ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA Julio César Faria Couto1 Mateus Henrique Baylon e Silva2 Quésia Tamara Mirante Ferreira Villamil 3 1 Mestre em Obstetrícia pela Universidade Federal de Minas Gerais Professor de Obstetrícia da Faculdade de Medicina do Vale do Aço 2 Especializando em Radiologia e Diagnóstico por Imagem pela Clínica São Judas Tadeu. 3 Mestre em Saúde da Mulher pela Universidade Federal de Minas Gerais Ultrassonografista do CEU - Centro Especializado em Ultrassonografia Correspondência: Júlio César de Faria Couto Rua Jequitibá, 688 Horto / Ipatinga-MG. e-mail – [email protected] ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA A ultrassonografia obstétrica é um exame não invasivo e com baixa variabilidade interobservador. Sua utilização durante o acompanhamento pré-natal é recomendada por possibilitar o diagnóstico de patologias obstétricas e fetais, melhorando os resultados perinatais. A quantidade de exames ultrassonográficos necessários para um bom acompanhamento pré-natal é controverso. Nas gestações de alto risco é comum a realização de vários exames para assegurar o bem estar fetal e auxiliar na tomada de decisões clínicas. Porém, para gestações de baixo risco, as recomendações são variáveis. Existem recomendações de que, numa gestação de baixo risco, sem complicações, sejam realizadoa de um a três exames ultrassonográficos. Apesar de ser um exame isento de riscos diretos, o ultrassom obstétrico não deve ser realizado de maneira indiscriminada, pois seu uso indevido pode levar à realização de intervenções médicas desnecessárias, já que o valor preditivo positivo para a maioria dos fatores estudados não é 100%. Por isto, é importante que o médico prenatalista saiba as indicações e limitações do ultrassom obstétrico realizado em cada momento da gestação. Só assim poderá decidir, diante de cada paciente, o momento e número de exames necessários para um bom acompanhamento pré-natal. ULTRASSONOGRAFIA DO 1º TRIMESTRE A ultrassonografia na gestação inicial sofreu grande impacto com o desenvolvimento dos transdutores vaginais, por permitir a avaliação de inúmeras estruturas difíceis de serem estudadas pela via abdominal. Através deste exame, podem ser avaliados o útero (colo e miométrio) os ovários e a gestação propriamente dita: saco gestacional, trofoblasto, cavidade coriônica, vesícula vitelina e o concepto. O exame ultrassonográfico realizado no primeiro trimestre permite a confirmação da vitalidade embrionária/fetal e a datação da gravidez, além de determinar a corionicidade, principal fator para definir o prognóstico e acompanhamento em gestações múltiplas. Também possibilita o diagnóstico precoce da gravidez ectópica, além do rastreamento de cromossomopatias e o diagnóstico precoce de anomalias fetais, através da avaliação morfológica do primeiro trimestre. O primeiro achado ultrassonográfico sugestivo de gestação surge no final da 4ª semana (28º dia): a hiperecogenicidade no interior da cavidade uterina. É um sinal inespecífico, pois ocorre também no final da fase lútea e em gestações ectópicas. Próximo ao 32º dia o saco gestacional já pode ser visibilizado, apresentando-se como uma estrutura anecóica de contornos ecogênicos com diâmetro entre 2 e 4 mm. O saco gestacional cresce em média 1 mm por dia e o embrião é identificado quando o diâmetro médio do saco gestacional é de no mínimo 18 mm (Figura 1). A primeira estrutura anatômica identificada no interior do saco gestacional corresponde à vesícula vitelina, visível por volta da 5ª semana. Geralmente não ultrapassa 6 mm. Possui forma esférica, com periferia ecogênica bem definida e centro sonotransparente. Sua visibilização confirma a gravidez intra-útero e afasta a possibilidade de um pseudo-saco gestacional, sinal de gestação ectópica. O aspecto calcificado e o tamanho aumentado (> 6 mm) da vesícula vitelina estão associados a mau prognóstico gestacional. O disco embrionário é detectado quando atinge 2 mm de comprimento, o que ocorre entre 5 e 6 semanas de gestação, estando localizado próximo à vesícula vitelina (Figura 2). Ao identificar-se o embrião, observa-se, concomitantemente, os batimentos cardíacos, que obrigatoriamente devem estar presentes quando o comprimento cabeça-nádega (CCN) for igual ou superior a 5 mm. Nesta fase, os batimentos cardíacos variam entre 90 e 190 batimentos por minuto. Figura1: Saco gestacional em gestação Figura 2: Gestação de 6 semanas gemelar de 4/5 semanas. (E = embrião. VV = vesícula vitelina) Avaliação morfológica do primeiro trimestre Com o advento dos aparelhos de ultrassonografia com imagens em alta definição, tornou-se possível estudar a morfologia fetal já no 1º trimestre. Neste exame é possível avaliar o cérebro, tórax, coração, páarede abdominal, estômago, intestinos, rins, bexiga e membros. Isto permite que, no exame realizado entre 11 e 14 semanas já seja feito o diagnóstico precoce de malformações fetais graves, como gastrosquise, onfalocele, anencefalia e amelia. Para tal, é necessário, por parte do examinador, um amplo conhecimento do desenvolvimento embrionário normal. Marcadores ultrassonográficos de cromossomopatias No exame realizado entre 11 e 13 semanas e 6 dias também é realizada uma avaliação sistemática do feto visando a identificar de marcadores ultrassonográficos que permitam o cálculo do risco de cromossomopatias. Os marcadores pesquisados são: translucência nucal, osso nasal, doppler do ducto venoso, regurgitação de válvula tricúspede e ângulo fronto-maxilo facial. Utilizando estes marcadores mais a idade materna e marcadores bioquímicos (Papp-A e Beta HCG livre) é possível, através de um software, calcular o risco do feto estudado ser portador de alguma aneuploidia mesmo que a análise da morfologia fetal esteja normal. De posse do risco potencial o médico prenatalista pode, então, aconselhar sua paciente na decisão de realizar a confirmação de uma cromossomopatia através de um exame invasivo -- biópsia de vilo corial ou amniocentese -- já que estes exames não são isentos de riscos, levando a perda gestacional em cerca de 1% dos casos. Desta forma, o rastreamento de primeiro trimestre seleciona pacientes com risco aumentado de cromossomopatias, para as quais o médico assistente deve oferecer o estudo de cariótipo fetal. Os marcadores fetais avaliados com este objetivo são: 1- Translucência nucal (TN) A translucêncianucal corresponde a um acúmulo de líquido na região cervical posterior. A medida da TN deve ser realizada entre 11 e 13 semanas e 6 dias de gestação, sendo um método eficaz de rastreamento de diversas aneuploidias, particularmente, a trissomia do cromossomo 21, pois permite que 75% das gestações acometidas por esta cromossomopatia sejam identificadas. Além disso, a medida da TN também contribui para a detecção de outras anomalias cromossômicas, além de malformações cardíacas, displasias esqueléticas e de síndromes genéticas. A TN pode ser medida tanto por via abdominal quanto por via transvaginal, obtendo-se resultados similares, desde que o comprimento crânio-nádega (CCN) esteja entre 45 e 84 mm (Figura 3). Figura 3: Medida da translucência nucal em um feto de 12 semanas de gestação Vários estudos prospectivos avaliando mais de 250.000 gestações, incluindo aproximadamente 1.000 fetos com trissomia do cromossomo 21, demonstraram que a TN é medida com sucesso em mais de 99% dos casos1. Observou-se também que o risco das anomalias cromossômicas aumenta em gestantes com idade materna avançada (acima de 35 anos) e com o aumento da espessura da TN 2 . A TN, quando utilizada como método de rastreamento para anomalias cromossômicas identifica de 75 a 80% dos fetos com trissomia do cromossomo 21 e outras cromossomopatias, com uma taxa de falso-positivo de 5%. Osso nasal A não visualização do osso nasal no primeiro trimestre é também um marcador de cromosomopatia. Isso ocorre devido a uma hipoplasia ou atraso na calcificação da estrutura óssea do nariz. O osso nasal não é visível em 2 a 3% dos fetos cromossomicamente normais, 60% a 70% dos fetos com trissomia do cromossomo 21, em cerca de 50% dos fetos com trissomia do cromossomo 18 e em 30% dos fetos com trissomia do cromossomo 132. (Figura 4) Figura 4: Avaliação do osso nasal no primeiro trimestre da gestação Doppler do ducto venoso O ducto venoso é um shunt que direciona o sangue fetal oxigenado da veia umbilical para a circulação coronária e cerebral, desviando o sangue oxigenado preferencial pelo forâmen oval do átrio direito para o átrio esquerdo. O fluxo sangüíneo no ducto venoso apresenta onda característica de alta velocidade durante a sístole (onda-S) e a diástole ventriculares (onda-D), e contínuo durante a contração atrial (onda-a). (Figura 5) O aumento da impedância do fluxo sangüíneo no ducto venoso, entre a 11a e 14a semana de gestação é manifestado pela “ausência da onda a” ou pela “onda a reversa”. O fluxo anormal no ducto venoso (onda-a ausente ou reversa) é observado em 5% dos fetos cromossomicamente normais e em cerca de 80% dos fetos portadores de trissomia do cromossomo 21. Além disso, está associado a malformações cardíacas e desfecho desfavorável da gestação3. Figura 5: Dopplervelocimetria normal do ducto venoso Regurgitação da válvula tricúspide Tem sido observada uma relação entre a regurgitação da válvula tricúspide e o aumento na prevalência de anomalias cromossômicas. Os estudos realizados sobre este tema demonstraram que a ultrassonografia realizada entre 11 e 13 semanas e 6 dias de gestação diagnosticou a regurgitação da tricúspide em 2 a 3% dos fetos cromossomicamente normais e em 60 a 70% dos fetos com trissomia do 214 (Figura 6). Esses estudos também observaram que a prevalência da regurgitação da tricúspide cresce com o aumento da espessura da TN e na presença de outros defeitos cardíacos, mas diminui com a evolução da gestação4,5. Figura 6: Presença de regurgitação tricúspide em um feto normal de 12 semanas de gestação Ângulo frontomaxilo-facial O perfil plano é uma das características dos fetos portadores da trissomia 21. Essa característica decorre da hipoplasia maxilar e nasal presentes nesses fetos. O comprimento maxilar dos fetos portadores da trissomia 21 é mais curto quando comparado aos fetos cromossomicamente normais. Entretanto, a diferença entre as medidas encontradas é pequena para ser clinicamente avaliada. Um novo método, denominado ângulo frontomaxilo-facial (FMF), avalia de forma mais objetiva a face plana fetal6,7. O ângulo FMF é definido como o ângulo entre a superfície cranial do maxilar e o osso frontal obtido no corte de perfil do feto no plano sagital médio (Figura 6 ). Em mais de 60% dos fetos portadores da trissomia 21 entre a 11a e a 13a semana e seis dias de gestação, o ângulo FMF encontra-se acima do percentil 95. O aumento do ângulo FMF parece ser decorrente da posição do maxilar em relação ao osso frontal. Figura 6: Medida do ângulo frontomaxilo-facial ULTRASSONOGRAFIA DO 2º TRIMESTRE A partir do segundo trimestre, outros parâmetros são como a placenta, volume de líquido amniótico, cordão umbilical e o comprimento do colo uterino. Além disto, no segundo trimestre é possível realizar o estudo da morfologia fetal, que permite a avaliação anatômica e estrutural do feto. Estudo da morfologia fetal (20 a 24 semanas) As malformações congênitas constituem uma das dez principais causas de mortalidade infantil. A importância das malformações congênitas como causa de óbito é maior quanto menor a mortalidade infantil. Estudos de morbidade em crianças indicam que as enfermidades genéticas e os defeitos congênitos representam 10-25% das internações em estabelecimentos de assistência terciária em alguns centros urbanos da América Latina8. O estudo da morfologia fetal deve ser realizado entre 20 e 24 semanas. Por apresentar alta sensibilidade no diagnóstico de malformações fetais, possibilita melhor planejamento de condutas obstétricas e programação de procedimentos diagnósticos e terapêuticos fetais, quando necessários. Além disto, o diagnóstico de malformações fetais permite o planejamento, pela equipe médica e pela família envolvida, das questões relativas ao parto e primeiros cuidados com o recém-nascido que possa necessitar de terapias intensivas e especiais. Embora algumas mulheres estejam no grupo de "alto-risco" para malformações e aneuploidias fetais, quer pela história familiar, exposição de agentes teratogênicos ou infecções, a grande maioria das anomalias fetais ocorrem no grupo de "baixo-risco" (mulheres sem qualquer história anterior). Conseqüentemente, o exame ultrassonográfico morfológico deve ser oferecido rotineiramente para todas as mulheres gestantes. Sistematização do exame morfológico O exame morfológico tem como objetivo avaliar a formação dos diversos órgãos e estruturas fetais. Para que tal objetivo seja alcançado são necessários um equipamento que apresente imagem em alta definição além de um operador experiente e com amplo conhecimento da anatomia fetal. Apresentamos a seguir um modelo de sistematização do exame morfológico fetal. 1- SISTEMA NERVOSO CENTRAL O estudo da anatomia do sistema nervoso central é de extrema importância não só pela incidência de malformações, mas também pela repercussão dessas alterações em relação à sobrevida e a futura função social do indivíduos. A incidência média de malformações do sistema nervoso central é de aproximadamente 1:100 conceptos9. A avaliação ultrassonográfica do sistema nervoso central permite estudar com mais detalhes estruturas fetais como coluna vertebral, ventrículos laterais, plexo coróide, cavidade do septo pelúcido, tálamo, corpo caloso, pedúnculos cerebrais e fossa posterior. Figura 7: Corte axial do crânio mostrando a medida do ventrículo lateral C Figura 8: Corte axial do crânio mostrando a medida do cerebelo (A), cisterna magna (B) e prega nucal (C) A B C Figura 9: Corte sagital do crânio mostrando o corpo caloso (A), tálamo (B) e cerebelo (C) 2- SISTEMA CARDIOVASCULAR As cardiopatias congênitas estão entre as malformações mais comuns. e são as principais causas de óbito infantil por malformações congênitas, sendo responsáveis por cerca de um terço das mortes nesse grupo específico10. No estudo morfológico o coração é avaliado em diversos planos. Inicialmente é realizado o corte das quatro câmaras onde se avalia a presença das quatro câmaras cardíacas, bem como sua simetria (Figura 10), além da inserção das válvulas átrioventriculares. Identifica-se ainda o forame oval que deve estar patente, comunicando o átrio direito ao átrio esquerdo. Em seguida é realizada a avaliação do septo interventricular (Figura 10) e das vias de saída dos ventrículos. A aorta pode ser identificada saindo do ventrículo esquerdo e formando o arco aórtico (Figuras 11 e 12) e o tronco da artéria pulmonar é visto a partir do ventrículo direito (Figura 13). Figura 10: Corte de quatro câmaras (AD: átrio direito, AE: átrio esquerdo, VD: ventrículo direito, VE: ventrículo esquerdo) Figura 11: Corte mostrando a saída da aorta a partir do ventrículo esquerdo (AE: átrio esquerdo, VE: ventrículo esquerdo, AO: aorta) Figura 12: Arco aórtico Figura 13: Corte mostrando a saída do tronco pulmonar a partir do ventrículo direito (AD: átrio direito, VD: ventrículo direito, AO: aorta, TO: Tronco pulmonar, AP: artéria pulmonar, CA: canal arterial) 3- TÓRAX FETAL A avaliação do tórax pode ser feita por vários planos que devem observar fundamentalmente o tamanho e a forma da caixa torácica além de estudar a ecogenicidade dos pulmões. Durante a vida fetal os pulmões não estão inflados e são visibilizados como estruturas sólidas que ocupam o espaço entre o coração e a caixa torácica. Sua ecogenicidade varia conforme a idade gestacional: à medida que a idade gestacional aumenta, os pulmões se tornam mais hiperecogênicos que o fígado. 4- SISTEMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO A avaliação dos membros fetais é de extrema importância tendo em vista a incidência das displasias ósseas, que são um grupo de alterações do desenvolvimento que afetam tanto os ossos quanto as cartilagens. São raras, com uma prevalência aproximada de 1/10.000 nascimentos e incluem mais de 175 doenças que possuem formas diversas de manifestações. A gravidade da doença varia de alterações esqueléticas menores até condições que são letais intra-útero ou logo após o nascimento. A avaliação dos membros consiste na biometria e análise morfológica de todos os ossos longos fetais, que incluem o fêmur, o úmero, a tíbia e a fíbula (Figuras 14 e 15). Além disso, também são avaliados o posicionamento das mãos e dos pés para o diagnóstico de possível pé torto ou mão torta congênita (Figura 16). Figura 14: Corte mostrando o fêmur e o úmero Figura 15: Corte mostrando a avaliação dos ossos longos Figura 16: Corte mostrando o posicionamento do pé fetal 5- APARELHO DIGESTIVO A integridade da parede abdominal pode ser demonstrada pela identificação da inserção do cordão umbilical por corte sagital mediano ou transversal. A porção superior do abdome é composta pelo diafragma. Este músculo pode ser identificado como uma linha hipoecogênica que separa a cavidade torácica da abdominal em corte sagital do feto. O fígado pode ser avaliado conforme sua ecogenicidade e localização (Figura 17).. O baço é identificado em corte transversal do abdome como uma estrutura sólida e hipoecogênica em relação aos demais órgãos intra-abdominais. Está localizado póstero-lateralmente em relação ao estômago (Figura 17). A vesícula biliar é visibilizada em corte transversal como uma estrutura alongada localizada entre os lobos hepáticos (Figura 18). Os intestinos estão localizados na região central do abdome e não podem ser diferenciados antes da 28ª semana de gestação. E B F Figura 17: Corte transversal do abdome fetal mostrando o estômago (E), fígado (F) e baço (B) F Figura 18: Corte transversal do abdome fetal mostrando o fígado (F) e a vesícula biliar fetal. 6- TRATO URINÁRIO Os rins fetais podem ser identificados a partir da 12ª semana de gestação (via vaginal) ou 14ª semana (via abdominal). Com 20 semanas os dois rins são identificados em pelo menos 90% dos casos. Estão localizados logo abaixo do estômago, bilateralmente e anterior à coluna (Figuras 19 A e B e Figura 20). a. Os ureteres não são visibilizados em condições normais à ultrassonografia. A bexiga pode ser identificada desde o primeiro trimestre e deve ser avaliada quanto ao seu volume e espessura da parede. Figura 19A: Corte longitudinal do rim fetal Figura 19B: Corte longitudinal do rim fetal Figura 20: Desenho esquemático do corte transversal do rim fetal 7-FACE O estudo da face é indispensável e deve imperativamente ser realizado entre 20 e 24 semanas de gestação e permite avaliar: (Figuras 21 a 23) 1. O aspecto global 2. Estudo específico: a. Órbitas, cristalino, pupilas b. Fossas nasais e narinas c. Lábio superior e inferior d. Maxilar, língua e orofaringe e. Orelhas 3. Aspectos funcionais: movimentos de sucção, deglutição, movimentos oculares. 4. Biometria: avaliação das órbitas e medida do osso nasal. A análise da face dificilmente é dissociada do estudo do encéfalo tendo em vista que um grande número de dismorfirmos faciais encontra-se associada a malformações cerebrais. As anomalias da face possuem um interesse especial no rastreamento de polimalformações complexas. O estudo da face deve ser realizado paralelamente ao do encéfalo e das extremidades, tendo em vista a associação freqüente dessas malformações. N L Figura 21: Corte mento-naso mostrando os lábios (L) e o nariz fetal (N) Figura 22: Corte de perfil da face fetal Figura 23: Avaliação das órbitas fetais Marcadores ultrassonográficos de cromossomopatias do segundo trimestre Como a sensibilidade do rastreamento de cromossomopatias no primeiro trimestre não é 100%, o estudo morfológico detalhado no segundo trimestre pode diagnosticar aneuploidias naquelas pacientes que tiveram o rastreamento de primeiro trimestre normal. São vários os marcadores ultrassonográficos de aneuploidias detectados no exame realizado no segundo trimestre. Listamos os mais utilizados nos quadros abaixo: Quadro 1 – Marcadores ultra-sonográficos associados à Síndrome de Down Crescimento intra-uterino restrito Ventriculomegalia leve Cisto de plexo coróide Aumento da prega nucal (> 15 semanas) Higroma cístico Foco ecogênico intracardíaco Defeitos cardíacos congênitos Hiperecogenicidade intestinal Atresia duodenal (“sinal da dupla-bolha”) Dilatação da pelve renal Fêmur e/ou úmero curtos Aumento do ângulo do osso ilíaco Clinodactilia e hipoplasia do 5o dedo. Aumento do espaço entre 1o e 2o dígitos Artéria umbilical única Quadro 2 – Marcadores ultra-sonográficos associados a trissomia 13 crescimento intra-uterino restrito Microcefalia Holoprosencefalia anoftalmia/microftalmia fenda palatina defeitos cardíacos Onfalocele rins policísticos genitália ambígua hipoplasia da pelve Camptodactilia polidactilia translucência nucal aumentada Quadro 3 – Marcadores ultra-sonográficos associados a trissomia 18 Crescimento intra-uterino restrito Cistos de plexo coróide Aumento da fossa posterior Micrognatia hipertelorismo Mão fletida c/ dedo indicador sobreposto Pé torto congênito Dilatação pélvica renal Defeitos cardíacos Artéria umbilical única Polihidramnia Translucência nucal aumentada Quadro 4 – Marcadores ultra-sonográficos associados a Síndrome de Turner Crescimento intra-uterino restrito Higroma cístico Derrame pleural Ascite Defeitos cardíacos – coarctação da aorta Rim em ferradura Fêmur curto Avaliação do comprimento cervical A medida do comprimento do colo é clinicamente útil por ser um fator preditor do trabalho de parto prematuro. Sendo assim, deve ser realizado com 20 a 24 semanas nas mulheres de baixo risco. Nas pacientes com alto risco de parto prematuro (com história prévia de parto prematuro ou portadoras de anomalias uterinas como útero unicorno), o comprimento cervical deve ser medido a cada duas semanas entre 14 e 24 semanas. A média da medida cervical normal é de 3,6 cm. O risco de parto prematuro é inversamente relacionado ao comprimento cervical e aumenta exponencialmente quando o comprimento cervical é menor que 1,5 cm. Em gestações gemelares o valor de corte é de 2,5 cm11. ULTRASSONOGRAFIA DO 3º TRIMESTRE A realização de ultrassonografia obstétrica no terceiro trimestre pode melhorar a sensibilidade do método, pois algumas anomalias como o encurtamento dos ossos longos e alterações causadas por infecções congênitas (microcefalia, ventriculomegalia) são mais bem detectadas em fases mais avançadas da gestação. Nesta fase o exame também permite diagnosticar e acompanhar alterações do crescimento fetal e do líquido amniótico, bem como estudar a placenta, o cordão umbilical e a estática fetal, que pode auxiliar na decisão da via do parto. Volume do líquido amniótico Seu estudo é particularmente importante a partir da 20ª semana de gestação uma vez que, a partir deste período, a epiderme do fetal encontra-se queratinizada, e a produção do líquido amniótico, em grande parte é resultado da diurese fetal. Apenas uma pequena parte se tem origem na secreção do trato gastrorrespiratório, transpiração e difusão do âmnio. Sua reabsorção ocorre pela deglutição fetal. Sua avaliação pode ser feita de forma subjetiva ou baseada em métodos quantitativos. A avaliação subjetiva depende da experiência do examinador sendo mais difícil sua comparação entre diferentes observadores. Os métodos quantitativos são mais utilizados e se baseiam na medida do maior bolsão e na determinação do índice de líquido amniótico (ILA). O achado de maior bolsão entre 2 e 8 cm é considerado normal. Para o ILA, o valor normal situa-se entre 5 e 25 cm. O diagnóstico de oligodrâmnio é feito quando o resultado é menor ou igual a 5 cm e polidrâmnio quando maior ou igual a 25 cm. Existem, ainda, curvas de normalidade para o ILA de acordo com a idade gestacional. Desta forma, o achado de um ILA abaixo do percentil 10 caracteriza oligodrâmnio e acima do percentil 90 polidrâmnio. Avaliação placentária A placenta é uma estrutura de forma arredondada e discóide. Sua avaliação ultrassonográfica consiste na observação de sua localização, espessura e grau de maturidade (Figura 24). A localização da placenta corresponde à sua posição na cavidade uterina. Pode ser classificada como fúndica, anterior, posterior, lateral ou prévia. A placenta é descrita como prévia quando qualquer parte dela está implantada sobre o segmento inferior do útero. Desta forma, pode ser subclassificada em: marginal (quando a borda inferior da placenta margeia o orifício interno do colo uterino), centro parcial (quando a borda inferior ultrapassa o orifício interno do colo uterino, porém, não recobre) ou centro total (quando a borda inferior da placenta recobre totalmente o orifício interno do colo uterino). A espessura da placenta é obtida por meio da medida a partir da placa basal até a placa corial, no ponto da inserção do cordão umbilical. Ela aumenta continuamente com a evolução da idade gestacional e costuma estar alterada na presença de infecções perinatais. O grau de maturidade pode ser obtido pela avaliação da extensão de calcificação da placenta e expresso através de um escore que varia de 0 a III (escore de Grannum). O grau 0 designa uma placenta homogênea, sem calcificação; o grau I, presença de pequenas calcificações intraplacentárias; o grau II , de calcificações na placa basal; e no grau III observa-se compartimentação da placenta pela presença de calcificação da placa basal à coriônica. Apesar de existir uma associação entre o grau de calcificação placentária com a maturidade pulmonar fetal, a classificação em graus de maturidade não é mais usada para predizer maturidade fetal e por isto não deve ser usada com fins de avaliação fetal. De fato, inexistem evidências científicas que comprovem benefícios da classificação de Grannum no acompanhamento pré-natal e na tomada de decisões obstétricas. Figura 24: Avaliação da placenta Cordão Umbilical O cordão umbilical é formado por três vasos: duas artérias e uma veia, que podem ser visibilizados simultaneamente em corte transverso. O emprego do Doppler colorido em corte longitudinal e principalmente transversal ao nível da bexiga permite a visibilização das duas artérias umbilicais margeando a bexiga (Figura 25). É extremamente importante a visualização da inserção do cordão na placa placentária, pois inserções velamentosas de cordão (distante da superfície da placenta) estão associadas a risco aumentado de vasa previa, quando os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior uterino, colocando-se à frente da apresentação. A morfologia do cordão deve ser analisada em corte longitudinal, com observação de seu aspecto espiralado típico. Além do exame das inserções no abdome fetal e na placenta, é necessário o exame da alça livre do cordão em seus diferentes segmentos para afastar a presença de cistos ou massas. Figura 25: Avaliação do cordão umbilical Avaliação do crescimento fetal O crescimento fetal pode ser adequadamente avaliado através da realização de ultrassonografias seriadas, com intervalo mínimo de duas semanas, verificando se a evolução das medidas efetuadas foi normal para o período. O peso fetal é calculado através de equações realizadas pelo próprio aparelho de ultrassom, que para isto utiliza as medidas biométricas fetais fornecidas pelo examinador. Valores de peso fetal estimado abaixo do percentil 10 ou acima do percentil 90 são consideradas anormais e impõem a suspeita de crescimento intra uterino restrito ou macrossomia fetal, respectivamente. Determinação da idade gestacional De maneira geral, a variação biológica tende a aumentar com o decorrer da gestação, influenciando na determinação da idade gestacional. A determinação da idade gestacional tem menor margem de erro quando realizada no primeiro trimestre não sendo o ultrassom obstétrico de terceiro trimestre um método indicado para o cálculo de idade gestacional. Se o ultrassom de terceiro trimestre for utilizado para cálculo de idade gestacional, os centros de ossificação de ossos longos podem fornecer uma acurácia melhor que a biometria, pois aparecem em uma idade gestacional determinada. O centro de ossificação distal do fêmur surge na 32ª semana, o centro de ossificação proximal da tíbia, entre a 35ª e a 36ª semanas e o proximal do úmero, em torno da 37ª e 38ª semanas. DOPPLERFLUXOMETRIA A dopplerfluxometria é uma ferramenta que, quando bem indicada, acrescenta dados relevantes na tomada de decisões que beneficiem a gestante e o feto, pois pode revelar importantes quesitos da fisiologia fetal e placentária. Através da análise espectral Doppler é possível medir a velocidade do fluxo da coluna sanguínea naquele momento do ciclo cardíaco, aferindo a altura da onda estudada. Dois valores são utilizados em obstetrícia: o pico sistólico máximo, representativo da velocidade sistólica máxima no centro do vaso, e a velocidade diastólica final mínima, parâmetros que possibilitam calcular o grau de resistência (impedância) ao fluxo sanguíneo. Diversos índices foram criados para mensuração da impedância ao fluxo nos vasos sanguíneos: 1- Índice de resistência (Pourcelot): revela a relação entre a velocidade máxima na sístole e a velocidade mínima na diástole. Quanto menor o índice, menor a resistência ao fluxo sanguíneo. Seus valores variam de 0 a 1, situação de resistência máxima ao fluxo medida pelo índice, caracterizado por velocidade zero de fluxo ao final da diástole. 2- Índice de pulsatilidade (Gosling): Relaciona as velocidades máximas durante a sístole, mínima durante a diástole e a velociade média durante o ciclo cardíaco. Os valores são progressivamente maiores quando há elevação da impedância de fluxo na coluna sanguínea. Como não possui limite superior possibilita a avaliação da impedância frente a condiuções de fluxo diastólico ausente ou negativo. 3- Relação S/D (Stuart): É a razão simples entre a freqüência de fluxo máximo na sístole pela menor freqüência durante a diástole. Mostra valor infinito na vigência de fluxo diastólico, elevando sua percentagem de erro à medida que se eleva a impedância. Vasos são os vasos sanguíneos passíveis de estudo em um exame obstétrico. Porém muitos ainda estão sendo estudados e não existe consenso sobre o real significado dos resultados encontrados. Na atualidade, três vasos são estudados na rotina da dopplerfluxometria obstétrica: ARTÉRIAS UTERINAS O adequado desenvolvimento da circulação útero-placentária é fundamental para um resultado obstétrico favorável. Após a 12ª semana de gestação inicia-se a chamada “segunda onda de invasão trofoblástica”, caracterizada pela invasão miometrial das artérias espiraladas. Este processo se finaliza por volta da 26ª semana de gestação, quando o trofoblasto substitui o endotélio vascular e se estabelece na camada muscular média. O sucesso desta invasão permite que o tecido elástico e muscular seja substituído por material fibrinóide, aumentando o diâmetro vascular. Com isto, ocorre diminuição da resistência vascular placentária, que é observado através da diminuição do índice de resistência nas artérias uterinas com o evoluir da gestação. Entretanto, quando há patologias como a pré-eclâmpsia, onde a migração trofoblástica é inadequada, a resistência nas artérias uterinas mantém-se alta. O formato da onda também fornece dados relevantes sobre a placentação. A incisura proto-diastólica, considerada fisiológica na mulher não grávida e no início da gravidez, desaparece normalmente entre a 20ª e 26ª semanas. Entretanto, a persistência da incisura proto-diastólica pode ser observada após esta fase, e significa risco aumentado para doenças como CIUR, pré-eclâmpsia e descolamento prematuro de placenta. A relação S/D (sístole/diástole) na artéria uterina placentária também pode ser utilizada e valores acima de 2,6 sugerem placentação insuficiente (Figura 26). Figura 26: Desenho da onda de fluxo da artéria uterina ARTÉRIA UMBILICAL O estudo dopplerfluxométrico da artéria umbilical (AU) permite analisar a função placentária. A diminuição da vascularização nas vilosidades terciárias da placenta é acompanhada por aumento da resistência na AU. Além disto, existe correlação linear entre a elevação do índice de pulsatilidade na artéria umbilical e a redução do número médio de arteríolas por campo microscópico, na placenta (Figura 27). O comprometimento da oxigenação fetal, que acontece em patologias como CIUR e insuficiência placentária, pode ser estudado através do índice de resistência da AU, que se torna progressivamente maior com a progressão da hipóxia fetal. Outro parâmetro avaliado é o fluxo diastólico na AU, que diminui na presença de hipóxia, podendo chegar a zero ou até a valores negativos (fluxo reverso), em casos graves. Cerca de 10% das gestações são afetadas pelo CIUR, cuja principal causa é a insuficiência placentária. Desta maneira, o Doppler de artéria umbilical deve ser realizado em todas as gestações com suspeita de insuficiência placentária. Diante de fluxo diastólico reduzido, ausente ou reverso é recomendada interrupção da gestação. Figura 27: Desenho da onda de fluxo da artéria umbilical ARTÉRIA CEREBRAL MÉDIA Vários estudos demonstraram que a hipoxemia fetal está associada à redistribuição do fluxo sanguíneo corpóreo, privilegiando áreas consideradas nobres, como o cérebro, miocárdio e adrenais, em detrimento de regiões menos necessárias na vida intra-uterina, como tegumento, intestinos e rins, um fenômeno descrito como “centralização de fluxo”. Quando ocorre hipoxemia fetal é observado, progressivamente, aumento da impedância vascular na artéria umbilical, associado à diminuição da impedância na artéria cerebral média. A relação entre a AU e a ACM é estudada através do índice umbilico-cerebral (UC), calculado pela divisão do índice de resistência das duas artérias: Índice U/C = IR AU IR ACM Se a resistência na AU se torna maior que a resistência na ACM o Índice U/C apresenta valores maiores que 1,0. Isto significa que existe centralização do fluxo e sugere presença de hipóxia fetal grave. O Doppler da ACM também é um preditor da anemia fetal (Figura 28). A medida do pico sistólico sinaliza a presença anemia fetal, devendo ser usado no acompanhamento de gestações complicadas com isoimunização fetal. Figura 28: Desenho da onda de fluxo da artéria cerebral média REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Nicolaides KH. First-trimester screening for chromosomal abnormalities. Semin Perinatol. 2005;2:190-4. 2. Nicolaides KH. Nuchal translucency and other first-trimeste sonographic markers of chromosomal abnormalities. Am J Obstet Gynecol. 2004;191:45-67. 3. Borrell A, Gonce A, Martinez JM, Borobio V, Fortuny A, Coll O, et al. Firsttrimester screening for Down syndrome with ductus venosus Doppler studies in addition to nuchal translucency and serum markers. Prenat Diagn. 2005;25:901-5. 4. Falcon O, Auer M, Gerovassili A, Spencer K, Nicolaides KH. 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