Carta aberta à Diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, à
Academia Brasileira de Ciências, ao Ministério da Ciência e Tecnologia e à
Comissão ad hoc encarregada de elaborar lista tríplice, destinada a identificar
especialistas em efetivo exercício profissional, de notório saber técnico e científico, para
compor a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.
Ilustríssimos Senhores,
A legislação brasileira de biossegurança conferiu ao Ministério da Ciência e Tecnologia, à
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e à Academia Brasileira de Ciência, o
relevantíssimo papel de indicar à CTNBio 12 especialistas, de notório saber científico e em
efetivo papel científico e técnico, das àreas de saúde humana, saúde animal, meio ambiente
e vegetal para compor a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. (art. 7º, Decreto
5.591/05).
A CTNBio completa este ano, dois anos de funcionamento. Novas listas tríplices deverão
ser elaboradas e novos representantes deverão ser designados pelo Ministério da Ciência e
Tecnologia.
Entendendo que a tanto a SBPC quanto a ABC são, acima de tudo, organizações científicas
preocupadas com o interesse público, gostaríamos de dirigir a Vossas Excelências as
seguintes considerações sobre as indicações:
1. Observações quanto a situações de conflitos de interesse
A questão dos conflitos de interesses é – no mundo todo – uma das mais sensíveis
relacionadas ao desenvolvimento de pesquisas, como vem sendo, mais e mais, revelado à
sociedade1. Diversos estudos apontam a influência que motivações econômicas, políticas,
pessoais e outras podem exercer diretamente no resultado de pesquisas e na tomada de
decisões que têm impactos diretos na saúde dos seres humanos e no meio ambiente.
Em 1999, a então presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Drª Glaci
Zancan alertava que: “o problema do conflito de interesse precisa ser encarado pela
comunidade para evitar que as decisões dos órgãos técnicos sejam contestadas em sua
legitimidade.(...) Sempre foi praxe da comunidade científica não opinar sobre projetos
de sua própria instituição, mas agora é preciso mais. É preciso evitar que interesses
comerciais, pessoais ou institucionais se misturem aos acadêmicos. É chegada a hora de
considerar na escolha dos membros das comissões e comitês, emissores de pareceres
1
Conflito de interesse é, na acepção de Thompson, um conjunto de condições nas quais o julgamento de um
profissional a respeito de um interesse primário tende a ser influenciado indevidamente por um interesse
secundário. (Thompson DF. Understanding financial conflicts of interest. N Engl J Med 1993;329:573-6).
1
oficiais, além da competência técnica que os currículos podem refletir, o conflito de
interesse” 2
A biotecnologia é uma das indústrias que movimenta maior volume de recursos, inclusive
para P&D. O poder econômico destas empresas também se manifesta em um grande
investimento em proganda e “lobby” junto aos órgãos reguladores e associações de
pesquisadores. Casos de corrupção para facilitar a liberação comercial de transgênicos
chegaram a ocorrer em vários países, como na Indonésia, em que a Monsanto subornou
funcionários públicos para que a liberação do algodão transgênico fosse liberado sem a
realização de estudos de impacto ambiental. Graças a isto, a transnacional de biotecnologia
foi multada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
A legislação brasileira não admite qualquer conduta de agente público que objetive fim
estranho e/ou contrário ao interesse público, destacando-se os princípios basilares do artigo
37 da Constituição Federal; mas também a Lei de Improbidade Administrativa; o Código
de Conduta da Alta Administração Federal; o Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal; o Estatuto do Servidor Público; entre outros
diplomas legais.
A Lei de Biossegurança abordou o assunto nos seguintes termos: “Os membros da CTNBio
devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais,
sendo vedado participar do julgamento de questões com as quais tenham algum
envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato, na forma
do regulamento”.
O Decreto nº 5.591/2005 regulamentou esta questão, estabelecendo que “O membro da
CTNBio, ao ser empossado, assinará declaração de conduta, explicitando eventual conflito
de interesse, na forma do regimento interno” (§ 1º, art. 14). Além disso, de acordo com o
Decreto, o conflito de interesse também poderá ser argüido por organização da sociedade
civil legitimada para tanto ou por membros da própria Comissão.
Infelizmente, este assunto não tem recebido a devida atenção por parte da CTNBio. Um
exemplo concreto é que as declarações de conflito de interesse, obrigatórias por lei,
somente foram assinadas pelos membros da Comissão, após Recomendação do Ministério
Público Federal. E, ainda assim, as referidas declarações de conduta firmadas pela maior
parte dos membros da CTNBio não permite aferir, por serem genéricas, a ocorrência de
situações de conflitos de interesse.
No entanto, os currículos de diversos membros da atual CTNBio confirmam sua
participação em atividades relacionadas ao desenvolvimento de organismos geneticamente
modificados – inclusive para fins comerciais – e atestam algum envolvimento profissional
com empresas que são diretamente parte ou interessadas em processos sob análise pela
CTNBio.
2
Jornal da Ciência, SBPC, 05/12/2005.
2
Ressalte-se que as organizações signatárias não estão fazendo qualquer juízo de valor ou
afirmando a ocorrência de ato de improbidade. Mas, tão somente, demonstrando existência
de conflitos de interesse devido ao envolvimento profissional do pesquisador em projetos
que tornam inviável sua participação na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.
2. Observações quanto ao perfil das indicações
Conforme a Lei de Biossegurança, artigo 11, inciso I, alíneas a a d, e o Decreto 5.591,
compete à SBPC e à ABC, indicar 12 cientistas, com notório saber científico e efetivo saber
profissional nas áreas de saúde humana, saúde animal, vegetal e meio ambiente para
compor a CTNBio – devendo ser 3 especialistas em cada uma das áreas.
No entanto, a análise dos currículos dos representantes da área ambiental, que constam do
próprio site da CTNBio, demonstra que os pesquisadores indicados, embora tenham
experiência em outras áreas, não possuem qualquer atuação profissional ou acadêmica
relacionada à área ambiental.
De acordo com os textos elaborados pelos próprios pesquisadores em seus currículos
disponibilizados na plataforma Lattes, o perfil dos especialistas na área ambiental têm suas
carreiras direcionadas para outras áreas e nenhuma atuação profissional na área de meio
ambiente.
Consideramos que a presença de especialistas em meio ambiente, com atuação acadêmica e
profissional, além de legalmente obrigatória, é também essencial para que as análises de
risco possam contemplar de forma adequada a questão ambiental.
Assim, solicitamos à Academia Brasileira de Ciências – ABC, à Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência – SBPC e, especialmente, ao Ministério da Ciência e Tecnologia,
nas indicações a serem realizadas para o próximo período na CTNBio, que:
a) Não sejam indicados pesquisadores envolvidos em pesquisas para o
desenvolvimento comercial de organismos geneticamente modificados e/ou
pesquisas financiadas por empresas que desenvolvem produtos geneticamente
modificados;
b) Observem, nas indicações dos especialistas, a necessidade de contemplar
especialistas com efetiva atuação profissional e acadêmica, sendo 3 na área vegetal,
3 na área de saúde humana, 3 na área de saúde animal e 3 em meio ambiente, nos
termos precisos do artigo 11, inciso I, alíneas a a d, da Lei 11.105/05, quanto à;
c) Consultem as sociedades científicas nas áreas de meio ambiente, saúde e saúde do
trabalhador para que estas indiquem nomes dentre seus filiados;
d) Implementem um mecanismo de “prestação de contas” no qual os pesquisadores
indicados para representar suas entidades na CTNBio tenham a oportunidade de
relatar periodicamente a seus pares um balanço do trabalho da Comissão e de sua
participação nela, valendo-se inclusive de congressos e outros eventos científicos
para este fim; e
3
e) Dêem ampla publicidade ao processo de consulta às entidades filiadas em busca de
indicações;
f) Fomentem debates acerca de conflitos de interesse relacionados à ciência.
AAO Associação de Agricultura Orgânica
AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa
CPT Comissão Pastoral da Terra
FBOMS Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente
Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor
Greenpeace
IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
ISA Instituto Socioambiental
MMC Movimento de Mulheres Camponesas
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Terra de Direitos
Via Campesina
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Carta aberta - Instituto Socioambiental