Elitismo democrático na era dos meios de comunicação de massa
Autor
Luis Humberto Vieira Leite1
Resumo
Resposta inicialmente efetiva para o problema da escala nas sociedades democráticas, o
modelo representativo depende da mediação entre cidadãos e as esferas decisórias, tendo como lado
negativo uma configuração do poder conhecida como elitismo democrático. Neste contexto, os meios
de comunicação ganham importância por assumirem o papel de efetivar a ligação entre cidadãos e
seus representantes, e, conseqüentemente, assumirem o espaço de arena pública de debates. Esta
função, no entanto, é exercida de maneira parcial e pouco satisfatória. Entre os principais motivos,
estão o controle limitado dos veículos de comunicação, um modelo de produção excludente e a
pouca oxigenação de idéias a partir da participação de novos atores sociais com temáticas de
interesse público.
Este artigo baseia-se em autores de ciências políticas e jornalismo para debater como os
processos de newsmaking e concentração de poder no controle dos meios de comunicação de massa
podem direta ou indiretamente afetarem os pilares da democracia em uma sociedade contemporânea,
colocando em xeque a validade deste modelo democrático baseado na suposta isenção da mídia.. A
transformação do acesso à informação em um processo mercantilista também permeiam as
discussões propostas, tendo como fatores balizadores as proposições da teoria democrática, que
prevê um debate livre de idéias, e as diretrizes e códigos deontológicos do jornalismo que favorecem
a concentração do poder de enunciação.
Receita para a democracia
Liberdade de imprensa. Em um cenário de redemocratização de vários países latinoamericanos durante o final dos anos 80 e início dos anos 90, a Conferência de Chapultepec, realizada
1
Aluno do curso de pós-graduação em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais da Universidade
Federal de Minas Gerais. Graduado em Comunicação Social – Jornalismo (Universidade Federal do Ceará/2005).
Especialista em Assessoria de Comunicação (Universidade de Fortaleza/2008).
em 1994 na Cidade do México, marcou o lançamento de uma declaração que trouxe esse princípio
como um conceito máximo a ser adotado por todos os países.
Elaborada pela Sociedade Interamericana de Imprensa, a Declaração de Chapultepec conta com a
assinatura de diversas organizações, com destaque para a Unesco, Organizações dos Estados
Americanos, Comitê Mundial de Liberdade de Imprensa e Associação Mundial de Jornais. Os
presidentes brasileiros Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva assinaram o
documento em 1996 e 20062, respectivamente, firmando o compromisso do Governo com os dez3
princípios precedidos por uma introdução clara: "Uma imprensa livre é condição fundamental para
que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade"
(DECLARAÇÃO DE CHAPULTEPEC, 1994).
Neste artigo, pretendemos demonstrar como essa concepção de liberdade de imprensa para uma
América democrática está em consonância com a idéia de um elitismo democrático, como podemos
conhecer em AVRITZER (1996) e AVRITZER et SANTOS (2003). Neste caso, além contrariar os
conceitos iniciais de democracia ao afastar do povo o seu poder de deliberação, dando-lhe o papel
apenas de eleger representantes, reforça este papel secundário por manter uma superlativa
capacidade das elites de conduzirem a opinião pública a partir do controle dos meios de
comunicação.
Trata-se, em linhas gerais, de uma concepção de liberdade de imprensa decisiva para o fomento da
democracia, mas de uma democracia limitada e elitista. Como nos lembra LIMA (2004), sempre
quando questionados, os proprietários dos meios de comunicação de massa lembram-se de Thomas
Jefferson: "Fosse deixado a mim decidir se deveriam ter um governo sem jornais ou jornais sem um
governo, não hesitaria um momento em preferir este último"; mas que a prática dá razão à A. J.
Liebling: "Freedom of the press is guaranteed only to those who own one4" (LIMA, 2004).
2
Informação disponível no site da Associação Brasileira de Imprensa. Disponível no link
http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=1428
3
Íntegra da Declaração de Chapultepec disponível em http://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-deimprensa/declaracao-de-chapultepec
4
Em tradução própria: “Liberdade de imprensa é garantida apenas para aqueles que têm a sua”
Do sonho direto à esfera pública
As concepções iniciais de democracia eram mais brandas com os sonhos de levar o povo ao
poder. Jean-Jacques Rosseau, no alto do seu iluminismo, vislumbrava a possibilidade da separação
dos interesses pessoais frente ao bem comum. "Nada mais perigoso que a influência dos interesses
privados nos negócios públicos" (ROSSEAU, 1989, p.81). Rosseau não cria na representação,
questão esta que se tornou a mais relevante fronteira das democracias, mas que foi levantada,
naquela época, apenas em uma ironia do contemporâneo, e ácido, Voltaire. "A democracia aparece
apropriada mais a um país bem pequeno, e ainda é preciso que esteja situado favoravelmente"
(VOLTAIRE, 2003, p.151).
O exagero é evidente quando vemos que AVRITZER (2002) demonstrar, ao longo do percurso por
vários autores sobre a teoria democrática, que a democracia seria a única forma de governo
explicável. No entanto, o esforço teórico que tem sido feito direciona para justificar o estreitamento
da prática democrática para consolidar a democracia. A dificuldade presente de superar o problema
da numerosa população, bem como sua diversidade e invariável separação geográfica levou à
promoção da idéias de separar do povo o seu direito iluminista de tomar decisões, substituindo-se por
mecanismos de representação.
Essas concepções são iniciadas com Schumpter, que propõe limitar o direito à democracia ao poder
de formar governos AVRITZER (2000), e chega até Habermas que aborda a inexistência de uma
verdade objetiva, sendo a democracia válida a partir do ato argumentativo.
As características do processo de argumentação permitem a Habermas definir a democracia como o
processo de institucionalização dos procedimentos e das condições de comunicação, processo esse
capaz de procedimentalizar a soberania popular ao tornar o sistema político dependente das redes
periféricas de comunicação presentes na esfera pública (AVRITZER, 2000, p.123).
Habermas vê os meios de comunicação como a possibilidade de se tornarem esferas públicas que
permitam a deliberação racional dos indivíduos. A vantagem da publicização seria a oportunidade de
ser feita uma cobrança dos governantes dos resultados dos seus atos, sendo esta cobrança e a
conseguinte resposta realizadas de forma pública, ao alcance de todos. A imprensa aproximar-se-ia
do papel de palco para o conceito de esfera pública proposto por Habermas. Este conceito versa sofre
a possibilidade de um espaço diferenciado onde a população teria o contato com o estado de forma
menos burocrática. A definição de temas para discussão refletiria as discussões das vontades
populares. Os indivíduos também poderiam debater entre si, julgar a moralidade das ações
governamentais e discutir as relações sociais.
Tal argumentação teórica dá sustentação às organizações que defendem a liberdade de imprensa. O
estudo das teorias de representação política, até este ponto, torna clara a importância anunciada para
a Declaração de Chapultepec e forma a base ideológica para uma liberalização dos veículos de
comunicação de massa sob a tutela de uma defesa racional. A realidade, no entanto, mostra que há
uma larga diferença entre os argumentos até aqui apresentados e a prática da gestão da "esfera
pública" no Brasil.
Elitismo Político na Era da Parabólica
Vivemos em uma sociedade midiatizada. Os jornais, desde a era moderna assumindo papel de
intermediador entre comerciantes e, posteriormente, entre diversos autores sociais, ganharam a
companhia, já no século XX, de meios eletrônicos que viriam praticamente a universalizar o acesso
às notícias. O impacto social das atualmente gigantes da comunicação é notório quando abordamos
as questões da democracia. MIGUEL (2003) aponta que a definição das temáticas públicas é uma das
três faces do poder. Independente do grau de escolha de cada indivíduo e o seu posicionamento
racional frente às diversas questões, a simples apresentação dessa agenda pública já é um exercício
controle social. E a mídia é hoje detentora de boa parte deste poder.
Para que o votante racional pondere a utilidade das diferentes alternativas eleitorais de que dispõe,
ele deverá situá-las num espaço que é dado pelos vários temas controversos presentes na agenda. Ou
seja, a informação é um item obviamente relevante no processo político,devendo estar disponível para
a escolha esclarecida por parte dos cidadãos. Assim, a fixação da agenda condiciona as dimensões da
escolha eleitoral, independentemente do grau de racionalidade e de autonomia dos eleitores na
produção das próprias preferências. (MIGUEL, 2003, p.131)
Os meios de comunicação de massa tornam-se ferramenta fundamental para o controle da chamada
elite democrática. Para MIGUEL (2003), a definição da agenda pública é tão importante para o
estabelecimento de uma elite democrática quanto o seu direito de cumprir o papel de representante
popular. Os diversos grupos de interesse disputam a inclusão ou a exclusão de temas na agenda, bem
como sua hierarquização, mas quem ocupa a posição central são os meios de comunicação de massa,
conforme tem demonstrado a ampla literatura sobre a chamada agenda-setting (definição de agenda).
“A mídia é, de longe, o principal mecanismo de difusão de conteúdos simbólicos nas sociedades
contemporâneas e, uma vez que inclui o jornalismo, cumpre o papel de reunir e difundir as
informações consideradas socialmente relevantes. Todos os outros ficam reduzidos à condição de
consumidores de informação”. (MIGUEL, 2003, pp.131-132)
Longe do simplismo da chamada teoria hipodérmica, podemos admitir que se não há um
convencimento universal sobre os assuntos, há pelo menos uma força indelével na definição de quais
assuntos as pessoas devem pensar, seja a favor ou contra. "Os meios de comunicação, embora não
sejam capazes de impor o que pensar em relação a um determinado tema, como desejava a teoria
hipodérmica, são capazes de, a médio e longo prazo, influenciar sobre o que pensar e falar (...) A
agenda da mídia termina por se constituir também na agenda individual e mesmo na agenda social"
(HOHFELT, 1997, p.44) Essa hipótese é conhecida no meio como agenda-settig e baseia-se em dois
princípios: os meios de comunicação são os principais canais para troca de informação; nem sempre
tem-se um conhecimento dos fatos, fortalecendo a importância dessas fontes de informação.
"Dependendo da mídia, sofremos sua influência, não a curto, mas a médio e longo prazos, não nos
impondo determinados conceitos, mas incluindo em nossas preocupações certos temas que, de outro
modo, não chegariam a nosso conhecimento e, muito menos, tornar-se-iam temas de nossa agenda"
(HOHFELT, 1997, p.45)
Essa influência não acontece de forma unilateral. Como dito anteriormente, não se trata de imputar
opiniões. Pelo contrário. O papel dos meios de comunicação é proeminente mesmo quando se tem
motivação para não pesquisar, mas partilhar algum tipo de conhecimento. O agendamento da mídia,
pois, influencia e deixa-se influenciar, em uma grande rede de fluxos de informações. "A
constituição da opinião pública não se dá, como é evidente, exclusivamente em função da relação
direta da mídia com o receptor, e sim do conjunto de relações sociais que dela decorre". (BARROS
FILHO, 1988, p.183) No entanto, por suas características de velocidade e mesmo superficialidade, os
diversos meios de comunicação criam sua agenda e influenciam os demais envolvidos de forma mais
contundente que o inverso.
O processo de agendamento pode ser descrito como um processo interativo. A influência da agenda
pública sobre a agenda da mídia é um processo gradual através do qual, a longo prazo, se criam
critérios de noticiabilidade, enquanto a influência da agenda da mídia sobre a agenda pública é direta
e imediata, principalmente quando envolve questões que o público não tem uma experiência direta.
(BRUM, 2003, p.6)
Com toda essa capacidade de sintetizar as agendas de diversos públicos em uma programação
facilmente deglutível em escala nacional, o processo de agenda-setting justifica sua importância no
processo democrático, como apontado por MIGUEL (2003). Mais ainda quando as questões políticas
são abordadas pelo jornalismo valendo-se de um conceito de "objetividade". "A objetividade é
apontada como uma das principais virtudes da matéria jornalística, qualidade defendida há quase um
século pela imprensa americana, espelho de muitas, inclusive a brasileira". (AMARAL, 1996, p.17)
O poder da mídia, pois, está em fornecer a lista de temas debatíveis para os cidadãos comuns e,
adicionalmente, apresentá-las como se essa definição tivesse acontecido baseado em critérios de
noticiabilidade que são mantidos em desconhecimento do grande público, mas que supostamente
teria "a verdade" como princípio. PENA (2005) resume essa pretensão à idéia de que as páginas dos
jornais seriam como um "espelho" dos fatos, organizando-os ou ignorando-os de acordo com sua
importância. Obviamente, tal premissa não se configura como verdade, o que não impede de estar
presente em declarações públicas sobre os "deveres básicos" dos jornalistas e dos meios de
comunicação. A própria Declaração de Chapultepec traz em seu nono artigo esta idéia.
A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, à busca de precisão,
imparcialidade e eqüidade e à clara diferenciação entre as mensagens jornalísticas e as comerciais. A
conquista destes fins e observância destes valores éticos e profissionais não devem ser impostos. São
responsabilidade exclusiva dos jornalistas e dos meios de comunicação. Em uma sociedade livre, a
opinião pública é que permia ou castiga. (DECLARAÇÃO DE CHAPULTEPEC, 1994)
Este trecho é atribui somente aos grupos de comunicação e seus funcionários a função exclusiva da
observância destes valores éticos. Em resumo, a imprensa diz falar a verdade, não explica direito
como alcança essa verdade e quer, a todo custo, mostrar para a sociedade que aquilo que apresenta
como verdade precisa ser respeitado. É difícil acreditarmos na sinceridade de um princípio como este
baseado em um conceito tão abertamente refutado. Pensadores como Marx, Freud, Kant,
Schopenhaeur e Weber, ao longo dos anos, demonstraram a invalidade dessa crença a partir de idéias
de representação, inconsciente, subjetividade ou do contexto social (PENA, 2005).
No entanto, precisamos ressaltar que sim, a objetividade é buscada pelo menos em sua aproximação.
Trata-se de um bom negócio, inclusive. MARSHALL (2003) nos conta que até meados do século
XIX a imprensa era formada pelos "publicistas", homens de letras que faziam seus pequenos jornais
onde despejavam suas opiniões políticas. O crescimento desta atividade como negócio modificou as
regras do jogo não apenas com técnicas de impressão mais rápidas: era preciso tentar deixar de lado
as diferenças para agradar a todos e, por conseguinte, vender mais. A forma de se fazer isso foi
inicialmente confusa. BARROS FILHO (1988) nos conta que em meados daquele século a agência
Havas chegou a coletar os fatos e divulgá-los com nada menos que três versões diferentes, sendo
uma republicana acentuada, outra de coloração moderada e uma terceira conservadora antirepublicana. Cada cliente recebia então o produto-notícia ao seu gosto.
Superados os experimentalismos iniciais, o jornalismo passou a atuar com regras muito simples:
confirmação dos fatos, apresentação de possibilidades conflitantes, apresentação de provas auxiliares
e o uso judicioso das aspas. De acordo com a socióloga Gaye Tuchman (IN: TRAQUINA, 1999), em
seu ensaio "A objetividade como ritual estratégico", essas diretrizes dariam ao texto o caráter de
precisão. Ela, no entanto, ressalta que o que acontece é muito mais uma compilação de informações
de acordo com o interesse que efetivamente uma busca da verdade. "Ao acrescentar mais nomes e
citações, o repórter pode tirar as suas opiniões da notícia, conseguindo que outros digam o que ele
próprio pensa". (TUCHMAN IN: TRAQUINA, 1999, p.82)
O uso de fontes de informação veio a se tornar mais um fator de fortalecimento das relações de poder
através do agendamento da mídia. A oportunidade de comunicar sua visão de mundo por meio de um
veículo de alcance bem superior a qualquer esfera pessoal de influência deu às fontes um poder antes
inimaginado. Mas nem todos ganharam esse direito. Dentro dessa perspectiva de confiança nas falas
de outras pessoas, os jornalistas são direcionados a procurarem as fontes oficiais. Nos jornais, há
uma enxurrada de coordenadores, diretores, chefes, superintendentes, técnicos, presidentes, etc. "As
possíveis distorções do noticiário não seriam fruto de uma simples conspiração dos profissionais da
imprensa com os dirigentes da classe hegemônica, mas, na verdade, uma subordinação às opiniões
das fontes que têm posições institucionalizadas, também chamadas de definidores primários".
(PENA, 2005, p.154)
Ao definirem os temas, os definidores primários excluem da mídia toda uma infinidade de temáticas
e opiniões. Acossado somente pelo que recebe, o grande público pode não se reconhecer na realidade
ali construída, pois os fatos selecionados, apresentados nos jornais como o reflexo real do mundo,
mostram um universo que não os inclui. Com receio de ficar ainda mais excluído, o público oculta
suas preferências, preferindo o silêncio. "Os agentes sociais têm aguda percepção de qual é a opinião
dominante, que seria, em grande parte, imposta pelos meios de comunicação. Resumindo, há uma
tendência ao silêncio quando o indivíduo, por medo de isolamento, não expressa sua opinião quando
ela é minoritária". (BARROS FILHO, 1988, p.208)
Esse fenômeno, um contraponto à agenda-setting, é conhecido como "Espiral do Silêncio" (PENA,
2005). A Espiral do Silêncio é verificável, sobretudo com a consonância temática entre os diversos
agentes sociais, sobretudo dos veículos de comunicação apresentando os mesmos assuntos, vindos
dos definidores primários. "De forma resumida, essa teoria (espiral do silêncio) defende que os
indivíduos buscam a integração social através da observação da opinião dos outros e procuram se
expressar dentro dos parâmetros da maioria para evitar o isolamento". (PENA, 2005, p.155)
Vê-se que, partindo-se do pressuposto de MIGUEL (2003) que a definição da agenda pública é uma
das faces do poder, conclui-se que, tal como acontece atualmente, os meios de comunicação não
apenas conseguem destaque nessa definição, mas também extrapolar sua influência a partir de um
movimento de silenciamento das possibilidades temáticas contraditórias ao processo de seleção
"objetiva" destes. O controle do debate público é superlativo, e ainda possui o foro da “verdade”.
Não por acaso, CHAPARRO (1994) define que o fazer-jornalístico é um fazer-intencionado.
Criar jornais é encontrar uma formar de elevar a uma alta potência o interesse que têm indivíduos e
grupos em afirmar publicamente suas opiniões e informações. É uma maneira de se dar eco às
posições pessoais de classe ou de nações através de um complexo industrial-tecnológico, que além de
preservar uma suposta impessoalidade, afirma-se, pelo seu poder e soberania, como 'a verdade’.
O jornalismo, via de regra, atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglomerado
jornalístico raramente fala sozinho. Ele é ao mesmo tempo a voz de outros conglomerados econômicos
ou grupos políticos que querem dar às suas opiniões subjetivas e particularistas o foro da objetividade.
(MARCONDES FILHO, 1989, p.4)
Completando o quadro, podemos lembrar que são poucos grupos detentores da possibilidade de
assumir uma significativa parcela do poder elitista na sociedade democrática. "O padrão universal de
concentração da propriedade privada e a presença dos global players encontram no Brasil um
ambiente historicamente acolhedor. Nossos mass media se estabeleceram oligopolisticamente"
(LIMA, 2001, p.96). O autor demonstra que a posse dos diversos veículos de comunicação está nas
mãos de poucas pessoas ou empresas. É comum, por exemplo, uma mesma holding controlar
televisões, rádios e jornais impressos.
Interessante notarmos que apesar da extrema importância deste debate para a questão da democracia
no país, o critério da "objetividade" destes grupos mantêm o assunto longe do seu agendamento. Um
trabalho inédito realizado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) demonstrou que
a mídia no Brasil é carente de cobertura referente a si mesma. Através da análise de 53 jornais
impressos entre 2003 e 2005, o estudo, co-realizado pela Fundação Ford, encontrou apenas 0,19
temáticas da própria mídia por cada edição, um pouco menos que um texto para cada cinco edições
publicadas (ANDI, 2007). "A mídia brasileira costuma falar de si mesma de uma maneira seletiva,
deixando de lado temas espinhosos”. (ANDI, 2007, p.9) A principal temática buscada pela pesquisa,
as políticas públicas de comunicação, ficam em segundo plano frente assuntos como novelas e
fofocas das celebridades. Interessante também notar que quanto maior a concentração de veículos de
comunicação em um mesmo corpo empresarial, menor ainda a abordagem de temas relativos à
imprensa.
A propriedade restrita dos meios de comunicação no Brasil é alarmante. VIEIRA (2007) comenta
que nos anos 90 os veículos de comunicação de massa estavam basicamente nas mãos de nove
famílias: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete), Civita (Editora Abril), Frias (Folha de São Paulo),
Levy (Gazeta Mercantil), Marinho (Organizações Globo), Mesquita (O Estado de São Paulo),
Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e Saad (Rede Bandeirantes). O alvorecer do novo século trouxe
uma concentração ainda maior. Os Bloch, Levy, Nascimento Brito e Mesquita cederam mais espaço
para a predominância dos demais. "Civita, Marinho, Frias, Saad e Abravanel - além dos Sirotsky, à
frente da Rede Brasil Sul (RBS) nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul - são os clãs que
comandam o oligopólio midiático no Brasil". (VIEIRA, 2007, p.1) As inovações tecnológicas, ao
contrário de possibilitarem novas aberturas, fortalecem ainda mais o poder desse oligopólio. O
estudo "Os donos da mídia", do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, revela o grande
poder das redes. As Organizações Globo, em parceria com suas 30 afiliadas, detém 89 transmissoras
de TV VHF, 8 de TV UHF, 34 rádios AM, 53 rádios FM e 20 jornais, totalizando 204 veículos de
comunicação. O SBT, com o maior número de afiliadas, 47, detêm 180 veículos. Ressalte-se ainda
que só as televisões representam um mercado de US$ 3 bilhões. Concluída em 2002, a pesquisa não
abrangeu dados sobre os portais de internet, que também podemos observar estarem em claramente
divididos entre estes grupos. A escolha do Governo Federal pelo padrão japonês de TV Digital, que
permitirá grandes recursos, mas para um pequeno número de canais, deixa claro que a força destes
grupos é crescente.
LIMA (2001), em longa análise sobre o tema, demonstra que a convergência tecnológica só vem a
aumentar o poder do oligopólios sobre os meios de comunicação. O autor demonstra que, nos planos
regionais, e, sobretudo assumindo uma parceria com os grandes grupos através das afiliações,
reforçam-se as elites políticas locais e as igrejas despontam como atores de grande relevância. Com
Leis e marcos regulatórios que dificultam ou praticamente anulam a possibilidade de novas
iniciativas de transmissão, o quadro é preocupante.
Corremos, de fato, o risco de estar assistindo a um processo de concentração da propriedade, de
manutenção de velhas estruturas familiares, de fortalecimento de elites políticas locais e regionais,
acompanhado da presença significativa de igrejas no setor de comunicações, que pode se constituir em
ameaça concreta, não só para a liberdade de expressão mas para a própria democracia no Brasil
(LIMA, 2001, p.114)
Elitismo midiático, elitismo democrático
Este percurso ao lado de autores da área de comunicação mostra um cenário preocupante para
o amadurecimento da democracia brasileira. Ao longo dessas considerações podemos verificar que a
mídia não possui o poder de definir o pensamento do seu público, mas assume um papel
preponderante na definição da agenda pública através da chamada "agenda-setting". Mais ainda, a
superexposição de determinados assuntos leva os demais à periferia dos debates, com o
silenciamento de outras temáticas em um processo conhecido como "Espiral do Silêncio". Para
completar a pintura deste quadro, o processo de agendamento é reforçado pelo fato de praticamente
todos os veículos de comunicação no país ser propriedade de menos de dez organizações.
AVRITZER (2000) deixa claro que a questão da pluralidade das participações racionais é decisiva
para a questão da legitimação da democracia. Quaisquer arranjos desalinhados entre o exercício ativo
de todos e o processo deliberativo é uma fuga do conceito. O autor ressalta que o uso público da
razão estabelece uma relação entre participação e argumentação pública.
MIGUEL (2003)
complementa que o acesso à informação, e igualmente a partilha da sua visão de mundo é premissa
básica para se supor um real envolvimento dos cidadãos comuns nos processos democráticos. Em
outras palavras, podemos falar de democracia quando os diversos atores sociais podem exercer suas
razões publicamente, e os meios de comunicação são a forma de fazer tal publicização.
Entender os meios de comunicação como uma esfera de representação política é entendêlos como
espaço privilegiado de disseminação das diferentes perspectivas e projetos dos grupos em conflito na
sociedade. Isso significa que o bom funcionamento das instituições representativas exige que sejam
apresentadas as vozes dos vários agrupamentos políticos, ermitindo que o cidadão, em sua condição
de consumidor de informação, tenha acesso a valores, argumentos e fatos que instruem as correntes
políticas em competição e possa formar, de modo abalizado, sua própria opinião política. É o que se
pode chamar de “pluralismo político” da mídia. (MIGUEL,2003, p.13)
O que vimos até agora, pelo contrário, é um modelo que exclui qualquer forma de pluralismo. As
respostas mostradas à questão da redemocratização latina no final do século XX parecem errôneas ao
partir do princípio de defender uma total liberdade para os meios de comunicação. Diretrizes com as
apontadas pela Conferência de Chapultepec são valorosas frente à ameaça do autoritarismo, mas
apresentam o sério efeito colateral de reforçarem decisivamente o que podemos reconhecer como um
elitismo democrático que chega a níveis opressivos, silenciadores de uma plebe que também busca o
poder que a pertence.
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