A AULA UNIVERSITÁRIA EM DEBATE: ENTRE EXPECTIVAS E PERSPECTIVAS MARASCHIN Maria Lucia Marocco Resumo O principal objetivo deste estudo foi ampliar o debate sobre as especificidades da aula universitária como espaço agregador de expectativas e de intencionalidades, muitas vezes, desconsideradas neste contexto/espaço. Além de dar relevo à aula universitária como um dos espaços privilegiados de troca, de interlocução, de inter-relações entre acadêmicos e o professor, objetiva-se conclamar os professores universitários e a universidade como um todo para um processo de autorreflexão ante as expectativas e perspectivas daqueles que são a razão da existência da universidade, refletindo sobre os cuidados revelados em relação ao anunciado e ao efetivado. Trata-se de um estudo com base empírica, realizado com a colaboração de três turmas de cursos de pós-graduação “lato sensu”, desencadeado a partir de um processo de problematização na disciplina de Teoria e Metodologia da Educação Superior, ancorado nas possibilidades e nos desafios da aula universitária no atual cenário da educação superior. Palavras-chave: Aula universitária. Formação de Professores e Educação Superior. Introdução Ao abordar o tema “a aula universitária em debate: entre expectativas e perspectivas” o fazemos a partir da multiplicidade de possibilidades e reflexões que cercam a universidade neste início de século. A expansão, a mercantilização, a democratização do acesso à educação superior e o ‘aparente compromisso institucional’1 no que se refere à formação pedagógica do professor para este nível de ensino nos remete a algumas indagações, e nos permite reafirmar esforços de qualificação presentes nas discussões que cercam exercícios de zelo empreendidos na formação dos professores universitários, tendo em vista as expectativas que cercam a universidade e a vida dos estudantes universitários envolvidos. 1 Aparente compromisso – porque carecemos de processos de acompanhamento e de estudos sistemáticos destes, temos por hora apenas as avaliações internas e externas. 8264 Diferentemente do que ocorre com os níveis de ensino da educação básica, nos quais historicamente se exige a formação mínima em nível de graduação, a licenciatura na área, a educação superior tem se constituído uma espécie de segunda opção profissional, referenciada pelo notório saber e ou pela vinculação à área específica de atuação no mercado de trabalho. Essa realidade legitimou uma compreensão de aula universitária como um espaço de transmissão de saberes, conhecimentos e/ou experiências. Tradicionalmente, a aula universitária nos cursos de ensino superior tem-se constituído como um espaço físico e um tempo determinado durante o qual o professor transmite conhecimentos e experiências aos seus alunos. Poderíamos dizer que se trata de um tempo e de um espaço privilegiados para uma ação do professor, cabendo ao aluno atividades como “copiar a matéria”, ouvir as preleções do mestre, fazer perguntas e, no mais das vezes, repetir o que o mestre ensinou. É verdade que temos também aulas práticas, ora demonstrativas – quando o professor assume um papel de mostrar como é o fenômeno, ora de aplicação, por parte dos alunos, de conceitos aprendidos nas aulas teóricas, nos laboratórios ou em estágios. Estas são mais raras. (MASSETO, 2002, p. 85). Dar à aula universitária uma outra face, um outro status, e ou uma outra acepção, tem se constituído num desafio às instituições de ensino superior, comprometidas eticamente com os desafios emergentes. Inicialmente há de se considerar a mudança no perfil de estudantes que ingressam nas universidades, as mudanças no mundo do trabalho, a agilidade dos processos de ensino e aprendizagem, a diversidade de alternativas exigidas na operacionalização dos processos educativos para muito além da formação humana, dentre outras peculiaridades, e, posteriormente, as mudanças decorrentes de uma interlocução que não requer mais um espaço específico, como a sala de aula, mas outros espaços, contextos e/ou possibilidades, para que a aprendizagem se efetive. De acordo com Buarque (2003), embora a Universidade ainda seja a instituição mais bem preparada para reorientar o futuro da humanidade, parece não se dar conta de sua própria crise, crise que vai além dos aspectos financeiros, constituindo-se numa crise de propósitos, num mundo em rápida transformação. Ao conviver a par e passo com a desaceleração da economia, com o aumento brutal das desigualdades entre os seres humanos, com a (des)esperança nos partidos políticos, com a saturação e incompetência dos processos democráticos, com a fragilidade das religiões, com o brutal fortalecimento do individualismo, com o avanço da ciência e da tecnologia em benefícios de uma minoria, além da perda da capacidade de assegurar um futuro exitoso aos seus estudantes, a universidade é chamada a 8265 reafirmar e/ou a rever seus propósitos, cabe-lhe atentar à singularidade e às necessidades da sua constituição. Nesse sentido, vale destacar que, paralelamente ao processo de contradições anunciadas, inúmeras buscas são cotidianamente efetuadas, com o objetivo de refletir sobre as configurações que assume a aula universitária. Discutir este tema significa efetuar um recorte dentro da gama de possibilidades e reflexões que nos são oferecidas pela pedagogia universitária, incursão técnica, política e epistemológica, em franco adensamento, particularmente nas últimas décadas. A aula universitária como espaço, como ambiente, como condição: presencial e on-line Para Romanowski (2006, p. 105) “A sala de aula como ambiente de aprendizagem caracteriza-se como movimento, como práxis em que a produção de professor e alunos direciona-se para a mesma finalidade.” Esta, dentre outras finalidades, acreditamos que se sobrepõe à exclusão das prerrogativas neoliberais e dos antagonismos que as cercam, forjando a constituição e a legitimação de ambientes diferenciados. Nesta perspectiva: O ambiente da sala de aula é um espaço de vida coletiva, um espaço de relações únicas e originais, semelhantes a um ecossistema para a intensificação da aprendizagem, em que os vínculos dos alunos e dos professores com o conhecimento são acentuados. Professor e alunos transformam-se e transformam o conhecimento em aprendizagem. Essa perspectiva da sala de aula como um ecossistema de aprendizagem foi proposta por Doyle (1986), apresentada por Tardif e Lessard (2005, p. 232), com as seguintes categorias: multiplicidade, imediatez, rapidez, imprevisibilidade e historicidade. (ROMANOWSKI, 2006, p. 105) Na defesa do diálogo e do espaço de vida coletiva, faz-se necessário não esquecer que existem aulas universitárias marcadas, investidas de compromissos ético-políticos, os quais não perdem de vista, em nenhum momento: [...] o espaço e tempo no qual e durante o qual os sujeitos de um processo de aprendizagem (professor e alunos) se encontram para juntos realizarem uma série de ações (na verdade interações), como, por exemplo, estudar, ler, discutir, debater, ouvir o professor, consultar e trabalhar na biblioteca, redigir trabalhos, participar de conferências de especialistas, entrevistá-los, fazer perguntas, solucionar dúvidas, orientar trabalhos de investigação e pesquisa, desenvolver diferentes formas de expressão e comunicação, realizar oficinas e trabalhos de campo (MASSETO, 2002, p. 85). 8266 Embora tenhamos aulas universitárias, investidas de pesquisa, de trocas, de relações, de convivências, também sabemos que existem aulas universitárias marcadas por preleções silenciosas, eivadas por saberes unilaterais, marcados por descritores pessoais e por suas verdades, as quais sequer podem ser questionadas, pelos que dela participam. Apesar da carência, da insegurança e da vulnerabilidade, assumidamente reconhecidas nos diferentes espaços institucionais, vale destacar o que Buarque (2003) nos lembra: que a universidade é um portal de esperança, por nos permitir compreender a encruzilhada com na qual nos defrontamos. Isso porque, mesmo sabendo que um dos caminhos nos leva a um mundo unido, enquanto outro nos conduz a um mundo socialmente cindido. Temos de conceber ideias para a criação de um futuro melhor, que venha a beneficiar toda a humanidade, com uma globalização que não inclua a exclusão social, mas que atente para a solidariedade e a justiça social. Esse processo nos faz compreender a formação de professores e os desafios que cercam a sua profissionalidade (o ser, o fazer-se professor), num nível estrutural mais amplo, como também nos permite alertar as instituições acerca do uso perverso que tem sido feito ante os discursos massivos dos saberes e das competências docentes, como se essa construção fosse apenas responsabilidade do professor. A proposição discursiva citada por si só não possibilita nem efetiva a mudança necessária, nem pode ser considerada tradutora ou única responsável pelas contradições. Faz-se necessário assumir a tarefa coletivamente uma vez que muito raramente alguém se torna competente sozinho. Dentre os espaços, tempos, processos e práticas emergentes de formação pedagógica, inicial e continuada para a educação superior, os estudos sobre a aula universitária ainda são poucos, ante a densidade e a qualidade das produções relativas à pedagogia universitária. Embora tenhamos estudos significativos e avançados sobre a profissionalização da profissão, sobre os saberes, sobre as competências, sobre as novas atitudes docentes, sobre as inovações, dentre outros olhares, a educação superior, muito recentemente, vem sendo reconhecida como direito, e não apenas como privilégio de alguns. Essas questões merecem reflexões pontuais, dentre as quais destacamos o professor que aceita o desafio dessa profissão e se dispõe a buscar/construir os saberes necessários à incursão mediativa e relacional do “fazer” a aula universitária, em contraposição ao “dar” uma aula universitária. Para melhor compreender o empirismo que reveste essa incursão, no que se refere ao ser e ao fazer-se professor universitário, as acepções, as intenções e as expectativas sobre a 8267 aula universitária, apresentamos uma contribuição de Cunha (2006), na qual a autora destaca que todos os professores foram alunos e que, na condição de alunos, somos tributários de valores, de mediações, de práticas pedagógicas, de concepções epistemológicas, de posições políticas e didáticas, as quais configuram o nosso ser e o nosso fazer-se professor. Objetiva e subjetivamente, lê-se que a nossa ação na condução, na mediação, e ou/na coordenação na aula universitária também se constitui desse mosaico. Cunha destaca ainda que a grande maioria tornou-se professor em razão dos fazeres e saberes e outros professores, os quais também são nutridos por histórias e experiências pessoais. Isso algumas vezes é legitimador do processo de naturalização da profissão, o que atualmente exige desconstrução. Dentre os desafios a serem assumidos na aula universitária em debate, têm-se a efetividade e a indissociabilidade dos processos de ensino, pesquisa e extensão, a interdisciplinaridade. A compreensão de que os processos de ensinar e aprender são alicerçados em concepções de mundo e de ciência, bem como da diversidade e da heterogeneidade nos processos de ensino e de aprendizagem. Balzan (1995) evidencia a necessidade de superação da ideia de que ensinar resume-se a dar aula, sem atribuir real valor ao modo de aquisição dos conceitos, os conhecimentos e as estruturas epistemológicas que fundamentam a ciência. Tendo em vista a superação desses e de outros problemas inerentes ao fazer a aula universitária, é essencial ter clareza de alguns desafios básicos, tais como: as finalidades que orientam a ação educativa numa perspectiva transformadora; as questões fundamentais a serem priorizadas; disciplinas e/ou referenciais que podem contribuir para se explorarem questões com os alunos; interação que garanta a interface entre os conteúdos trabalhados, orientando-os em direção ao fins pretendidos, além das peculiaridades inerentes aos processos de formação inicial e continuada, necessária aos estudantes e professores. Talvez esse seja o principal desafio da formação de professores, seja ela inicial ou continuada. No caso dos docentes universitários, quanto mais os processos de ensinar e aprender não são objeto de formação inicial, mais intensa parece ser a reprodução cultural. Certamente são eles mais vulneráveis também as influências externas, especialmente das políticas públicas, quando elas impõem padrões de qualidade aleatórios, interferindo na identidade individual e na identidade institucional. A carência do hábito de uma reflexividade sustentada por bases teóricas deixa os docentes do ensino superior mais suscetível aos modelos externos, capazes de imprimir projetos pedagógicos nem sempre explicitados e, muito menos, discutidos. (CUNHA, 2006, p. 259). 8268 Entendemos que a formação à qual a autora se refere, seja ela inicial e/ou continuada, não pode ser qualquer formação; como as que o mercado vem oferecendo, respaldado legalmente, como redentora, alimentada pela facilitação, pelo aligeiramento e pela diplomação, com a falsa garantia de que o diploma de um curso superior abrirá as portas do mercado, da vida e da felicidade. Acreditamos que a aula universitária, sobre a qual desencadeamos esse debate, precisa transcender o seu espaço cotidiano e rotineiro, adentrando os espaços profissionais específicos e não específicos, visto que novas frentes e novas incursões são necessárias. Trata-se de buscar novos espaços e novos exercícios para a docência, os quais também exigem teoria e prática, reflexão e investigação, inter-relação de disciplinas, desenvolvimento de habilidades e competências profissionais, pressupostos éticos, políticos e cidadãos. uma boa aula universitária? O que se escreve sobre a aula universitária? O que se diz sobre Nessa perspectiva, pactuamos com Fleuri (2000), ao dizer que a melhor maneira para aprender o que ainda não se sabe é fazendo perguntas. Com este intuito, indagamos: O que é ela? Que autores e/ou universidades se ocupam desta discussão? Como e através de que são publicizados os resultados das pesquisas sobre a aula universitária? Que veículos se ocupam dessa socialização? De que olhares e de que concepções são portadores? Que reflexões traduzem? Veiga, Resende e Fonseca (2000, p. 175), quando se propuseram a falar sobre a aula universitária, levaram em consideração que “[...] ela é o espaço onde o professor faz o que sabe o que sente e se posiciona quanto à concepção de sociedade, de homem, de educação, de escola, de aluno e de seu próprio papel”. Destacam também que: “A aula universitária é a concretude do trabalho docente propriamente dito, que ocorrer com a relação dialógica entre professor e alunos.” Ela é o lócus produtivo da aprendizagem, que é, também, produção por excelência (p.175). Na mesma perspectiva, perguntamos como são vistas e/ou categorizadas as boas aulas universitárias que acreditamos fazer? Em quais indicadores se aportam? Que compromissos políticos, éticos, epistemológicos as sustentam? Nossos interlocutores, neste estudo, afirmam que uma boa aula universitária e/ou uma aula significativa, na universidade, para eles é: 8269 -Aquela que promove a pesquisa e possibilita inserção no mercado de trabalho, que articula conteúdos e vida. É feita/ regida por bons professores2! -Quando o professor é conhecedor do conteúdo, possui segurança e desperta o interesse nos alunos! -Didaticamente organizada, com espaço para questionamento [...] que instiga o aluno para ir além, que objetiva a compreensão. Que ativa no aluno o interesse e a busca do conhecimento, que não apenas transmite. -É a que traz inquietação, que consegue despertar o interesse que não se encerra em si mesma. -Que desperta o interesse e estimula a presença, não só no espaço físico da sala de aula, mas institui a necessidade de outras participações e inserções; leituras, debates, seminários. -É a que promove o debate, que não abre mão do conhecimento teórico prático e que se aproxima da realidade e do mundo da profissão. -É a que cumpre possibilidade de desenvolvimento intelectual, emocional, econômico, ético e social. -É a que diz a que veio para quê serve e que justifica a importância de o estudante fazer parte dela. Inerente aos fragmentos das falas temos expectativas e perspectivas que se constituem em desafios, os quais requerem a aula como um espaço de vida, de diálogo, de trocas, de reflexões e revisões, amparadas fortemente pelas incursões do ensino, da pesquisa e da extensão, como atos e exercícios problematizadores indispensáveis a todas as profissões e as perspectivas que as cercam. Neste exercício, neste resgate crítico reflexivo, entre as múltiplas indagações, retomamos um questionamento de Sordi (1997): a aula universitária constitui-se num espaço de descoberta ou de reprodução? As falas recortadas anunciam que o desejo é de que seja um espaço de descobertas, de pesquisa, de inquietação. Seria esse desejo um indicador do respeito à curiosidade do aluno anunciada como um imperativo ético por Freire (1998)? Masetto (1992) nos fala da sala de aula como um espaço de convivência, que articula vida e realidade, como lugar de encontro, explorado pelo professor e aluno como parceiros no ato de desvelar e construir conhecimentos. Enricone (2005, p. 26) nos diz que: “A sala de aula é o lugar onde o aluno aprende a ver o mundo, onde busca algo de novo, se relaciona com as pessoas, objetos e símbolos, tem acesso à cultura formal, aos conhecimentos de conteúdos 2 Fragmentos das falas dos estudantes colaboradores deste estudo. Coletados no período de março de 2007 a março de 2009, na Disciplina de Teoria e Metodologia da Educação Superior na Unochapecó. 8270 necessários às atividades profissionais e dialoga com o mundo e consigo mesmo.” E nós o que dizemos dela, a partir dela e sobre ela? Considerando que a sala de aula na universidade e que a aula universitária que nela se desenvolve sejam o ponto de partida e/ou o ponto de chegada, e que ambas sejam síntese de múltiplas determinações, aportamo-nos em Grígolo (1990, p. 5): A sala de aula constitui-se no elemento mais simples e no mais abstrato a partir do qual se pode apreender uma instituição de ensino superior na sua totalidade e no seu movimento. É o mais simples enquanto se dá imediatamente à nossa observação, que ali pode identificar as decisões que presidem e ou animam o seu cotidiano. É o mais abstrato na medida em que a compreensão dos fenômenos que ali são percebidos não está imediatamente assegurada uma vez que, enquanto fenômenos aparentes, eles apontam para o real sem, no entanto, representá-lo na sua inteireza, no seu movimento, na sua totalidade contraditória. A universidade enquanto instância da sociedade civil desempenha um papel fundamental na elaboração e difusão da ideologia, mediante atuação dos seus agentes-cientistas, pesquisadores, pensadores, estudiosos dos vários campos do conhecimento. Todos eles, via de regra professores. Infelizmente na trajetória e na história das universidades, mais especificamente nos objetivos da sua constituição, percebemos sua estreita ligação com os sistemas produtivos, com os modos de produção, muito timidamente comprometidos com a formação cidadã dos atores de cada época. Atualmente, e mais do que nunca, a universidade precisa ser cautelosa em relação às emergencialidades do mercado. Vivemos num mundo onde os empregos nascem e morrem rapidamente. Neste contexto, a boa universidade precisa ocupar-se das carreiras que se mantenham fortes e comprometidas com o desenvolvimento humano, independentemente das “danças” estatísticas divulgadas. A universidade precisa atentar para o que existe por detrás desse vanguardismo, tanto da permanência quanto da emergencialidade, precisa atentar prioritariamente para as falsas promessas, alicerçadas em parâmetros frágeis, cujo sentido maior é ganhar dinheiro em curto prazo, e não se manter ao longo do tempo. 8271 Neste sentido falar da educação na perspectiva do futuro é, pois, tarefa cheia de riscos, mas importante. Não é irrelevante pensar que fomos educados para um mundo que não existe mais e estamos educando as novas gerações para um muito que muito brevemente será outro. Num mundo de tantas e velozes mudanças, a escola tem permanecido praticamente a mesma. Quase não nos damos conta de que nossos alunos estariam sendo preparados para postos e funções que muito em breve estarão modificados, exigindo diferentes capacitações, ou até mesmo serão simplesmente extintos. Não nos apercebemos hoje de que boa parte dos conhecimentos que ensinamos já está ultrapassada no momento mesmo do ensino ou se tornará obsoleta em poucos anos. Não temos muita clareza sobre quantas novas profissões surgiram e quantas outras desaparecerão brevemente. (SOBRINHO, 2000, p. 20). O que devemos e/ou podemos construir são indicadores e/ou referenciais do que efetivamente possa ser uma boa universidade. Assim, acredita-se que uma boa universidade seja aquela que atenta para as singularidades do seu tempo, dos seus espaços, do seu papel como agente essencial de desenvolvimento e crescimento econômico, que acima de tudo não perde de vista o ser humano que nutre e alimenta as perspectivas que a referenciam. Uma boa universidade e as singularidades e desafios que a cercam Acredita-se que uma boa universidade é aquela que considera a educação dos seus pesquisadores e inclui incondicionalmente a formação em ciências sociais humanas, da natureza e da sociedade. Uma boa universidade é a que mantém a educação e os valores que modelam os cidadãos socialmente responsáveis, principalmente em face do novo e variado perfil de estudantes. É a que se ocupa de forma responsável, ante a necessidade da diversificação que fora imposta aos diferentes países, das questões de acesso, qualidade, pertinência, internacionalização, sem perder de vista, prioritariamente, o desenvolvimento social. Nas falas dos interlocutores deste estudo há expectativas e perspectivas pontuais em relação ao que desejam de uma boa universidade. -Uma boa universidade é aquela que desenvolve projetos de pesquisa e de extensão atentos às necessidades sociais, aos desafios do mercado de trabalho, preparando o sujeito para ambas: a vida e a profissão. -É aquela que fornece condições de ensino; com corpo docente qualificado, biblioteca, laboratórios, e que tem compromisso com a formação dos seus profissionais. 8272 -É aquela que além dos conteúdos específicos da profissão se ocupa da educação, dos valores, de modo que o profissional que nela se forma faça a diferença na sociedade em que se insere. -É aquela que, além de um currículo pensado a partir das necessidades e realidades dos seus sujeitos, possibilita inserções práticas e teóricas. -É aquela que além, de apresentar entendimentos básicos sobre a área e a profissão, consiga instigar a busca permanente e o aprendizado constante. -É aquela que promove o acesso à diversidade de saberes existentes, instigando a ressignificação, possibilitando a abertura de novos caminhos. Uma boa universidade, apesar dos desafios, das contradições e das emergencialidades, ocupa-se da aula universitária como espaço, como processo, como ritual de mediação, situado num tempo-lugar, através da qual via pesquisa, ensino e extensão homologa processos diferenciados de investigação, institui atitudes de pesquisa, forja a consciência crítica e o compromisso social dos seus protagonistas: estudantes e professores. Destaca-se, ainda, que a boa universidade sempre parte de um sistema político, econômico, social, educacional, social e ideológico e, de forma ética, reconhece os mais variados interesses da época e da sociedade global e regional, posicionando-se e intervindo sobre eles. Não obstante, a boa universidade, através dos seus cursos, pares, atores, sinaliza a que veio e com quem está comprometida. -Uma boa universidade é aquela que, além de possuir estrutura física compatível com as necessidades acadêmicas e técnicas, possui estrutura de acolhimento e desenvolvimento humano, compatível com as necessidades dos mesmos. Muito mais que edificações, precisamos de humanização! -Uma boa universidade é a que está sempre atenta aos desafios que a cercam. Seguramente a estabilidade financeira é necessária, mas ela precisa socialmente ocupar-se da marginalidade social que a cerca. Vale destacar que, o que desejam os sujeitos colaboradores, reflete o desejo da sociedade e de suas instituições. Objetiva e subjetivamente isso traduz, a necessidade de mudanças urgentes na sociedade atual. 8273 [...] os cursos de economia buscam maneiras de aumentar a riqueza e, em raros casos, estudam a superação da pobreza. Os cursos de medicina estão mais interessados em não deixar que os ricos morram ou envelheçam do que evitar a mortalidade infantil. Os arquitetos se preocupam em construir mansões e edifícios para os ricos, e quase nunca pensam em soluções para os problemas habitacionais dos pobres. Os cursos de Nutrição dão mais ênfase ao emagrecer os ricos do que a engordar os pobres. (BUARQUE, 2003, p. 36). À guisa de conclusão Reitero e acredito ser a aula universitária uma possibilidade, um exercício de interlocução humana, instituída e instituinte de ações consentidas, permeadas por contradições inerentes a tempos e espaços diferenciados, amparadas num movimento epistemológico de teorias e práticas. Ainda acredito ser a aula, única e exclusivamente um processo de organização eminentemente humana, uma relação de mediação histórica e cultural, não inocente, nem tampouco neutra, porque está filiada a um sistema que influencia e que recebe influências, sistema que é parte e que gerencia a vida dos seus interlocutores. Dentre os desafios e as possibilidades que cercam o que denominamos de acepções, as intenções e expectativas sobre a aula universitária, entendo ser oportuno destacar: a aula universitária é uma das formas de nela e através dela pensar os conteúdos, os conceitos, os assuntos sob diferentes perspectivas; a existência de espaços e de tentativas de indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão; os exercícios efetivos de pesquisa como estratégia de ensino e como princípio educativo, e/ou como política por si só; os cuidados para com a sala aula, a fim de que ela seja permanentemente um lugar para a dúvida intelectual, produtora de pesquisa; da extensão como uma leitura da realidade que se constitui em matéria-prima para a construção da dúvida e o avanço tecnológico como valorizador do pensar e da capacidade de tomar decisões. Enfim, neste movimento de ir e vir, situo o que acredito ser um espaço, uma condição privilegiada de trocas, onde o protagonismo nasce e se fortalece. Essas parecem ser condições para o sentir e para assumir a sala de aula na universidade, como algo a ser feito, não como algo a ser dado, salvaguardadas as suas intencionalidades e especificidades. Compreendo e acredito ser a aula universitária um porto de passagem e de ancoragem, um espaço privilegiado no qual adentramos e no qual se efetivam inúmeras trocas, as quais decorrem de escolhas, de intencionalidades valorativas, por opções políticas, éticas, de pressupostos epistemológicos, dentre outras peculiaridades. É, pois, a aula um espaço formal 8274 e informal, institucionalizado, é expressão de conflitos, de contradições, que urge ser potencializado. Romanowski, em uma de suas falas, no texto sobre o aprender: uma ação interativa (2006, p. 119), nos diz que: “Uma aula interativa evidencia a relação entre alunos e professores o tempo todo. Porque nela o aluno pergunta, o professor explica, outro aluno estabelece uma nova relação.” Uma aula interativa tem início e não fim, embora didaticamente trabalhemos na perspectiva da mobilização, da reflexão e da síntese, “mesmo após a aula, alguns alunos ainda permanecem na sala tirando dúvidas. “É “aquele burburinho”, aquela comunicação produtiva. O “trabalho de ensinar e aprender estabelece cooperação, supera a relação distante e reduzida ao mínimo necessário.” Grillo (2006, p. 59) destaca que “a diversidade de representações pode fazer entender a aula como circunscrita a um espaço e a um tempo determinados, centrados na ação do professor, no seu conhecimento e em suas experiências.” Os diferentes olhares sobre a aula universitária, suas possibilidades e seus desafios, coadunam com a multiplicidade de possibilidades que cercam atualmente os processos educativos e os seus atores nos diferentes níveis de ensino. Vivemos na sociedade do conhecimento, porém na era da insegurança, segundo Hargreaves (2004). Nunca a diversidade se fez tão necessária! Esta breve incursão efetuada sobre o tema nos permite destacar que “O diálogo sela o ato de aprender que nunca é individual, embora tenha uma dimensão individual. O diálogo é, em si, criativo e recriativo.” (FREIRE; SHOR, 1987, p. 13-14). A deferência feita ao diálogo sinaliza em tese um processo de abertura, de rompimento com as certezas absolutas, entendendo-os e assumindo-os como verdades provisórias situadas num tempo, num espaço, num contexto, os quais nos possibilitam analisar o objeto de estudo a aula universitária- sob diferentes olhares e/ou perspectivas. Olhares e perspectivas que potencializam acertos que explicitam contradições, entraves e os novos fazeres, remetendonos a novos desafios, para muito além da aula presencial e das interlocuções que ela nos possibilita. 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