Rodrigo Gonçalves Ramos de Oliveira
Sócio do Bastos & Oliveira Advogados
O EFEITO TRANSLATIVO NOS RECURSOS
1 CONCEITO DE EFEITO TRANSLATIVO
O efeito translativo tem origem no Princípio Inquisitório1 diferentemente
do efeito devolutivo que tivera origem no Princípio Dispositivo2. Para o Professor
Nelson Nery Júnior, o efeito devolutivo ao ultrapassar sua extensão assinala efeito
autônomo denominado de efeito translativo3.
Quando o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar
fora do que consta das razões ou contrarrazões do recurso – nesse caso não
se pode falar em julgamento extra, ultra ou citra petita – ter-se-á o efeito
translativo. Isso ocorre nas questões de ordem pública, as quais devem ser
conhecidas de ofício pelo juiz e a cujo respeito não se opera a preclusão. 4
Nesse sentido, entende-se que o efeito translativo consiste na
apreciação pelo juízo ad quem conhecer de ofício matérias de ordem pública não
arguidas pelas partes, exemplo é o exposto no art. 267, § 3º e art. 301, § 4º do Código
de Processo Civil Brasileiro (CPC), in verbis:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
(...)
§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição,
enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns.
IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que
Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.
(...)
Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
§ 4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da
matéria enumerada neste artigo.
Essas questões, ainda que não apreciadas pelo juízo a quo, ficam
1
O princípio inquisitivo caracteriza-se pela liberdade da iniciativa conferida ao juiz, tanto na instauração
da relação processual como no seu desenvolvimento, para que ele possa assim descobrir a verdade
real dos fatos independente das partes e de suas vontades.
2 O princípio dispositivo caracteriza-se por atribuir as partes toda à iniciativa, seja na instauração do
processo, seja no seu impulso, portanto a função do juiz no processo passa a ser de mero espectador
3 Nery Júnior, Nelson. Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 415.
4 Nery Júnior, Nelson. Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 415.
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transferidas ao tribunal destinatário do recurso, porquanto o efeito translativo extraído
da norma infralegal.
No entanto, há quem sustente que a norma supracitada possui
característica de efeito devolutivo, notadamente no que tange a sua profundidade
(dimensão vertical), a qual tem o condão de levar ao conhecimento do órgão julgador
todas as questões e fundamentos, mesmo que não impugnados pelo recorrente. 5
Nesse sentido, Luiz Orione Neto entende que se trata de efeito
devolutivo não somente por ter sua gênese no Princípio Dispositivo, mas, também, no
Princípio Inquisitório no que tange a manifestação em relação às questões que podem
ser conhecidas de ofício e a qualquer tempo e grau de jurisdição.6
Portanto, o efeito translativo é o poder dado ao juiz – na instância
recursal, por força de lei – para examinar de ofício as questões de ordem pública não
sustentadas pelas partes, sendo que isso se dá em virtude do Princípio Inquisitório e
não pelo Princípio Dispositivo, do qual é corolário o efeito devolutivo.
2 EFEITO TRANSLATIVO NOS RECURSOS EXCEPCIONAIS
Em se tratando de Recurso Especial, apenas dois efeitos são
visivelmente perceptíveis: o devolutivo e o suspensivo. Contudo, nasce no estudo
jurídico a necessidade de verificar a possibilidade da aplicação do efeito translativo a
esses recursos.
Quanto à admissão do efeito translativo ao recurso especial, é
necessário salientar que o processo civil se alicerça basicamente em dois princípios:
o do dispositivo e o da inércia. Assim, como regra geral, é o recorrente que restringe
a finalidade da sua razão de inconformismo, mencionando expressamente quais são
os conflitos a serem reexaminados pelo órgão revisor.
5
Nesse sentido Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, 11. ed. p. 523 e
Flávio Cheim Jorge, Teoria Geral dos Recursos Cíveis. p. 253
6 ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 130.
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Barbosa Moreira ensina que o efeito devolutivo deve ser interpretado por
sua extensão (horizontal) e profundidade (vertical)7. Todavia, o efeito translativo, não
se confunde com o efeito devolutivo pela profundidade, pois enquanto este último
reside na possibilidade de exame de todos os elementos do processo, aquele trata
tão-somente das matérias de ordem pública. Ocorre que a translação dessas
questões ao juízo ad quem está autorizada nos art. 515, § 1º e § 2º e art. 516 do
CPC8.
A translatividade do recurso é também efeito natural, visto que cabe ao
Judiciário a obrigação de prolatar decisório sobre o suscitado; entretanto, para decidir,
tem o órgão revisor de verificar nos autos se restou alguma questão de ordem pública
a ser analisada.
O efeito translativo atua de forma que o juízo possa analisar – em cada
caso – se foram atendidas algumas exigências de ordem processual para que se
possa produzir um resultado juridicamente válido.
Nesse sentido, verifica-se que o efeito translativo atua em relação às
matérias de ordem pública no aspecto processual e não no aspecto material.
Em relação ao Recurso Extraordinário, a súmula 356 do STF9, é
embaraço ao efeito translativo suscitado a partir do art. 267, §3º e art. 301, § 4º, CPC.
No Recurso Extraordinário, as situações previstas no art. 301 do CPC
só podem ser reapreciadas se forem objeto de prequestionamento necessário e
decisão anterior, porque tais questões são de natureza pública.
Esse é o entendimento para não aplicar o efeito translativo aos recursos
excepcionais. Argumenta-se que tais apelos, por serem de fundamentação vinculada,
7
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro,
Forense, 2003. v. V.
8 Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1o Serão, porém,
objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo,
ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de
um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento
dos demais.
Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não
decididas.
9 Súmula 356. O ponto omisso da decisão sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios,
não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.
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não permitiriam o controle de questões de ordem pública não prequestionadas, só
admitindo o controle objetivo da Constituição e da legislação federal que tiverem sido
prequestionadas no juízo a quo.10
Esse é o entendimento do professor Marinoni11 que afirma:
Vale dizer que os tribunais superiores, no exame dos recursos especial e
extraordinário, não podem examinar questões de ordem pública, salvo se
tiverem sido prequestionadas no julgamento recorrido.
No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara12 ensina:
A impossibilidade de conhecer de questões que não tenham sido objeto de
decisão expressa pelo órgão a quo impede, até mesmo, que o STJ e o STF,
quando do julgamento dos recursos aqui considerados, apreciem questões
de ordem pública que poderiam ser examinadas de ofício (como as condições
da ação e os pressupostos processuais), mas que não tenham sido alvo de
prequestionamento.
Além de o prequestionamento ser objeto de justificativa, há de se
observar o expresso na Carta Constitucional, no art. 102, III, que suscita causas
decididas em única ou última instância, o que não ocorreria quando o acórdão de 2ª
instância nada dissesse sobre as matérias de ordem pública de natureza processual.
Pelo exposto, defende-se que o prequestionamento só teria relevância
no momento do juízo de admissibilidade e que após o tribunal superior ter o
conhecimento do recurso, este ficaria livre para aplicar o direito, inclusive matérias de
ordem pública que não foram prequestionadas.
Sendo assim, não seria admissível a aplicação dos dispositivos
colacionados do CPC (art. 267, §3º e art. 301, §4º), uma vez que os vícios relativos
às matérias de ordem pública foram analisados nos recursos excepcionais, porque,
desse modo a Constituição estaria a exigir manifestação expressa na decisão
recorrida.
Por outro lado, parte da doutrina entende que vencido o juízo de
10
AGUIAR, Filipe Silveira; LEAL, Pedro Henrique Peixoto. Efeito translativo nos recursos
extraordinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1455, 26 jun. 2007. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10016>. Acesso em: 03 de junho de 2009.
11 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5a
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 574.
12 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil v. II. 8a ed. São Paulo: Lumen Juris,
2004.
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admissibilidade, os tribunais poderiam conhecer das matérias de ordem pública, ainda
que não decididas pela decisão recorrida.
Contudo, a tese que se perfilha tanto na doutrina como na jurisprudência
é a de não ser cabível a aplicação do efeito translativo nos recursos excepcionais,
porque esses recursos são baseados em características próprias assinaladas na
Constituição.
O principal argumento de que se valem os autores que negam a
possibilidade de se aplicar o efeito translativo no âmbito dos recursos extraordinários
lato sensu é a sua regência que se encontra na Carta Magna e consoante isso, não
há previsão para superar esses requisitos em favor do efeito translativo. Decorre
assim, o entendimento de que esses recursos são de fundamentação vinculada à
Constituição, ao passo que os recursos ordinários: apelação, embargos de
declaração, embargos infringentes, agravo de instrumento, são regulamentados pelo
próprio CPC, sujeitando as regras do dispositivo que enseja a concepção do efeito
translativo.
Portanto, o efeito translativo está presente nos recursos ordinários, mas
não nos recursos excepcionais, isso porque, nesses últimos há fundamentação
vinculada. A inocorrência do efeito translativo nos recursos excepcionais decorre do
próprio texto constitucional, ao preconizar serem cabíveis das causas decididas pelos
tribunais inferiores (arts. 102, III, e, art. 105, III, na CF). Caso o tribunal não tenha se
manifestado sobre questão de ordem pública, o acórdão só poderá ser impugnado
por ação autônoma (ação rescisória), já que incidem na hipótese os verbetes nº 282
e 356 do STF, que exigem o prequestionamento da questão constitucional ou federal
suscitada para que seja conhecido o recurso constitucional excepcional.
Outro fato, é a questão que a lei autoriza o exame de ofício das questões
de ordem pública a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, §3º, do CPC).
Ocorre que a instância dos recursos extraordinário e especial não é ordinária, mas
excepcional, não se lhe aplicando o texto legal referido.13
13
Nery Júnior, Nelson. Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 420.
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Por conseguinte, entendemos que o efeito translativo não deve ser
aplicado aos recursos extraordinário e especial: porque esses são de matéria
excepcional fundamentada na Constituição Federal, o que não ocorre nos recursos
ordinários, porque fundamentados no permissivo do CPC.
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3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Filipe Silveira; LEAL, Pedro Henrique Peixoto. Efeito translativo nos
recursos extraordinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1455, 26 jun. 2007.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10016>. Acesso em: 03
de junho de 2009.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11.
ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003. v. V.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil v. II. 8a ed. São Paulo:
lumen juris, 2004.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de
Conhecimento. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed.
rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
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