consonância temática entre os diversos agentes sociais, sobretudo dos veículos de comunicação apresentando os mesmos assuntos, vindos dos definidores primários. "De forma resumida, essa teoria (espiral do silêncio) defende que os indivíduos buscam a integração social através da observação da opinião dos outros e procuram se expressar dentro dos parâmetros da maioria para evitar o isolamento". (PENA, 2005, p.155) Vê-se que, partindo-se do pressuposto de MIGUEL (2003) que a definição da agenda pública é uma das faces do poder, conclui-se que, tal como acontece atualmente, os meios de comunicação não apenas conseguem destaque nessa definição, mas também extrapolar sua influência a partir de um movimento de silenciamento das possibilidades temáticas contraditórias ao processo de seleção "objetiva" destes. O controle do debate público é superlativo, e ainda possui o foro da “verdade”. Não por acaso, CHAPARRO (1994) define que o fazer-jornalístico é um fazer-intencionado. Criar jornais é encontrar uma formar de elevar a uma alta potência o interesse que têm indivíduos e grupos em afirmar publicamente suas opiniões e informações. É uma maneira de se dar eco às posições pessoais de classe ou de nações através de um complexo industrial-tecnológico, que além de preservar uma suposta impessoalidade, afirma-se, pelo seu poder e soberania, como 'a verdade’. O jornalismo, via de regra, atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho. Ele é ao mesmo tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que querem dar às suas opiniões subjetivas e particularistas o foro da objetividade. (MARCONDES FILHO, 1989, p.4) Completando o quadro, podemos lembrar que são poucos grupos detentores da possibilidade de assumir uma significativa parcela do poder elitista na sociedade democrática. "O padrão universal de concentração da propriedade privada e a presença dos global players encontram no Brasil um ambiente historicamente acolhedor. Nossos mass media se estabeleceram oligopolisticamente" (LIMA, 2001, p.96). O autor demonstra que a posse dos diversos veículos de comunicação está nas mãos de poucas pessoas ou empresas. É comum, por exemplo, uma mesma holding controlar televisões, rádios e jornais impressos. Interessante notarmos que apesar da extrema importância deste debate para a questão da democracia no país, o critério da "objetividade" destes grupos mantêm o assunto longe do seu agendamento. Um trabalho inédito realizado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) demonstrou que a mídia no Brasil é carente de cobertura referente a si mesma. Através da análise de 53 jornais impressos entre 2003 e 2005, o estudo, co-realizado pela Fundação Ford, encontrou apenas 0,19 temáticas da própria mídia por cada edição, um pouco menos que um texto para cada cinco edições publicadas (ANDI, 2007). "A mídia brasileira costuma falar de si mesma de uma maneira seletiva, deixando de lado temas espinhosos”. (ANDI, 2007, p.9) A principal temática buscada pela pesquisa, as políticas públicas de comunicação, ficam em segundo plano frente assuntos como novelas e fofocas das celebridades. Interessante também notar que quanto maior a concentração de veículos de comunicação em um mesmo corpo empresarial, menor ainda a abordagem de temas relativos à imprensa. A propriedade restrita dos meios de comunicação no Brasil é alarmante. VIEIRA (2007) comenta que nos anos 90 os veículos de comunicação de massa estavam basicamente nas mãos de nove famílias: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete), Civita (Editora Abril), Frias (Folha de São Paulo), Levy (Gazeta Mercantil), Marinho (Organizações Globo), Mesquita (O Estado de São Paulo), Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e Saad (Rede Bandeirantes). O alvorecer do novo século trouxe uma concentração ainda maior. Os Bloch, Levy, Nascimento Brito e Mesquita cederam mais espaço para a predominância dos demais. "Civita, Marinho, Frias, Saad e Abravanel - além dos Sirotsky, à frente da Rede Brasil Sul (RBS) nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul - são os clãs que comandam o oligopólio midiático no Brasil". (VIEIRA, 2007, p.1) As inovações tecnológicas, ao contrário de possibilitarem novas aberturas, fortalecem ainda mais o poder desse oligopólio. O estudo "Os donos da mídia", do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, revela o grande poder das redes. As Organizações Globo, em parceria com suas 30 afiliadas, detém 89 transmissoras de TV VHF, 8 de TV UHF, 34 rádios AM, 53 rádios FM e 20 jornais, totalizando 204 veículos de comunicação. O SBT, com o maior número de afiliadas, 47, detêm 180 veículos. Ressalte-se ainda que só as televisões representam um mercado de US$ 3 bilhões. Concluída em 2002, a pesquisa não abrangeu dados sobre os portais de internet, que também podemos observar estarem em claramente divididos entre estes grupos. A escolha do Governo Federal pelo padrão japonês de TV Digital, que permitirá grandes recursos, mas para um pequeno número de canais, deixa claro que a força destes grupos é crescente. LIMA (2001), em longa análise sobre o tema, demonstra que a convergência tecnológica só vem a aumentar o poder do oligopólios sobre os meios de comunicação. O autor demonstra que, nos planos regionais, e, sobretudo assumindo uma parceria com os grandes grupos através das afiliações, reforçam-se as elites políticas locais e as igrejas despontam como atores de grande relevância. Com Leis e marcos regulatórios que dificultam ou praticamente anulam a possibilidade de novas iniciativas de transmissão, o quadro é preocupante. Corremos, de fato, o risco de estar assistindo a um processo de concentração da propriedade, de manutenção de velhas estruturas familiares, de fortalecimento de elites políticas locais e regionais, acompanhado da presença significativa de igrejas no setor de comunicações, que pode se constituir em ameaça concreta, não só para a liberdade de expressão mas para a própria democracia no Brasil (LIMA, 2001, p.114) Elitismo midiático, elitismo democrático Este percurso ao lado de autores da área de comunicação mostra um cenário preocupante para o amadurecimento da democracia brasileira. Ao longo dessas considerações podemos verificar que a mídia não possui o poder de definir o pensamento do seu público, mas assume um papel preponderante na definição da agenda pública através da chamada "agenda-setting". Mais ainda, a superexposição de determinados assuntos leva os demais à periferia dos debates, com o silenciamento de outras temáticas em um processo conhecido como "Espiral do Silêncio". Para completar a pintura deste quadro, o processo de agendamento é reforçado pelo fato de praticamente todos os veículos de comunicação no país ser propriedade de menos de dez organizações. AVRITZER (2000) deixa claro que a questão da pluralidade das participações racionais é decisiva para a questão da legitimação da democracia. Quaisquer arranjos desalinhados entre o exercício ativo de todos e o processo deliberativo é uma fuga do conceito. O autor ressalta que o uso público da razão estabelece uma relação entre participação e argumentação pública. MIGUEL (2003) complementa que o acesso à informação, e igualmente a partilha da sua visão de mundo é premissa básica para se supor um real envolvimento dos cidadãos comuns nos processos democráticos. Em outras palavras, podemos falar de democracia quando os diversos atores sociais podem exercer suas razões publicamente, e os meios de comunicação são a forma de fazer tal publicização. Entender os meios de comunicação como uma esfera de representação política é entendêlos como espaço privilegiado de disseminação das diferentes perspectivas e projetos dos grupos em conflito na sociedade. Isso significa que o bom funcionamento das instituições representativas exige que sejam apresentadas as vozes dos vários agrupamentos políticos, ermitindo que o cidadão, em sua condição de consumidor de informação, tenha acesso a valores, argumentos e fatos que instruem as correntes políticas em competição e possa formar, de modo abalizado, sua própria opinião política. É o que se pode chamar de “pluralismo político” da mídia. (MIGUEL,2003, p.13) O que vimos até agora, pelo contrário, é um modelo que exclui qualquer forma de pluralismo. As respostas mostradas à questão da redemocratização latina no final do século XX parecem errôneas ao partir do princípio de defender uma total liberdade para os meios de comunicação. Diretrizes com as apontadas pela Conferência de Chapultepec são valorosas frente à ameaça do autoritarismo, mas apresentam o sério efeito colateral de reforçarem decisivamente o que podemos reconhecer como um elitismo democrático que chega a níveis opressivos, silenciadores de uma plebe que também busca o poder que a pertence. Referências Bibliográficas AMARAL, Luiz. A objetividade jornalística. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1996 ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância. Mídia políticas públicas de comunicação. Brasília: Andi, 2007. AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia: ensaios em teoria habermasiana e teoria democratica. Belo Horizonte: Ed. UFMG; São Paulo: Ed. Perspectiva, 1996. Capítulo 5. ________. “Teoria democrática e deliberação pública”. Lua Nova, São Paulo, v 49: 25-46, 2000 ________ e SANTOS, Boaventura de Sousa. Para ampliar o cânone democrático. 2003. Disponível em www.eurozine.com BARROS FILHO, Clóvis de. 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