Anais do XIV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 29 e 30 de setembro de 2009 ISSN 1982-0178 A TENSÃO ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE DO DIREITO SEGUNDO HABERMAS Nathalya Maria Santos de Camargo Prof. Dr. Luiz Paulo Rouanet PUC-Campinas CCHSA [email protected] Grupo de Pesquisa Ética e Justiça CCHSA [email protected] Resumo: Habermas elabora sua teoria do agir comunicativo, contida na obra Direito e democracia: entre facticidade e validade, para analisar as instituições jurídicas e propor um modelo onde se interpenetram justiça, razão comunicativa e modernidade. Ao se referir à facticidade e à validade, Habermas intenta compreender a dualidade do Direito moderno. Assim, de um lado, o Direito é facticidade quando se realiza sob os desígnios de um legislador político e é cumprido e executado socialmente sob a ameaça de sanções fundadas no monopólio estatal da força. De outro lado, o Direito é validade quando suas normas se fundam em argumentos racionais ou aceitáveis por seus destinatários. Habermas diz que o direito só pode ser compreendido a partir da noção de uma "tensão entre facticidade e validade1". "Facticidade" seria o plano dos fatos, das coisas como elas são e funcionam, a dimensão do êxito real, cega para questões de certo/errado. "Validade" seria o plano dos ideais, das normas que se reconhecem como corretas e que justificam as ações, dos valores que se reconhecem como importantes e que justificam as escolhas, das utopias que se reconhecem como inspiradoras e justificam as instituições existentes. Palavras-chave: Facticidade, Validade, Direito Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Filosofia Política Contemporânea – CNPq. da teoria da ação comunicativa, o papel desempenhado pelo sistema jurídico. A partir dai o direito passa a ser responsável pela integração social entre o mundo da vida e os sistemas sociais na medida em que permite aos cidadãos tanto o uso da racionalidade estratégica (ação orientada para o êxito), quando o agente obedece à lei por temor da coerção segundo um cálculo custo/benefício em que avalia se o benefício auferido pela transgressão da lei compensa o custo que pode advir das sanções previstas na lei, por um lado, quanto pela racionalidade comunicativa (ação é orientada para o entendimento recíproco), quando o agente age motivado pelo respeito à lei, convencido de sua legitimidade. Habermas explica que, para realizar a função de integração social na sociedade complexa, o direito moderno desenvolveu uma tensão entre faticidade e validade, porque permite aos sujeitos, usando a racionalidade estratégica, considerarem o direito como um fato social dotado de vigência quando agem orientados pelo êxito na medida em que comparam os custos e benefícios da ação a partir da coação das sanções previstas na lei, bem como possibilita àqueles que agem orientados para o entendimento recíproco segundo a racionalidade comunicativa, buscarem um consenso racionalmente motivado através do reconhecimento da validade da lei. 1. INTRODUÇÃO O direito aparece como um sistema social que utiliza a racionalidade estratégica para estabilizar as expectativas de comportamento mediante uma racionalidade processual formal que serve para gerar confiança nos cidadãos quanto à dominação legal, o que também invade o mundo da vida, aumentando a juridificação das relações sociais. Com o propósito de explicar a possibilidade da integração social e não apenas funcional, na sociedade moderna, Habermas altera, em Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade, pelo lado 2. DUALISMO A relação entre facticidade e validade, assume uma forma de tensão pelo fato de o Direito reunir em si elementos sancionadores e elementos provenientes de uma autolegislação. Dito em outros termos, a tensão entra facticidade e validade, no Direito moderno, retorna pela circunstância de que com a sanção se restringe o nível de dissenso, mas esse dissenso é superado no momento em que se intro- Anais do XIV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 29 e 30 de setembro de 2009 ISSN 1982-0178 duz em seu bojo a idéia de que as normas jurídicas são emanações do povo. Dessa forma, o verdadeiro lugar do direito é entre os planos da facticidade e da validade, como uma ponte entre os dois, tornando a facticidade válida o bastante para ser obrigatória e aceitável, e a validade factual para ser viável e concretizável ao longo do tempo. Além disso, para que se convença alguém de seu próprio ponto de vista, é necessário que se esteja bem informado sobre o assunto a ser deliberado e que se tenha argumentos suficientes para que se prove porque aquela é a melhor escolha. Isso faz com que os concidadãos de uma sociedade civil queiram conhecer o mundo ao seu redor e questionar o que antes aceitavam como verdade absoluta. Fazendo, assim, com que as diferenças entre uns e outros tornem-se irrisórias ante a discussão. 3. NÍVEIS DE TENSÃO Neste tópico discorro acerca da proposta da Habermas de situar a legitimidade do Direito não no plano metafísico, mas no plano discursivo e procedimental, lançando mão da sua teoria do agir comunicativo, na qual a linguagem supera a dimensão sintática e semântica, constituindo o medium de integração social, isto é, o mecanismo pelo qual os agentes sociais interagem e fundamentam racionalmente pretensões de validade discursivas aceitas por todos. Para Habermas, o Direito legítimo, nas sociedades atuais pós-metafísicas, depende do exercício constante do poder comunicativo. Para que não se esgote a fonte da justiça, é mister que um poder comunicativo jurígeno esteja na base do poder administrativo do Estado. Mesmo assumindo a perspectiva de que o ordenamento jurídico emana das diretrizes dos discursos públicos e da vontade democrática dos cidadãos, institucionalizadas juridicamente, observando a correição parcial, há sempre a possibilidade de que a normatividade seja injusta, abrindo-se assim para dois caminhos: o primeiro, a permanecer injusta, passa a constituir-se arbítrio; o segundo, a tornar-se arbítrio, surge a falibilidade e, com isso, a presunção de que seja revogada ou revista. Ainda, para Habermas, a resolução dos conflitos será tanto mais facilmente alcançada quanto maior for a capacidade dos membros da comunidade em restringir os esforços comunicativos e pretensões de validade discursivas consideradas problemáticas, deixando como pano de fundo o conjunto de verdades compartilhadas e estabilizadoras do conjunto da sociedade, possibilitando que grandes áreas da inte- ração social desfrutem de consensos não problemáticos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dessa forma, infere-se que, em primeiro lugar, que a "tensão entre facticidade e validade" deve ser entendida, em primeiro lugar, como uma teoria sobre o modo como o direito é percebido pelos sujeitos: o direito é percebido ao mesmo tempo como fato (algo que está posto como ato de poder e que deve ser obedecido sob ameaça de sanção) e como norma (algo que pode ser reconhecido e obedecido voluntariamente por um agente racional). Essa concepção se baseia na idéia de que o direito moderno é produzido democraticamente, motivo por que as normas que se tornam obrigatórias ao fim do procedimento legislativo carregam consigo a presunção de serem esclarecidas e corretas. Essa idéia depende diretamente da concepção habermasiana sobre a democracia deliberativa. Em segundo lugar, como uma teoria sobre as características de normas jurídicas bem sucedidas: as normas devem poder ser obedecidas tanto em vista os interesses do agente, quanto em vista de seu conteúdo. E deve ser entendida, em terceiro lugar, como uma teoria sobre as razões do êxito do direito enquanto estrutura de integração entre os indivíduos e grupos na sociedade: mesmo estes indivíduos e grupos tendo interesses conflitantes e orientações éticas diversas, são integrados pelo direito na medida em que este oferece iguais oportunidades de êxito para os interesses de um lado e do outro segundo regras imparciais e corretas e não estende sua força obrigatória para além do plano moral, quer dizer, do plano daquelas regras e deveres que podem ser universalmente reconhecidos como corretos e necessários, não exigindo, portanto, renúncias injustificadas nem fazendo ingerências indevidas nos ideais éticos de cada qual. AGRADECIMENTOS Agradeço à Pontifícia Universidade Católica de Campinas pela disponibilização dos recursos para o desenvolvimento das atividades de iniciação científica. Anais do XIV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 29 e 30 de setembro de 2009 ISSN 1982-0178 REFERÊNCIAS 1. ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 2. BOBBIO, N. O futuro da democracia – Uma defesa das regras do jogo. 2ª. ed. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 3. FREITAG, B. Dialogando com Habermas. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2005. 4. GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Dialética, 1999. 5. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 6. MENDONÇA, Samuel. Projeto e monografia jurídica: orientações para a elaboração do projeto de pesquisa e monografia jurídica. 3. ed. Campinas: Millennium Editora, 2006, pp. 25 a 75. 7. MOREIRA, Luiz. Fundamentação do Direito em Jürgen Habermas. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 1999. 8. PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes,1996. 9. RAWLS,J.. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 10. ________. Justiça e democracia. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 11. ________. Justiça como eqüidade − Uma reformulação. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 12. ROUANET, Luiz Paulo. Justiça como eqüidade: uma proposta brasileira. Revista Social Democracia Brasileira. Maio/junho 2003. Número 7, Ano 2, p. 17-23. 13. ________. O debate Habermas-Rawls de 1995: uma apresentação, Reflexão, Ano XXV, no. 78, 2000, pp. 111-117. 14. ________. A idéia de razão pública em Rawls, in Alberto O. CUPANI; César A. MORTARI (org.), Linguagem e Filosofia – Anais do II Simpósio Internacional Principia. Florianópolis: NEL/ UFSC: 2002, pp. 283296. 15. ________. A complementaridade entre Rawls e Habermas na etapa da deliberação, in Pinzani, A.; Dutra, D. V. (org.), Habermas em discussão, Florianópolis: NEFIPO/ UFSC, 2006.