CADERNO 6 Anais Eletrônicos VI ECLAE Fonética e fonologia e ensino RESUMO O presente trabalho surgiu de algumas inquietações a partir da experiência como professora de Linguística no curso de Letras-LIBRAS da Universidade Federal de Pernambuco por conta do contato com professores de LIBRAS em formação. O objetivo é apresentar as principais teorias linguísticas– Estruturalismo, Gerativismo e Funcionalismo – a fim de proporcionar uma reflexão sobre os impactos dessas teorias no ensino de fonologia da LIBRAS. Nesse sentido, pretendemos analisar essa língua a partir do seu sistema, o que significa conhecer os seus diferentes estratos de realização – fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. No tocante à fonologia, a LIBRAS – assim como as outras línguas de sinais, como destaca Stokoe (1960) – apresenta unidades mínimas para a realização do sinal que são a configuração de mão (CM), o movimento (M), a locação (L), a orientação da palma da mão (Or) e as expressões não-manuais (Exp). Para que estas unidades mínimas sejam combinadas formando o sinal, são necessários dois articuladores – as mãos. Da mesma forma que as línguas orais necessitam do aparelho fonador para a realização dos sons, a LIBRAS necessita do que optamos por denominar ‘aparelho manual’ para a realização dos sinais. Dessa forma, percebemos que dos cinco parâmetros fonológicos da LIBRAS, três – CM, M, Or – estão intimamente ligados a esse aparelho manual. No entanto, a locação e as expressões não-manuais dependem de um suporte espacial e corporal. Diante disso, a partir das teorias linguísticas supracitadas, pretendemos apresentar algumas considerações sobre a relação entre os parâmetros fonológicos da LIBRAS e os suportes necessários – manuais, corporais e espaciais – para essa língua, buscando compreender como funciona a gramática da fonologia, a fim apontar possíveis contribuições para o ensino de LIBRAS. Palavras-chave: Fonologia, LIBRAS, Ensino. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino A FONOLOGIA DA LIBRAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO Nídia Nunes Máximo1 (NEPEL2/UFPE) Introdução Este trabalho é fruto de algumas inquietações vivenciadas a partir da prática docente na área de Linguística no curso de Letras-LIBRAS da Universidade Federal de Pernambuco. A partir do contato com os alunos na disciplina de Linguística 1, sentimos a necessidade de refletir sobre as principais teorias linguísticas – Estruturalismo, Gerativismo e Funcionalismo – que nos permitem descrever uma língua – seja a partir do sistema ou dos usos desse sistema – para realizar estudos analíticos sobre a fonologia da LIBRAS a fim de proporcionar reflexões sobre o estatuto dos cinco parâmetros fonológicos (CM, (configuração de mão), L (locação), M (movimento), Or (orientação da palma da mão), Exp (expressões não-manuais) com base nessas teorias e contribuir, consequentemente, na formação de futuros professores de LIBRAS. Isso se deu pelo fato da LIBRAS ainda não ter sido exaustivamente descrita no que tange aos seus estratos de realização – fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Diante disso, entendemos que estudos descritivos de uma língua estão metodologicamente organizados em níveis que se estendem das micro às macro unidades, especificamente, a partir das unidades mínimas distintivas, no nível fonético-fonológico, passando, em seguida, pelo nível das unidades mínimas sig- 1. Professora de Linguística do Centro de Artes e Comunicação (UFPE). 2. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre LIBRAS. 1277 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais nificativas, no nível morfológico, e, por fim, pelo nível das unidades sintagmáticas, no nível sintático, até alcançarmos o nível do texto. Em relação à fonologia que é o nosso campo de interesse3 e foco deste trabalho, percebemos que há algumas propostas para a organização do sistema fonológico da LIBRAS baseadas, principalmente, nos estudos feitos na Língua de Sinais Americana (ASL). No entanto, observamos que ainda há algumas incongruências entre essas propostas no que tange aos parâmetros fonológicos – CM, M, L, Or, Exp – e ao que seria, de fato, a fonética das línguas de sinais em que encontramos trabalhos como os de Stokoe (1960), Battison (1974) e Klima e Bellugi (1979) e a partir deles, no Brasil, destacamos os trabalhos de Ferreira-Brito (1995), Quadros e Karnopp (2004), Xavier (2006). Diante disso, nos questionamos como as três teorias linguísticas supracitadas tem sido empregadas no campo da fonologia da LIBRAS, termo comumente empregado, e quais seriam as contribuições destas teorias para o ensino da LIBRAS no que tange ao estatuto dos parâmetros fonológicos aceitos atualmente para esta língua. Nesse sentido, queremos destacar alguns aspectos para analisar a relação desses parâmetros com os suportes necessários para a sua realização – manual, espacial e corporal – a fim de compreendermos o funcionamento da gramática da fonologia da LIBRAS e, assim, apontar possíveis contribuições para o ensino da LIBRAS. Fonética e fonologia Cagliari (2002) diz que a fonética e a fonologia são áreas da Linguística que visam estudar os sons das línguas do mundo. A Fonética se preocupa, especificamente, em descrever os fatos físicos que permitem caracterizar linguisticamente os sons da fala. Dessa forma, a fonética concebe os sons da fala como entidades físico-articulatórias de maneira isolada. Consequentemente, esses sons são des- 3. Principalmente pela pesquisa de mestrado intitulada Fonologia da LIBRAS: estatuto da mão não-dominante que está em andamento no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Pernambuco. 1278 Nídia Nunes Máximo critos a partir dos mecanismos e processos de produção de fala que estão envolvidos em um dado segmento da cadeia sonora. Para Hayes (2009), a Fonética estuda o fluxo de discurso com foco na produção, acústica e percepção dos sons. A fonética aborda, então, a materialidade da língua e não é algo que foi apropriado pela Linguística, mas não é propriamente da língua se concebermos a língua a partir do sentido, visto que o som, por si só, é uma propriedade sonora isenta de sentido porque quando fazemos uso dos sons não estamos gerando significado. Dessa forma, o fonema, como unidade mínima de análise, é a face abstrata do som que nos permite depreendê-lo. A fonologia, por sua vez, interpreta os dados da Fonética mediante os sistemas dos sons das línguas e das teorias existentes para descrevê-los. Diante disso, Cagliari (2002) conclui que a Fonética é descritiva enquanto a Fonologia é interpretativa, pois a análise fonética está baseada nos processos de percepção e de produção dos sons enquanto a análise fonológica tem como base o valor ou a função linguística desempenhada pelos sons nos sistemas das línguas. Hayes (2009) destaca que a fonologia é mais abstrata porque não lida com a natureza física do som, e sim com as regras inconscientes para os padrões dos sons que são encontrados na mente do falante. Ele ainda acrescenta que tais regras são resultado 1) dos estudos fonéticos que mostram que os sons variam conforme o contexto, o que permite que os fonólogos hipotetizem regras para caracterizar essa variação; 2) da sequência e da distribuição dos sons que seguem padrões fixados; e 3) da interface da fonologia com a morfologia e com a sintaxe, o que interfere nos padrões de realização dos sons a partir desses componentes. Além disso, essas regras apresentam algumas caraterísticas: 1) são específicas para cada língua porque podem não existir em outras línguas; 2) são normalmente produtivas, pois podem ser aplicadas a casos novos; 3) dão origem a intuições bem formadas, visto que as violações às regras podem ser percebidas intuitivamente pelos falantes; 4) não podem ser ensinadas porque são adquiridas naturalmente pelas crianças; e 5) fazem parte de um conhecimento inconsciente do falante, pois não podemos acessar essas regras através da introspecção. A partir dos conceitos de fonética e fonologia para as línguas do mundo, Klima e Bellugi (1979), dentre outros, passaram a utilizar esses termos para a Língua de Sinais Americana (ASL) porque argumentam que as línguas de sinais 1279 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais são línguas naturais – como veremos mais adiante – que partilham princípios linguísticos subjacentes às línguas orais. Diante disso, nos questionamos o que seria a fonética e a fonologia da LIBRAS? Ou seja, quais são os fatos físicos que permitem caracterizar linguisticamente os sinais da “fala visual”? Quais são os processos de percepção e de produção dos sinais? Quais são as regras que servem para interpretar tais processos? Para tentar responder essas questões precisamos nos apropriar dos conceitos desenvolvidos pelas principais teorias linguísticas que nos permitem descrever o sistema fonológico de uma língua, resgatando, em seguida, que já foi produzidos sobre a fonologia da LIBRAS. As três teorias linguísticas e a fonologia Podemos dizer que o estruturalismo foi o primeiro movimento científico e histórico de destaque. Surge a partir do trabalho de Saussure (2006), em que ele diferencia língua, como um fato social e um suprassistema analisado pelos linguistas, e fala, como um ato individual e uma fonte de dados para o linguista. A partir de Saussure, o fonema se constitui como unidade mínima de análise no campo da fonêmica. Após Saussure, surgem outros trabalhos que compuseram a corrente estrutural, como os de Bloomfield em Language (1933), Jakobson em Fonema e Fonologia (1967), Martinet em La LingüísticaSincrônica: Estudios e Investigaciones (1968), Pike em Phonemics: A Technique for Reducing Languages to Writing (1947), Sapir em Sound Pattern in Languages (1925) e Trubetzkoy em Principles of Phonology (1939). No movimento estruturalista, o fonema se configura como a menor unidade indivisível e como a unidade que possibilitava a segmentação do contínuo da fala. Além disso, havia uma prevalência do estudo do fonema sobre outras áreas como morfologia e sintaxe. Nesse contexto, o estudo do fonema foi central para o desenvolvimento da teoria fonológica no século XX que se debruçava sobre o fonema no tocante à sua definição, identificação e exploração, principalmente nos estudos estruturalistas de vertente norte-americana. 1280 Nídia Nunes Máximo A partir de 1926, vemos o início do Estruturalismo de Praga, que foi influenciado pelas ideias de dicotomias de Saussure. É a partir dos estudos do Círculo de Praga que a fonologia se constitui como disciplina separada da fonética. Nesse sentido, Llorach (1976) apoiado da ideia de dicotomia de Saussure, trata da oposição fonológica em que a qualidade fônica é o que terá aspecto distintivo quando se opõe a outra. Alguns conceitos são fundamentais no estruturalismo para a fonologia. O primeiro é que o fonema é a unidade mínima distintiva de significados diferentemente do fone, que é a unidade mínima de realização do fonema no plano fonético, e do alofone, que é a variação do fone. O segundo é que os fonemas apresentam uma função distintiva que é manifestada nas oposições dos pares mínimos. A análise de pares mínimos se tornou um método importante para a determinação dos fonemas de uma língua. O terceiro conceito é a noção de distribuição de um fonema como método de análise a partir do distribucionalismo de Bloomfield (1933). No Gerativismo, o modelo multilinear teve destaque a partir do trabalho com a sílaba e, em seguida, o trabalho sobre a geometria dos traços fonológicos que está em vigor até hoje. Essa geometria parte do conceito de traço que é oriundo do Círculo de Praga e dos Estados Unidos, porém a proposta gerativa apresenta um refinamento maior. Na abordagem gerativa, a unidade mínima deixa de ser os segmentos que compõem os fonemas e passam a ser os traços distintivos anteriormente trabalhados por Trubetskoy. Para Jakobson, Fant e Halle (1952), os traços são fundamentais para dar conta das oposições das línguas do mundo. Por isso, eles propuseram a transformação dos traços fonológicos em termos binários – (-) ou (+) – de maneira que um fonema pode ser [+ vozeado] ou [-vozeado] com a finalidade de captar as oposições fonológicas. Nesse sentido, a unidade mínima é o conjunto de traços distintivos que são as propriedades mínimas e binárias que apresentam caráter acústico ou articulatório, possibilitando a definição dos sons das línguas. Assim, a segmentação de um som seria equivalente a um conjunto de feixes de traços que integram esse som. No modelo de Chomsky e Halle (1973), os traços são binários porque podem ser ausentes (-) ou presentes (+) e se agrupam em classes principais: traços de cavidade, traços de modo de articulação, traços de fonte e traços prosódicos. 1281 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais No Funcionalismo, não encontramos arcabouço teórico que possa ser aplicado à fonologia. Ouvimos falar de uma fonologia do uso, que carregaria alguns conceitos do Funcionalismo. No entanto, ainda não encontramos material consistente para explorar isso. As três teorias linguísticas e a fonologia da LIBRAS A LIBRAS é uma língua que é caracterizada por sua natureza vísuo-espacial, ou seja, é uma língua que faz uso do movimento das mãos e do corpo e de expressões faciais num espaço de enunciação (que vai da cabeça ao quadril do sinalizador), para produzir sinais (equivalentes às palavras de uma língua oral-auditiva) que são captados pela visão. A partir de Linddell (2003), Supalla (1978), dentre outros, consideramos a LIBRAS a língua natural dos surdos, pois estes a adquirem espontaneamente, sem apresentar dificuldades, em contato com outros usuários desta língua. Vale ressaltar que é através desta língua que os indivíduos surdos conseguem expressar, de forma mais legítima, suas visões de mundo. Dada a importância da LIBRAS para as pessoas surdas, os professores responsáveis pela educação formal desses indivíduos precisam conhecer essa língua, com a finalidade de contribuir positivamente para o desenvolvimento de inúmeras habilidades e competências de letramento desse público. Conhecer uma língua implica, também, conhecer o seu sistema a partir dos seus diferentes estratos de realização como já destacamos anteriormente. Nesse sentido, tais profissionais precisam ter contato com as teorias linguísticas e com as pesquisas descritivas sobre a LIBRAS que se dão a partir de um arcabouço teórico existente e que serve como norteador para o conhecimento e para interpretação dos fenômenos da LIBRAS. Assim, é possível pensar a respeito de como podemos utilizar o que já temos sobre as teorias linguísticas para descrever a LIBRAS e como os fenômenos da LIBRAS nos ajudam a repensar essas teorias linguísticas e, consequentemente, repensar o que é Linguística como ciência, pois à medida que conhecemos novas línguas, podemos sugerir novos objetos de estudo e novos instrumentos metodológicos para analisar tais objetos de forma científica. De acordo com Quadros; Karnopp (2004), no nível fonológico, estão determinadas as unidades mínimas para a formação dos sinais e estabelecem os pa1282 Nídia Nunes Máximo drões possíveis para criar combinações entre tais unidades assim como as variações possíveis no âmbito fonológico. O que é denominado de ‘palavra’ em língua portuguesa corresponde ao sinal em línguas de sinais. Quadros e Karnopp (2004) destacam que os sinais são constituídos por cinco parâmetros que ao serem combinados formam as unidades mínimas – os fonemas – que originam os morfemas nas línguas sinais, o que é semelhante nas línguas orais. Tais afirmações das referidas autoras, têm por base os estudos de Stokoe (1960), acrescentando-lhe novos dados, bem como renomeando o que outrora era querologia, por fonologia, dada a semelhança com este mesmo fenômeno nas línguas orais. Para Quadros e Karnopp (2004), os principais parâmetros fonológicos para a realização do sinal são: configuração de mão, movimento e locação porque não carregam significado isoladamente. Vejamos a figura abaixo: Imagem 1. Os parâmetros fonológicos da LIBRAS (In: Quadros e Karnopp, 2004, p. 51) O primeiro parâmetro incide sobre as formas que as mãos assumem para a realização do sinal, as quais podem ser em datilologia – alfabeto em LIBRAS – ou em formas que utilizam a mão (mão direita para os destros e mão esquerda para os canhotos), ou pelas duas mãos. O segundo é o movimento. Sousa (2009) enfatiza que na LIBRAS o movimento necessita de um objeto, o qual é representado pelas mãos do enunciador, e do espaço que é área na qual o enunciador está circunscrito. Assim, o movimento apresenta variações quanto à direcionalidade, maneira e frequência. Nesse 1283 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais sentido, o movimento tem papel fundamental na argumentação, pois o alongamento ou repetição de um movimento com a finalidade de expressar intensidade podem apontar para o posicionamento argumentativo do enunciador. Quanto ao terceiro parâmetro, a locação, é o ponto de articulação, ou seja, o local onde está posicionada a mão configurada que pode ser em algum lugar do corpo ou em um espaço denominado de “espaço neutro”. Com o avanço das pesquisas sobre as línguas de sinais, foram acrescentados dois parâmetros: a orientação da mão e as expressões não manuais – estas são correspondentes às expressões faciais e corporais. A orientação da mão mostra a direção em que os sinais são realizados e está intimamente relacionada aos parâmetros supracitados. A orientação é, portanto, “a direção da palma da mão durante o sinal voltado para cima, para baixo, para o corpo, para a frente, para a esquerda ou para a direita.” (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 41 apud SOUSA, 2009, p. 76). Então, os sinais são diferenciados também pela orientação da palma da mão. As expressões não manuais, por sua vez, contribuem para o entendimento do real sinal, visto que equivalem à entonação. Essas expressões estão reveladas no movimento da face, dos olhos ou do tronco e exercem duas funções. A primeira é marcar as construções sintáticas e a segunda é diferenciar os itens lexicais. Para exemplificar temos os sinais de “triste” e “exemplo” que se diferenciam pela expressão facial como podemos ver nas imagens abaixo: Imagem 2. Sinal de “triste”. Arquivo, GEPEL, 2013 Imagem 3. Sinal de “exemplo”. Arquivo, GEPEL, 2013 1284 NÍDIA NUNES MÁXIMO Nos últimos 30 anos, os fonologistas buscaram estabelecer as unidades (parâmetros) para a realização dos sinais. Ferreira-Brito (1995) numerou 46 configurações de mão similar ao que foi encontrado na ASL. No entanto, as línguas de sinais não partilham do mesmo inventário completamente, o que já era esperado, visto que são línguas naturais e embora possuam semelhanças assim como ocorre entre as línguas orais, também possuem diferenças entre si. Imagem 4. Configurações de mão (In: Ferreira- Brito, 1995) Em relação ao movimento das mãos, Ferreira-Brito (1995) menciona que o movimento pode estar nas mãos, no pulso e no antebraço. Os movimentos 1285 anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais direcionais se dividem em unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais. A maneira é a categoria que descreve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento. E a frequência incide sobre o número de repetições de um movimento. O quadro abaixo mostra as categorias do movimento: Quadro 1. Categorias de movimentos das mãos. (In: Ferreira-Brito, 1995) Quanto à locação do sinais, Ferreira-Brito (op cit.) destaca que os pontos de articulação são limitados. Alguns podem ser mais precisos, como na ponta do nariz, no queixo, na testa ou no peito enquanto outros são mais abrangentes 1286 Nídia Nunes Máximo como na frente do tórax. Além disso, a enunciação, em si, pode influenciar os pontos de articulação, por exemplo, se um enunciador A faz um sinal para B, que está à janela no edifício, o espaço de enunciação sofrerá alterações e, consequentemente, os pontos de articulação de alguns sinais, visto que para os sinais que são localizados em pontos precisos no corpo, esta alteração não pode se realizar. No tocante à orientação da palma da mão, Ferreira-Brito (1995) enumera seis tipos para a LIBRAS: para cima, para baixo, para o corpo, para a frente, para a direita ou para a esquerda. Imagem 5. Tipos de orientação da palma da mão. (In: Marentette, 1995, p. 204) Em relação às expressões não-manuais (movimento da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco), essas desempenham papel duplo nas línguas de sinais: marcação de construções sintáticas e de sinais específicos. Quando exercem fun- 1287 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais ção sintática, elas marcam sentenças interrogativas (sim ou não), interrogativas (QU-), orações relativas e topicalizações. Quando constituem componentes lexicais, elas marcam referência específica, referência pronominal, partícula negativa, advérbio ou aspecto. Ferreira-Brito (1995) a partir de Baker (1983) identifica as expressões não-manuais da LIBRAS que são encontradas no rosto, na cabeça e no tronco. Além disso, duas expressões não-manuais podem ser empregadas simultaneamente nas marcas de interrogação e negação, por exemplo. A partir dessas descrições podemos propor que os cinco parâmetros (CM, M, L, Or, Exp) fariam parte do domínio fonético e não fonológico, visto que isoladamente não apresentam significado. Além disso, se aproximam mais da ideia de fatos físicos que permitem caracterizar e segmentar a “fala visual”, sendo as menores unidade indivisíveis na LIBRAS a partir de uma perspectiva estrutural. Ainda na perspectiva estrutural, entendemos que há urgência na realização de estudos que busquem realizar um levantamento exaustivo de pares mínimos para corroborarmos a ideia dos parâmetros fonéticos e verificar em que medida esses parâmetros são linguisticamente distintivos. Isso nos faz pensar se os parâmetros variaram em graus de distintividade, ou seja, empregando o método dos pares mínimos, poderíamos classificar os parâmetros em graus/níveis de distintividade. Se sim, que impactos isso teoria na organização do sistema fonético-fonológico da LIBRAS? Essa uma questão que aponta para pesquisas futuras. Para que a produção dos sinais seja efetiva mediante a combinação desses parâmetros, é necessário que haja um suporte ou um sistema articulatório, na perspectiva estrutural, que seria o modo de realização dos sinais: sinais com uma mão e sinais produzidos com as duas mãos (ativas e com duas mãos em que uma mão é ativa e a outra mão serve como locação). Isso indica o papel central das mãos como articuladores para a realização dos sinais. A partir disso, entendemos que os parâmetros CM, M e Or estão intimamente ligados aos articuladores manuais para a sua realização. A L está relacionada ao espaço e ao corpo, e as Exp estão ligadas ao corpo. Isso nos faz pensar sobre o estatuto do espaço e do corpo nas línguas de sinais, o que nos leva a pensar que tanto um quanto o outro integrariam esse sistema articulatório já que a LIBRAS é uma língua que faz uso do movimento das mãos, do corpo, de expressões faciais, e do espaço para a efetivação dos sinais. 1288 Nídia Nunes Máximo No tocante ao estatuto do espaço na LIBRAS, acreditamos que não seja possível haver sinais que se realizem apenas com o espaço, porém o espaço pode ser um elemento intrínseco aos articuladores manuais e corporais e está ligado ao parâmetro L como já vimos anteriormente. Por exemplo, nos sinais que são realizados apenas com uma mão como de literatura, usar, valor, real, banheiro, imagem, dia, entre outros, a locação espacial é crucial para a realização do sinal. No entanto, isso só parece ser fundamental para os sinais que são realizados com uma mão e que não são ancorados no corpo. Isso porque nos sinais com uma mão que são ancorados no corpo, o espaço parece ser neutro, como em conhecer, água, idade, saber, entre outros. O mesmo ocorre com alguns sinais em que as duas mãos são ativas, como em casa, ônibus, congresso, prova, abraço, contato, em que as duas mãos tem contato uma com a outra ou com o corpo. Porém, há sinais com duas mãos como comparar, coisa, tema, onde, qual, lugar, trabalhar, certificado, televisão, em que a localização espacial é fundamental para a realização do sinal, visto que não é possível que se empregue um suporte corporal para esses sinais. No entanto, também podemos pensar quais articuladores – manuais, corporais, espaciais – são mais recorrentes para a produção dos sinais. E mais: será que encontraríamos na LIBRAS sinais que não são realizados com as mãos? Ou seja, há sinais que são realizados apenas com o corpo? Para tal, é necessário outro estudo a partir de um levantamento dos sinais em pares mínimos para perceber em que medida os articuladores estão relacionados aos parâmetros, verificando a ocorrência dos sinais conforme os articuladores e conforme a distintividade dos parâmetros para diferenciar os sinais. Diante disso, destacamos que é função da fonologia oferecer modelos interpretativos para esses parâmetros e para os articuladores, o que atualmente ainda é inexistente no tocante a LIBRAS a partir de uma abordagem estrutural. No entanto, a partir da perspectiva gerativa encontramos o trabalho de Liddell e Johnson (2000 [1989]) tomado como base a Fonologia Gerativa Padrão (Chomsky & Halle, 1968) e que é compatível como seu desdobramento, conhecido como Fonologia Autossegmental (Goldsmith, 1976). No modelo de Liddell e Johnson, os sinais das línguas sinalizadas são constituídos por um único segmento, do tipo suspensão ou do tipo movimento, ou 1289 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais por uma sequência de segmentos desses dois tipos. Esses segmentos são organizados internamente através de dois conjuntos ou feixes de traços. Um é o feixe segmental, cujo objetivo é especificar a atividade da mão durante a produção de um segmento, ou seja, determinar se a mão está parada ou se movendo. Se ela estiver se movendo, o feixe tema função de determinar a forma do movimento. O outro feixe é o feixe articulatório, que é responsável por descrever a postura da mão, ou seja, a configuração de mão, o movimento e a locação. A partir disso, Xavier (2006) propõe uma descrição dos traços segmentais e articulatórios dos sinais na LIBRAS e uma análise segmental dos sinais. Para tal, ele se apropriou dos termos binários (-) e (+). Assim, ele separa os sinais a partir dos articuladores manuais, empregando o critério [+/- 1mão], em que temos os seguintes pares mínimos, os quais são distintivos a partir desse critério: Imagem 6. Exemplos do critério [+- 1mão] (In: Xavier, 2006, p. 96) Em seguida, ele descreve o feixe segmental a partir da divisão dos segmentos em cinco especificações: classe maior, contorno de movimento, plano de contorno, qualidade e movimento local. A classe maior determina o tipo de segmento que é produzido (movimento 1290 Nídia Nunes Máximo ou suspensão). O contorno de movimento e o plano de contorno (específicos para segmentos de movimento) descrevem a forma do movimento (reto ou circular) e o plano em que o movimento é feito (vertical, horizontal, etc). A qualidade, por sua vez, incide sobre o tempo, a tensão, e a relação de contato entre os articuladores durante a realização de suspensões e movimentos. Por fim, o movimento local, trata da ocorrência de movimentos rápidos, repetidos. Por uma questão de tempo, Xavier se restringe as duas primeiras especificações do feixe segmental: classe maior e contorno de movimento. Nesse sentido, ele apresenta os traços reto, circular e ondulado para a LIBRAS. Em relação ao feixe articulatório, ele apresenta três subfeixes de traços: configuração de mão (CM), ponto de contato (PC) e orientação (OR), se restringindo aos dois primeiros. Ele apresenta o critério [+- 1 configuração de mão] para distinguir sinais que são realizados com uma mão, sinais com duas mãos paradas ou em movimento, sinais articulados com uma das mãos paradas. No que tange ao PC, ele apresenta algumas regiões de contato diferentes da ASL na LIBRAS, como na parte superior e contralateral das costas (sinal COSTAS), na extremidade ipsilateral da cintura (sinal FOME) e na parte superior da região glútea (sinal CAUDA-DE-ANIMAL). Além disso, ele emprega o critério [+- contato] que se subdivide em [+- contato inicial], [+- contato medial], [+- contato final], [+- contatos inicial e final], [+- contato permanente]. 1291 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Imagem 7. Exemplos de pontos de contato diferentes da ASL na LIBRAS (In: Xavier, 2006, p. 116) A partir do trabalho de Xavier (2006) percebemos que os suportes para a realização do sinais – manuais, corporais e espaciais – estão associados ao feixe articulatório a partir do critério [+- 1mão], em que o suporte pode ser as mãos ou o corpo, e a partir do traço ponto de contato que especifica as regiões em que os sinais podem ocorrer, resumidamente, em contato com as mãos (em que a segunda mão é suporte para a primeira), com o corpo (em vários pontos) ou no espaço. Diante das breves análises sobre a fonologia da LIBRAS a partir das perspectivas estrutural e gerativa, percebemos que a base gerativa apresenta mais detalhes sobre o sistema fonológico da LIBRAS do que a base estrutural, visto que a proposta dos traços confere maior refinamento as propriedades dos sinais. 1292 Nídia Nunes Máximo Isso significa que a vertente gerativa talvez seja mais apropriada para o ensino da LIBRAS, com as devidas adaptações para o ensino básico, é claro, pois oferece mais elementos para depreender os segmentos e compreender, consequentemente, de maneira mais ampla a organização do sistema fonológico da LIBRAS, transpondo os limites de uma análise fonêmica. Os traços resgatam, portanto, a possibilidade de ver as propriedades dos sinais em uma estrutura hierárquica. Além disso, a fonologia gerativa nos permite pensar a interface da fonologia com outros domínios de realização da língua – morfologia, sintaxe e semântica. Nesse sentido, hipotetizamos a partir de Quadros e Karnopp (2004) que o movimento, expressões não manuais e as mudanças nas configurações de mão podem estar associados aos classificadores, à marcação de construções sintáticas e de sinais específicos, e à ênfase e podem ainda compor o que poderiam ser denominados de traços prosódicos no âmbito da fonologia suprassegmental. Considerações finais Apesar de as peculiaridades das práticas de letramento das pessoas surdas terem tido mais visibilidade nos últimos anos, especialmente após a Lei da LIBRAS (no. 10.436/2002), percebemos que é necessário investir na formação dos futuros professores de LIBRAS, especialmente, em relação aos conhecimentos linguísticos de cunho mais teórico para que tais profissionais possam ensinar a língua devidamente munidos dos instrumentos conceituais que lhes permitirão abordar os fenômenos linguísticos de maneira mais ampla, detalhada e segura. Afinal, o ensino de qualquer língua requer que o professor conheça a ciência que norteia os estudos da linguagem. Reconhecemos, que não podemos realizar um estudo propriamente fonético da LIBRAS pela modalidade de realização dessa língua ser vísuo-espacial. No entanto, é possível nos apropriarmos dos conceitos fonéticos e tentar apontar como esses conceitos podem ser aplicados a LIBRAS, reconhecendo que a Linguística como ciência nos dá o suporte para descreve e analisar qualquer língua independentemente de sua forma de realização. Nesse sentido, vimos que os estudos no campo da fonética e da fonologia da LIBRAS ainda são quase que inexistentes a partir da abordagem estrutural e ain1293 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais da são incipientes a partir da gerativa padrão embora reconheçamos os avanços, pois ainda não é possível distinguir claramente o que é estritamente fonético e estritamente fonológico na LIBRAS. Isso se dá pela insuficiência de estudos descritivos exaustivos sobre a fonologia da LIBRAS, principalmente mediante um levantamento detalhado dos pares mínimos nessa língua como destacamos anteriormente. Entendemos que tal levantamento seria muito produtivo para refletirmos sobre os processos de articulação, percepção e produção dos sinais, visto que encontramos apenas o trabalho de Xavier (2006). Esse levantamento também seria relevante para refletirmos sobre o estatuto dos parâmetros e dos suportes para a realização dos sinais, visto que a maioria dos parâmetros (CM, M, Or, L) requer um suporte manual. Além disso, também poderemos refletir sobre o papel fonológico do espaço na produção dos sinais e desenvolver leis gerais que possam interpretar os fenômenos para os quais ainda não temos explicação como citamos anteriormente. Além disso, pelo que já foi feito sobre a fonologia da LIBRAS percebemos que a fonologia constitui sim um domínio da língua de sinais porque interage com outros domínios através dos classificadores, da marcação de construções sintáticas e de sinais específicos, e da ênfase. Isso aponta para um ensino da LIBRAS que integre os estratos de realização dessa língua e que não esteja pautado apenas no mero ensino descontextualizado do léxico porque o ensino de língua perpassa as condições para o aluno desenvolva habilidade comunicativas e se constitua como sujeito social que age, interage e reage. Referências BENVENISTE, É. Problemas de linguística geral. São Paulo: Nacional/Edusp, 1976. BLOOMFIELD, L. Language. Chicago: University of Chicago Press, 1933. CAGLIARI, L. Análise fonológica – introdução à teoria e à prática. Campinas: Mercado das Letras, 2002. CHOMSKY, N; HALLE, M. Principes de phonologie generative. Trad. Pierre Encrevé. Paris: Seuil, 1973. FERREIRA-BRITO, L. 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Mas essa escrita apresenta-se muito distante da preconizada pela norma culta. Entendemos neste artigo que esta “nova escrita” trata-se de uma variação da língua padrão. Variação esta que ocorre no ambiente virtual. Sabe-se que a aquisição dessa escrita não acontece na escola, é uma prática que se adquire com o contato, intermediada por usuários que significam a linguagem, que é carregada também de símbolos. Desse modo, questionamos por que e como a escola procede para fins de reflexão e consciência sobre essas práticas linguísticas. Neste trabalho, pretende-se estudar aspectos fonético-fonológicos da escrita no ambiente de interação virtual, focando esta análise em marcas características da oralidade e do uso de abreviações em textos dialogais. Para efeito de estudo, exemplificamos algumas ocorrências em recortes de textos dialogais do whatsapp, produzidos através de situação proposta pelo professor para fins didáticos em sala de aula. A situação de produção envolveu a criação de um grupo no Whatsapp chamado de Clube do Filme, no qual os estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental compartilharam experiências de filmes assistidos, através dos diálogos escritos nesse suporte. Portanto, O que se pretende com este estudo é levar o professor a refletir a respeito da escrito do seu aluno, mediante a ocorrência processos fonológicos, bem como a apontar direções, caminhos que possam subsidiá-lo na sua prática docente. Palavras-chave: Escrita, Análise fonética/fonológica, Whatsapp, Ensino. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino ANÁLISE FONÉTICA/FONOLÓGICA DA ESCRITA EM TEXTOS DO WHATSAPP Antonia Maria Medeiros da Cruz (UPE) Luzia Cristina Magalhães Medeiros (UPE) Carlos Eduardo Barros dos Santos (UPE) Introdução É comum escutarmos, atualmente, a ideia de que temos uma escola do século XIX, um professor do século XX e um aluno do século XXI. Como é também de praxe ouvirmos e vermos professores que não estão familiarizados com o uso das novas tecnologias nas suas práticas docentes. Esse pensamento ocorre “porque toda inovação se caracteriza por apresentar dimensões utópicas emancipatórias, cuja aceitação está condicionada à clareza da sua aplicação na melhoria de práticas, processos e produtos” (XAVIER, 2009, p.46). Ou seja, novas ideias, quaisquer que sejam, provocam mudanças, boas ou ruins, grandes ou pequenas, nos envolvidos. Mas é preciso, urgentemente, conceber tais práticas dentro do ambiente escolar. Vários autores, dentre eles, Prensky (2000), Gee (2003), Kirner e Siscouto (2007), Xavier (2009), faz alguns anos, vem mostrando a eficiência do uso da tecnologia nas escolas. Esse uso propicia o desenvolvimento cognitivo do aluno na medida em que, quando o faz ampliar sua capacidade de atenção e percepção dos artefatos utilizados, transfere também essa atenção para a percepção dos conteúdos ministrados. 1297 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Outro ponto a ser destacado é que esses ambientes virtuais oferecem a criação de novas oportunidades de aprendizagem mais significativas. Assim, é importante destacar o papel do professor nesse processo. Se o mesmo, em face de todo (e até mesmo mínimo) aparato tecnológico que dispuser, não souber usá-lo, poderá ocasionar efeitos contrários. É preciso, portanto, tornar a escola – a sala de aula, a aula de língua portuguesa – num espaço aberto a mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem. E hoje a mudança que parece ser a mais urgente é a adoção de recursos tecnológicos que possibilitem esse processo. Voltemos nosso foco agora para a questão da escrita. Já falamos que a escola deve aderir às novas tecnologias para ter uma melhora considerável em seu processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, o caderno, a folha de papel, deixará de ser o único recurso espacial de que o aluno disporá para a produção de seu texto escrito – seja verbal ou visual. Se analisarmos a história, o suporte da escrita passou por várias transformações. De desenhos em pedras e escritos em tábuas, passando por pergaminhos frágeis até chegar ao paple que conhecemos atualmente. Pois bem, esse processo de evolução esteve ligado aos interesses humanos: quanto mais “moderno”, mais se fazia necessário adaptar esse local de escrita. E hoje, com a cultura digital – ou cibercultura, a tela (do computador, do celular, do tablet...) surge como uma nova adaptação para esse lócus. Com a modernização e todo aparato tecnológico existente, a escrita virtual torna-se algo indispensável e inseparável do dia-a-dia do educando (centralizamos no educando, pois nosso foco é, como dito, o ambiente escolar, a sala de aula, a aula de Língua Portuguesa. Claro que a tecnologia engloba a todos, não importando idade, gênero, classe social, lugar...). Dessa forma, as práticas e os espaços da escrita mantêm uma estreita relação. Há estreita relação entre o espaço físico e visual da escrita e as práticas de escrita e leitura. O espaço da escrita relaciona-se até mesmo com o sistema de escrita: a escrita em argila úmida, que recebia bem a marca da extremidade em cunho do cálamo, levou ao sistema cuneiforme de escrita; a pedra como superfície a ser cavada serviu bem, num primei- 1298 Antonia Maria Medeiros da Cruz, Luzia Cristina Magalhães Medeiros, Carlos Eduardo Barros dos Santos ro momento, aos hieróglifos dos egípcios, mas, quando estes passaram a usar o papiro, sua escrita, condicionada por esse novo espaço, foi-se tornando progressivamente mais cursiva e perdendo as tradicionais e estilizadas imagens hieroglíficas, exigidas pela superfície da pedra. O espaço de escrita relaciona-se também com os gêneros e usos da escrita, condicionando as práticas de leitura e de escrita: na argila e na pedra não era não era possível escrever longos textos, narrativas; não podendo ser facilmente transportada, a pedra só permitia a escrita pública em monumentos; a página, propiciando o códice, tornou possível a escrita de variados gêneros, de longos textos. (SOARES, 2002, p. 149) Essa relação do texto com seu autor é condicionada pelo espaço de escrita, ou seja, o local onde o texto é escrito. Assim, ao escrever numa folha de papel ou digitar algo numa tela virtual, o aluno certamente utilizará recursos diferentes para cada situação, para cada local de escrita. De acordo com Lévy (1993) o ambiente virtual “é dinâmico, está perpetuamente em movimento.[...] ele se redobra e se desdobra à vontade, muda de forma, se multiplica, se corta e se cola outra vez de outra forma.” Recursos estes que a escrita no papel não suporta. A tela do ambiente virtual torna-se num significativo elemento de interação entre o educando e a aprendizagem. A escola, adotando esses mecanismos, estará possibilitando a seu alunado desenvolver seu processo cognitivo, o que o tornará um sujeito cada vez mais preparado para atuar no meio social, pois terá mais acesso à informação e, consequentemente, ao conhecimento. É importante também ressaltar que há diversas oportunidades de práticas pedagógicas envolvendo a escrita na escola. Dentre elas, destacamos a escrita no aplicativo Whatsapp, recurso muito utilizado pelos estudantes na comunicação virtual. E é sobre esse o processo de escrita nesse aplicativo que propomos uma análise à luz das teoriasfonética/fonológicas. A escrita no ambiente virtual O ser humano, ao longo de sua vida, produz textos diferentes com finalidades diversas para estabelecer a comunicação com seu interlocutor. A produção de textos, escritos ou orais, é uma atividade da relação homem-sociedade. Como forma de separar a escrita da fala, ou seja, o texto escrito do texto oral, firmou-se 1299 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais a ideia de que, diferentemente da oralidade, a produção escrita deveria ter elementos linguísticos exigidos pela norma culta, uma vez que a fala mostrava-se despreocupada com os arranjos gramaticais. Dessa forma, a oralidade passou a ser concebida como tendo características da norma popular, distanciando-se da escrita. Porém, o que se vê nas produções escritas dos alunos são exemplos de caracteres típicos da oralidade (Não nos cabe aqui julgar se essa ocorrência é adequada ou não),sendo que essa relação estrita entre escrita e fala modificou o léxico. Este evoluiu e se padronizou a fim de atender às necessidades situacionais dos indivíduos. Isto é, a escrita virtual fez com o léxico se adaptasse às exigências requeridas pelos usuários internautas. O texto produzido pelos internautas nos ambientes virtuais caracteriza-se, muitas vezes, por ser breve, curto, sem monitoramento, revisão e correção. Além disso, apresenta-se com abreviações. Isso acontece devido à rapidez que é exigida nesse processo comunicativo. Os interlocutores precisam ser rápidos e, por isso, recorrem às abreviações. Diante disso, fica claro que a escrita e a fala estão se convergindo na comunicação no ambiente virtual. A comunicação entre indivíduos que utilizam o ambiente virtual é, como já dito, uma realidade. Os estudantes, em sua maioria, lançam mão constantemente desse ato interativo em ambientes como o facebook, chats e aplicativos cuja função é favorecer a comunicação escrita e/ou oral. Dentre esses aplicativos, destacamos o whatsapp, já que os textos produzidos através dessa ferramenta serão nosso objeto de análise, o nosso corpus. É fato inegável também, que, mediante essas novas tecnologias, o texto apresenta-se com outros recursos, como imagens e sons, além de sua característica principal, o discurso. Tudo isso difere do texto impresso no papel, onde esses caracteres não são possíveis. Como poderemos observar mais a frente, e escrita virtual mostra-se com ausência de pontuação e acentuação, alterações da grafia, redução de vocábulos e uso de ícones para expressar sentimentos. Diante do exposto, é pertinente salientar que a escrita digital confirma-se como um meio pelo qual se “recria” a escrita para atender aos novos propostos comunicativos da sociedade digital. 1300 Antonia Maria Medeiros da Cruz, Luzia Cristina Magalhães Medeiros, Carlos Eduardo Barros dos Santos Whatsapp - práticas de escrita em diálogo O Whatsapp Messenger é um aplicativo multiplataforma disponível para telefones e smartphones, utiliza a rede 3G ou Wi-Fi para enviar e receber mensagens instantâneas. É um canal de interação que possui características da modalidade oral da língua pela velocidade e espontaneidade da escrita, o que justifica a reconfiguração de palavras e da ressignificação de alguns sinais diacríticos. Os textos instantaneamente escritos e recebidos simulam uma conversa face a face. Algumas pesquisas atuais abordam a relação entre escrita e oralidade existente nos diálogos em redes sociais. Muitos questionam sobre a natureza desses diálogos, quais efeitos sobre a prática de escrita provocam e como interferem em nossa consciência linguística. Marcuschi traz a respeito das comunicações escritas a seguinte reflexão: […] temos um modo de comunicação com características típicas da oralidade e da escrita, constituindo-se, esse gênero comunicativo, como um texto misto, situado no entrecruzamento de fala e escrita. Assim, algumas das propriedades até há pouco atribuídas com exclusividade à fala, tal como a simultaneidade temporal, já são tecnologicamente possíveis na prática da escrita à distância, com o uso do computador. Esse “escrever” tem até uma designação própria: “teclar”; tal é a consciência da “novidade”. No meu entender a mudança mais notável aqui não diz respeito às formas textuais em si, mas sim à nossa relação com a escrita. […] é uma nova forma de se relacionarmos com a escrita, mas não propriamente uma nova forma de escrita (MARCUSCHI, 2000, p. 18). Nesse artigo tratamos de algumas ocorrências características da escrita digital analisando algumas bibliografias a respeito. Sabemos que a aquisição dessa escrita não acontece na escola, é uma prática que se adquire no contato, intermediada por usuários que significam a linguagem carregada também de símbolos. Nos questionamos por que e como a escola procede para fins de reflexão e consciência sobre as práticas linguísticas. Assim, pretendemos esclarecer aspectos fonético-fonológicos da escrita no ambiente de interação virtual, focando esta análise em marcas características da oralidade e do uso de abreviações. Para efeito de estudo, exemplificaremos algumas ocorrências com recortes de textos dialogais do whatsapp, produzidos através de situação proposta pelo professor para fins didáticos em sala de aula. A situação 1301 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de produção envolveu a criação de um grupo no Whatsapp chamado de Clube do Filme, no qual os estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental compartilham experiências de filmes assistidos, através dos diálogos escritos nesse suporte. Neste contexto, é importante esclarecer que, embora sejam equiparadas, a fonética e fonologia apresentam campos de estudos interdependentes. A Fonologia é o estudo sistemático do som enquanto que a Fonética volta-se a produção, propagação e percepção dos sons. Daí o enfoque na análise/fonética fonológica da escrita no whatsapp, no sentido de contribuir com reflexão sobre a escrita no processo ensino-aprendização. Escrita virtual - aspectos relacionados à oralidade Elias (2014) destaca algumas características que se referem a aspectos fonológicos com traços típicos da oralidade, que emergem da escrita digital, para tornar a interação mais próxima e fluente da forma natural de conversar. Traremos a análise dessas características no texto transcrito do whatsaap de um dos grupos do Clube do filme, criado conforme situação já apresentada. A-1 e aeee grupo ( ) minha pergunta eh o q axa do filme? A-2 oiiiii Bom dmais ( ) Gostei qero assisti d novo A-3 Muito loko. O rapaiz fico preso treze ano só apanhano A-3 Minha pergunta e o q aprendeu no filme A-1 Agente n pode dezisti um dia agente vence na vida A-2 inveja mata. o kara qria tudo mais naum vlw apena pq morreu só a mulher amava ele d vdd fico do ladu dele A-2 Q aparte vc mais gostou? Rafa add no grupo a prof falow pra fica nesse grupo A-1 ele já ta no grupo de Ana A-2 blz A-1 Gostei qdo ele fugiu fingino de morto A-3 Eu naum sei o filme todo é primera A-2 ( ) Tei q dize uma parte A-3 to pensano a cena q o conde si vigou dos inimigo no fim 1302 Antonia Maria Medeiros da Cruz, Luzia Cristina Magalhães Medeiros, Carlos Eduardo Barros dos Santos Inicialmente o diálogo escrito no texto acima é marcado pelo alongamento de vogais (e aeee, oiiii) que enfatizam certas palavras e manifestam a intenção do sujeito, uma vez que não há som de voz para tal. Elias (2014) diz que o alongamento confere a palavra o caráter de interjeição. Na oralidade a ênfase é dada a alguns sons vocálicos espontaneamente, na escrita a repetição corrobora a naturalidade nas relações interpessoais de maior intimidade entre os estudantes. Bezerra (2011) afirma que o ambiente virtual propõe uma interação mais espontânea e menos vigiada (p.29), levando a uma linguagem mais informal, privilegia portanto a agilidade do falar, estruturado numa gramática universal, em detrimento de normas gramaticais tradicionais. No diálogo algumas questões ortográficas merecem atenção, no sentido de ajudar o educando no processo de aquisição e reflexão sobre a escrita, como no caso da palavra ‘dezisti = desistir’. No entanto, para efeito desse trabalho nos deteremos aos aspectos fonológicos próprios da escrita virtual. Outro aspecto é caracterizado por um processo de monotongação do ditongo /ow/, visto em outras incidências nas redes sociais como ‘poko = pouco’ e oviu = ouviu, Seara, Nunes e Lazarotto (p. 43) classificam como monotongação, o processo pelo qual o ditongo passa a ser produzido como uma única vogal (no texto em análise esse processo é exemplificado com: fico = fic[o] = ficou). Nesse caso, há um apagamento da semivogal. Também acontece em ‘primera’ = primeira o ditongo /ej/ é alterado pelo apagamento. Câmara Jr. explica que a monotongação é a mudança fonética que consiste na passagem de um ditongo a uma vogal simples. Para pôr em relevo o fenômeno da monotongação chama-se, muitas vezes, monotongo, à vogal simples resultante, principalmente quando a grafia continua a indicar o ditongo e ele ainda se realiza numa linguagem mais cuidadosa. Entre nós há, nesse sentido o monotongo ou /ô/, em qualquer caso, e ai /a/, ei /ê/ diante de uma consoante chiante (p)ouca, (b)oca, (c)caixa, como acha, (d)deixa), como fecha. (CÂMARA JR, 1997, p.170) São observados também na escrita virtual tanto como em outros registros escritos a ditongação - acréscimo de semivogais no interior de palavras – como em ‘faiz / méis / treis’. Algumas pesquisas demonstram que o contexto posterior 1303 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais determina a ditongação, sendo os fonemas / s e z / comum a maioria das ocorrências. A sílaba tônica também facilita a ditongação, como no exemplo do texto em estudo: ‘rapaiz’ = rapaz. Uma outra característica apontada por Elias, que foi registrada no diálogo recortado, é a ausência da consoante (r) em final de palavras para marcar a descontração comum em conversas fortuitas entre conhecidos (fica =ficar; dize = dizer). A omissão de /R/ em /fikaR/ constitui um processo fonológico conhecido como apagamento em final de palavra, também acontece com o uso de marca de plural /S/ em algumas palavras em que o plural já vem marcado na primeira palavra, (no diálogo - dos inimigo). Elias acrescenta, ainda, a substituições de vogais finais para representar a real sonoridade, quando pronunciadas espontaneamente (meio = meiu; ocupado = ocupadu; sabe = sabi). No texto do Whatsapp destacamos uma ocorrência parecida, a palavra ‘ladu’ (lado), o que parece ser um erro ortográfico, acaba sendo a reprodução fonética da palavra, [ladυ], uma vez que a vogal posterior /o/ assume a pronúncia de [u], essa variante também ocorre com a troca da vogal anterior /e/ por [i]. Seara, Nunes e Lazarotto (2011, p. 111) explicam que existe oralmente e foneticamente essa possibilidade de pronúncia das vogais átonas finais. Alguns fonemas que em alguns contextos particulares perdem seus valores distintivos, representam um processo fonológico chamado de enfraquecimento. As vogais /e/ e /o/ tornam-se [i] e [u], respectivamente, quando não-acentuadas e em posição final de palavra. São exemplos palavras como ‘forte’ [foRti], ‘bate’ [bati]. Nesse caso, as autoras caracterizam como desvozeamento, e explicam: Normalmente, as vogais são segmentos vozeados (sonoros), isto é, em sua articulação as pregas vocais vibram. No entanto, esses segmentos podem ser produzidos sem essa vibração, ocorrendo assim o desvozeamento No PB, o desvozeamento de vogais acontece em posição átona final de palavra, por exemplo em vocábulos como papo, que deve, nesse caso, ser transcrito como: [papυ] (SEARA, NUNES, LAZAROTTO, 2011, p. 41) Em ‘apanhano / fingino/ pensano (do diálogo em estudo), a supressão do fonema /d/ ocorre por um processo de assimilação: quando os segmentos se tornam mais semelhantes, ou seja, um segmento assume os traços distintivos de um segmento vizinho. Esses processos assimilatórios também podem ocorrer entre 1304 Antonia Maria Medeiros da Cruz, Luzia Cristina Magalhães Medeiros, Carlos Eduardo Barros dos Santos vogais, são os casos de “harmonia vocálica, nos quais, por exemplo, as vogais da palavra menino se assemelham, quando as médias se elevam, transformando-se em altas, como em [mi’ninu]”. (ibid p. 109) No texto analisado percebemos diferentes ocorrências para a palavra não: “naum” e em outra incidência apenas a consoante “n”. Possenti (2009, p. 64) analisa a primeira grafia como uma aproximação muito clara da representação fonológica dos ditongos nasais, citando a correspondência de vogal + semivogal + arquifonema nasal, não é representado fonologicamente por /nawN/. A diferença consiste portanto em utilizar “m” e não “N”; e “u” ao invés de “w”, justificável, já que nosso hábito de leitura reconhece essa utilização (não utilizamos “w”, e sim o u; e ainda no final de palavras, grafamos muito com “m” no PB). Possenti (2009, p.17) e Elias (2014) confirmam que nem tudo que constitui o nosso conhecimento da escrita tem origem no nosso conhecimento da língua falada, mesmo que o internetês mostre uma associação clara com aspectos da oralidade/fala. Escrita virtual - aspectos relacionados a abreviações As modernas tecnologias da comunicação têm se tornado acessíveis aos estudantes e o aplicativo Whatsapp possibilitou a propagação de uma escrita com traços característicos do ambiente virtual, como abreviações de palavras, abreviaturas de termos técnicos ligados principalmente à informática, acrônimos, siglas e símbolos, no entanto, erroneamente, muitos acreditam que foram essas tecnologias motivo para a fértil produção desses aspectos linguísticos. Retrocedendo da era digital ao período da manuscrita, pesquisadores mostram a existência em grande escala de abreviações, a economia com papiro leva a redução de palavras. Muitos registros de abreviações são destacados em textos bíblicos e documentos oficiais. O telégrafo no sec. XIX valia-se da economia de linguagem. A mudança de suporte influenciou a mudança da escrita, porém no período dos textos impressos tampouco deixou de utilizar a linguagem abreviada. A leitura de anúncios de carros, por exemplo, exige do leitor o conhecimento pragmático de abreviaturas como AC, AIR, AQ, BCO, COM, DH, ARC, AUT, DIH, 1305 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais RLL, TRE, VV, FAM, VIE, AAF, PRC, REL, TER, ABS, SIG, DT, INS. O que dizer, então, da leitura de classificados? Possenti (2009), no capítulo 12, do livro Língua na Mídia trata do internetês, e faz uma análise da grafia de algumas palavras. Afirma que alguns processos de abreviação não possuem regularidades linguísticas e entre eles destaca: (1) registro gráfico do primeiro grafema de cada sílaba: vc (você), tc (teclar); (2) modo de enunciação oral: taum (estão), bele (beleza); (3) simplificação de dígrafos: aki (aqui), q (que); (4) empréstimo linguístico: add (adicionar) Possenti afirma ainda, que para o uso de abreviações, comum em textos do Whatsapp, não há regras rigorosas, por exemplo o mesmo processo de abreviação em “kbça” não acontece em “blz”. Nesse sentido, a abreviação parece ser uma das características mais marcantes da linguagem em gêneros virtuais aportados em redes sociais e uma linguagem que se vale da rapidez das interações como na oralidade,“a abreviação tem sido uma eficiente estratégia para economizar tempo e apressar o fluxo do pensamento”(Xavier, 2009, p.1, apud Bezerra, 2011, p.29). A estrutura silábica no português brasileiro é composta por vogais, consoantes e semivogais, sendo que cada um desses elementos ocupa uma posição na sílaba, tendo como elemento obrigatório as vogais. Estas ocupam a posição chamada de núcleo ou pico silábico (Seara, Nunes Lazarotto, 2011, p. 95). Apesar das vogais serem sempre núcleo silábico no PB, é possível notar, no diálogo analisado, um dos aspectos bem característicos da escrita virtual, a redução das palavras suprimindo as vogais, em vlw e blz, por exemplo, esse fenômeno ocorre com todas as vogais. De acordo com Possenti, isso ocorre pelo fato de algumas vezes os “nomes” das consoantes suprir a necessidade da vogal, (como no caso bê = b). Entretanto, para as demais letras não se justifica o uso fonológico do fonema, em /l/ e /z/, por exemplo, mesmo que o movimento vibratório da glote e os movimentos articulatórios que permitem a sonorização produzam um som, em /z/ seria necessário a articulação da vogal /a/ para a compreensão da sílaba final da palavra. Privilegia, então, a omissão de grafemas que ocupam a posição da rima silábica, 1306 Antonia Maria Medeiros da Cruz, Luzia Cristina Magalhães Medeiros, Carlos Eduardo Barros dos Santos em detrimento dos grafemas que ocupam a posição do ataque. O que, provavelmente, ocorre é explicado pela capacidade de memorização das palavras escritas e associação com as consoantes através do processo cognitivo de reconhecimento fonológico das palavras. Elias (2014) mostra um texto de pesquisa sobre a capacidade de leitura associada a palavras com supressão de vogais e consoantes em coda silábica ou com a posição trocada de letras na sílaba, “a única exigência para o reconhecimento é a palavra iniciar e terminar com as devidas letras nos devidos lugares” (p. 172). A autora conclui que não lemos letras, mas palavras e sintagmas inteiros. Por isso, é possível notar que o educando, ao abreviar, leva em consideração aspectos da estrutura silábica dos vocábulos, uma vez que há registros com a omissão de grafemas que ocupam a posição da rima silábica, e privilégio dos grafemas que ocupam a posição do ataque como em vc, tdb, bj, ctz, qq. A grosso modo, o processo de abreviação na escrita virtual se caracteriza, principalmente, pelo recorrente apagamento da vogal que representa a posição de núcleo da sílaba na constituição de abreviações. Confirmando a importância de representação gráfica das consoantes do ataque e da rima, devido a esse apagamento. Cabe analisar mais precisamente a opção do registro gráfico de consoante e ou semivogal que podem ocupar essa posição. No texto analisado, a abreviação ‘tbm’, apenas a sílaba tônica do vocábulo tem a posição de coda com o segmento nasal representado graficamente. Em alguns registros, a consoante nasal em posição de coda silábica, /N/, nem sempre é grafada, como em ‘vigou’ = vingou, ‘qdo’ = quando (palavras do texto) A escola e a relação com as novas formas de escrita nos ambientes virtuais Não podemos mais reclamar que os alunos de hoje não gostam de escrever. Com o advento das redes sociais a escrita de mensagens na internet, principalmente via whatsapp, tornou-se uma prática diária. Porém, as novas formas de escrita, informais e com respostas curtas, abreviadas, adotadas pelos jovens nas redes de comunicação virtual, são bastantes censuradas, suscitando vários preconceitos contra os usuários de tal escrita. 1307 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Portanto, o assunto ‘a escrita na era da cultura digital’ tão discutido informalmente pelos professores, deve se tornar objeto de estudo de forma mais aberta, para que possa ser melhor compreendido no âmbito das escolas e na sociedade em geral, se tornando desprendida de preconceito. Nas palavras de Marcuschi apud Bezerra (2011, p.28), “a escola não pode passar à margem dessas inovações sob pena de não está situada na nova realidade dos usos linguísticos...”, ou seja, os desafios impostos pelas novas tecnologias em relação à escrita merece atenção por parte dos educadores, no sentido de envolverem-se em novas práticas, tornando-se capazes de bem lidar com essas manifestações e utilizá-las como forma de construção do conhecimento. São diversas as opiniões dos professores em relação a utilização dessa nova forma de escrita. Uns a veem como uma ameaça ao português padrão, uma agressão dos brasileiros incultos. Por outro lado, existem docentes que acreditam se tratar de uma necessidade de comunicação por meio das tecnologias, que possibilitam recriar a organização dos recursos linguísticos na tela do computador. Já os educandos, em conversa informal sobre o assunto na escola, garantem que a escrita utilizada nas redes sociais, whatsapp, por exemplo, é uma atividade prazerosa, e revelam que os recursos recursos utilizados para agilizar a conversa, tais como abreviações, reduções e etc. não prejudicam o aprendizado da língua culta, pois sabem distinguir que a linguagem usada na escola é diferente da internet; destacando que os professores não aceitam esses mesmos recursos nos trabalhos escolares. Ressaltam ainda que assim como na fala, a forma de escrita também deve se manifestar dependendo do espaço. No contexto informacional, que configura o ciberespaço das sociedades, são muitas as formas de interação nas redes sociais, porém o Whatsapp vem tomando grande dimensão no dia a dia dos educandos, tornando-se impossível ignorá-lo no espaço da sala de aula. “Fosse apenas mais uma gíria, esse “dialeto escrito na tela” não teria causado tanto frisson e certamente não meteria medo em alguns conservadores das formas tradicionais de uso da escrita. O fato é que não se trata de mais uma gíria a nossa disposição no mercado verbal da língua portuguesa”. (cf Paiva apud Xavier, 2014, p.178) 1308 Antonia Maria Medeiros da Cruz, Luzia Cristina Magalhães Medeiros, Carlos Eduardo Barros dos Santos Assim, o whatsapp deve ser considerado como mais uma ferramenta que contribui com a educação linguística. Assim, o professor precisa repensar a prática pedagógica, juntando o agradável ao útil, se propondo a formar sujeitos capazes de conhecer o mundo em suas múltiplas dimensões. No entanto, nós professores precisamos entender que não podemos continuar reproduzindo as mesmas atitudes num paradigma educacional que favoreça apenas a troca de suporte. Na verdade, devemos construir uma nova articulação entre tecnologia e educação buscando uma proposta educativa que as utilize enquanto mediação para uma determinada prática educativa. (Coscarelli, Juliane Corrêa 2014, p. 47). Temos que questionar, constantemente, se as estratégias que estamos utilizando realmente possibilitam a formação de escritores competentes. Antes de pensar em estratégias para lidar com as novas formas de escrita fazse necessário se livrar dos preconceitos, aceitando-as como fato. Nas palavras de Xavier (2014, p.177): “Desprovido de qualquer indisposição, será possível torná-lo como objeto de aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa e até de literatura brasileira. No primeiro caso, é possível pensar em exercícios de retextualização. Comparando a forma gráfica do internetês com a reprodução do mesmo conteúdo sem tais marcas, podendo levar o aprendiz a perceber a grafia oficial das palavras dentro de um contexto específico de produção. Verter do internetês para a escrita padrão exige movimentos sensóriosmotores e visuais que poderão conduzir o aprendiz à consciência da adequação e, consequentemente, à flexibilidade quanto ao uso dos grafemas alfabéticos.” A criação de situações que fomentem a reflexão sobre a presença desse ‘dialeto’, no sentido de verificar a pertinência e o abuso, ponderando a respeito de suas limitações e ocasiões, é uma forma de evitar o uso indiscriminado. Nós professores precisamos também ser criativos no sentido de inventar novas formas de lidar com essa realidade propondo atividades de acordo com cada turma de alunos, buscando sempre reinar o diálogo, construindo alternativas de ações educacionais. Assim, com essas e outras atividades os alunos podem perceber os desafios de brincar com a diversidade da linguagem e se interessar pela língua materna, enxergando as suas formas expressivas, da qual também faz parte as novas formas 1309 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de escrita no whatsapp e demais redes sociais, sem no entanto confundir os contextos de utilização. O prazer que é sentido pelo educando em situações comunicativas mediadas pelos suportes digitais deve ser valorizado e respeitado pelo professor, daí a relevância da valorização dessas formas de escrita. O professor que descobre novas maneiras de lidar, inteligentemente, com as inovações de escrita presentes nas redes sociais, poderá contribuir com ações pedagógicas que aproximem o aprendiz das reflexões necessárias ao domínio da linguagem padrão, partindo deste “dialeto escrito na tela”, que tão bem já manuseia (cf Xavier, 2014, p.179). Há urgência de nós professores, desenvolvermos estratégias de ensino-aprendizagem da línguagem significativa e prazerosa. Referências BEZERRA, Benedito Gomes. Leitura e Escrita na Interação Virtual. EDUPE, Recife, 2011. CÂMARA JR. Dicionário de lingüística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1997,p. 100. ELIAS, V. M. Ensino de língua portuguesa: oralidade, escrita e leitura/ organizadora Vanda Maria Elias. – 1.ed., 3ª reimpressão.- São Paulo: Contexto, 2014. GEE, J. P. What videogame hás to teach us about learn and literacy. Palgrave, Mcmillan, New York, 2003. KIRNER, C. E SISCOUTO, R. Realidade Virtual e Aumentada: Conceitos, Projeto e Aplicações. Livro do Pré-Simpósio IX Symposium on Virtual and Augmented Reality. Petrópolis – RJ, 28 de maio de 2007. LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. In. SOARES. M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Acessado em 23 de novembro de 2014. 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O objetivo deste trabalho foi desenvolver atividades colaborativas utilizando o alfabeto fonético a fim de que os aprendizes desenvolvessem uma consciência fonológica de como alguns sons são pronunciados na Língua Espanhola e diminuíssem os erros no momento de pronunciar as palavras. Um questionário foi aplicado para traçar o perfil de como os aprendizes estudam, quanto tempo eles se dedicam ao estudo do idioma alvo diariamente e se já tiveram a oportunidade de viajar para algum país onde se fala Espanhol como primeira língua. Foi feita a gravação de frases em Espanhol antes do trabalho com o alfabeto fonético e uma gravação posterior para verificar a eficácia ou não da metodologia aplicada. CAGLIARI (1996), MASIP (2003a), MASIP (2003b). Palavras-chave: Alfabeto fonético, aprendizagem da língua espanhola. Aprendizagem colaborativa, Ensino- ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino COMO UTILIZAR O ALFABETO FONÉTICO PARA O APERFEIÇOAMENTO DA PRONÚNCIA DE APRENDIZES BRASILEIROS DE LÍNGUA ESPANHOLA Adriana Barbosa de Santana Nascimento (SEDUC-PE)1 Izabel Cristina Barbosa de Oliveira (SEDUC-PE)2 Introdução Aprender uma segunda língua requer muita dedicação e contato diário. O aprendiz também deve estar atento para as características, como: ritmo, entonação, pronúncia e a ordem que as palavras podem ter dentro de uma frase. Quando o idioma foco é semelhante ao nativo, podemos nos deparar tanto com pontos positivos, quanto negativos. A proximidade destas línguas pode ajudar a aprender, mas ao mesmo tempo, levar o aprendente a fazer certas suposições de pronúncia, formação de palavras que os conduzem ao erro. É possível perceber que há muitas semelhanças entre os fonemas do Espanhol e do Português, isto se dá devido à origem 1. Formada em Letras (Português-Inglês) pela UPE, pós-graduada em Linguística (UPE), Tecnologias em Educação (PUC/Rio). Mestranda pelo ProfLetras (UPE - Campus Mata Norte). Professora na SEDUC-PE. Contato: [email protected]. 2. Formada em Letras (Português-Francês) pela UFPE, pós-graduada em Inglês (FAFIRE), Espanhol (UFPE), Libras (FIJ) e Português (Barão de Mauá). Mestranda pelo ProfLetras (UPE – Campus Mata Norte). Técnica em Tradutor/Intérprete de Libras (ETEASD). Professora na SEDUC-PE e professora colaboradora na UFRPE e UPE. Contato: [email protected]. 1313 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais que possuem os dois idiomas, segundo Masip (2003b, p.20) “nossos idiomas possuem um perfil linguístico semelhante, porque têm uma mesma origem latina e influências parecidas [...] para sermos exatos, português e espanhol não são idiomas, estritamente falando, mas duas variantes dialetais do latim”. É normal que as pessoas levem um tempo para se acostumarem à nova pronúncia, quando estão aprendendo um novo idioma. Mas é primordial que, desde cedo, o professor de idiomas inicie um trabalho utilizando a fonética a fim de desenvolver a consciência fonológica do aprendiz. Isto é, que o aprendiz seja capaz de refletir e perceber as diferenças e semelhanças encontradas entre o idioma nativo e o novo idioma que está estudando. Esta consciência fonológica o ajudará a perceber seus próprios erros no momento de pronunciar alguma palavra e fazer sua autocorreção, quando necessário. O incentivo à utilização do alfabeto fonético nas aulas de Língua Espanhola ajudará a melhorar a pronúncia do aprendiz de maneira mais eficiente e significativa. A aprendizagem colaborativa, mesmo nas aulas de fonética, mostra-se bastante eficaz uma vez que os aprendizes podem se ajudar tanto nas pesquisas no dicionário, quanto no levantamento de dúvidas com relação à pronúncia e solução de problemas. Porém, o professor deve estar atento e detectar, primeiramente, quais os fonemas que apresentam maior dificuldade de pronúncia ou que chamam mais atenção, e, desta forma, desenvolver atividades envolvendo o alfabeto fonético e trabalhos colaborativos, que minimizem ou solucionem de vez este problema. É possível desenvolver atividades colaborativas de fonética que sejam instigantes ao aprendiz e que os envolva a fim de desenvolver sua consciência fonológica, aprimorando seu aprendizado, e, principalmente, sua pronúncia. Português e espanhol, semelhanças e diferenças fonológicas As Línguas Portuguesa e Espanhola possuem a mesma origem, são latinas. Por isso, são línguas tão semelhantes. Estas semelhanças levam muitos aprendizes de Língua Espanhola a confundirem várias pronúncias, pois suas semelhanças não estão limitadas apenas às palavras, mas as pronúncias e sons. 1314 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira Observe o quadro abaixo que demonstra os fonemas pertencentes ao Espanhol, ao Português e aqueles comuns aos dois, segundo Masip (2003b, p.21). Fonemas españoles Fonemas comuns ao espanhol e ao português Fonemas comunes al español y al portugués Fonemas y ejemplos Fonemas Ejemplos esp. /ɵ/ cena, zapato /y/ yeso /x/ jamás, gente /tʃ/ muchacho /r/ red, perro /i/ /e/ /a/ /o/ /u/ /p/ /b/ piso pera casa sopa muro, Walter puerta balón, vida, Walfrido tela día casa, queso, kilo, Vich, tax[ks]i ganado fiesta sed, extenso, tax[ks]i /t/ /d/ /k/ /g/ /f/ /s/ /m/ /n/ /ᶮ/ /l/ /ʎ/ /r/ mano nada uña lado calla para Fonemas portugueses Exemplos port. Fonemas e exempl. piso, verde pêra casa sopa muro porta bola /ɛ/ festa /ɔ/ hora /ɑ/ cantámos* /v/ vida /z/ zebra /ʃ/ chá, xícara /Ʒ/ jogo, gente /ʀ/ rede, gorra tela dia casa, queijo, táx[ks]i gado festa sino, peça, passa, desça, excede, paz, exsudar, máximo, cede, consciência, táx[ks]i mão nada unha lado calha para * Este é o único fonema próprio e exclusivo do português falado em Portugal 1315 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Com tantas semelhanças nas pronúncias, é normal que aprendizes iniciantes de Língua Espanhola troquem de um fonema por outro, mesclando tanto palavras quanto sons do Espanhol para o Português e vice-versa. Ao todo temos 19 fonemas em comum, que pertencem aos dois idiomas, contra 5 que existem apenas no Espanhol e 8 que existem no Português, 7 deles do Brasil. Com relação aos traços vocálicos entre o Espanhol e o Português, podemos analisar o quadro abaixo de Masip (2003b, p.22). Espanhol Fonemas-letra Timbre Duração/duración Português Existe una correspondencia perfecta. O fonema /i/ realiza-se mediante as letras i i e e (vive); o fonema /u/, por meio de u, o (furo). ► Apertura. Aunque las vocales se producen con diverso grado de apertura según su posición, este rasgo no es distintivo. ► Nasalidad. Es de índole consonántica. Sólo se nasalizan, suavemente, las vocales iniciales anteriores a consonantes nasales (Ana) o situadas entre dos consonantes nasales (Niño). ► Abertura. Possui duas vogais abertas: /ɛ/ pedra y /ɔ/ fora. ► Nasalidade. É de índole consonantal. Nasalisam-se fortemente todas as vogais que antecedem uma consoante nasal, tanto se estão situadas na mesma sílaba (canto) quanto na sílaba precedente (cama). ► Las vocales duran aproximadamente lo mismo, sea cual sea su posición. ► Los diptongos crecientes (nieto), aunque son más lentos que los decrecientes (causa), forman una unidad silábica. ► As vogais tônicas prolongam-se especialmente quando fecham uma palavra ou grupo fônico: vou para ca:sa. ► Os únicos ditongos crescentes formam-se com a semivogal [w] qual, água. Os restantes são hiatos (viagem, viúva, miojo...), produzidos com uma certa lentidão. 1316 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira A partir destas informações, podemos constatar que o Espanhol e o Português se diferenciam também em outros 2 traços muito importantes, além do fonêmico, o timbre das vogais e a duração de sua pronúncia. Um problema claro para o aprendiz brasileiro de língua espanhola é que, como exemplifica a tabela acima, a correspondência fonema-letra é regular no Espanhol, o que não acontece em Português. Diante da palavra chave, o falante do Português se depara com o mesmo fonema que inicia a palavra xícara, porém este mesmo fonema representa letras diferentes. Enquanto no Espanhol o fonema observado na palavra muchacho para o dígrafo -ch, também pode ser percebido na palavra chico equivalendo ao mesmo dígrafo. Quanto ao timbre do Espanhol, todos os fonemas apresentam similaridade, não havendo tão grande variedade de fonemas e alofones para cada letra como no Português. O que poderia parecer um facilitador para a aprendizagem da língua espanhola pelo aprendiz brasileiro converte-se num problema, pois este terá a tendência de relacionar a pronúncia dos fonemas do Espanhol de acordo com a diversidade de fonemas e alofones que conta a língua portuguesa. A palavra bolígrafo (caneta) apresenta a letra o que tem pronúncia média, porém para um aprendiz brasileiro, que em seu contexto de fala, pronuncia a letra o de maneira aberta e, às vezes, como se seu fonema fosse /u/ terá dificuldade de manter a regularidade de timbre e duração da pronúncia da letra o que aparece na sílaba inicial e no final da palavra. A tendência natural do falante brasileiro será pronunciar a letra o da primeira sílaba de maneira aberta ou fechada e ao final da palavra converter o fonema referente a letra o em u. O Espanhol e o Português apresentam muitas semelhanças e diferenças, mesmo tendo sido originadas do latim não são a mesma língua. Suas semelhanças podem aproximar o aprendiz brasileiro da compreensão desta língua estrangeira pela semelhança dos fonemas, porém deve-se prestar a devida atenção ao fato de que são línguas diferentes, que se desenvolvem em ambientes diferentes, sofrendo influências distintas. Por que e para que ensinar fonética e fonologia A Fonética estuda os sons da fala, voltando-se para os mecanismos de produção e audição, enquanto a Fonologia estuda os sons de uma língua, dando 1317 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais ênfase ao ponto de vista de sua função. Ambas constituem campos profícuos de estudo para a compreensão de como funciona e se comporta qualquer língua. Pois oferecem subsídios para o professor de Língua Estrangeira compreender de maneira mais ampla como o idioma alvo de seus estudos se apresenta. O ensino de língua estrangeira tem suas particularidades. Por se tratar de um idioma não dominado pelo estudante, pode apresentar sons que não fazem parte do repertório fonético do aprendiz, o que pode lhe causar estranheza no primeiro contato. Quando a busca pelo conhecimento desse idioma não é feito por opção do educando, mas por imposição da grade curricular da escola, essas diferenças fonéticas podem tornar a aprendizagem mais difícil. Quando se trata do ensino de uma língua estrangeira, perceber a pronúncia dos fonemas se faz bastante necessário. Identificar que ela é diferente, tem sua organização própria e não é uma tradução de outro idioma, faz com que o aprendiz veja a língua estrangeira com uma identidade própria, diferente de sua língua materna. Porque é comum buscar referências no idioma já conhecido para construir significado para o que se ouve, ou lê. Cagliari (1996, p. 18) justifica esse comportamento dizendo que: “Todo falante nativo usa sua língua conforme as regras próprias de seu dialeto, espelho da comunidade linguística a que está ligado.” A apreensão dos fonemas de uma língua estrangeira requer atenção e cuidado porque, como acontece em qualquer idioma, a alteração de um fonema na palavra pode ocasionar a alteração de seu sentido semântico. Numa língua existem valores sonoros diferentes para cada símbolo alfabético, e a ortografia por si só não nos dá uma orientação clara sobre a pronúncia da língua e seus dialetos. Com o objetivo de tornar mais precisa essa pronúncia é que os linguístas elaboraram o Alfabeto Fonológico Internacional, [...]. (Cagliari, 1996, p. 53) Na prática das aulas de língua estrangeira, é importante transcender a mera repetição das palavras. Faz-se necessário desenvolver a percepção, dos aprendizes, dos fonemas de cada palavra que se ouve. Estimulando o desenvolvimento de sua consciência fonológica. A consciência fonológica é a percepção consciente dos fonemas das palavras, mesmo não absorvendo completamente seu significado semântico, perceber que uma palavra se pronuncia de maneira diferente de outra, perceber que 1318 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira uma palavra tem mais fonemas que outra, ou que um mesmo fonema aparece representado por letras diferentes fazem parte do desenvolvimento da consciência fonológica. Pois o aprendiz de uma língua estrangeira baseia sua pronúncia no conjunto de fonemas de sua língua nativa, fazendo constantemente relações entre os fonemas, que está ouvindo na língua estrangeira, e os fonemas que já conhece de sua língua materna. Uma criança que escreve disi não está cometendo um erro de distração, mas transportando para o domínio da escrita algo que reflete sua percepção da fala. Isto é, a criança escreveu a palavra não segundo sua forma ortográfica, mas segundo o modo como ela a pronuncia. Em outras palavras, fez uma transcrição fonética. Por outro lado, uma criança que leia a palavra disse dizendo duas sílabas de duração igual está transportando para a fala algo que a escrita ortográfica insinua (ou que faz lembrar a fala artificial da professora...) (Cagliari, 1996, p. 30) Ao estudar uma língua estrangeira o aprendiz fará a relação mais lógica para pronunciar a palavra. Quando ainda não internalizou a pronúncia dos fonemas da língua estrangeira que está estudando, se apoiará nos fonemas que conhece de sua língua materna. Ou em alguma palavra que aprendeu da referida língua estrangeira e que apresenta a mesma letra, julgando que em todas as palavras aquela letra apresenta o mesmo fonema. Porém essa estratégia de pronúncia pode não ser bem sucedida porque as letras não apresentam um único fonema para cada uma delas, ou, um mesmo fonema pode aparecer representando diferentes letras. A relação entre as letras e os sons da fala é sempre muito complicado pelo fato de a escrita não ser o espelho da fala e porque é possível ler o que está escrito de diversas maneira. [...] É uma ilusão pensar que a escrita é um espelho da fala. A única forma de escrita que retrate a fala, de maneira a correlacionar univocamente letra e som, é a transcrição fonética. (Cagliari, 1996, p. 117) Cagliari defende que a transcrição fonética é a única forma possível de transcrever “univocamente letra e som”. Então, o professor de língua estrangeira pode se beneficiar desse conhecimento aprofundando seus estudos na fonética e fonologia da língua estrangeira que ensina, e desenvolvendo estratégias em sala 1319 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de aula para seus aprendizes perceberem a importância de desenvolverem sua consciência fonológica. Quando se escreve usando os símbolos do IPA (International Phonetic Alphabet – Alfabeto Fonético Internacional), está-se fazendo uma transcrição fonética em que a relação entre letra e som é unívoca. Essa relação não ocorre necessariamente na escrita ortográfica, uma convenção que já se afastou muito da relação letra-som. (Cagliari, 1996, p. 53) Somente apresentar as palavras escritas para que os aprendizes repitam não desenvolve a consciência fonológica dos educandos, é necessário expandir o leque de atividades para tal. Quanto mais o aprendiz seja exposto de maneira reflexiva ao conhecimento que se pretende ofertar a ele, mais efetiva se torna sua compreensão. Atividade nas quais o aprendiz interaja com o conteúdo, relacione fonemas a letras, identifique palavras que apresentam mesmo fonema, repita palavras que tragam determinado fonema, faça gravações e ouça sua própria voz, para poder identificar a pronúncia mais adequada para o fonema de acordo com diversos exemplos apresentados anteriormente, atividades coletivas para que os aprendizes compartilhem suas opiniões e possam refletir sobre suas ações e de seus colegas diante do aprendizado da língua estrangeira, podem tornar a aprendizagem da língua estrangeira mais significativa. Ouvir palavras diversas na língua que está sendo estudada, compará-las a outras que apresentam mesmos fonemas, pesquisar e listar palavras que apresentam determinada letra, porém com fonemas diferentes atribuídos a ela, listar palavras cognatas, empregar as palavras em textos, ouvi-las em textos de circulação social. Fazer com que o aprendiz treine seu ouvido, sendo a ele ofertado mais do que somente a pronúncia do professor, que pode carregar em sua pronúncia marcar particulares. Ao comparar diferentes contextos orais nos quais se encontram os fonemas e palavras estudados, o aprendiz percebe a diversidade de possibilidades para o fonema estudado. Repete, emprega-o, escreve, traduz, infere, apropria-se dele. Desenvolve sua consciência fonológica. 1320 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira As aulas de fonética e aprendizagem colaborativa e os problemas de pronúncia apresentados O estudo foi desenvolvido no Núcleo de estudos de Línguas (NEL) que é um curso de idiomas que prima pela abordagem comunicativa em suas aulas. As aulas de Língua Espanhola no Núcleo de Estudos de Língua ocorrem duas vezes por semana e têm duração de uma hora e vinte minutos. Foram utilizadas 4 aulas para desenvolver o trabalho com fonética. O grupo escolhido para o estudo foram aprendizes do nível 1, do primeiro período do curso básico que tem o total de dois anos, equivalentes a 4 períodos. O professor já vinha percebendo que os aprendizes iniciantes apresentavam maior dificuldade de internalizar determinadas pronúncias de alguns fonemas. Após um período de observação, veio a ideia de investigar, sob ótica da fonologia, como essa resistência à pronúncia de alguns fonemas acontecia e que estratégias poderiam ser utilizadas para tornar a aprendizagem efetiva. Na primeira aula o professor fez um levantamento de quais fonemas os aprendizes tinham maior dificuldade em pronunciar, a partir de leituras em voz alta. Foram percebidos 8 sons (/e/, /o/, /ɵ/, /x/, /l/, /ʎ/, /t/, /tʃ/) que eles ou pronunciavam semelhante ao português, equivocando-se no momento de falar ou tinham maior dificuldade de fazê-lo. Supondo que o problema se originava da relação que o aprendiz fazia da letra com o fonema equivalente em sua língua materna, a pesquisa requisitou um questionário para conhecer o perfil dos aprendizes. Passou-se um questionário para traçar um perfil deste aprendiz. Neste questionário constavam perguntas referentes à sua rotina de estudos da língua espanhola. Dentre as perguntas, se ele já havia estudado Espanhol antes, se já teve contato com falantes nativos em viagens e quantas horas de estudos ele dedicava na aquisição desta língua. Alguns aprendizes foram convidados a terem suas vozes gravadas na leitura de algumas frases, de maneira voluntária, para serem analisadas posteriormente. Isto nos permitiu analisar com maior exatidão quais fonemas apresentavam maiores problemas de pronúncia e desenvolver uma atividade voltada para estes casos. 1321 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Após a primeira gravação realmente constatou-se o que já se percebia, a dificuldade com a pronúncia dos fonemas citados. Desta forma, elaborou-se uma aula utilizando palavras em que apareciam estes fonemas. As palavras, apresentando os fonemas, selecionados foram projetadas em um slide, cada som foi dividido em uma coluna diferente, o professor pediu para os aprendizes refletirem como cada palavra era pronunciada e começou a perguntar aos alunos onde a língua se posicionava ao pronunciar cada uma delas. Também foi perguntado se havia diferenças ao pronunciar, por exemplo: gente e gato, aos alunos, para levá-los a refletir. Pois ambas as palavras são grafadas com “g”, mas esta letra está diante de vogais diferentes, o que faz com que a pronúncia não seja da mesma maneira. Podemos observar, abaixo, um dos slides utilizados em sala no qual as palavras foram propositalmente escritas de maneira que os alunos pudessem comparar vários tipos de pronúncia que ocorrem da mesma letra em Espanhol e em Português. Além da pronúncia do “g” visto anteriormente, outro fonema que gera muito problema na pronúncia é o /l/ quando aparece em sílaba final. Quando ele precede uma vogal, tanto em Português quanto em Espanhol ele é pronunciado da mesma maneira, mas quando está no final, em Português, ele pode ter o mesmo som do /u/, como em: cantil [kantiw], papel [papɛw], canal [kanaw], farol [farɔw]. 1322 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira As vogais também causam problemas de pronúncia. Sabe-se que em Português, o “e” no final das palavras pode ser pronunciado como “i”, deixando de ser uma vogal média-baixa “ɛ” ou média alta-anterior “e”, para se pronunciar como uma vogal alta. Ou seja, em Português o “e” pode ser pronunciado de forma aberta ou fechada ou ainda pronunciado como “i” quando ocorre em sílaba final, como em: leit[i] e índic[i]. Este fenômeno já não acontece em Espanhol, uma vez que a vogal “e” será pronunciada, independentemente de sua posição na sílaba, como um “fonema vocálico (port./esp.), médio/alto (fechado), anterior, palatal: cera” de acordo com Masip (2003b, p.9). Fenômeno semelhante ao “o”, que pode ser aberto ou fechado e pode ser pronunciado como “u” em sílaba átona e final em Português, como em: navi[u] e s[u]taque, mas em Espanhol será um “médio/alto (fechado), posterior, velar: sopa”, ainda de acordo com Masip (2003b, p.9), mesmo quando ocorrer em final de sílaba, como podemos perceber em: privilegi[o] e hij[o]s. Observe o quadro abaixo sobre a articulação dos sons das vogais em português. Disponível em <http://www.dle.uem.br/fonetica/vogais.html> Acesso em: 02/08/15 Desta forma, as duas aulas de fonética, foram levando os aprendizes a refletirem sobre a importância de conhecer como o aparelho fonador se comporta e como a articulação se desenvolve para pronunciar as palavras em outro idioma, neste caso, o Espanhol, que por mais que seja muito parecido com o Português, existem várias diferenças na hora de pronunciar as palavras. 1323 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Logo, as aulas ficaram dispostas da seguinte maneira. Na primeira aula aconteceu a gravação das frases lidas em voz alta pelos alunos, para uma análise mais aprofundada das pronúncias e aplicação do questionário. Na segunda, houve o trabalho com o slide apresentando os sons que os aprendizes têm dificuldades e discussões sobre como pronunciar as tais palavras. No terceiro momento, os alunos trabalharam em grupos de 2 a 3 integrantes, com o dicionário e o alfabeto fonético. Eles observaram o alfabético fonético (ao lado das palavras) e começaram a associar os sons com a aula anterior. Neste momento eles deveriam buscar 5 palavras que tivessem os mesmos sons trabalhados, os fonemas que apresentaram alterações ao serem pronunciados, e montar um diálogo ou frases que inserissem estas palavras para posteriormente, ser feita outra gravação. Na quarta aula, os aprendizes chegaram, alguns com pequenos diálogos, outros com frases criadas por eles para lerem em sala ou encenarem. Foi visível a preocupação das pessoas envolvidas neste projeto com a pronúncia e o posicionamento correto, principalmente da língua, para ler as palavras. Depois do ensaio, um grupo de pessoas se dispôs a fazer novas gravações para poder comparar com as primeiras e observar se houve alguma melhoria na pronúncia. Durante esta atividade ficou constatado, na observação do professor, que os aprendizes, neste momento, já sabiam consultar a pronúncia das palavras no dicionário, utilizando o alfabeto fonético e tinham desenvolvido uma consciência fonológica, pois antes de falarem já refletiam sobre os sons das palavras que iriam pronunciar e a melhor forma de posicionar a língua para produzir o fonema desejado. Resultados De 15 aprendizes que comparecem regularmente nas aulas de Língua Espanhola de nível I, 15 responderam ao questionário, mas apenas 7 se dispuseram a gravar algumas frases para podermos fazer a análise da pronúncia. Pudemos perceber que dentre os sons que apresentavam maiores dificuldades de pronúncia /e/, /o/, /ɵ/, /x/, /l/, /ʎ/, /t/, /tʃ/, com o trabalho de intervenção utilizando o alfabeto fonético e atividades colaborativas, houve uma pequena melhora na 1324 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira pronúncia de alguns fonemas, quando comparamos as gravações antes e depois da atividade colaborativa. Observe o gráfico 1. Gráfico 1 - Erros de pronúncia por aluno As colunas azuis representam os erros ocorridos antes do trabalho colaborativo com fonética, e as vermelhas os erros cometidos após o processo interventivo. Podemos observar que houve melhora na pronúncia de alguns fonemas. Os fonemas o /e/ e o /ɵ/ apresentaram a mesma quantidade de erros nas gravações anteriores e posteriores ao trabalho, 57% e 14% respectivamente. Os fonemas /o/, /x/ e o /l/ apresentaram uma melhora, logo, uma diminuição nos erros de pronúncia, 71%, 57% e 57%, respectivamente, diminuíram todos para 29% de erros. Já o /t/ não apresentou nenhum problema de erros nem nas gravações antes nem depois do trabalho. O fonema /ʎ/, que não apresentou nenhum erro na gravação inicial, apresentou um erro na gravação posterior (14%) e o /tʃ/ (57%) foi o fonema que apresentou, antes da gravação, uma das maiores quantidades de erros, junto com /e/, /o/, /x/ e /l/, mas que teve um aumento no erro de pronúncia na gravação feita após o trabalho em sala de aula, 71%. Podemos perceber que esta metodologia foi eficiente para aprimorar a pronúncia dos fonemas /o/, /x/ e /l/, pois houve uma diminuição significativa nos erros cometido pelos aprendizes na segunda gravação. 1325 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais É importante frisar que esta pesquisa e este trabalho foram realizados em 4 aulas, acreditamos que, neste momento, após a análise, seja importante refletir sobre alguns aspectos, como: 1. Identificar desde cedo as dificuldades de pronúncia dos aprendizes iniciantes e em quais fonemas eles apresentam maior dificuldade; 2. Refletir se a metodologia trabalhada é eficaz ou se há uma necessidade de aprimoramento para diminuir, de maneira mais significativa, os problemas de pronúncia; 3. Ampliar o número de atividades que envolva a fonética nas aulas de língua estrangeira; 4. Meditar o porquê de este trabalho ter funcionado para o aprimoramento da pronúncia de alguns fonemas e outros não, e; 5. Desenvolver novas estratégias de ensino-aprendizagem para trabalhar com os fonemas que ainda apresentam dificuldades de serem pronunciados. Desta forma, acreditamos que o ensino de língua estrangeira pode ser aprimorado com a conscientização dos profissionais em relação à inserção do alfabeto fonéticos nas atividades voltadas ao ensino ou aprimoramento de pronúncia, e consequentemente, ao desenvolvimento da consciência fonológica por parte do aprendiz. Com relação ao questionário aplicado, que foi adaptado de uma tese de mestrado de SCHUSTER, 2009, pudemos traçar um perfil do aprendiz que freqüenta o NEL e seus hábitos de estudo. Como os alunos são iniciantes, eles tiveram, em média, até o dia da aplicação do questionário, cerca de 4 meses de curso, uma vez que as aulas iniciaram em de fevereiro. 1326 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira Gráfico 2 - Nível de escolaridade No gráfico 2, podemos observar o nível de escolaridade dos aprendizes que frenquentam o NEL e constatamos que temos dois grandes grupos, um de Nível Médio completo, com 33% e outro com alunos que representam ainda estar cursando o Fundamental II ou o Ensino Médio ou com curso superior incompleto. No gráfico 3, observamos quantos aprendizes já estudaram Espanhol em outra instituição e percebemos que em sua grande maioria, 93% dos aprendizes, tiveram o primeiro contato com o estudo desta língua no NEL. Gráfico 3 - Estudou espanhol em outra instituição 1327 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Gráfico 4 - Viajou para país onde se fala espanhol como 1ª língua No gráfico 4, observamos que 87% dos aprendizes nunca tiveram a experiência de viajar para um país onde a primeira língua seja o Espanhol. E nas questões abertas presentes no questionário, nas quais se pede para indicar o motivo que o levaram a estudar Espanhol, pudemos constatar alguns mais significativos, que foram mais citados, como: preencher a rotina, curiosidade, achar o idioma bonito, para se tornar uma pessoa bilíngue e por causa do mercado de trabalho. Em outra questão, foi perguntado como os aprendizes costumam estudar fora da aula, e foi constatado que eles estudam de diversas formas, como: escutando música, lendo livros, assistindo a filmes legendados e utilizando jogos em espanhol. Considerações finais Foi possível perceber que o desenvolvimento de um trabalho colaborativo com a utilização da fonética pode trazer benefícios, ainda que pouco, ao processo de ensino-aprendizagem dos aprendizes de língua estrangeira. Mas o processo de autocorreção foi fundamental, pois foi possível perceber que os aprendizes realizaram mais correções no momento de se expressarem oralmente, posicionando a língua de maneira correta. Este aspecto demonstra que os aprendizes começaram a criar sua consciência fonológica, tão importante no processo de aquisição de uma língua. No 1328 Adriana Barbosa de Santana Nascimento, Izabel Cristina Barbosa de Oliveira momento em que falam, param e refletem se a pronúncia está correta ou não, é quando o aprendiz começa a construir sua autonomia de aprender, percebe seus erros e ao mesmo tempo é capaz de corrigi-los ou buscar, com perguntas ao professor, ou por pesquisas, como superar determinada dificuldade. Mas este momento de reconhecer seu próprio equívoco é primordial para seu crescimento como aprendiz. Esperamos que este trabalho possa abrir outras oportunidades de pesquisa e ajude a outros profissionais da área de idiomas a observar a importância de se trabalhar com a fonética a fim de auxiliar na aprendizagem da pronúncia de outro idioma, mas de maneira colaborativa e reflexiva para que o aprendiz também desenvolva sua consciência fonológica que o possibilitará a criar sua autonomia e aprender cada vez mais de forma independente. Referências CAGLIARI, Luiz Carlos Alfabetização e Linguística. 9ª Edição, Editora Scipione, São Paulo, 1996. MASIP, Vicent. Fonología y Ortografía españolas. Curso integrado para brasileños. 2ª reimpressão, Edições Bargaço, Recife, 2003a. ______. Gramática histórica portuguesa e espanhola. Um estudo sintético e contrastivo. Editora EPU, Recife, 2003b. SCHUSTER, Luciana. Erros fonéticos persistentes na produção em espanhol como língua estrangeira: um estudo com alunos do centro-oeste brasileiro. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras, Goiânia, 2009. 1329 RESUMO Neste trabalho, será feita uma breve reflexão em torno da escrita e possíveis influências, de caráter fonológico, sofridas por ela. O corpus da pesquisa constitui-se da seleção de palavras extraídas de textos, coletados de uma turma do 4º Ano do Ensino Fundamental. Serão destacadas, para efeito de análise, apenas palavras que evidenciem a ocorrência de desvios de ortografia, ocorridos, possivelmente, devido a traços da oralidade. O que se pretende com este estudo é mostrar o quanto a oralidade pode influenciar a recorrência de equívocos na escrita de estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. De modo que seja possível levar o professor a refletir, mediante a ocorrência de determinados fenômenos, bem como a apontar direções, caminhos que possam subsidiá-lo na prática, para que estas hipóteses de escrita – equivocadas - sejam revistas ainda nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Por tratar-se de textos de alunos, cuja escrita encontra-se em um nível de formação inicial, ainda não consolidada ortograficamente, as discussões partirão do processo de aquisição da língua escrita embasadas em Ferreiro e Teberosky (1999); assim como, em Morais (2012), além de orientar-se sob uma perspectiva de aprofundamento quanto à importância do conhecimento fonológico, contemplado em Simões (2006). Na pretensão de justificar as ocorrências dos equívocos supracitados, será feita uma reflexão à luz da Fonologia, contemplada em Oliveira (2005) e, sobretudo, em Seara et al (2015) e Cagliari (2009). Dentre os resultados da análise, foram encontrados alçamentos, hipossegmentação, a ocorrência de marcadores de nasalização, a monotongação, dentre outros eventos diagnosticados na escrita, em detrimento da maneira como falam. Palavras-chave: Fonologia, Oralidade, Ortografia. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino DA ORALIDADE À ESCRITA: A FONOLOGIA E OS PERCALÇOS DA CAMINHADA À ESCRITA ORTOGRÁFICA Maria Ladjane dos Santos Pereira (UPE) Girlândia Cavalcanti Gomes Bezerra (UPE) Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz (UPE) Introdução Em uma sociedade letrada e grafocêntrica é relevante que se perceba que o domínio da escrita integra parte das necessidades de um sujeito efetivamente letrado. À medida que o indivíduo precisa comunicar-se por vias escritas, em determinadas instituições, ou em situações mais informais, através de um bilhete para a mãe, por exemplo, ele busca na escrita a representação do que em dadas situações, não seria atingido pela fala. Nesse sentido, a escola precisa mediar o contato formal do aluno com a escrita desde os anos iniciais. Apesar de os textos selecionados para a pesquisa serem de alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, que corresponde a uma etapa em que se espera que o aluno domine os mecanismos de escrita, faz-se necessário compreender, mesmo nessa fase, a escrita enquanto processo e, como tal, apresenta etapas para que se consolide como ortográfica, isto é, nos padrões formais da língua. O comprometimento dos anos iniciais com o letramento leva professores a uma preocupação constante com o domínio da escrita padrão, deixando um pouco de lado o fato de que a língua apresenta suas variações na fala e, conse- 1331 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais quentemente, estas são levadas à escrita. De acordo com Simões (2006), no que concerne ao período de letramento É óbvio o compromisso da escola com o domínio da língua em seu registro padrão, o qual é manifestado, na escrita, pelo estilo formal. Contudo, o período de letramento quase sempre coincide com o choque entre a variante popular (do aluno) e a variante padrão (do professor), especialmente nas metrópoles. Assim, para o aluno, aprender a forma escrita no modelo da fala do professor é quase como aprender a escrever em uma língua estrangeira (p. 48). Para a mesma autora, as práticas de letramento que se iniciam cobrando do aluno a escrita dentro dos padrões formais da língua, pode ser um obstáculo para facilitar o desenvolvimento das habilidades de escrita. Eis que surgem alguns questionamentos, o que cabe ao professor ensinar? Ou ainda, qual o melhor caminho para a condução à escrita ortográfica? É importante mencionar que o objetivo deste trabalho não é trazer receitas, mas suscitar reflexões sobre a necessidade de o professor desenvolver um olhar diferenciado para certos eventos, de modo que possa buscar auxílio na Fonologia a fim de compreender tais eventos que surgem ao longo do processo de aprendizagem da escrita ortográfica. Relação oralidade e escrita Em estágios iniciais de apropriação da escrita, é comum que a criança associe a escrita à forma como fala, com o tempo e através do contato sistemático com textos, começa a perceber que a escrita não representa, de fato, a fala. Doravante, é provável que compreenda que ambas são formas de representação cognitiva e social distintas da língua, ou seja, não se escreve como fala, tampouco, em situações reais de comunicação, o contrário. Cabe esclarecer que não se pretende, aqui, defender que os erros de ordem gráfica são condicionados pela oralidade, convém enfatizar, que o presente estudo refere-se a textos produzidos por alunos em processo inicial de desenvolvimento da escrita e, que nesta fase, têm como referência o modo como falam, com suas variações. Conforme corrobora Cagliari (2009), é ao longo do processo, que 1332 Maria Ladjane dos Santos Pereira, Girlândia Cavalcanti Gomes Bezerra, Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz a criança torna-se capaz de separar a escrita da oralidade, passando a perceber que a escrita não é um espelho da fala. Nessa perspectiva, é interessante perceber a estreita relação do desenvolvimento da escrita da criança e o modo como a escrita, enquanto sistema, se desenvolveu em nossa sociedade. Em um breve histórico, com base cronológica, o desenvolvimento da escrita ocorreu em três etapas: a pictórica, a escrita ideográfica e a alfabética. Esta, por sua vez, evoluiu da escrita ideográfica. Assim, é comum associarmos o modo como as crianças supõem a escrita, na fase inicial. Se, por exemplo, pedir-se para que a criança escreva a palavra casa, é possível que faça o desenho de uma casa. Dessa maneira, a criança tem a ideia do significado, não entende ainda o significante. Ao analisar a relação entre a fala e escrita, convém apontar Marcuschi (2001), apesar de sua obra Da fala para a escrita: atividades de retextualização, não centrar suas discussões na influência da oralidade na escrita ou vice-versa, o autor faz um apanhado desses dois domínios linguísticos, que ilustra bem a relação entre ambas. A fala tem sido vista na perspectiva da escrita e num quadro de dicotomias estritas porque predominou o paradigma teórico da análise imanente ao código. Enquanto a escrita foi tomada pela maioria dos estudiosos como estruturalmente elaborada, complexa, formal e abstrata, a fala era tida como concreta, contextual e estruturalmente simples. (MARCUSCHI, 2001, p. 37, Grifos do autor). É a partir desse aspecto que convém deixar claro, que apesar de muitas serem as discussões nesse entorno, que fala e escrita pertencem a domínios distintos. Partindo dessa relação, a escrita exige por parte da criança um maior nível de abstração. É comum na fase inicial da aquisição da escrita, que a criança utilize o conhecimento internalizado que possui no que se refere à estrutura da sua língua. Nos primeiros contatos com a escrita, na escola, a criança utiliza representações que lhe parecem familiares, em busca de estabelecer uma relação entre elas, devido a uma suposta regularidade na língua. Dessa maneira, Ferreiro e Teberosky (1999) defendem que 1333 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais (...) deixemo-la escrever, ainda que seja num sistema diferente do sistema alfabético; deixemo-la escrever, ainda que seja seu próprio sistema idiossincrático, mas sim para que possa descobrir que seu sistema não é o nosso, e para que encontre razões válidas para substituir suas próprias hipóteses pelas nossas” (p. 288). Nesse sentido, percebe-se como a escola precisa conceber a escrita e de que maneira esta deve ser apresentada à criança, pois ela vai criando suas hipóteses até que se chegue à representação do que se tem por convenção, a ortografia. É comum nesta fase que a criança faça analogias como por exemplo, bebi, comi, jogui, o que poderá refletir na escrita. Para Morais (2012), ao refletir sobre a psicogênese da escrita (FERREIRO & TEBEROSKY, 1999), aponta que é necessário um olhar diferenciado para os “erros” dos alfabetizandos, de modo a interpretá-los, pois sinalizarão para o que as crianças já sabem e o que precisam saber. Ao se deparar muitas vezes com produções dos alunos, cujas trocas de letras são recorrentes, determinando quase que um “atentado” à imaculada ortografia, os professores, muitas vezes, desviam o olhar às razões que motivaram a ocorrência dos desvios, encarando-os apenas como transgressões à norma por alguém que não “sabe” escrever. Se desconhece as motivações para tais ocorrências, como poderá intervir efetivamente? Cagliari (2009, p. 121), ao tratar dos “erros” ortográficos, traz uma sequência de transgressões que, para o autor, decorrem principalmente por fazer da escrita uma “transcrição fonética da fala”, são eles: 1) o aluno escreve i em vez de e, porque fala [ i] e não [e] ; 2) escreve u em vez de o, porque fala [u] e não [o]; duas vogais em vez de uma, por usar na sua pronúncia um ditongo; escreve uma vogal em vez de duas, porque usa na sua pronúncia um ditongo; não escreve o r, por não haver som equivalente na sua fala; não escreve o r, pois pronuncia a vogal que o antecede de forma mais longa, juntando o som do r. Com base nessa visão de Cagliari é que são descritos os dados coletados. Com ênfase a outros problemas que têm como fonte, a fonologia, na relação entre a fala e a escrita. 1334 Maria Ladjane dos Santos Pereira, Girlândia Cavalcanti Gomes Bezerra, Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz A situação didática proposta e os desvios de ortografia com bases fonológicas No que concerne à situação didática, a professora vinha trabalhando uma sequência didática, com textos da ordem do narrar (SCHNEWLLY & DOLZ, 2004), nesta etapa, portanto, trabalhava contos de fadas. Ao longo das últimas aulas, vinha fazendo a leitura do conto A princesa e o grão de ervilha, na versão de Hans Cristian Andersen, bem como em uma mais moderna, em uma adaptação de Eunice Braido, com o intuito de fazê-los perceberem diferenças entre as duas versões. Nessa etapa, após explorar o texto oralmente, de modo interativo, solicitou que imaginassem o que será que acontece depois de “foram felizes para sempre”, daí surgiu uma versão coletiva, cuja escriba foi a professora. Espontaneamente, alguns alunos pediram para criarem os próprios textos, e a professora, prontamente, os estimulou a tal. Nesse momento, surge o corpus da pesquisa. Utilizando-se dos textos coletados na turma de 4º Ano do Ensino Fundamental, percebeu-se a recorrência de “erros” ortográficos com grande tendência a terem resultado da associação à fala, algo já mencionado anteriormente. No primeiro texto, o estudante optou por fazer o reconto escrito, retextualizando da versão oral para a escrita. Enquanto, no segundo texto, seguiu o comando inicial de criar um texto a partir da expressão “felizes para sempre”. Em ambos os textos, a professora ao analisá-los, não fez qualquer referência por escrito no que se refere às inadequações, mas elencou as mais recorrentes para uma atividade posterior em sala. Como já fora bastante citado, o 4º Ano do Ensino Fundamental corresponde aos anos iniciais, com isso, não se pode esperar, obrigatoriamente, que esses estudantes dominem a escrita ortograficamente. Dentre os desvios de ortografia mais recorrentes, de possível relação fonológica foram categorizados três: alçamentos, hipossegmentação, a ocorrência de marcadores de nasalização, a monotongação, dentre outros eventos diagnosticados na escrita, em detrimento da maneira como falam. Partindo do pressuposto de que o conhecimento sobre a língua falada medeia o processo de aprendizado da língua escrita, sugere-se que tais ocorrências 1335 anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais na escrita tenham influência direta da fala. Muitos dos textos analisados trazem traços da variação linguística, pois é por meio dos sons que os educandos se guiam nas primeiras produções escritas, isso quando já ultrapassaram a fase ideográfica. Dessa maneira, é imprescindível que o professor alfabetizador consiga traçar caminhos que facilitem o desenvolvimento das habilidades de ortografia ainda nesta fase. Breve análise dos textos É de suma importância o olhar do professor, enquanto pesquisador, pois ele norteará as práticas de ensino. A partir do momento em que são encontradas as fragilidades de escrita dos alunos, poderá o docente agir de modo direcionado em cada uma delas. Nesta turma, no contato com as produções escritas, o professor percebeu, dentre outros problemas de ortografia, marcas da oralidade em determinadas palavras. Com isso, ao identificá-las, pode traçar ações que contribuíssem, mesmo que a longo prazo, para a aprendizagem da escrita ortográfica. Cabe ressaltar que os textos foram selecionados devido a recorrência desses fenômenos. No primeiro texto, o aluno 1 optou pelo reconto do texto lido e ouvido durante as aulas. Conforme segue: Figura 1: Texto 1 1336 MARIA LADJANE DOS SANTOS PEREIRA, GIRLÂNDIA CAVALCANTI GOMES BEZERRA, SILVÂNIA MARIA DA SILVA AMORIM CRUZ Ao escrever, o aluno preocupou-se em contar a história, levando em conta elementos/fatos que julgou importantes. O texto apresenta características de uma narrativa, com sua situação inicial, com o conflito, o clímax, o desfecho. Imagine-se, então, o professor focar os desvios de ortografia, como é comum acontecer? Mas se este consegue identificar os avanços na escrita do aluno, assim como, as dificuldades que ainda precisam ser revistas, possibilitará maior aprendizagem por parte do aluno. Apesar da ocorrência de vários problemas ortográficos, para efeito de análise, apenas alguns trechos serão destacados, a fim de incitar uma reflexão à luz da Fonologia, pois é comum que os alunos, nesta fase, façam uma transcrição fonética da fala. De acordo com Cagliari (2009), Apagamento do r final, uma vez que não há correspondência na fala, fato que ocorre em: ([...] que “ser” sangue real) (chegou e disse deixe a princesa “entrar” [...]) 1337 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Em ambos os trechos, ocorre o apagamento do r, como marca de infinitivo, algo que na fala não costuma ser pronunciado. A troca de u por o, pois fala [u] e não [o]; ou ainda, escreve i em vez de e porque fala [i] e não [e], como em: (“trovejava”) ([...] “e” o príncipe chegou e disse “deixe” [...] “senão) Pode-se perceber ainda, que a criança está testando suas hipóteses de escrita, nos mesmos ambientes, ora escreve uma letra, ora outra. Outro aspecto interessante, no que diz respeito a truvejava, pois essa é uma variação bem recorrente no Nordeste, para a forma verbal trovejar. Vale acrescentar a troca dos fonemas, em detrimento da maneira como pronuncia: ([...] “procurou”) ([...] “procurando”) Escreve uma vogal em vez de duas, ocorrendo um monotongo, como em: ([...] eu “estou”) Na fala, é cada vez mais comum que haja o apagamento de determinados sons finais, por efeito, muitas vezes, da “lei do menor esforço”, em que o falante 1338 Maria Ladjane dos Santos Pereira, Girlândia Cavalcanti Gomes Bezerra, Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz comum busca a simplificação da sílaba, apagando o travador que, por sua vez, pode ser vocálico ou consonantal (SIMÕES, 2009). Substituição de fricativa vozeada v por oclusiva vozeada b, devido à pronúncia: (“brava”) Marcadores de nasalização: (“tinha”) (“rainha”) (”manhã”) No programa escolar, muitas vezes a nasalização é ensinada tardiamente. Opta-se por ensinar as sílabas simples, para mais tarde, as complexas, o que pode acarretar alguns problemas no uso de marcadores de nasalização. Por mais que a criança perceba na fala, a nasalização, utiliza hipóteses próprias para representá-la na escrita. Forma morfológica diferente, na construção, por exemplo, de um verbo pronominal. Por associação a construções do tipo “achá-la”, “encontrá-la”: (“achou ela”) 1339 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Juntura intervocabular e segmentação: ([...] “se casaram e ficaram” [...]) Em análise mais profunda, outros aspectos poderiam ser destacados, todavia, o recorte aqui sinaliza para a ocorrência de desvios da ortografia por relação direta com a fala. No texto 2, há uma menor concentração de “erros”. Em seu texto, ao aluno buscou seguir o comando dado pela professora de imaginar o que poderia acontecer depois do “felizes para sempre”. Figura 2: Texto 2 Troca da terminação do verbo no pretérito com o futuro, na 3ª pessoa do plural: (Eles se “casaram” e “tiveram”) 1340 Maria Ladjane dos Santos Pereira, Girlândia Cavalcanti Gomes Bezerra, Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz Omissão do h inicial, já que este não tem som, é uma convenção ortográfica da palavra: (“homem”) Hipercorreção, algo comum quando o aluno já conhece a forma ortográfica de determinadas palavras e sabe que diverge da respectiva pronúncia: (“real”) Em ambos os textos, os alunos lançam mão de suas hipóteses de escrita, por ora, ainda equivocadas, procurando na fala elementos que lhe deem suporte quanto estimulados a escreverem. Os recortes apresentados contribuem na percepção do quanto à variação na fala faz-se presente na escrita de estudantes em fase de desenvolvimento da escrita. Ao professor cabe identificar os problemas, de modo que possa intervir pontualmente em cada um deles. Obviamente, não é um processo que vem com um manual de instruções e que funcione da mesma forma para todos. São necessárias diferentes estratégias para cada situação, ou ainda, para cada sujeito. E agora, professor? Ao longo do trabalho, fica evidente quão responsável é o professor no papel de mediador de um processo complexo de aprendizagem, que é o domínio da escrita ortográfica. A partir do momento em que consegue identificar o problema, poderá unir seus esforços em prol da superação de tais obstáculos. No ensino da escrita, é primordial que o professor compreenda um pouco de Fonologia, pois o ajudará a entender certos eventos, comuns na fase de alfabetização, até que se chegue à proficiência na escrita. 1341 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Corroborando com isso, Ferreiro e Teberosky (1999) propõem que se deve estudar a construção dos conhecimentos de escrita, visando a identificar os processos cognitivos que integram a sua aquisição, assim como entender as hipóteses de escrita da criança. Para Oliveira (2005) a criança, ao longo de seu processo de aprendizado da escrita, utiliza um sistema de representação calcado na fala para um sistema de representação calcado na língua. Todavia, sugere-se que a escrita ortográfica incorpora outras nuances, que o aprendiz deverá superar através de seu processo de aprendizado. São várias as possibilidades para o professor trabalhar com os seus alunos, uma vez diagnosticadas as dificuldades. Ao colocar o aluno em contato com diferentes textos, terá maior probabilidade, em momentos futuros, de aumentar as possibilidades de representação da escrita, com base em situações que lhe são mais comuns. Atividades como o treino ortográfico, ditados – alvos de críticas entre alguns pesquisadores – possibilitará ao aprendiz um contato com a ortografia, facilitando, paulatinamente, que seja incorporada. Seara (2015) sugere que o professor trabalhe exercícios fonoarticulatórios que exercitem áreas específicas, como por exemplo, ao imitar o motor de um carro, imitar sons de animais, a criança estará estimulando a percepção de sons. Ou ainda com o auxílio de jogos, durante as aulas, podendo promover um bingos ortográficos com consoantes cujos usos geram mais equívocos. Diante do exposto, torna-se imprescindível uma reflexão por parte do docente a fim de que possa buscar estratégias para lidar com os problemas de ortografia, ainda no ensino fundamental, para que estes não venham a acompanhar o aluno na sua trajetória escolar, pois muitos não os superam na infância, levando-os ao longo da vida. Este trabalho apenas sinaliza o quanto a Fonologia pode subsidiar o professor na compreensão de certos equívocos na escrita dos alunos, assim como, pode apontar caminhos para intervir em cada um deles. Como foi dito inicialmente, não se pretendia aqui trazer receitas, mas convidar a refletir para a influência da oralidade na escrita, também não se almeja hierarquizar uma ou outra, o que Rojo (2009) deixa bem claro, ao dizer que “nesses casos, mais vale analisar as diferenças sociolinguísticas que desvalorizar o falar do aluno em favor da escrita 1342 Maria Ladjane dos Santos Pereira, Girlândia Cavalcanti Gomes Bezerra, Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz e da língua padrão” (p. 69). Acredita-se que equívocos desse tipo são sanados à medida que o sujeito trabalha a escrita sendo parte do processo natural de aprendizagem. Referências CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 2009. FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Artmed Editora. Porto Alegre. 1999. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo, Cortez, 2001. MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012. OLIVEIRA, Marco Antônio de. Conhecimento linguístico e apropriação do sistema de escrita. Belo Horizinte, Ceale/FaE/UFMG, 2005. ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo, Parábola Editorial, 2009. SIMÕES, Darcília. Considerações sobre a fala e a escrita: fonologia em chave. São Paulo, Parábola Editorial, 2006. SCHNEUWLY, B. DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Tradução e Organização: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, Mercado das Letras, 2004. SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane. Para Conhecer Fonética e Fonologia do Português Brasileiro. São Paulo, Contexto, 2015. 1343 RESUMO O presente artigo intitulado “Influências de traços da oralidade presentes nas produções escritas de alunos do 6º ano”, surge através da excitação decorrente da observação da marcante presença de marcas típicas da comunicação oral que levam ao educando a manifestá-la também perante a linguagem verbal na modalidade escrita, fenômeno que permite aos educandos escrever em suas produções textuais, palavras escritas do mesmo modo como são pronunciadas em seu cotidiano, não levando em consideração que embora a linguagem oral apresente regras de padronização, encontra-se extremamente mais aberta do que as produções escritas onde a gramaticidade exige produções que sigam uma manifestação coerente com a norma culta padrão. Assim, a pesquisa tem como objetivo mais saliente, identificar os principais traços da oralidade presentes na produção textual dos alunos do sexto ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Targino Pereira da cidade de Araruna – PB. Do mesmo modo, visa promover uma prática de intervenção que possa amenizar os conflitos existentes envolvendo a produção oralizada da língua e a produção textual escrita, levando sempre em consideração que embora essas duas modalidades possam ser apreciadas de modo estanque, há sempre uma relação de conjuntura envolvendo ambas e, por isso, sempre haverá influência de uma sobre a outra. Palavras-chave: Letramento, Produção textual, Oralidade na escrita. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino INFLUÊNCIAS DE TRAÇOS DA ORALIDADE PRESENTES NAS PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO 6º ANO Jairo José da Silva Gualberto1 (UPE) Introdução Este trabalho tem como objetivo inicial, atender educadores e pesquisadores que enfrentam dificuldades na execução de atividades que privilegiam a produção escrita, em especial na disciplina de Língua Portuguesa em escolas pertencentes à educação básica, que por vezes, enfrentam dificuldades em discernir nas produções de seus alunos, erros de ortografia gerados por vários fatores, entre os quais se destaca: desatenção, ausência da palavra em seu vocabulário, inconsistência de determinada regra gramatical, permuta de marcas orais para a escrita etc. Desse modo, a escola escolhida para essa pesquisa e posterior prática de intervenção foi a Escola Estadual de Ensino Fundamental Targino Pereira na cidade de Araruna – Paraíba, onde foram escolhidas três turmas de educandos que pertencem a 6ª série do ensino fundamental, somando-se um total de 90 alunos. A problemática observada e trabalhada nessas turmas foi a marcante presença dos traços da oralidade presentes em produções de textos produzidos por esses indivíduos em aulas da disciplina de Língua Portuguesa. 1. Mestrando no Curso Profissional em Letras – PROFLETRAS (UEPB); Mestrando em Formação Educacional, Interdisciplinaridade e Subjetividade – (UNASUR); Especialista em Ciências Ambientais – (SINTEP); Especialista em Geografia e História do Brasil – (FALC); Graduado em Licenciatura Plena em Geografia – (UEPB); Graduado em Licenciatura Plena em Letras – (UFPB). Email: [email protected]. 1345 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Nessa perspectiva, esse trabalho tem como objetivo principal, observar o nível de letramento desses indivíduos em relação as suas produções textuais, assim como, tornar os educandos envolvidos na pesquisa, sujeitos mais conscientes em relação à presença dessas marcas orais em seus textos, visando minimizar e/ou sanar essa problemática a fim de proporcionar uma melhor aplicabilidade prática da norma culta quando da produção de estruturas textuais, sejam elas, escolares ou não. Para isso, tornou-se necessário um acompanhamento durante um mês dessas turmas em relação a todos os processos escolares que tinham como base a produção textual, esse fenômeno só tornou-se possível, devido o pesquisador já ser professor dessas turmas aludidas e, portanto, mais familiarizado com a realidade dos educandos. Tópico teórico A presença das marcas orais presentes na produção escrita é um fenômeno em que “as crianças normalmente têm formas sistemáticas de reduzir as palavras adultas a formas que se adéquam a suas capacidades de produção” (LEONARD, 1991, p. 281 apud OTHERO, 2005). Tomando como base essa percepção, compreende-se que as crianças em estagio de maturidade oral, tendem a facilitar sua produção oralizada a fim de facilitar sua comunicação e para isso, fazem o uso do método da lei do menor esforço, a qual, às vezes, coloca em risco à compreensão, no entanto, por ser realizada de modo oral pode ser interpretada e aceita logo de imediato, fato que na maioria das vezes não se encontra disponível quando há utilização desses traços orais na execução da linguagem verbal escrita, pois não é uma comunicação que privilegia a sincronização e por isso necessita estar embasada em regras pautadas na gramática normativa. Desse modo, a presença das marcas orais na comunicação textual, certamente, pode tornar-se algo imensuravelmente negativo ou comprometedor para uma comunicação concreta e compreensível, provocando duvidas, ou até mesmo, má interpretação do que fora produzido. 1346 Jairo José da Silva Gualberto Essas oralidades citadas, geralmente se manifestam através de alterações fonéticas, as quais se apresentam “de várias formas, como: acrescentamento ou supressão de fonemas; troca de lugar; permuta de sons; nasalização ou desnasalização; sonorização de fonemas surdos; ditongação; palatização; labialização, etc.”. (LESSA, p. 70, 2009). Portanto, esses fenômenos fonéticos tendem a modelar a forma mecânica como a palavra ou expressão é dita na oralidade e influenciam a produção escrita, embora, o inverso também possa acontecer, como afirma Schwindt et’al (2007), “não é apenas a oralidade que influencia na escrita, mas a escrita tem função determinante sobre a fala”, no entanto, direciona Botelho que “inicialmente é a oralidade que inicia o ciclo de influências mútuas”. Em contrapartida quando o efeito é inverso, ou seja, quando a prática escrita influencia a oralidade, não há o mesmo impacto, tendo em vista que quando a palavra escrita modela a forma falada, observa-se certa melhoria devido à palavra escrita ser mais regrada em consonância com a prática da norma culta, transposição que perante a sociedade é aceita como mais correta. Assim, para não correrem o risco de não se fazerem entender, os educandos submetidos à pesquisa e intervenção devem estar ao final desse processo, aptos a observarem com maior fluência, expressões que possam estar sendo utilizadas por eles de modo a privilegiar a prática oral em situações em que estas não sejam cabíveis ou bem aceitas, para posteriormente, encontrar-se mais suscetível a desenvolver suas práticas cidadãs de modo mais completo e continuar desenvolvendo em si a sistemática que beneficia um letramento mais dinâmico, nos moldes da discursividade. Aspectos metodológicos Tendo em vista realizar uma pesquisa que pudesse refletir as principais dificuldades ostentadas pelos educandos pertencentes ao 6º ano do ensino fundamental, em relação à permuta que permite a alocação de traços característicos da linguagem oral para a produção escrita, tornou-se necessária a utilização de um delineamento metodológico que permita uma prática embasada na intervenção. Seguindo principalmente a ótica que permite compreender que “intervenções em Educação, em especial as relacionadas ao processo de ensino/apren1347 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais dizagem, apresentam potencial para, simultaneamente, propor novas práticas pedagógicas (ou aprimorar as já existentes), produzindo conhecimento teórico nelas baseado”. (DAMIANI, 2012, p. 2). Para que a pesquisa pudesse ser realizada, foi necessário selecionar turmas de uma escola para que a prática de intervenção fosse aplicada, desse modo, as turmas selecionadas foram às turmas do 6º ano A e B do turno manhã e a turma do 6º ano C do turno tarde, onde se encontram matriculados de modo geral, oitenta e seis educandos. O fenômeno que motivou a escolha de alunos do sexto ano advém da compreensão de que nessa etapa, o estudante egresso, é submetido a uma nova realidade em seu modo de ver a escola e, portanto, a disciplina de Língua Portuguesa divide seu espaço com outras disciplinas, fenômeno que tende a distanciá-la um pouco do aluno, em relação às fases educacionais anteriores. Em consonância com o estabelecimento escolhido para a realização da pesquisa foi a Escola Estadual de Ensino Fundamental Targino Pereira da cidade de Araruna/PB. A escola selecionada, além de ser a escola mais antiga em funcionamento do município apresenta as condições necessárias para que o pesquisador possa ter acesso livre à observação e consequentemente aplicar à prática de intervenção. A pesquisa tornou-se mais progressiva e acessível devido o mestrando/pesquisador já ser professor daquela instituição há três anos proporcionando um ambiente mais flexível, pois pela familiaridade, a integração envolvendo educandos e pesquisador tornou-se menos formalizada e por tanto, mais disposta a quebrar formalidades que poderiam permitir uma mudança de postura dos educandos perante a pesquisa. A situação problema observada pelo pesquisador para promover uma prática de intervenção, como já aludido, assenta-se sobre as dificuldades enfrentadas pelos educandos em relação ao uso incoerente da utilização de traços fonológicos típicos da linguagem oral perante o desenvolvimento de atividades de produção de texto, onde a linguagem verbal escrita demonstra-se a única formalizada diante da norma culta. Nesse contexto, essa incoerência de uso da linguagem verbal na modalidade escrita demonstra-se mais clara quando os indivíduos são instigados a realizarem produções textuais, pois os traços orais se demonstram presentes principal- 1348 Jairo José da Silva Gualberto mente através de desvios gramaticais, devido esses, utilizarem marcas da oralidade e as transportarem para a escrita de modo a transcrever palavras imitando a prática fonológica. Visando aferir um levantamento de dados com maior nível de credibilidade perante essa situação, foi proposto que os educandos dessas turmas fossem submetidos à realização de uma atividade de produção de texto, onde esses traços orais poderiam se manifestar perante a escrita de modo natural e amplamente coerente com a proposta da pesquisa. Nessa perspectiva, os alunos foram submetidos a uma atividade de produção de texto onde eles deveriam fazer uma carta pessoal a um amigo imaginário distante, convidando-o a vir passar a Semana Santa em Araruna, cidade onde esta alocada a escola campo de estudo e respectivamente, município onde os alunos residem, atividade essa, que se encontra na parte dos anexos do artigo. A atividade aplicada propunha, portanto, que os indivíduos fizessem essa carta pessoal a um amigo distante que gostaria de conhecer sua cidade e como a Semana Santa em Araruna é realizada de modo representativo, onde praticamente toda comunidade participa, tornou-se oportuno que a carta “convite”, demonstrasse todos os pontos positivos da cidade e por consequência destacar as festividades culturais e religiosas do período da quaresma. Além disso, os educandos deveriam convencer o receptor a fazer a visita a sua cidade, portanto, eles deveriam ser persuasivos e amigáveis, assim, poderiam fazer uso de vários artifícios que demonstrassem os pontos positivos desse município, cabendo ainda, uma breve descrição das características sociais do emissor. Análise e proposta de intervenção Tendo em vista que os traços da oralidade podem trazer danos significativos à utilização da norma culta vigente, principalmente no que concerne à construção textual, esse artigo, destinou-se a observar quais os principais motivos que geram essa forte ligação envolvendo a linguagem falada e a linguagem escrita quando esses alunos são instigados à produção em caráter textual. A fim de proporcionar uma melhor adequação dos mecanismos de usos da ferramenta verbal, a pesquisa proporcionou uma amostragem acerca de quais os 1349 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais principais problemas enfrentados por esses indivíduos quando são invocados a traduzir suas ideias através da linguagem verbal escrita. Para que de fato houvesse uma comprovação de que os traços da oralidade encontravam-se demasiadamente presentes nas produções escritas desses educandos envolvidos, tornou-se necessária aplicação de uma atividade inicial de produção de texto. Assim, a atividade utilizada empregou como recurso o gênero literário carta pessoal, nela, os educandos deveriam convidar um amigo para visitarem a cidade durante a Semana Santa, período em que Araruna/PB experimenta um período bastante festejado e celebrado pelos munícipes. A atividade de produção de texto administrada aos educandos como meio de identificação de sinais da oralidade refletidos nas produções escritas segue na íntegra logo abaixo, nela o aluno era instigado que: Faça uma carta pessoal destinada a um colega distante que gostaria de passar a Semana Santa em sua cidade, assim, demonstre todos os pontos positivos do lugar que você mora e possíveis atividades que vocês poderão fazer quando ele chegar. Foi ainda ofertado como dica que o educando colocasse na carta, informações sobre ele, tais como: Que esportes gosta de praticar; Se tem animal de estimação; Quais as brincadeiras que você mais gosta; Músicas preferidas, filmes mais marcantes, programas de TV preferidos, quais os desenhos animados que você mais curte, cite outros amigos seus, lugares que você geralmente vai para se divertir etc. Essa atividade serviu de base para um levantamento de quais os principais problemas encontrados pelos educandos que justificassem tais variações envolvendo a presença dos movimentos orais inseridos na prática escrita desses educandos. Após a prática metodológica inicial, tendo como objetivo, sanar e/ou diminuir a incidência da presença irregular das marcas orais na execução da produção textual escrita, a primeira ação foi observar as atividades realizadas pelos alunos e fazer um levantamento de dados com todas as palavras que demonstravam características que permitiam identificar como sinais claros da permuta trazida da linguagem verbal oral para a linguagem verbal escrita. 1350 Jairo José da Silva Gualberto Assim, constatou-se que há de fato uma imensurável presença de sinais característicos da oralidade presentes nas produções textuais dos educandos submetidos, segue a lista com as palavras que mais se repetiram durante a prática de intervenção e suas possíveis causas. • vinhece - Epêntese: aumento de fonemas no interior da palavra; Palatalização em busca de harmonização vocálica; • passa - Apócope: surge quando há uma supressão no final da palavra; Apagamento de uma consoante líquida não lateral em posição final da palavra; • mais - Epêntese: aumento de fonemas no interior da palavra, (Ditongação) em busca de harmonia vocálica; • i - Dissimilação vocálica regressiva por substituição de fonema em busca de harmonia vocálica; • mi - Dissimilação vocálica regressiva por substituição de fonema através da lei do menor esforço; • bobi - Paragoge: aumento de fonema no final da palavra. Assimilação em busca de harmonização vocálica; • escreve - Apócope: ocorre quando há uma supressão no final da palavra, nesse caso, apagamento de consoante líquida lateral em posição final de palavra; • dirvito - Hipértese: transposição de um fonema de uma sílaba para outra; • adori - Síncope: surge quando há uma supressão de fonema no meio da palavra, caracteriza-se como lei do menor esforço através da monotongação; • dificio - Dissimilação vocálica regressiva por substituição de fonema, substituição de uma consoante líquida lateral por uma semivogal a fim de promover a harmonização vocálica através da ditongação; • quemada - Síncope: surge quando há uma supressão de fonema no meio da palavra. Após essa etapa, por apresentar uma quantidade muito significativa desses itens listados, tornou-se necessários identificar os principais problemas en- 1351 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais frentados pelos educandos para posteriormente criar mecanismos que pudessem amenizar o problema. Portanto, observou-se que é comum a utilização de Metaplasmos por aumento, provocados pela Epêntese que é o aumento de fonemas no interior da palavra como pode ser observado na palavra vinhece que foi utilizada no lugar de viesse, mais quando devia ser utilizado mas, e a Paragoge quando há aumento de fonemas no final da palavra, por exemplo, Bobi no lugar de Bob etc. Há também à prática de utilizar Metaplasmos por supressão, ocorridos pela manifestação da Apócope, que surge quando há supressão de fonemas no final das palavras, como ocorre nos verbos no infinitivo, os alunos utilizaram: passa em vez de passar ou escreve no lugar de escrever, ocorrendo também a Síncope quando há ausência de fonemas no meio das palavras, como pode ser observado em quemada onde deveria ser utilizada queimada ou adori onde o indicado seria adorei. Outro fenômeno bem marcante é a utilização de Metaplasmos por Transformação, ou seja, quando há a troca de fonemas em uma palavra, como por exemplos, i no lugar de e, mi quando deveria ser me e dificio no lugar de difícil. Havendo ainda incidência de Metaplasmos por transposição que é quando há uma mudança de fonema de uma sílaba para outra, como ocorre em dirvito tomando lugar de divirto. Por tanto, como método de intervenção, foi construído um texto escrito em forma de carta pessoal onde o amigo imaginário respondia a carta convite. Nessa carta de resposta, encontravam-se presentes as principais palavras destacadas no levantamento feito pelo pesquisador anteriormente, nessa oportunidade, grafadas e destacas dentro do texto de modo a seguir a norma culta da língua portuguesa, a fim de fazê-los identificar facilmente esses vocábulos e posteriormente, fixá-los na mente de modo mais sistemático. Observemos o modelo de carta entregue e lida com alunos como resposta a carta que eles enviaram para um amigo imaginário. As palavras destacadas fazem parte do levantamento feito na carta enviada por eles inicialmente, portanto, essas foram as que mais se repetiram de modo a confundir a execução oral com a produção escrita. 1352 Jairo José da Silva Gualberto João Pessoa, 29 de abril de 2015. Olá, é com imenso prazer que lhe respondo a carta que você me enviou convidando-me para visitar e conhecer sua cidade, confesso que adorei recebê-la, no entanto, não pude ir devido um pequeno problema de saúde que me deixou acamado durante toda a Semana Santa, mas lhe digo que não há o que se preocupar, pois já está tudo bem e brevemente estarei aí com todos vocês curtindo essa cidade maravilhosa que você mencionou na sua carta. Quero ainda lhe dizer que estarei indo assim que puder, mas acredito que é muito difícil ir agora, mas ouvi dizer que aí as Festividades Juninas são bastante atraentes, por isso, eu e toda minha família estamos planejando estar aí durante esse período para que possamos juntos com vocês curtir bastante, não apenas a cidade, mas também o friozinho que você mencionou quando me escreveu. Assim, espero brevemente estar mais uma vez com você e sua família para firmarmos ainda mais nossa amizade. Aguardando esta tão sonhada viagem onde irei passar muitos dias com vocês te desejo muita saúde e felicidade de seu grande amigo de hoje e sempre, sinta um grande abraço para você e toda sua família, fiquem com Deus e até breve. Na sequência foi solicitado que os educandos criassem frases onde aquelas palavras estivessem presentes a fim de identificar os possíveis avanços conquistados na atividade anterior, assim, de fato foi comprovado que a grande maioria dos educandos conseguiu assimilar as diferenças características entre as palavras grafadas anteriormente por eles de modo oralizado e posteriormente, de modo a seguir a norma culta escrita. Por fim foi entregue os textos iniciais que eles tinham produzido e foi solicitado que eles com auxílio do dicionário e das atividades que eles tinham realizado, corrigissem as palavras que se encontravam com algum desvio em relação à norma culta padrão na modalidade escrita. 1353 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Considerações finais Embora que o desenvolvimento da pesquisa possa ter conseguido um avanço significativo perante a problemática em relação à influência da oralidade na atividade de produção textual, fica demonstrado não há como em um pequeno espaço de tempo resolver problemas tão generalizados, assim, o ideal seria que houvesse uma prática constante e linear de atividades que privilegiassem o desenvolvimento consciente da utilização da modalidade oral perante a escrita. Essa necessidade torna-se mais característica, devido não haver nas escolas, um trabalho que possa focalizar de modo mais apreciável o desenvolvimento da prática oral, fenômeno causado provavelmente pela ausência de técnicas que privilegiem essa modalidade da língua em âmbito escolar. Pois como nos direciona Bakhtin (2000, p. 279), “Todas as esferas da atividade humana, (...), estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de se surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana”. (BAKHTIN, 2000, p. 279). Por esse motivo, fica claro que há que haver uma maior participação das produções orais no desenvolvimento das práticas escolares, pois o educando necessita não apenas codificar quais as expressões que são características de cada modalidade, mas tornar-se proficiente no uso de cada uma dessas modalidades, seja em âmbito escolar ou no modo generalizado. Há que haver um trabalho em fazê-los perceber que há uma interação constante envolvendo essas duas modalidades da linguagem e sempre haverá influência de uma sobre a outra, e por assim ser, os educandos precisam estar conscientes e seguros em observar que existem textos que são marcados como pertencentes à modalidade textual, assim como existem produções que são essencialmente pertencentes à linguagem oral e há ainda situações onde, a relação dessas duas modalidades encontram-se tão intimamente ligadas que poderíamos compreendê-la como uma produção oral-escrita. 1354 Jairo José da Silva Gualberto Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BOTELHO, José Mario. As marcas da oralidade na escrita. Disponível em: <file:///D:/ P%C3%93S%20-%20GRADUA%C3%87%C3%95ES/MESTRADO%20PR OFLETRAS%20 -%20UEPB/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o%20e%20Letramento/AS%20MARCAS%20 DA%20ORALIDADE%20NA%20ESCRITA.HTML.>. Acesso em: 18/04/2015. DAMIANI, Magda Floriana. Sobre pesquisas do tipo intervenção. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas – 2012. Disponível em: http://www.infoteca.inf.br/endipe/smarty/templates/arquivos_template/upload_ arquivos/acervo/docs/2345b.pdf. Aceso em: 08 Ago. 2015. LEONARD, Laurence B. Deficiência fonológica. In: FLETCHER, Paul; MacWHINNEY, Brian. Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. LESSA, Luísa Galvão. Alterações Fonéticas na Dialectologia Acreana. Revista Philologus, Ano 15, N° 43. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr. 2009. OTHERO, Gabriel de Ávila. Processos fonológicos na aquisição da linguagem pela criança. ReVEL. Revista Virtual de Estudos da Linguagem. v. 3, n. 5, 2005. ISSN 1678-8931 Disponível em: <www.revel.inf.br>. Acesso em: 20 nov. 2009. SCHWINDT, Luiz Carlos. A regra variável de harmonização vocálica no RS. In: BISOL, Leda; BRESCANCINI, Cláudia (Orgs.). Fonologia e Variação: Recortes do Português Brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 01-12. 1355 RESUMO Muito se tem estudado sobre interferências/transferências fonético-fonológicas no nível segmental do português brasileiro (L1) na aquisição tardia do inglês como língua estrangeira (L2), sobretudo em situação formal/escolar. Pouco, porém, tem se prestado atenção nas características suprassegmentais – prosódicas - da língua materna interferindo nas produções orais da L2 no processo de aquisição e/ou ensino-aprendizagem principalmente no que toca os aspectos rítmicos. O presente artigo pretende ser uma contribuição ao estudo dessa questão. Nossa pesquisa se aporta teoricamente nos estudos de Silva Jr & Silva (2014), Avery & Ehrlich (2012), Alves (2012), Ladefoged & Disner (2013), Ladefoged & Johnson (2011), Celce-Murcia (2010), Roach (2009, 2005), Jenkins (2000), Dupoux & Peperkamp (1999), Pike (1945) dentre outros. Na metodologia de nossa pesquisa, fizemos coleta dos dados de quatro informantes – um norte americano e três brasileiros com níveis de proficiência B1 (advanced) de acordo com o Oxford Online Placement Test. Após a coleta, analisamos os dados acusticamente através do PRAAT software program a fim de verificar a influência que ritmo da L1 nas produções de L2. Nossos resultados apontaram medidas e valores acústicos importantes de transferência fonológica do ritmo L1→L2. Concluímos, a partir de nossos dados, que o professor de língua inglesa deve privilegiar aspectos fonético-fonológicos da fala encadeada, ou seja, aspectos prosódicos da L2 em suas aulas para que o processo de aquisição e/ou ensino-aprendizagem seja mais efetivo. Palavras-chave: Transferência fonológica, Ritmo, Aquisição do inglês como L2. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino O RITMO NA FALA DO INGLÊS COMO L2: UM ESTUDO FONÉTICO-FONOLÓGICO EM FALANTES BRASILEIROS Leônidas José da Silva Jr (UEPB/CAPES) Introdução A aquisição da língua inglesa como língua estrangeira (doravante, L2) no Brasil vem, a partir da segunda guerra mundial e mais acentuadamente após o fim da década de 1980, tornando-se mais importante na vida cotidiana e principalmente no mundo do trabalho. Silveira (2011) afirma que este fato desemboca em uma maior valorização deste componente no PCNEM1 e, dessa forma, reconhece que o aprendizado de suas habilidades é relevante. Segundo Jenkins (2000), as últimas décadas têm testemunhado a ascensão da língua inglesa, partindo de status de uma língua internacional, para um status de ser a primeira língua verdadeiramente global; sendo um meio através do qual as pessoas de todas as partes do mundo podem se comunicar uns com os outros, especialmente nos campos da ciência e tecnologia, comércio, educação, mídia, segurança internacional e viagens internacionais. Por esta razão, estudos em torno de como o ensino de língua inglesa têm sido realizado merecem especial atenção, visto que os professores formam cidadãos para atuarem de modo interacional e inteligível com outros falantes de inglês do mundo. 1. PCNEM: Parâmetro Curricular Nacional do Ensino Médio. 1357 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais No que tange a questões fonético-fonológicas, a maioria dos professores que detém domínio de pronúncia em língua inglesa prioriza o ensino de pronúncia dando ênfase apenas aos traços segmentais, ou seja, ao quadro fonêmico do inglês e que estes são menos relevantes à comunicação do que o domínio de traços suprassegmentais uma vez que, os aspectos fonológicos não-lineares carregam um valor significativamente maior para inteligibilidade na troca conversacional como afirmam Roach, (1982), Celce-Murcia (2010); Avery & Ehrlich (2012). Em meio a esse e a tantos outros desafios, a compreensão e a produção oral da língua aparece como um dos principais obstáculos encontrados por falantes do inglês como L2 devido às diferenças encontradas entre o sistema fonológico da L2 e os do português brasileiro (doravante, PB) como língua materna (doravante, L1). Dessa forma, o que é de fato aprender outra língua, vai tornando-se cada vez menos responsabilidade das escolas de ensino regular, passando a ser compromisso das escolas de idiomas. É interessante destacar que na maioria dos casos os estudantes não têm consciência de que os sons entre uma língua e outra se diferenciam. Mascherpe (1970), já apontava que - no início da aquisição - o estudante ouvirá apenas os fonemas semelhantes aos de sua L1 e de maneira natural ele os transfere para L2 no momento da produção oral. Este processo é denominado transferência fonológica2 (doravante, TF) e se dá, dentre outros fatores, devido ao pouco acesso às habilidades orais (listening e speaking skills) que os estudantes têm da L2. Aporte teórico Segundo Celce-Murcia (2010), a fala no inglês não é produzida a partir de palavras isoladas, ao invés disso, elas tendem a “correr juntas”. Este fenômeno é conhecido como ‘fala encadeada’ (connected speech) ou Variação de Sândi3 (san- 2. Transferência Fonológica (TF) é a tentativa de reprodução de fonemas desconhecidos ao arcabouço fonêmico do falante, ou seja, emprego de um fonema da L1 com alguma semelhança de ponto e/ou modo de articulação (STAMPE, 1973). Ao modelo de Stampe (1973), Silva Jr & Scarpa, (2015) acrescentam aos processos de TF padrões rítmicos da L1 para L2. 3. Variação de Sândi ou como denominado no inglês, sandhi variation, é um termo que deriva de Sânscrito e que se refere à juntura (placing together) de sons entre palavras. A variação de sândi ou simplesmente, 1358 Leônidas José da Silva Jr dhi variation). Devido a este fenômeno, podemos encontrar processos de reestruturação silábica (ressilabificação) e mudanças fônicas das vogais (alternância dos traços [± forte/fraco] que se relacionam ao acento no domínio da palavra fonológica até o enunciado fonológico). Ainda diz a autora que, mesmo nas aulas mais simples de inglês, nunca devemos ignorar as mudanças de pronúncia que ocorrem dentro e entre palavras, ou seja, aspectos de pronúncia que invocam justaposição de sons em ambientes fonológicos vizinhos. A juntura desses sons produzirá um efeito diferente no enunciado. Uma vez adjungidos, não só teremos segmentos isolados, mas, sim, sílabas, palavras frases e enunciados. Neste cenário, encontramos os aspectos rítmicos da língua. O ritmo linguístico O conceito de ritmo em Linguística é de que um dado movimento é marcado por sucessões regulares de tempo (isocronia) de batidas fortes e fracas em um ato de fala. O ritmo denota, portanto, seu envolvimento com eventos que acontecem em intervalos de tempo regulares (ROACH, 2005). O ritmo da fala é um dos traços mais distintivos de uma língua. É adquirido na infância, tornando-se difícil passar por mudanças na fase adulta, isto é, fica mais difícil adquirir valores perceptuais como o ritmo, como é o caso, por exemplo, da aquisição do inglês como L2 depois da adolescência. É possível que os adultos sejam “fonologicamente surdos” porque sua escuta já está assentada nos traços de sua língua materna (cf: DUPOUX & PEPERKAMP, 1999). De acordo com Pike (1945) há uma dicotomização do ritmo em silábico e acentual. Pike (1945) propõe dois tipos rítmicos para classificar as línguas do mundo: stress-timed rhythm ou ritmo acentual - representado uma sucessão de alternância/batidas entre sílabas acentuadas e não-acentuadas, ou seja, isocronismo acentual; por exemplo, o inglês, russo e árabe; e syllable-timed rhythm ou ritmo silábico - representando uma sucessão de sílabas igualmente espaçadas e proferidas no tem. Sândi, não se restringe unicamente ao inglês e é uma característica fonético-fonológica de todas as línguas naturais (cf: CELCE-MURCIA, 2010). Clarey & Dixson (1963) chamam essa tendência de Lei da Economia (law of economy) em que os órgãos da fala, ao invés de se re-articularem em novas posições assumindo um novo ponto de articulação para cada segmento, tendem a “juntar” os traços, via regras autossegmentais, na intenção de economizar tempo e energia. 1359 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Recorre-se, pois, à Fonologia Prosódica ou simplesmente, Prosódia da Fala. Esta se constitui a partir do domínio da sílaba (σ) subindo na árvore prosódica até o enunciado fonológico (U) como afirma Selkirk (1984). Vejamos, por exemplo, (1) e (2) Us com alternância de acento [± forte/fraco]: (1) this is a book - [ðə’sɪzə‘bʊk] this is an apple - [ðə’sɪzən’æpł] O ritmo e a aquisição de inglês como L2 Durante o processo de aquisição de uma L2, os aprendizes se deparam com dificuldades de diferentes ordens – fonológica e morfossintática sendo, especialmente fonético-fonológicas. A interferência que a língua materna exerce sobre a língua estrangeira é, sem dúvida, um fator que condiciona fortemente essas dificuldades. Os falantes nativos PB, durante o processo de aprendizagem do inglês, transferem fenômenos lexicais, fonológicos e sintáticos, por exemplo, de sua L1 para a L2. Essa língua alvo, ainda em estado de desenvolvimento, que apresenta fortes influências da língua materna, recebe a denominação de Interlíngua (interlanguage) (SMITH, 1994). O ensino de inglês, no que tange à inteligibilidade, tem sido negligenciado, uma vez que um significativo número de docentes de língua inglesa não incentiva os aprendizes às praticas envolvendo pronúncia em sala de aula. Duas questões de grande relevância se dão em relação ao background do professor: i) Será que este adquiriu em sua formação habilidades relacionadas à oralidade? ii) Mesmo que o professor tenha aprendido a pronúncia adequada dos segmentos fonéticos a partir do inventário fonêmico do inglês, ele / ela adquiriu questões que tocam a constituição fonológica da língua inglesa nos níveis suprassegmentais como o ritmo? 1360 Leônidas José da Silva Jr Respondendo a primeira questão, muitas vezes, o professor traz pronúncia deficitária por não ter sido contemplada a oralidade em sua formação. Assim sendo, este profissional, na maioria das vezes, não dá a devida importância que a pronúncia exerce enquanto habilidade constitutiva ao bojo do falante. Como resposta à segunda questão, Roach (1982), Celce-Murcia (2010) e Avery & Ehrlich (2012) afirmam que muitos professores que priorizam o ensino de pronúncia o fazem dando ênfase aos traços segmentais se limitando ao quadro fonêmico do inglês deixando de lado traços suprassegmentais. Roach (1982) ainda afirma que o simples fato de dominar conteúdos gramaticais, deter grande quantidade de vocabulário, compreender estruturas morfossintáticas complexas e conhecer, em isolamento, os sons das vogais e consoantes é importante, todavia, se o falante quer ser bem sucedido na produção de seus atos comunicacionais, é essencial que se dê prioridade à aquisição dos aspectos rítmicos da L2. Roach (op. cit) coloca que é na produção de sintagmas fonológicos que é mais perceptível e suscetível à TF o que demonstra que os processos e métodos usados para a aquisição de inglês como L2, em torno apenas de uma pronúncia que prioriza a fonologia serial – ou até mesmo – unicamente o ensino de regras gramaticais, deve ser revisitado. Metodologia A metodologia deste trabalho foi realizada com base na coleta de material fonético a partir de dados gravados por um total de quatro informantes, sendo um norte-americano (dos EUA) – grupo controle (GC) e três brasileiros - grupo experimental (GE). A coleta foi feita de modo controlado para sustentar o cunho fonético do trabalho. Os informantes leram um pequeno texto em que continha a seguinte frase-alvo: “A new algorhithm”. A realização desta frase-alvo serviu para atestar nossa hipótese; de que a produção rítmica do brasileiro ao falar inglês como L2 se distancia da produção do norte-americano. O informante 1, norte-americano – grupo controle (GC) – é falante de inglês como L1 e do PB como L2. 1361 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Dos brasileiros que compõem nosso corpus, todos são alunos do curso de Letras-Inglês. O informante 2 é falante do dialeto de Recife/PE (estudante na UFPE), o informante 3, falante do dialeto de João Pessoa/PB (estudante na UEPB) e o informante 4, falante do dialeto de Guarabira/PB (estudante na UEPB) . Os três informantes são falantes proficientes de inglês como L2 (advanced – B1) de acordo com Oxford Online Placement Test (OOPT)4. Os dados foram gravados na Biblioteca do Centro de Tecnologia e Geociência – CTG/UFPE com o falante de Recife e o norte-americano e no Laboratório de Fonética – LABFONE/UEPB -Campus III/CH com o informante de João Pessoa e o de Guarabira. Na coleta de dados, utilizamos o gravador PCM Recorder Zoom H1 para obtenção de modelos e parâmetros acústicos mais precisos. As análises foram realizadas sob o ponto de vista fonético-acústico através do Programa Computacional PRAAT; disponível em: http://www.fon.hum.uva. nl/praat/. No programa, medimos o p-center e os intervalos interacentuais5 das sílabas que compõem as palavras da frase fonológica que utilizamos. Esta técnica foi Marcus (1981) apud Couper-kuhlen (1993) e Barbosa (2000). Resultados & discussão Vejamos a seguir, através de análise acústica, três imagens que mostram a produção da frase fonológica (φ)6 [a new algorhithm]: 4. O Oxford Online Placement Test (OOPT) auxilia no nivelamento do aprendiz para que este seja devidamente alocado em um ambiente condizente com a realidade de sua habilidades na língua inglesa (PURPURA, 2013). Disponível em: https://www.oxfordenglishtesting.com/. 5. Segundo Barbosa (2000), O p-center (P) (perceptual center) seria a ponto no sinal acústico em que o ouvinte se ancoraria para perceber a sequência sonora (de sinal de fala) como ocorrendo a intervalos regulares – o isocronismo acentual ou silábico. Segundo o autor, o p-center funciona como ponto de ancoragem universal para percepção de isocronismo. Ainda sobre o p-center, Marcus (1981) apud Couper-Kuhlen (1993) e Barbosa (2000) que a determinação do local do p-center é cada momento de transição CV (consoantevogal) estável na(s) palavra(s) que compõem a frase fonológica. Segundo os autores, entre cada p-center figuram os intervalos interacentuais (interstress intervals) ou grupos interacentual (GIPC). Esses intervalos têm duração do onset da vogal ao onset da próxima vogal à sua direita; (GIPC = onsetV - onsetV). 6. De acordo com Bisol (2010), a Frase Fonológica (φ) é o quarto nível da arvore prosódica. É neste domínio 1362 Leônidas José da Silva Jr Fig. 1: Sinal periódico, espectrograma com visualização de duração e transcrição fonética de [a new algorhythm]φ produzida pelo falante estadunidense - informante 1 Fig. 2: Sinal periódico, espectrograma com visualização de duração e transcrição fonética de [a new algorhythm]φ produzida pelo falante brasileiro recifense informante 2 que se verificam questões relacionadas ao ritmo. 1363 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Fig. 3: Sinal periódico, espectrograma com visualização de duração, F0 e transcrição fonética de [a new algorhythm]φ produzida pelo falante pessoense – informante 3 Fig. 4: Sinal periódico, espectrograma com visualização de duração, F0 e transcrição fonética de [a new algorhythm]φ produzida pelo falante guarabirense - informante 4 1364 Leônidas José da Silva Jr Como mostram as Fig. 1, 2, 3 e 4 o inglês traz um ritmo diferente do PB. Logo, é seguro argumentar – com base em nossos dados - que o ritmo, neste caso, varia de uma língua para a outra. A produção da mesma frase é ritmicamente divergente quando comparamos a produção do falante norte-americano com a produção dos brasileiros. Tal fato é atestado pela diferença entre a duração dos p-centers (P) na φ “a new algorithm”. Testa-se na Fig. 1 que P[ɒɫ] (alg) - da palavra “algorhithm” ganha maior proeminência por ser mais longa que as demais. Esse processo fonológico é típico do inglês; tornar o acento frasal significativamente mais alongado que as demais sílabas/p-centers como afirmam Selkirk (1984), Hayes (1995) e Nespor & Vogel (2007). Ainda na Fig. 1, percebe-se n espectrograma uma janela denominada “DPh” (decelaration phase), em que ocorre uma fase de desaceleração dos articuladores. De acordo com Fichs, Perrier & Mooshammer (2001), essa desaceleração vai dos lábios - durante a produção da aproximante [w], passando pelo espaço medial da cavidade oral onde ocorre a produção de schwa [ə] até a região sub-glótica em que as produções são reduzidas. As valores numéricos apresentados no gráfico 1 são dez amostras de F27 (eixo Y em Hz) em função do período de transição (eixo X em ms levando em conta toda a produção da φ). Utilizamos valores absolutos de F2 nas dez amostras e seus respectivos valores de seno (SEN). O algoritmo de SEN que utilizamos para calcular os valores de desaceleração do processo articulatório neste intervalo de tempo é visto em (1) a seguir: y = 4 + 2 x SEN (F2) 7. De acordo com Ladefoged & Disner (2013) e Ladefoged & Johnson (2011), os Formantes – F1, F2, F3, F4 – compõem os harmônicos das vogais produzidas foneticamente. A qualidade da vogal é quem determina os valores desses harmônicos. Para o presente trabalho, tomamos apenas os valores de F2 (segundo formante) do intervalo correspondente (janela “DPh” na figura 1). Watson & Harrington (1999) afirmam que o valor da F2 é o mais relevante para o cálculo dinâmico da trajetória de formante; aí se incluem aceleração e desaceleração. 1365 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Esta fase de desaceleração pode ser constatada no gráfico 1: Grafico 1: Fase de desaceleração dos articuladores orais Nas Fig. 3 e 4, atestamos que as produções de P[ɒɫ] (alg) estão foneticamente equilibradas quanto à duração. Essas figuras trazem também mostram similaridade duracional significativa dos demais GIPCs do enunciado quando comparados entre si. O que chama a atenção na Fig. 2 é que o informante, mesmo sendo de nível advanced, desloca o acento métrico para o p-center da segunda janela fonológica, em outras palavras, ao invés de produzir “ALGorithm”, ele produz “algoRIthm”. O alinhamento do acento fonológico realizado por este informante é tal qual se faz no português brasileiro (algoRItmo, por exemplo). Com base nos dados das figuras acima, na tabela 1, temos, respectivamente, a duração em milissegundos (D em ms) do p-center - P[ɒɫ] (alg), onde se localiza o acento frasal (AF), da seguinte forma: 1366 Leônidas José da Silva Jr Tabela 1: duração (em ms) do acento frasal da φ em análise Fig. 1 - P(AF) = 279 ms Inform. 1 - norte-americano (ingles/L1) Fig. 2 – P(AF) = 217 ms Inform. 2 – brasileiro (ingles/L2) Fig. 3 – P(AF) = 256 ms Inform. 3 – brasileiro (ingles/L2) Fig. 4 – P(AF) = 231 ms Inform. 4 – brasileiro (ingles/L2) É possível observar que os aprendizes, durante a aquisição e/ou aprendizado dos processos orais, as produções formam TF – ou seja – os falantes transferem o traço [+ silábico] do PB quando produzem o inglês – que é uma língua [+ acentual]. Veremos a seguir no gráfico 2 e tabela 2 respectivamente, o comportamento silábico mostrando como ocorreu a alternância rítmica (transcrito por IPA) realizado pelos 04 informantes e as medidas duracionais das sílabas envolvidas no evento fonológico acima citado. 1367 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Gráfico 2: Representação em colunas da duração das sílabas que compõem a new algorhythm (φ) Tabela 2: Duração em ms das sílabas da frase [a new algorhythm] φ Considerações finais Concluímos nesse trabalho e com base nos dados aqui apresentados que a TF de aspectos rítmicos durante a aquisição e/ou aprendizagem do inglês como L2 se dá de forma bastante significativa – mesmo tendo falantes com alto nível de proficiência. 1368 Leônidas José da Silva Jr O caráter aplicado de nossa pesquisa é consoante minha prática profissional no período em que atuei como professor de inglês em escolas públicas na tentativa de apontar quais são os melhores caminhos, as melhores estratégias, de se ensinar inglês como L2 de modo a conseguir dos aprendizes uma pronúncia mais inteligível levando em conta processos de TF em produções na pronúncia do aprendiz do inglês como L2; desde seus aspectos segmentais, silábico-estruturais e, sobretudo, rítmicos e entonacionais, que atingem diretamente a fala espontânea. Como aponta Alves & Barreto (2012), o professor de língua inglesa deve privilegiar o ensino-aprendizagem priorizando em suas aulas aspectos fonético-fonológicos da L2 para que o processo de aquisição seja mais efetivo. Os autores ainda afirmam que: “a percepção-produção dos sons da língua-alvo exerce um fator primordial” (ALVES & BARRETO, 2012, p.293). Silva Jr & Silva (2014) corroboram a afirmação de Alves & Barreto (op. cit) quando apontam que o caminho que tem demonstrado maior eficácia no processo aquisição do inglês é a utilização de listening skills para uma produção bem sucedida. Aqui provamos que, sob o ponto de vista fonético-acústico, os brasileiros resolvem questões do cerne rítmico nas produções em inglês majoritariamente, de acordo com modelos de resolução aplicados a línguas de tipo rítmico [+ silábico] e não ao tipo [+ acentual] que caracteriza o inglês. Silva Jr (2013) ressalta que trabalhos que envolvem sujeitos e utiliza fonética acústica como instrumento de análise, necessita de uma base de dados robusta e um quantitativo de informantes que estejam dentro de modelos teórico-metodológicos estabelecidos pelos Estudos em Ciências da Fala (studies in speech sciences), sobretudo, da Sociofonética (sociophonetics). Referências ALVES, Ubiratã K.; BARRETO, Fernando M. O processamento e a produção dos aspectos fonético-fonológicos da L2. In: LAMPRECHT, Regina (org). Consciência dos sons da língua: Subsídios teóricos e práticos para alfabetizadores, fonoaudiólogos e professores de língua inglesa. 2 ed, Porto Alegre, EDPUCRS, 2012. 1369 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais AVERY, Peter; EHRLICH, Susan. Common Pronunciation Problems. In: AVERY, P.; EHRLICH, Susan. Teaching American English Pronunciation. New York, Oxford University Press, 2012, pp 96-109. BARBOSA, Plínio Almeida. 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Os estudos de Aragão (2000) ainda demonstram que existem fatores linguísticos e extralinguísticos responsáveis por essas variações e que, entre eles, a variação social (diastrática) é que mais corrobora para a ocorrência desse fenômeno tanto na fala quanto na sua transposição para a escrita. Por fim, procuramos demonstrar que tais fenômenos, se considerados como variantes linguísticas à luz dos estudos fonéticos e fonológicos, podem ser minimizados na escrita com o auxílio do professor, quando este propuser atividades de retextualização – transformação do texto falado para o texto escrito postulado por Marcuschi, (2007) que levem o aluno à reflexão sobre diferenças e semelhanças entre a fala e a escrita, a fim de alcançar a “consciência fonológica” como propõe Lamprecht, (2012) capaz de cooperar na escrita adequada de palavras com ditongo, evitando a monotongação. Palavras-chave: Monotongação, Ditongação, Variação e ensino da língua portuguesa. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino PROCESSO DE MONOTONGAÇÃO NA ESCRITA DO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA DIDÁTICA PARA REDUÇÃO DESTE FENÔMENO Regina Claudia Custódio de Lima (UEPB/PROFLETRAS) Leônidas José da Silva Jr (UEPB/CAPES) Introdução Esta pesquisa surgiu da constatação de que uma grande parte dos alunos já cursando a segunda etapa do Ensino Fundamental tem uma enorme dificuldade em relação à escrita de palavras do vocabulário considerado simples. Eles apresentam problemas básicos na produção escrita que, nesta fase, já deveriam ter sido sanados. Entre as dificuldades observadas nas sondagens realizadas nos primeiros dias letivos de 2015 observamos a migração para a escrita de dois fenômenos comuns na fala, a ditongação e a monotongação, sendo esta o fator motivador da sugestão de uma atividade que pudesse influenciar positivamente na escrita dos alunos no que tange tal fenômeno. Os fenômenos de ditongação (produção de um ditongo) e monotongação (redução do ditongo) são muitos comuns como variantes da língua portuguesa falada no Brasil em diferentes regiões do país. Eles têm sido também o escopo de diferentes trabalhos nos campos da Linguística, Fonética e Fonologia e até mesmo da Fonoaudiologia, área que também se preocupa com os desvios ortográficos, mas ocasionados por distúrbios como, por exemplo, a dislexia. Nesse caso, a dificuldade relativa à discriminação fonológica leva a pronunciar erroneamente 1373 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais as palavras, desenvolvendo uma percepção equivocada dos sons, o que fará o indivíduo ler e escrever de forma imprecisa (CAPELLINI, 2007). O fenômeno da ditongação é descrito por Aragão (2000, p. 112) como um “fenômeno essencialmente fonético causado por necessidades eufônicas, não tendo, assim, existência no sistema da língua, mas em sua realização na fala”. Marcuschi (2007) corrobora com essa definição já que, o que se observa, na prática em sala de aula, é a ocorrência desses fenômenos por influência da fala na escrita, ainda que nos textos de alunos que já deixaram as séries iniciais do Ensino Fundamental. Para alcançar o intento ao qual nos propomos, iniciaremos com a descrição que Silva (2014) e Aragão (2000) fazem destes fenômenos (ditongação e monotongação), analisando os aspectos fonético-fonológicos dessas ocorrências. Em seguida, são apresentados alguns tipos de monotongação mais incidentes, com suas respectivas explicações com base fonológica. Esses aspectos teóricos pretendem corroborar na proposição de uma atividade cuja finalidade é auxiliar os alunos na redução dessas ocorrências em seus textos, tomando como apoio os estudos de Marcuschi (2007). Finalmente, são apresentados os resultados obtidos após a aplicação da sequência didática e conclusões a que se pode chegar após a análise desses resultados. Ditongação e monotongação A trajetória evolutiva das perspectivas teóricas de estudos sobre a linguagem deu um grande salto ao considerar as variantes linguísticas como “processos inerentes à língua, tanto em nível fonético-fonológico como em nível gramatical” (HORA, 2014, p. 14). Hoje a língua não é mais vista como um sistema homogêneo, uniforme, estático e sem relação com o contexto social. A Teoria da Variação opõe à ausência do comportamento social e à concepção de língua que até então impera na linguística estrutural e gerativa. Situa-se em relação ao conjunto língua e sociedade, considerando a variedade das formas em uso como objeto complexo, decorrente dos fatores internos, próprios do sistema linguístico, e dos fatores sociais que interagem no ato da comunicação. (HORA, 2014, p. 18) 1374 Regina Claudia Custódio de Lima, Leônidas José da Silva Jr Na passagem do latim para o português, os ditongos sofreram várias transformações. O latim clássico apresentava quatro ditongos: ae, au, oe e eu (mais raro). No latim vulgar, já havia a tendência a reduzir esses ditongos a vogais simples a fim de diminuir o esforço necessário para a realização da pronúncia, como nos exemplos: celebs (< caelebs), sepis (< saepis), clostrum (< claustrum). Especificamente sobre os processos de ditongação e monotongação, Oliveira (2008) desenvolveu um interessante estudo sobre a presença desses fenômenos em textos escritos ao longo do século XIX por membros de uma irmandade negra, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, fundada em 1832, por africanos, na cidade de Salvador/BA. Tal estudo nos confirma que tais fenômenos são recorrentes na história da língua portuguesa no Brasil e refuta a ideia de que esse tipo de transposição da fala para a escrita seja um fenômeno moderno, decorrente da utilização constante de mecanismos de comunicação digital (messenger, twitter, whatsapp, entre outros). Este trabalho, contudo, não tem a pretensão de fazer um estudo muito amplo desses fenômenos considerando os aspectos históricos (variação diacrônica) ou mesmo com base na relação dessa variação como fruto de aspectos geolinguísticos (variação diatópica), visto que Aragão (2000) confirma em sua pesquisa que a hipótese desses fenômenos (ditongação e monotongação) serem frutos de uma variação regional pode ser descartada. Aragão (2000) ainda demonstra que existem “fatores linguísticos e extralinguísticos responsáveis por essas variações” (ARAGÃO, 2000, p. 109) e que, entre eles, a variação social (diastrática) é que mais corrobora para a ocorrência desse fenômeno tanto na fala, quanto na sua transposição para a escrita. Sob o ponto de vista da Fonética, Silva (2014) nos explica que um ditongo é “uma vogal que apresenta mudanças de qualidade continuamente dentro de um percurso na área vocálica”. Grosso modo, podemos simplificar e dizer que o ditongo é a ocorrência de dois segmentos vocálicos na mesma sílaba, como ocorre, por exemplo, na palavra “pais”. Ao representarmos o ditongo [aI] da palavra “pais” estamos expressando que ocorre um movimento contínuo e gradual da língua entre duas posições articulatórias vocálicas: de [a] até [I]. Em tal articulação os dois segmentos [a] e [I] ocupam uma única sílaba. Um destes segmentos é o núcleo da sílaba (no caso de “pais” o núcleo da sílaba é [a]). O outro 1375 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais segmento é assilábico, não podendo ser núcleo da sílaba e corresponde ao glide. (SILVA, 2014, p.28) A formação do ditongo ocorre pela junção de uma vogal e um glide, mais conhecido como semivogal. Em transcrições fonéticas, são representados ora por consoantes [j, w], [y, w] ora por vogais do inglês [ɪ, ʊ] ou do português [I, U]. Bonilha (2009) nos apresenta pelas conclusões de sua pesquisa que os falantes da língua portuguesa brasileira aprendem a falar a estrutura do ditongo (vogal-glide) antes mesmo da estrutura vogal - consoante: Através da análise da aquisição dos ditongos orais decrescentes, constata-se que a estrutura silábica VG é adquirida antes da estrutura VC no PB1, uma vez que os ditongos constituídos pelas vogais baixas e médias -baixas, como vogal base, apresentam índices acima de 80% de produção desde as faixas etárias iniciais. (BONILHA, 2009) Para esclarecer o que vem a ser a ditongação, Mattoso Câmara Jr. (apud Aragão, 2000) apresenta em seu Dicionário de Linguística e Gramática, de 1997, na página 100 a seguinte definição: No português moderno deve-se a ditongação em dois casos: 1. vogal tônica em hiato, quando a) média anterior com o desenvolvimento de um ditongo /éy/ ou /êy/, indicando na grafia moderna (idéia, veia); b) média posterior fechada com o desenvolvimento de um ditongo /ôw/ não indicado na grafia e inexistente nas zonas dialetais em que houve a monotongação do ditongo /ôw/ - boa – bôwa. 2. Dialetalmente, pela vogal tônica final travada por /s/ pós-vocálico, com o desenvolvimento dos ditongos de pospositiva /y/, pás, és, fez, sós, flux, cãs, pronunciadas / pays, feys, sóys, fluys. A ditongação ocorre por meio do processo chamado de assimilação ou epêntese, o qual consiste no “acréscimo de um segmento à forma básica de um morfema.” (SEARA, 2011, p. 115). É o caso, por exemplo, da escrita da palavra “nós” como [nɔjs]. Netto (2012) explica esta ocorrência de transformar “nós” em [nɔjs] pelo fato de que quando uma oxítona ou monossílaba termina em [s], ocorrerá a inserção do glide [j] antes da fricativa alveolar. 1376 Regina Claudia Custódio de Lima, Leônidas José da Silva Jr Existem ainda os casos em que a ditongação ocorre por influência da “hipercorreção”, em que palavras como “boa” e “pessoa” são escritas como [‘bowa] e [pe’sowa], conforme pesquisa apresentada por Netto (2012). Nesses casos, existe a intenção de adequar-se à variante prestigiada, aquela que é mais valorizada na escola. Já o fenômeno linguístico descrito como monotongação é, nas palavras de Aragão (2000), “uma redução do ditongo à vogal simples ou pura, por um processo de assimilação”. Como vimos, essa tendência pela redução dos ditongos é bastante antiga, vem desde o latim, e tem sido estudado tanto como variação fonética, tendo em vista a economia na articulação, quanto como uma marca sociolinguística e dialetal (ARAGÃO, 2000, p. 113). Ela mesma também reforça sua definição de monotongação citando Câmara Jr. mais uma vez: Mudança fonética que consiste na passagem de um ditongo a uma vogal simples. Para pôr em relevo o fenômeno da monotongação chama-se, muitas vezes, monotongo, à vogal simples resultante, principalmente quando a grafia continua a indicar o ditongo e ele ainda se realiza numa linguagem mais cuidadosa. Entre nós há, nesse sentido o monotongo ou /ô/, em qualquer caso, e ai /a/, ei /ê/ diante de uma consoante chiante (p)ouca, (b)oca, (c)caixa, como acha, (d)deixa). Segundo Aragão (2000), existem fatores fonológicos que favorecem as ocorrências da monotongação, a saber: a) Fonemas consonantais, / ʃ, ʒ, ɾ / que surgem em posição posterior ao ditongo: o glide é neutralizado, conforme observados nos exemplos a seguir: “baixa” [‘baʃa]; “paixão” [‘paʃãw]; “feijão” [‘feʒãw]; “queijo” [‘keʒu]; “touro” [‘touɾo]; “feira” [‘feɾa]; b) A extensão da palavra: quanto maior o número de sílabas na palavra, mais a monotongação ocorre, como nos exemplos: “brasileira” [brasi’leɾa]; “esteira” [is‘teɾa]; “aleijado” [ale‘ʒadu]; “apaixonado” [apaʃô‘nadu]; “manteiga’ [mã‘tega]. Silva (2004) traz contribuições pertinentes ao estudo do apagamento do glide em ditongos orais decrescentes em sua análise acerca de algumas amostras do corpus que compõe o Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba (VALPB). 1377 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Em sua pesquisa, a autora considerada como variáveis: o contexto fonológico seguinte e precedente ao glide, o valor fonemático do ditongo, a posição do elemento seguinte quanto à sílaba, a natureza morfológica e a tonicidade. A pesquisadora constata que o contexto fonológico seguinte é o que exerce a maior influência no que se refere aos fenômenos relacionados ao ditongo: “A monotongação do ditongo [aj] é favorecida quando o elemento seguinte é um [ʃ] (91%) e inibida se o segmento for um [r] (19%) ou [l] (25%). Quando, porém, sua ocorrência se dá em posição final ou em palavra monossilábica (mais) a preservação do ditongo é categórica.” (SILVA, 2004, p. 31) Para Bisol (1989) “todo ditongo seguido de palatal possui uma só vogal na estrutura subjacente, criando-se o glide por processo assimilatório que consiste no espraiamento do traço alto da palatal” (BISOL, 1989, p. 191 apud Silva, 2004, p. 32). Tomemos como exemplo disso a palavra “peixe” - [‘pejʃi]. Nela ocorre esse espraiamento da palatal promovendo a pronúncia [‘peʃi]. Silva (2004, p. 33) retoma Bisol (1989) para referir-se à classificação dos ditongos em duas categorias: • ditongo pesado: também chamado de ditongo fonológico, ele tende a ser preservado, já que sua alteração causa mudança de sentido da palavra. Vejamos como exemplo desse tipo de ditongo os monossílabos tônicos como sei [‘sei] e pai [‘paj], e palavras como bairro [bayRo] • ditongo leve: são aqueles que sofrem processos assimilatório e ao se tornarem vogal simples não causam mudança de sentido. É o caso, por exemplo, das palavras caixa [‘kaʃa] e “paixão” [‘paʃãw]. Em relação à variável “anos de escolarização”, a pesquisa de Silva (2004) confirma o que se diz nas literaturas em vigentes ao demonstrar que existe menor consciência fonológica entre os falantes menos escolarizados. Estes, por não terem conhecimento da forma de mais prestígio - o ditongo - tendem a monotongar com mais frequência. Os dados apresentados na análise de Silva (2004) afirmam que “a monotongação de [ej] está diretamente relacionada com a presença da vibrante [r] – cadeira (98%) – ou das fricativas [ʃ] – deixo (95%) e [ʒ] – beijo (72%)”. Isto se explica pela assimilação do traço [+alto] das palatais com o glide [y]. Este mesmo tipo de 1378 Regina Claudia Custódio de Lima, Leônidas José da Silva Jr espraiamento produz a monotongação do ditongo [ej], quando seguido da palatal [ʃ] como na palavra “deixa” que produz [‘deʃa]. Ainda aproveitando os dados de Silva (2004) em relação à variável “tonicidade da sílaba”, ela testifica que a monotongação do ditongo [ow] é mais recorrente quando este se apresenta em sílaba tônica, como na palavra “roubo” - [‘Robu] e nos verbos terminados em “ou”, como “levantou” – [levã’to], mas é inibido quando se encontra em sílaba pretônica, como na palavra “solto” [‘sowtu]. O resultado mais interessante da pesquisa de Silva (2004), a qual se baseia em dados de falantes de João Pessoa, está na conclusão de que: O ditongo [ow] atua diferentemente dos ditongos [aj] e [ej], sofrendo redução em quaisquer contextos, e independentemente das variáveis sociais sexo, faixa etária e anos de escolarização. Os altos índices referentes à aplicação da regra indicam estarmos diante de um estado de mudança praticamente consumado. (SILVA, 2004, p.43) Metodologia O locus do trabalho é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Educador Francisco Pereira da Nóbrega, situada no bairro do Cristo, uma comunidade bastante carente inserida na área periférica da cidade João Pessoa (PB), nas proximidades da BR 230. Este também é o local de trabalho da pesquisadora. Retomando a situação já citada na Introdução, na qual se destaca a presença de monotongação e ditongação nos textos dos alunos, descrevemos aqui alguns procedimentos adotados coma a finalidade de amenizar a ocorrência de tais fenômenos. Os alunos escolhidos para realização e observação dos fenômenos fonológicos de ditongação e monotongação e sua transposição da fala para a escrita são os alunos matriculados no 6º ano C, que têm idade entre 10 e 12 anos e representam o início da segunda etapa do Ensino Fundamental. 1379 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Situação inicial A primeira etapa do trabalho consistiu na apresentação da música Um dia te levo comigo, interpretada pela dupla sertaneja Jorge e Mateus. A canção foi escolhida porque nela estão presentes três ditongos que sofrem, na pronúncia cotidiana e não monitorada, o processo de monotongação: beijo [‘beʒos], cheiro [‘ʃero] e ouro [‘oro]. A música não era conhecida da maioria dos alunos, mas o ritmo, a melodia e a letra logo fizeram com que os alunos acompanhassem a canção. Vejamos esse trecho da composição: “Não dá pra esquecer teus olhos nem todos os beijos que você me dá! Não dá pra esquecer o cheiro e o ouro do cabelo a me iluminar.” Link: http://www.vagalume.com.br/jorge-e-mateus/ um-dia-te-levo-comigo.html#ixzz3dMsw4Lim Foi realizada uma análise oral dos sentidos propostos pelo texto da canção. Entendemos que o personagem da música é alguém que trabalha viajando por estradas e passa muito tempo longe de sua amada, que é uma mulher loira. A saudade que sente dessa mulher faz com que ele queira voltar logo para ela e, por isso, utiliza-se de uma hipérbole (exagero) ao dizer que é capaz de correr até mais de duzentos quilômetros por hora só para revê-la. O texto, de teor romântico-sentimental, foi bem recebido pelos alunos também por coincidir ser trabalho na semana do dia dos namorados. Em seguida, os alunos receberam um material impresso com a letra da canção, porém com algumas lacunas nas quais faltavam as palavras cuja escrita desejávamos analisar. 1380 Regina Claudia Custódio de Lima, Leônidas José da Silva Jr Imagem1: Exemplo de material impresso com o trecho da canção apresentada aos alunos para completar as lacunas Pudemos observar a ocorrência da monotongação na escrita da maioria dos alunos que, após ouvir a canção, fizeram a transcrição da fala para a escrita, ou seja, escreveram as palavras que faltavam na letra da canção exatamente da forma como são pronunciadas nas práticas não monitoradas do cotidiano: Não dá pra esquecer o “jero” (cheiro), o “oro” (ouro). A sequência didática elaborada está descrita na subseção a seguir e tem como principais objetivos: • estimular o compartilhamento de opiniões para que todos tenham a oportunidade de contribuir com suas impressões; • identificar conhecimentos prévios dos alunos sobre o ditongo; • levar os alunos a formular hipóteses sobre regras e irregularidades da escrita convencional; • levar o aluno a refletir, a compreender, a tomar consciência das variações entre fala e escrita; • conceituar e identificar o ditongo; • levar os alunos a reconhecer que o ditongo, muitas vezes, não é pronunciado na fala, mas que ele existe na variedade da escrita padrão da língua. Uma sequência didática para redução da monotongação Na aula subsequente a professora devolveu a atividade com a letra da canção aos alunos e propôs realizar a correção das palavras que deveriam ser escritas 1381 anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais nos espaços. Os alunos foram convidados a observar e comparar a escrita da palavra pela professora (variedade padrão) com a forma monotongada escrita por alguns alunos. Os alunos foram levados a se questionar por que escreveram daquela forma as palavras confrontadas e puderam reconhecer que havia variação entre o que se diz e o que se escreve. Logo, a professora convidou os alunos a fazer uma lista de outras palavras em que mesma situação pudesse acontecer: fala-se de forma monotongada e escreve-se na variedade padrão com o ditongo. Os alunos que quiseram foram ao quadro para escrever as palavras sugeridas por eles. Imagem 2: Fotografia do quadro branco com palavras escritas pelos alunos Na aula seguinte, a professora levou para a sala uma atividade lúdica e interativa com o objetivo de auxiliar na ortografia das palavras com ditongo: uma cruzadinha gigante feita sobre uma placa de metal. As letras para formação das palavras foram feitas de material imantado para que ficassem fi xadas na placa de metal. 1382 Regina Claudia Custódio de Lima, Leônidas José da Silva Jr Esta atividade propunha associar o raciocínio para descobrir quais eram as palavras que completavam os espaços ao aspecto motor (pegar as letras e colocá-las nos espaços adequados) e, ainda, possibilitava ao aluno perceber que, na fala, era possível haver a monotongação, mas que se tentasse colocar as letras da palavra dessa forma, um espaço ficava sobrando na cruzadinha. Imagem 3: Dicas apresentadas aos alunos para completar a cruzadinha Imagem 4: Grupo de alunos interagindo com as letras móveis confeccionadas em material imantado para completar a cruzadinha com as palavras descobertas 1383 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Imagem 5: Alunos completando a cruzadinha feita sobre uma placa de metal com as letras móveis Avaliação Finalmente, a fim de julgar se houve ou não a percepção da diferença entre o que se fala e o que se escreve, ou seja, se houve sucesso na tentativa de amenizar a ocorrência da monotongação, solicitou-se que os alunos escrevessem o primeiro verso da canção e observamos que escreveram corretamente as palavras que antes apareceram monotongadas. Vejamos essa constatação nos exemplos a seguir em que as palavras com ditongo “beijos”, “cheiro” e “louro” aparecem escritas com ausência da monotongação. Imagem 6. Transcrição: Não dá para esquece teus olhos, nem todos os beijos que você me da. Aluna F. S. 1384 Regina Claudia Custódio de Lima, Leônidas José da Silva Jr Imagem 7. Transcrição: Não da para esquece o cheiro, louro do cabelo a mei i lumina. Aluno D. C. Conclusões Aqui pudemos demonstrar que os fenômenos da ditongação e monotongação, se considerados como variantes linguísticas à luz dos estudos fonéticos e fonológicos, podem ser minimizados na escrita com o auxílio do professor, quando este propuser atividades de retextualização – transformação do texto falado para o texto escrito - (MARCUSCHI, 2007) que levem o aluno à reflexão sobre diferenças e semelhanças entre a fala e a escrita, a fim de alcançar a “consciência fonológica” (LAMPRECHT, 2012). Entendemos que esses fenômenos são frutos de assimilações sonoras, que são fenômenos contínuos e que, enquanto a língua existir, haverá variação e assimilação. Os também chamados “erros de ortografia” cometidos pelos alunos resultam dessas variações na pronúncia. Acreditamos que é papel da escola se preocupar em formar, sobretudo, leitores e escritores proficientes de textos. Por isso, cremos que o domínio da escrita na variante padrão da língua é uma constante e legítima preocupação entre os educadores que desejam ver seus alunos inseridos no universo da variante de prestígio. No desenvolvimento deste trabalho, percebemos que são muitos os problemas relacionados à ortografia – referindo-se à variedade padrão – mas, acreditamos que é preciso considerá-la como um objeto de aprendizagem baseado na reflexão. Por isso reconhecemos que não é possível resolver todos os problemas de escrita que os alunos apresentam ao mesmo tempo. Também entendemos que é pouco eficaz corrigir tudo sempre, já que o aprendizado da ortografia é um processo gradual, complexo e que requer tempo (MORAIS, 2010). 1385 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Por fim, avaliamos como positiva a aplicação dessa breve sequência didática, esperando que ela possa auxiliar o professor na tarefa de apontar os caminhos possíveis para o desenvolvimento das habilidades linguísticas em torno dessa questão, mas devemos ressaltar que é necessário que os conceitos apreendidos pelos alunos devam ser reapresentados sempre que houver necessidade de relembrar seu uso. Referências LAMPRECHT, Regina (org). Consciência dos sons da língua: Subsídios teóricos e práticos para alfabetizadores, fonoaudiólogos e professores de língua inglesa. 2ª ed. Porto Alegre, EDPUCRS, 2012. ARAGÃO, Maria do Socorro Silva. Ditongação X Monotongação no falar de Fortaleza. Revista Graphos, v. 5, n. 1, 2000. 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Cagliari (2001) e Darcília Simões (2006). A análise possibilitou a observação da resistência e da falta de hábito dos alunos em refazerem seus textos. A análise também mostra a relevância da atividade de reescritura para um diagnóstico mais preciso sobre as hipóteses que os alunos fazem ao escreverem palavras cuja ortografia lhe são desconhecida e como tais hipóteses, em geral, estão fundamentadas pela influência da realidade fonética das palavras ou em regras do próprio sistema de escrita. Palavras-chave: Escrita, Reescrita, Processos fonológicos. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e Fonologia e ensino REESCRITURA E ANÁLISE DE PROCESSOS FONOLÓGICOS Gisleyne Cássia Portela Costa (UPE) Introdução No trabalho com a escrita em sala de aula, além de questões textuais amplas como gênero, tipo, coerência, coesão; o ensino de noções básicas de ortografia tem se tornado um desafio para além os anos iniciais do Ensino Fundamental, pois não é raro o aluno chegar ao 6º ano sem estar devidamente alfabetizado na escola pública. O professor de Língua Portuguesa, por sua vez, vê-se na urgência de alfabetizá-lo ainda que não se sinta completamente capaz de fazê-lo, pois não se vê como um alfabetizador tal como um professor com formação em Pedagogia. O processo de ensino-aprendizagem da ortografia possibilita um contexto favorável para se observar e entender o empenho cognitivo demandado pelo aluno. Os erros ortográficos revelam as hipóteses elaboradas pelos alunos com base primeiramente em sua fala e secundariamente no próprio sistema ortográfico. O trabalho articulado de áreas de conhecimentos contíguas como a Linguística e Psicologia é a ferramenta indispensável para entender tal processo por que passa o aluno. Os estudos da Fonética e da Fonologia pode ter uma função pragmática no ensino de língua materna, pois possibilita que o professor entenda as motivações dos “erros” ortográficos cometidos pelos alunos com base na oralidade. A fonética e a fonologia são áreas da Linguística que estudam os sons da língua. Cagliari (2002, p. 17-18) descreve a relação dessas áreas da seguinte forma: A fonética preocupa-se principalmente com a descrição dos fatos físicos que caracterizam linguisticamente os sons da fala [...] A Fonologia, por sua vez, faz uma interpretação dos resultados apresentados pela Foné1389 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tica, em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos que existem para descrevê-los. [...] A análise fonética baseia-se nos processos de percepção e de produção dos sons. A análise fonológica baseia-se no valor dos sons dentro de uma língua, isto é, na função linguística que eles desempenham nos sistemas de sons das línguas. A análise de processos fonológicos demonstra o entrosamento dessas duas áreas. No entanto, como ferramentas para análise dos erros ortográficos como hipóteses fundamentadas na fala ou na escrita, veremos que tais processos não são suficientes. Alguns casos só podem ser explicados pela morfologia da palavra ou fatores sociolinguísticos como as variedades dialetais. Considerando esses aspectos, esse trabalho objetiva associar os processos fonológicos com categorias usadas por Cagliari (2001) em suas análises de erros ortográficos nas produções de escrita espontânea de alunos do 1ª série (2º ano, segundo a nova nomenclatura). Algumas adequações dessas categorias serão feitas para serem aplicadas na análise de erros ortográficos de uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública, zona rural do município do Cabo de Santo Agostinho. Outro objetivo desse trabalho é mostrar a importância da atividade de reescrita como um instrumento mais fidedigno do que o texto escrito pela primeira vez para esse tipo de análise. O corpus deste artigo se trata de uma amostragem de três textos (chamaremos de1ª versão) e suas reescritas (2ª versão), totalizando seis textos, como parte de um trabalho maior com 16 textos e suas reescritas, totalizando 32 textos. Assim foi possível reduzir os dados de 117 para 62. Os textos estarão expostos neste artigo, mas sua reescrita não; apenas os dados obtidos do mesmo. Foram selecionados para amostra os três textos com mais ocorrência de erros ortográficos. Para tal intento, dentre outros teóricos, esse trabalho será subsidiado pelas contribuições de Cagliari (2001) e Simões (2006) sobre análise de erros ortográficos, Cagliari (2002) e Silva (2008) sobre fonética e fonologia, Silva (2011) sobre processos fonológicos, Kato (1998) e Marcuschi (2010) sobre a relação fala e escrita, e Marcuschi (2010) sobre retextualização. 1390 Gisleyne Cássia Portela Costa Escrita e reescrita O objetivo inicial da proposta de produção escrita era que os alunos relatassem a experiência de visitar o Museu do Engenho Massangana, Cabo de Santo Agostinho. Para a maioria dos alunos era a primeira vez que eles iam a um museu. Dezesseis alunos foram ao passeio e todos escreveram sobre o mesmo. Outro objetivo dessa produção era fazer uma avaliação da escrita desse grupo para se ter um parâmetro comparativo de seu progresso, como o próprio Cagliari (2001, p. 126) adverte que: “Texto é texto. A professora não deve usar o texto como pretexto pra corrigir ortografia, concordância, regência, caligrafia etc., mas deve usá-lo como fonte de informação a respeito de seus alunos, de seus progressos e dificuldades”. Essa foi a primeira produção escrita dos alunos dentro de um projeto de produção textual escrita no qual a turma está inserida, “Mercês: ontem e hoje”. Nesse projeto, os alunos resgatam a memória da comunidade onde mora e da sua escola por meio de entrevistas com moradores. Para serem motivados a refletirem sobre sua comunidade, os alunos visitaram o Engenho Massangana, residência de Joaquim Nabuco. O Engenho Massangana e Mercês estão inseridos no mesmo contexto da cultura do açúcar, pois esta comunidade se originou da antiga Usina Maria das Mercês. A ortografia foi o principal critério a ser analisado, porque seria também introduzida a prática de reescrita nesse grupo. Priorizar a correção de aspectos ortográficos foi uma forma de não saturar as correções feitas pelos alunos. Os erros de natureza suprassegmental foram menos relevados, ficando para serem explorados em outro momento. As produções foram devolvidas para os alunos com as palavras sublinhadas cuja escrita ortográfica estava incorreta. Os alunos foram orientados a corrigir seus erros com outra hipótese escrita sem auxílio de dicionários. Porque era necessário saber se tais erros eram apenas falta de atenção do aluno. Como o objetivo desse trabalho era fazer uma análise comparativa dos erros ortográficos entre texto e sua reescrita, o corpus foi composto por textos que apresentaram uma quantidade significativa de ocorrência de erros. Para se garantir mais contextualidade aos dados, será exposta a 1ª versão de cada produção escrita identificada com nomes fictícios para os alunos, mas se mantendo seu gênero e idade real. No corpo de cada texto estão sublinhados 1391 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais erros que foram indicados pelo professor para serem corrigidos pelo aluno. Cada vocábulo destacado será um dado e receberá uma numeração que servirá para sua identificação. Os erros repetidos pelo mesmo aluno terá a mesma numeração da primeira ocorrência. Foi usado um asterisco ∗ para os casos em que o aluno corrigiu uma palavra na 2ª versão que já estava correta na 1ª versão, chamaremos essa situação de “correção indevida”. Nos casos em que o problema se trata apenas do traçado da letra que foi difícil de ser entendida pelo professor, a mesma foi escrita entre parêntese como foi entendida por este; mas aparece nos dados da 2ª versão escrita corretamente como intencionava o aluno. Na reescrita dos textos dos alunos para este trabalho se preservou a escrita tal como está no texto do aluno, mantendo; portanto a falta de pontuação, acentos gráficos e uso de letras maiúsculas e minúsculas que constavam em tais textos. Amostra da produção textual escrita do 8º ano Texto 1 - João, 13 anos Memórias de Massangana Eu mim lembro, do casarão da (1) ingreja da moenda e os escravos ficavam moendo a cana de açúcar, a namoradeira que os pais ficavam juntos com os (2) (v)oivos. A (1)ingreja onde (3)enteraro dona rosa e do quarto de Joaquim Nabuco e de dona Rosa e das camas de antigamente não existiam colchão da (4) arvore chamada baobá. O (5)*sótão do casarão. Os escravos eram (6)enterados em qualquer lugar, as janelas da casa grande as (7) serâmicas os (8)ilustres e não (9)tinhão energia e (10) acediam velas a noite. e os formatos da cadeira não (11)e da mesma da de hoje em dia. Texto 2 - Antônio, 14 anos Memorias de Masangana Eu (12)milenbro da capela e a (13)imgreja onde (14)enterarro Ana Maria Rosa e a namoradeira e o casarão que os escravo trabalhava na moenda onde era feito (15)caudo de açúcar e fazia (16)seveja também e também tem uma (17) a vore (18)jamada (19)baua eu (20)costei muito ai porque foi (21)maça (22)la tinha um (23)binico os escravo eram (24)emterrado em (25)crauquer lugar os formato das cadeira não são dos dia (26)di hoje também tinham pratos as janela (27)*eram uma (28)perta das (29)ostras porque não tinha (3)ventilado 1392 Gisleyne Cássia Portela Costa Texto 3 - Paula, 13 anos Mermoria de mêcês emgenho massangana O (31)casarau (32) foir muito bom a (33)imgreja a (34)carna (35)sor tinha um (36)per a moenda (37)qui (38)us bois (39)rordava e (38)us (40)escrova butava (34)carna de (41)açuca a (33)imgreja (37)qui (42)interava (38) us brancos a (43)mamoradera (37)qui os (44) cazais (45) manorava e da sala (46)di (47)jarta e do (48) cosinha e da (49) arvori (50)balba e dois quarto (51)u (52)ome (37)qui morava (53)la Joaquim Nabuco (54)uis escravos era (55)interadois em (56) couque(57) luca (58)nu (59)emgernho (54)uis (60)formatois das (61)cadeirais não (62)e como agora. Dados coletados O quadro a seguir compara os erros ortográficos da 1ª versão com as correções feita pelos alunos na 2ª versão. nº 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 forma ortográfica igreja noivos enterraro árvore sótão interrados cerâmicas lustre tinham acendiam é me lembro igreja enterraro caldo cerveja árvore chamada baobá gostei massa Tabela 1 - Comparação entre as versões 1ª versão 2ª versão nº forma 1ª versão ortográfica 26 ingreja igreja de di 27 (v)oivos noivos eram *eram 28 enteraro enteraro perto perta 29 arvore árvore outras ostras 30 *sótão sotão ventilador ventilado enterados enterrados 31 casarão casarau serâmica seramicas 32 foi foir 33 ílustre inlustre igreja imgreja 34 tinhão tinhan cana carna 35 acediam acediam só sor 36 e e pé per milenbro mimlenbro 37 que qui 38 imgreja igreja interrava interava enterarro enterraram 39 rodava rordava 40 caudo cardo escravo escrova 41 seveja ceveja açúcar açuca 42 a vore ávore interrava interava 43 namoradeira mamoradera jamada chamada 44 baua bauba casais cazais 45 costei gostei namorava manorava 46 maça massa de di 1393 2ª versão de erram perto outra ventilador carzarrau foir egreja cana so pe que enterava rodava escrava açúcar enterava mamoradeira casais nanorava de Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais lá pinico interrado qualquer la binico emterrado crauquer forma ortográfica o homem lá os interrados qualquer 1ª versão 22 23 24 25 nº 51 52 53 54 55 56 u ome la uis interadois couque 47 la jantar 48 pinico cozinha enterrado 49 árvore quaulquer 50 baobá (Continuação) 2ª versão nº forma ortográfica 57 o lugar 58 homein no 59 la engenho 60 ois formatos enterados 61 cadeiras 62 cauquer é Fonte: Da autora jartar cosinha arvori balba jata comzinha arrvori baouba 1ª versão 2ª versão lucar nu emgernho formatois cadeirais e lugar no emgernho for matos caderais e A tabela seguinte quantifica as seguintes situações: erros que ocorreram na 1ª versão; correções feitas pelos alunos na 2ª versão; erros não corrigidos ortograficamente, mas como uma hipótese (chamaremos de nova hipótese); palavras corrigidas na 2ª versão que não foram indicadas para isso (correção indevida), palavras em que o traçado da letra cursiva provocou engano na correção na indicação de erro pelo professor, erros não corrigidos, repedindo-se a mesma escrita da 1ª versão e os erros que restaram depois que o aluno fez a reescrita de seu texto. Tabela 2 – Quantidade de ocorrências por situações em cada texto da amostra texto erros na 1ª versão correções na 2ª versão nova hipótese correção indevida traçado da letra não correção erros pós 2 ª versão 1 11 3 4 1 1 2 8 2 20 10 9 1 0 0 10 3 32 11 20 0 0 0 20 total 62 14 33 2 1 2 38 Fonte: Da autora 1394 Gisleyne Cássia Portela Costa Tabela 3 – Comparação das correções e das novas hipóteses entre os dados da amostra e da análise geral erros na 1ª versão correções na 2ª versão % nova hipótese % amostra 62 14 22,58 33 53,23 geral 117 52 44,44 42 35,90 Fonte: Da autora Reflexão sobre os dados Apesar da relutância dos alunos em reescreverem seus textos, a maioria demonstrou empenho nessa atividade. Isso se percebe, pois das 62 ocorrências de erros, 14 correções foram feitas. No entanto, esse fato ficou mais evidente na análise geral das 32 produções escritas dessa turma, nas 117 ocorrências de erros houve 52 correções. Os valores não são proporcionais entre a amostra e a pesquisa geral, por causa dos textos selecionados. Como foi dito anteriormente, foram escolhidos os textos com mais erros. Esses textos revelam os alunos com mais dificuldades com as convenções ortográficas, ou seja, suas hipóteses são mais influenciadas pela oralidade. Ainda observando o quadro 3, percebe-se o quanto esses alunos da amostra se empenharam para supor como seria a escrita ortográfica das palavras. Inclusive, na análise geral a turma, esses foram os alunos que fizeram mais hipóteses e foram os que menos deixaram de corrigir seus erros. A maioria dos erros ortográficos dessa turma foi motivada pelas condições de produção dessa escrita como a falta de atenção, pressa ou até mesmo a preocupação maior com o todo do texto invés das palavras. A reescrita oportunizou mais tempo para mais reflexões sobre a língua. Kato (1998) assegura que a consciência linguística que temos provém muito mais do que fazemos ao escrever ou ler do que daquilo que fazemos ao falar ou ouvir. A reescrita não apenas atenuou a quantidade de erros ortográficos, mais também fez surgir outros. A ideia de “erro” neste trabalho é entendida como hipótese que o aluno faz sobre a escrita, como observa Cagliari (2001, p. 61) que: “Os ‘erros’ dos alunos revelam uma reflexão sobre os usos linguísticos da escrita e da fala”. A palavra “erro” está sendo usada apenas na relação com a convenção ortográfica. Na amostragem para este trabalho, dentre os 62 erros ortográficos ocorridos, 33 novas hipóteses sobre a escrita surgiram. Essas 1395 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais novas hipóteses não deixam de ser novos erros, mas apenas segundo a ortografia da nossa língua. Elas revelam outras reflexões que o aluno fez sobre sua escrita. Se o interesse dessa atividade fosse tão somente quantificar os erros dos alunos, não se teria números muito fidedignos, pois a reescrita mostrou que muitos dos erros não se tratavam de falta de conhecimento, eram motivados apenas pela falta de atenção. A quantidade de erros pode diminuir com a reescrita, porque o professor pode ter se confundido com o traçado da letra do aluno como no texto 2, vocábulo 2. Pode ainda revelar a falta de segurança dos alunos diante de sua própria escrita ortográfica como no texto 2, vocábulo 28; o verbo “era” foi escrito na 2ª versão como “erra”. Nesse caso, o aluno não percebeu que a palavra não estava sublinhada por isso não precisava ser corrigida ou acreditou que o professor não viu esse erro; corrigiu-o e revelou que não domina o uso da letra “r”. No texto 1, vocábulo 5, há outro caso de correção indevida: na 1ª versão o aluno escreve corretamente “sótão” e na 2ª versão escreve “sotão”. O aluno não conhecia a escrita dessa palavra, pois não é uma palavra comum, mas tinha duas hipóteses sobre sua escrita. Apesar de ter acertado, reescreveu-a de outra forma, retirando-lhe o acento gráfico, provavelmente por achar estranha a presença de mais de um sinal gráfico na palavra; o que realmente não é frequente em nossa língua. O processo de reescrita revelou, na análise geral da turma, cinco casos em que os alunos fizeram outro texto evitando as palavras indicadas para a correção, ou até fazendo outro texto. Esses casos não se encontram neste trabalho porque foge do seu propósito, mas merece um estudo à parte. Entretanto, considerando a questão da reescrita, a atitude dos alunos mostra o envolvimento ainda maior desses alunos com a atividade de reescrita, pois tais alunos enriqueceram seu texto com mais detalhes, usou outras estratégias para escrever. Tanto o aspecto de amplitude da reescrita dos textos que ficaram fora da análise, quanto à diminuição dos erros ortográficos nos textos analisados, demonstra que os alunos, em geral, levam a atividade de escrever muito a sério e se ocorrem erros mais do que se deveria, provavelmente é porque não teve oportunidade de corrigi-los. Não escrevemos com a mesma fluência de quando falamos, nem escrevemos tanto quanto falamos. Kato (1998, p. 31) lista as diferenças funcionais entre fala e escrita em quatro aspectos: 1396 Gisleyne Cássia Portela Costa I. a escrita é menos dependente do contexto situacional; II. a escrita permite um planejamento verbal mais cuidadoso; III. a escrita é mais sujeita a convenções prescritivas, IV. a escrita é um produto permanente. Se relacionarmos essas características da escrita, podemos dizer que por a escrita ser menos dependente do contexto situacional, ela permite que planejemos nosso texto com mais cuidado com as convenções prescritivas da escrita. Uma das razões desse policiamento sobre a escrita se deve ao seu caráter de permanência. Marcuschi (2010) lembra que na vida prática usufruirmos da possibilidade de planejamento da escrita, revendo-a e refazendo-a. Refazer a escrita é tão comum que em certos setores é necessário um profissional para tal função como os revisores de texto em um jornal. Entretanto, na vida artificial das escolas, geralmente, espera-se que o aluno escreva com a mesma espontaneidade de suas conversas. Por mais espontâneo que se seja, pode faltar ao aluno ferramentas para sua escrita, as convenções. Escrever requer, dentre outras coisas, uma maior reflexão sobre a própria língua e seu sistema de escrita. Pede-se, entretanto, ao aluno que escreva sem lhe oferecer oportunidades de refletir e refazer seu texto. Apenas na escola, escrevemos sem sabermos para quê, para quem, e muitas vezes sem saber o quê e como. Nessas condições de artificialidade, o que dizer sobre a reescrita? Se o aluno não vir sentido em escrever, menos ainda terá em reescrever seu texto. Não é simples trabalhar na perspectiva de se debruçar no aprimoramento da escrita do aluno tendo o texto deste como ponto de partida. Isso demanda mais tempo e dedicação tanto para o professor quanto para o aluno. A quantidade de aluno por turma, a falta de motivação do aluno para escrever em condições artificiais e até mesmo a falta de preparo e interesse do professor tornam a reescrita uma atividade quase inexistente nas escolas. A produção textual escrita e sua reescrita precisa ser tão frequente quanto às atividades de leitura. A leitura permite o aperfeiçoamento da escrita, mas não lhe garante. Só se aprende a escrever escrevendo de fato. Leitura e escrita estão correlacionadas. 1397 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Categorização dos erros ortográficos Parte das transformações pelas quais passam o léxico da nossa língua pode ser explicada pelos processos fonológicos. Segundo Cagliari (2002), processos fonológicos são alterações sonoras que ocorrem nas formas básicas dos morfemas, ao se realizarem foneticamente. Para Silva (2011) processos fonológicos segmentais são alterações nos fones ou fonemas e por ser de natureza tanto fonética quanto fonológica, o autor acrescenta: Esse fenômeno deveria receber dois termos: processos fonéticos e processos fonológicos. No entanto, convencionou-se usar apenas a expressão ‘processos fonológicos’. Também é usado o termo metaplasmos (processo que acrescenta, suprime ou transpõe fonemas numa palavra). Esses processos podem ser percebidos tanto do ponto de vista sincrônico (num estágio da língua) quanto do ponto de vista diacrônico (estágios sucessivos da língua). (SILVA, 2011, p. 80) Sintetizando a sistematização feita por Silva (2011) desses processos, sem se ater às subdivisões, pode-se dividi-los em quatro grupos: I. Processos de apagamento: equivale à supressão de um segmento (consoante, vogal ou glide) ou de uma sílaba inteira (p. 81); II. Processos de adição: ocorre por acréscimos de consoantes, de vogais e de glides (p.82); III. Processos de transposição: ocorre quando um segmento troca de posição dentro de uma mesma palavra. Pode ocorrer de três formas: transposição de consoantes, de vogais ou de elementos suprassegmentais (acento tônico) (p.83); IV. Processos de substituição: nesse tipo de processo, enquadra-se toda alteração que um fone ou fonema venha a sofrer (p. 84). Para este trabalho não interessa o detalhamento desses processos em suas subdivisões, pois sua aplicação para a análise de erros ortográficos se dá de forma parcial. Cagliari (2002, p. 82) observa que: “(...) Alguns processos fonológicos só podem ser devidamente explicados quando se leva em consideração fatos de natureza gramatical, sobretudo morfológica”. Para o autor uma regra fonológica 1398 Gisleyne Cássia Portela Costa pode ser motivada por uma forma básica lexical e quando esse fenômeno acontece é chamado de processo morfofonológico. Portanto, os processos fonológicos não são suficientes para dar conta de todas as ocorrências de erros ortográficos na escrita dos alunos. Dentre outros processos fonológicos, tomemos como exemplo a assimilação, que segundo Cagliari (2002, p. 99) é quando “um som torna-se mais semelhante a outro, que lhe está próximo, adquirindo uma propriedade fonética que ele não tinha”. A assimilação é para Silva (2011) um tipo de processo por substituição. Para citar apenas um caso assimilação, na análise geral, dois alunos ao tentar escrever o sobrenome do abolicionista Joaquim Nabuco, escreveu “nambuco”. Provavelmente por falar [nãbuco] representaram graficamente a nasalização da vogal [a] com a letra “m”. A motivação fonética pra isso é o traço nasal do fonema /n/ que incide na percepção da vogal /a/, ou seja, /a/ assimila o traço nasal de /n/. Contudo, parar na constatação de um processo fonológico não ajuda por completo. É preciso entender que o aluno acionou o conhecimento que tinha, a lembrança sonora de um nome não familiar, ou seja, que nunca vira escrito. A hipótese do aluno se baseia então na transcrição fonética do nome “Nabuco”. No seu livro “Alfabetização & linguística”, Cagliari (2001) analisa a escrita espontânea de crianças de 1ª série de escolas de periferia de Aracajú, Sergipe, Campinas e São Paulo. O autor observou que na tentativa de aplicar uma relação direta entre letra e som, os alunos fazem hipóteses possíveis fundamentadas nos usos ortográficos ou em realidades fonéticas. Nessa análise, os erros cometidos pelos alunos não foram agrupados conforme processos fonológicos pelos quais seriam motivados. Apesar de esses estarem presentes, o autor criou 11 categorias para os erros mais comuns dos alunos da 1ª série: 1.transcrição fonética, 2.uso indevido de letra, 3.hipercorreção, 4.modificação da estrutura segmental das palavras, 5.juntura intervocabular e segmentação, 6.forma morfológica diferente, 7.forma estranha de traçar as letras, 8.uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, 9.acentos gráficos, 10.sinais de pontuação e 11.problemas sintáticos. É possível agrupar as onze categorias em dois grupos, um mais influenciado pela oralidade outro mais pela escrita. Quatro das categorias estão relacionados mais diretamente com a oralidade: transcrição fonética, juntura e segmentação, forma morfológica diferente e problemas sintáticos. As outras sete categorias estão mais relacionadas, de alguma forma, com o próprio sistema de escrita: uso indevido de letra, hipercorreção, modificação da estrutura segmental das pala1399 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais vras, forma estranha de traçar a letra, uso indevido de letra maiúscula e minúscula, acento gráfico, sinais de pontuação. O autor observou em suas análises que na categoria de transcrição fonética era onde havia a maior ocorrência dos erros, ou seja, influência maior da oralidade. Contudo, no agrupamento das categorias, observa-se a necessidade de uma quantidade maior de categorias para dar conta das hipóteses influenciadas pela escrita. Por tanto, análises de erros ortográficos com base apenas em processos fonológicos não dão conta da complexidade do empenho do alfabetizado. Mesmo com amplitude dessas categorias forjadas em sua análise, Cagliari cria a categoria “modificação da estrutura segmental das palavras” para dar conta de ocorrência de difícil categorização, casos em que não se encontra uma motivação definida. A categorização dos processos fonológicos feita por Silva (2011) também será utilizada e algumas subcategorias. São elas: I. Processos de apagamento: a) Aférese: apagamento de segmento inicial de palavra. (Ibdem, p. 81) b) Síncope: apagamento de segmento medial. (Ibdem) c) Apócope: apagamento de segmento final. (Ibdem, p. 82). II. Processos de adição: a) Prótese: adição de segmento inicial. (Ibdem) b) Epêntese: adição de segmento medial. (Ibdem) c) Paragoge: adição de segmento final. (Ibdem). III. Processos de substituição: a) Assimilação: Um segmento adquire propriedades do segmento que está próximo dele. (Ibdem, p. 84) b) Decaimento: fenômeno fonético em que o fone se transforma em outro. (Ibdem, p. 86) c) Sonorização (ou abrandamento): Som surdo se torna sonoro. (Ibidem, p. 85) Ao aplicar essas categorias de Cagliari e os processos fonológicos aos erros ortográficos dos textos analisados, identificou-se que tais categorias e processos 1400 Gisleyne Cássia Portela Costa fonológicos poderiam ser agrupados em duas categorias maiores: categorias influenciadas pela oralidade e categorias influenciadas pela escrita. Há erros ortográficos que não é possível de serem explicados por uma só categoria, nem por um só processo fonológico. Influência da oralidade I. Transcrição fonética: o aluno toma a fala como referência e escreve tal como percebe a fala (CAGLIARI, 2001, p 138), de forma mais geral, é o que acontece com os erros ortográficos dos alunos. a) Processo fonológico de apagamento: - sícope: seveja (cerveja). - apócope: ventilado(ventilador). b) Processo fonológico de adição - epêntese: formatois (formatos), cadeirais (cadeiras), uis, (os). Nesses casos, está presente um tipo de epêntese a ditongação, surgimento de ditongo. c) Processo fonológico de substituição: - decaimento: di (de), arvori (árvore), nu (no), us (os). - assimilação: ingreja (igreja), comzinha (cozinha). Nesses casos, há o caso de nasalidade, que ocorre quanto uma vogal tipicamente oral é seguida de uma consoante nasal, sem alterar o sentido e marca também a variação dialetal (Silva, 2008). A vogal assimila o traço nasal da consoante nasal. A forma ortográfica dessas palavras não tem vogal nasal, mas provavelmente o aluno fala nasalando tais vogais e assim transcreve a nasalidade. Segundo os estudos aprofundados de Camara Jr. (2011), na língua portuguesa não há vogais nasais. Há vogais orais seguidas de arquifonemas nasais, ou seja, não há traço distintivo de sentido. Por tanto não se trata de um fonema, apenas um fone. II. Forma morfológica diferente: forma própria de uma palavra em uma variedade dialetal (Ibidem, p. 143). Exemplos: omi (homem), cardo (caldo). Nesses casos o aluno também faz uso de transcrição fonética da sua fala. Na palavra “cardo” há o processo de fonológico de substituição chamado de 1401 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais “rotacismo”, que segundo Silva (2011) se trata de um “vício” de que consiste em pronunciar o som [r] no lugar de outro fonema. III. Juntura intervocabular e segmentação: o aluno não identifica as fronteiras entre os vocábulos lexicais. (CAGLIARI, 2001, p 142). Exemplos respectivos: milembro / mimlenbro (me lembro), a vore (árvore). IV. Ponto de articulação. Essa categoria não está entre as categorias usadas por Cagliari (2001), mas foi necessário criá-la para os casos em que houve troca de letras por causa do ponto de articulação do fonema que tal letra representa. Exemplos: jamada (chamada), binico (pinico), costei (gostei), luca (lugar). Nesses casos, os pares de fonemas /k/ e /g/ são velares, /ʒ/ e /ʃ/ são alveopalatais, /b/ e /p/ são bilabiais. O aluno não percebe a distinção entre esses sons, porque eles têm o mesmo lugar de articulação. A diferença está em serem respectivamente desvozeada e vozeadas. Silva (2011) observa que na evolução histórica de algumas palavras houve o processo fonológico de sonorização como na palavra “acutu” (desvozeada) que passou a ser “agudo” (vozeada), processo inverso desses aqui analisados. Influências da escrita I. Uso indevido de letra: o aluno escolhe uma letra possível para representar um som de uma palavra quando a ortografia usa outra letra (CAGLIARI, 2001, p. 140). Exemplos: seveja (cerveja), maça (massa), cazais (casais). A maioria dos erros no uso das letras “s”, “z”, “c” se dão pela complexidade das convenções ortográficas. A distinção entre sistema gráfico e sistema ortográfico facilita a lidar com esse caso. Segundo Gak (apud FERREIRO, 2013), o sistema gráfico são aos meios de uma língua para expressar o som, que seria o conjunto das letras e dos diacríticos. Enquanto que o sistema ortográfico deve ser entendido como as regras que determinam o emprego das letras de acordo com as circunstâncias. As regras ortográficas deveriam ser vistas como restrições gráficas. II. Hipercorreção: quando o aluno já conhece a forma ortográfica de determinadas palavras e sabe que a pronúncia destas são diferentes e passa a generalizar essa forma de escrever. (Ibidem, p. 141). No vocábulo “balba” 1402 Gisleyne Cássia Portela Costa (baobá), por exemplo, indica que o aluno recorda que em palavras como “papel” e “anel” a letra “l” é pronunciada como /u/; como o aluno não pronuncia ba/o/bá, mas sim ba/u/bá (aplicando outra hipercorreção) aplica a regra do “papel” e “anel” na palavra baobá cuja ortografia ele desconhece. III. Forma estranha de traçar as letras: às vezes o professor pode achar que houve uma troca de letra em uma palavra, mas na verdade está fazendo uma má interpretação do traçado da letra do aluno (Ibidem, p. 146). É o que aconteceu com a palavra “noivo” (2), que foi entendida como “voivo”, o jeito do aluno de escrever a “n” se parece com “v”. IV. Modificação da estrutura segmental das palavras: o aluno troca, suprime ou acrescenta letras fora das possibilidades do sistema de escrita, provavelmente por não dominar o uso de certas letras. (Ibidem, p. 142). Exemplos: crauquer (qualquer), Couquer (qualquer). V. Acentos gráficos: no início da alfabetização, o aluno não conhece ou não domina as regras para o uso de acentos gráficos. (Ibidem, p. 144). Exemplos: a vore (árvore), arvore(árvore), sotão (sótão). Há processos fonológicos que são caracterizados pela transposição de elemento suprassegmental como o acento tônico, mas não se aplica a esses casos. O aluno pronuncia tais palavras com a tonicidade correta, mas não a representa devidamente. As categorias “uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas”, “sinais de pontuação” e “problemas sintáticos” não entraram na análise, mesmo ocorrendo erros desse tipo. Vale destacar que tais categorias estão ligadas à escrita. Entretanto, Cagliari (2001, p.145) observou em suas análises que: Alguns erros de escrita que aparecem nos revelam problemas de natureza sintática, isto é, de concordância, de regência, mas que na verdade denotam modos de falar diferentes do dialeto privilegiado pela ortografia. Aparecem construções estranhas que refletem estilos que só ocorrem no uso oral da linguagem. No texto 2, isso também foi constatado. Por exemplo, na 1ª versão, o aluno escreve “os escravo trabalhava”, como é mais próximo da fala, a marcação redun1403 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais dante do plural na norma culta é ignorada. Mas quando o aluno reescreve o trecho na 2ª versão, escreve “o escravos trabalhavam”, mas próximo das convenções da escrita, marcando inclusive a desinência de número no verbo. Considerações conclusivas Segundo Emília Ferreiro (2013) nos últimos trinta anos, tem se publicado muito sobre consciência fonológica, que seria a capacidade de identificar a estrutura sonora das palavras. Apesar de reconhecer que há uma forte relação entre esse tipo de consciência e a aprendizagem de leitura, a autora argentina que por muito tempo pesquisou sobre o processo de aquisição da escrita pelas crianças, critica o fato de ser pouco considerada a relação da consciência fonológica com a aquisição de um sistema alfabético de escrita. Isso é possível notar na análise feita neste trabalho. Os alunos fazem reflexões muito profundas sobre sua fala ao tentar representá-la e lança mão das convenções da escrita ainda que não as dominem por completo. A reescrita é um oportunidade de reforçar a necessidade desse pensar profundo sobre a língua. O aluno não deveria entender a reescrita de seu texto como uma punição por ter escrito um texto ruim, cheio de palavras erradas, mas perceber que essa é uma atividade comum em uma sociedade grafocêntrica como a nossa, na escola, e, sobretudo, fora dela. É preciso partir do professor a valorização do texto do aluno dando lhe uma finalidade e criando condições para que essa produção não tenha apenas o professor como leitor. Assim se torna mais fácil convencer o aluno da importância de melhorar seu texto por meio de sua reescrita. Levar o aluno a compreender e distinguir o sistema gráfico do sistema ortográfico da sua língua é um ponto de partida para se didatizar a Fonologia e a Fonética nas salas de aulas, e provavelmente essa seja a maior das contribuições pedagógicas que essas ciências podem ofertar ao processo de ensino-aprendizagem de uma língua. Aos poucos, ou com emergência como nos casos do 8º ano aqui analisados, os alunos precisam fazer as distinções dos usos orais e dos usos escritos da língua, ajustando às situações de uso, ou podemos dizer, ao gênero textual no qual quer concretizar seu discurso. Como aconselha Kato (1998, p.8): “As atividades de leitura e escrita, bem como as reflexões metalinguísticas que delas derivam, são os caminhos para o indivíduo crescer tanto cognitiva quanto criticamente”. Em suas análises da escrita de crianças, Cagliari (2001), profundo conhecedor de Fonética e Fonologia, observa que a maior parte dos problemas de fala e escrita 1404 Gisleyne Cássia Portela Costa estão ligados ao fenômeno da variação linguística. O desconhecimento das convenções ortográficas leva o aluno a recorrer a sua fala. Isso também é perceptível nos textos analisados cujos autores são oriundos de uma região rural. Enquanto sujeito de uma comunidade de fala de zona rural, os alunos trazem consigo as marcas de seu dialeto para sua escrita. Esse aluno do campo, com menos acesso à escrita, provavelmente apresentará mais erros ortográficos; já que a norma padrão, ou língua falada culta, é uma variedade urbana formal e, sobretudo, por ser ela consequência do letramento. As leis que regem nossa educação sobre o princípio da democracia, garantem a escola para todos. A escola regida por tais leis e princípios precisa garantir que os alunos com seus diferentes falares tenham acesso às normatividades de sua língua para que tenham mais acesso aos conhecimentos acumulados de sua cultura; quiçá ascender socialmente. Entretanto o acesso à norma padrão requer reflexão sobre suas variações, seu uso, sua história, sua sistematização. O aluno não terá tais conhecimentos bem direcionados se o professor não intervier nesse processo. O professor deve fazer suas reflexões sobre a língua com base em observações e teorias. Só assim, o professor será capaz de mudar concepções e atitudes preconceituosas sobre a língua e seus falantes e cumprir seu papel de ensinar com propriedade. Referências CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 2001. CAGLIARI, Luiz Carlos. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. CAMARA, Jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001. FERREIRO, Emília. O ingresso na escrita e nas culturas do escrito: seleção de textos de pesquisa. São Paulo: Cortez, 2003. KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 6e. São Paulo: Ática, 1998. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10ed. São Paulo: Cortez, 2010. SILVA, Fernando Moreno da. Processos fonológicos segmentais na língua portuguesa. Littera on lines: Universidade Federal do Maranhão, n.4, p. 72-82, 2011. SILVA, Taïs Cristófaro. Fonética e fonologia do Português: roteiro de estudo e guia de exercícios. São Paulo: Contexto, 2008. SIMÕES, Darcília, Considerações sobre a fala e a escrita: fonologia em nova chave. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. 1405 RESUMO Este trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa realizada com 28 professores da rede pública de ensino de Pernambuco, e integra o projeto “O Ensino da Fonética e da Fonologia e da Morfologia da Língua Portuguesa na Educação Básica Pública de Pernambuco: Práticas de Letramento”. Tal pesquisa tem o objetivo de averiguar o conhecimento dos pressupostos de ordem fonológica/fonética e morfológica dos professores e a relação que estes fazem com o ensino de ortografia, afinal, constatase ser este diretamente ligados àqueles. Esta pesquisa é composta por quatro perguntas concernentes a questões teóricas de morfologia e fonologia relacionadas ao ensino de ortografia da língua portuguesa as quais de caráter qualitativo. Como resultado da pesquisa, foi identificado que o maior percentual dos entrevistados não deu respostas satisfatórias às perguntas realizadas, ainda que, em maioria, houvesse dedicado tempo, em sua formação inicial, ao estudo de morfologia e fonética/fonologia. O presente trabalho visa tratar dos pontos da pesquisa referentes à fonética/ fonologia e o ensino de ortografia fazendo entre tais as relações teóricas necessárias. Sabe-se que o despreparo do professor neste âmbito acarreta no despreparo do aluno, o qual continuará a cometer equívocos gráficos tais quais a troca de letras em palavras: ‘apriu’ por ‘abriu’, ‘fazio’ por ‘vazio’, ‘derrepente’ por ‘de repente’. Este trabalho tem como aporte teórico Azevedo (2006), Perini (2010), Bagno (2012), Câmara Jr. (2011), Cagliari (2009), Neves (2000), entre outros. Palavras-chave: Ensino de português, Fonologia, Formação do professor. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e fonologia e ensino DO CONHECIMENTO DE ASPECTOS DO SISTEMA FONOLÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA AO ENSINO DE ORTOGRAFIA: PRÁTICAS DE LETRAMENTO1 Victor Bruno de Lacerda Ramos (NUCEPI/UFPE)2 Introdução Entendemos que o professor de língua portuguesa do ensino básico deve abordar também, em sala de aula, aspectos fonéticos/fonológicos da língua, considerando esta em sua realidade enquanto atividade humana e, portanto, de propriedade social. Isso indica não ignorar, nas práticas de ensino, a estrutura que o sistema da língua portuguesa. Ignorá-lo e não trabalhar aspectos desse sistema com os alunos, seria, equívoco pedagógico, uma vez que, nas palavras de Possenti (1996, p 17 ) “O objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico.” Além de ensinar questões relacionadas ao sistema da língua portuguesa, é necessário ensinar ensinar-lhes 1. Trabalho orientado pelas Professoras Doutoras Gláucia Renata Pereira do Nascimento e Siane Gois Docentes/pesquisadoras do NUCEPI (Núcleo de Pesquisas Produção e Compreensão (Inter)linguísticas) do Departamento de Letras do CAC/UFPE. 2. Graduando em Letras Português – Licenciatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 1407 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres o sistema gráfico, que não é um dos estratos da língua, é artificial e tem por base pressupostos da fonética/fonologia, entre outros de natureza morfossintáticas. Se o conhecimento do professor acerca desses pressupostos é insuficiente, o que se pode esperar da aprendizagem de seus alunos? Constatou-se, na pesquisa que gerou este artigo, que grande parte dos professores voluntários questionados tiveram tempo dedicado à fonética/fonologia em sua formação inicial, entretanto parece que isso não foi o suficiente para que estes dispusessem de preparo teórico que abarque as condições requeridas pelo ensino de ortografia da língua portuguesa. Tal resultado preocupante indica a possibilidade de fragilidades na formação inicial desses professores, assim como na consequente despreparo do alunado que, não preparado adequadamente, persistirá cometendo equívocos gráficos em sua escrita. Breve fundamentação teórica Faraco (apud Xavier e Cortez, 2003, p 64) informa que a língua é “[...] uma complexa realidade semiótica estruturada sim, mas necessariamente aberta, fluida, cheia de indeterminação e polissemias, porque é atravessada justamente por nossa condição de seres históricos.”, o que faz da língua um fenômeno, por si, mutável porque de propriedade dos falantes. Entretanto é necessário considerar que se organiza em um sistema, que tem regras de funcionamento, as quais possibilitam, inclusive, mudanças; por isso Faraco afirma que a língua é uma realidade, ao mesmo tempo, “estruturada, estruturante e estruturável” (apud Xavier e Cortez, 2003, p 64). Nesse contexto, o professor de língua portuguesa deve contemplar, em suas aulas, tanto para aspectos dinâmicos da língua, como seus aspectos estáticos, por assim dizer, de tal maneira a abarcar, em sua prática docente, diferentes faces da língua e propor ao aluno as reflexões pertinentes a respeito tanto da língua em uso quanto da língua observada como um sistema estável. Sendo assim, o professor deve ensinar ao aluno, entre muitos outros temas, regras con- 1408 Victor Bruno de Lacerda Ramos vencionalmente estabelecidas sobre o plano fônico da língua e sobre o sistema gráfico do português, que é artificial, e mostrar a relação existente entre essas instâncias ao estudante. Toda língua é essencialmente falada, sendo assim, as reflexões feitas a respeito da língua têm, necessariamente, suas origens em reflexões feitas sobre a oralidade. Não há como tratar da grafia sem tratar da parte fônica da língua, embora o sistema gráfico também se organize com base em aspectos da morfossintaxe da língua. As disciplinas encarregadas de tratar deste aspecto fônico da língua são a fonética e fonologia, as quais responsáveis pelo estudo dos sons da língua. Como tais, são suportes para reflexões sobre questões de ortografia. De acordo com Cagliari (2009), o que se ensina de fonética nas escolas, nos livros didáticos, nas gramáticas é em geral desastroso. Não há nenhum cuidado com as explicações, há erros primários e uma incompreensão quase total da realidade da língua”. (p.75) Desse modo, levantamos a hipótese segundo a qual a formação inicial do professor de língua portuguesa, particularmente em Pernambuco, apresenta inconsistências, que rebatem no fraco desempenho dos alunos na escrita. Esse fraco desempenho se mostra bem em resultados de avaliação de externa, como o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Como parte desse quadro preocupante, os professores se deparam com problemas de escrita cujas causas parecem desconhecer, como, por exemplo, a troca de grafemas em palavras (‘fazio’ em vez de ‘vazio’). É importante contribuir para que o aluno desenvolva a escrita ortográfica por meio de práticas de ensino que o levem a refletir sobre aspectos da fonética e da fonologia, a fim de que possam que os alunos possam, efetivamente, assumir uma postura reflexiva que lhes permita tomar consciência de sua condição e da condição de sua comunidade em relação ao universo das práticas letradas de nossa sociedade para poder atuar nelas de forma ativa, como protagonistas na ação coletiva. Nesse quadro, importa salientar que tomar consciência significa, de um lado, saber identificar como e por que determinadas práticas de linguagem e, portanto, determinados usos da língua e de diferentes linguagens são, historicamente, legitimados e, de outro, poder transitar em meio a tais usos e práticas segundo demandas específicas que se possam ter (BRASIL, 2006, p. 29) 1409 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Apenas um ensino de língua materna com bases teóricas mais consistentes pode criar condições para que os estudantes da educação básica se tornem cidadãos autônomos para as diferentes práticas de letramento. Pesquisa e resultados Os resultados aqui apresentados são advindos da análise de um corpus3 que se consistiu questionários aplicados a 28 professores de língua portuguesa da rede básica de ensino público do estado de Pernambuco. Neste questionário, há três perguntas formuladas com o intuito de levantar informações que giram em torno da formação inicial dos voluntários e de seus conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos que envolvem a fonética/fonologia e a morfologia, como: (i) se o professor cursou e o tempo que cursou a disciplina de fonética/ fonologia e morfologia na sua formação inicial; (ii) se os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da fonética/fonologia e morfologia são importantes para as aulas de língua portuguesa; (iii) e quais atitudes – práticas e teóricas – o professor toma ao se deparar com algumas construções gráficas que fogem às regras do sistema gráfico do português contemporâneo. Como já mencionado, este trabalho terá como foco de análise conceitos da fonologia. As respostas para essas perguntas geraram dois gráficos que serão apresentados a seguir: o primeiro apresenta o resultado da parte objetiva da resposta (sim ou não); e o segundo apresenta as justificativas dadas pelos voluntários, organizadas em categorias construídas a partir da análise. 3. Aprovado pelo comitê de ética, tal corpus faz parte de um projeto maior, ao qual o subprojeto que gerou este artigo está ligado, chamado “O Ensino da Fonética/Fonologia e da Morfologia da Língua Portuguesa na Educação Básica Pública de Pernambuco: Práticas de Letramento”, em vigência no período de 2014 a 2016. A pesquisa é coordenada pelas professoras Dras. Siane Gois e Gláucia Nascimento, integrantes do NUCEPI (Núcleo de Pesquisas Produção e Compreensão (Inter)linguísticas) do Departamento de Letras do CAC/UFPE.. 1410 Victor Bruno de Lacerda Ramos Para esta pergunta, observa-se que 51% dos voluntários tiveram acesso ao estudo de fonética/fonologia em sua formação inicial, índice este que mostra um possível preparo teórico dos candidatos quanto às questões concernentes à relação entre o plano fônico da língua e o sistema gráfico. Ainda sobre as respostas à pergunta 1, apresentamos abaixo o gráfico referente aos voluntários que responderam que estudaram fonética/fonologia em sua formação inicial: 1411 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Observa-se que a maioria estudou a disciplina enfocada em apenas um período da graduação, e apenas 11% estudaram em três ou mais períodos. Tais dados reforçam nossa hipótese de que o conhecimento inconsistente de professores quanto à relação existente entre os pressupostos teóricos de fonética/ fonologia e à ortografia está ligado à aspectos da formação inicial desses profissionais. A análise das respostas a essa pergunta mostrou que vinte e seis dos professores entrevistados consideram que os conhecimentos relacionados ao âmbito da fonética/fonologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa, ou seja, cerca de 93% dos voluntários. Enquanto isso, dois dos entrevistados não consideram importante, cerca de 7% dos voluntários4. A esta pergunta, todos os voluntários responderam. Estes resultados estão representados no gráfico a seguir: Gráfico 1: Respostas à pergunta “Os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da Fonética e da Fonologia e da Morfologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa?”. 4. Para facilitar a análise, os números foram arredondados. 1412 Victor Bruno de Lacerda Ramos O próximo gráfico apresenta as justificativas dadas pelos voluntários, organizadas em categorias construídas a partir da análise. Foram quatro as categorias construídas com base nas justificativas dos voluntários que disseram ‘sim’ à pergunta: (1) para o desenvolvimento da ortografia; (2) por ser a base estrutural da língua; (3) por tratar da oralidade e/ou pluralidade dialetal da língua5; (4) não deram respostas satisfatórias. Esta última categoria abarca respostas em que os voluntários: (a) usaram apenas as palavras-chave que estavam na pergunta, sem respondê-la; (b) não deram informação acerca de algum conceito que seja, de fato, importante; (c) formularam respostas vagas, ou equivocadas, que indicam que podem não conhecer suficientemente o tema. Sendo assim, das vinte e oito respostas analisadas, cinco se enquadram na categoria (1); uma se enquadra na categoria (2); uma se enquadra na categoria (3); e vinte e um se enquadram na categoria (4). Isso implica dizer que 75% dos entrevistados não deram respostas satisfatórias, enquanto apenas 25% expressam algum(ns) aspecto(s) que pode(m) ser considerado(s) importante(s) para o ensino de Língua Portuguesa, como mostra o gráfico abaixo: Gráfico 2: Justificativas das respostas afirmativas para a pergunta: “Os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da Fonética e da Fonologia e da Morfologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa?” 5. Pelo fato de a pesquisa tratar também de conceitos que envolvem a fonética e a fonologia, a categoria (iii) mostra-se, de certa forma, adequada e relevante para análise 1413 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Considerações finais Os resultados desta pesquisa revelam que há professores da educação básica de Pernambuco parecem pouco informados sobre a relação entre pressupostos da fonética/fonologia e o ensino de ortografia, ainda que tenham tido, em sua formação inicial, tempo dedicado ao estudo de fonética/fonologia. Este é um fato preocupante, pois sabe-se que, neste quadro, os alunos desses profissionais tendem a não terem o preparo necessário para desenvolver, de maneira mais consistente, sua escrita. Outro ponto identificado é o fato de grande percentual dos professores voluntários ter tido tempo dedicado à disciplina de fonética/fonologia em sua formação inicial e não terem dado respostas satisfatórias ao serem questionados sobre a relação teórica entre os pressupostos de fonética/fonologia e o ensino de ortografia. Com base nos autores mencionados e nos dados levantados, concluímos que a relação teórica entre os pressupostos de fonética/fonologia e ortografia merece maior atenção na formação inicial de professores de língua portuguesa, uma vez ser papel destes proporcionar ao aluno condições de uso da língua de acordo com a norma padrão da língua portuguesa. Referências CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. 11.ed. São Paulo: Scipione, 2009. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília, DF: MEC/ SEMTEC, 1999. BRASIL. MEC. Orientações Curriculares ara o Ensino Médio. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2006. PERNAMBUCO. Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio. SEP, 2012. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. 1414 Victor Bruno de Lacerda Ramos POSSENTI, Sírio; Por que (não) ensinar gramática na escola. Sírio Possenti – Campinas – SP: Mercado de Letras : Associação de Leitura do Brasil, 1996. XAVIER, Antonio Carlos e CORTEZ, Suzana. Conversas com Linguístas: virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. 1415 RESUMO O presente trabalho objetiva compreender o espaço que a área da fonética e da fonologia ocupa nos livros didáticos, considerando a sua pertinência ao processo de aquisição da escrita e à compreensão das variações dialetais. O corpus selecionado se constitui de dois livros didáticos de Língua Portuguesa, referentes ao 6º ano do Ensino Fundamental (antiga 5ª série): 1) Português Oral e Escrito, de Dino Preti (1977), da Companhia Editora Nacional, de publicação anterior à 1ª edição (1997) dos Parâmetros Curriculares Nacionais; 2) Singular & Plural, dos autores Laura de Figueiredo, Marisa Balthasar e Shirley Goulart (2012), da editora Moderna. Essa escolha se deu por ensejarmos averiguar, através de uma análise comparativa, se, após os anos 90, houve modificações produtivas no que diz respeito ao tratamento dado à fonética e à fonologia nos materiais didáticos. Isso porque os documentos publicados a partir desse período, como a 1ª edição dos PCN, a matriz que rege o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), dentre outros, apresentam um viés mais discursivo, ancorado na perspectiva bakhtiniana de gêneros do discurso. A base teórica fundamentou-se nos trabalhos de BAGNO (2007), CAGLIARI (2009), CRISTÓFARO (2009), dentre outros. Com base nas análises que efetuamos em nosso corpus, percebemos que, depois da publicação desses documentos orientadores do currículo nacional, alguns conteúdos das supramencionadas áreas, que têm bastante relevo no processo de aquisição da escrita, passaram a ser negligenciados ou pouco abordados pelos manuais. Palavras-chave: Fonética, Fonologia, Variação, Livros didáticos. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e fonologia e ensino O TRATAMENTO DADO À FONOLOGIA E À VARIAÇÃO PELOS LIVROS DIDÁTICOS Emily Ellen Lima de Sousa (UFPE) Introdução A Fonética e a Fonologia, áreas de estudo da organização sistêmica da língua, compõem o cerne de aspectos relacionados à língua, sedimentam um conhecimento ligado a sua estrutura e as suas mais diversas modalidades. Em contrapartida, pesquisas1 mostram que devido ao pouco embasamento em fonética e fonologia de vários professores de Português durante a formação inicial, parece haver um tratamento superficial no que concerne à abordagem dada à diversidade linguística e ao tratamento dado por parte dos docentes às transgressões dos alunos à norma padrão da língua. Ademais, quando se verifica a parcela da carga horária de aula destinada a essas áreas de estudo da língua e o enfoque dado na escola a seus conceitos, percebe-se que o conhecimento ainda é abordado de forma incipiente, não sendo suficiente para a consolidação de uma consciência nos alunos dos processos de produção dos sons da fala e das funções dos fonemas dentro do sistema linguístico, desdobrando-se, dessa forma, em transgressões prosódicas, ortográficas, ortoépicas, dentre outras. 1. Tais resultados puderam ser obtidos através da pesquisa da doutora Lucirene Carvalho, “O ensino de Fonética e Fonologia no curso de Letras/Português: uma experiência com alunos da Universidade Estadual do Piauí – UESPI” realizada em 2012 com alunos da graduação em Letras pela UESPI. 1417 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres No tocante à ortografia, junturas intervocabulares, por exemplo, em palavras como “rapaz alegre” (primeira palavra termina com uma sibilante e a adjacente se inicia por vogal) são comuns, bem como casos de apócope (apagamento final), quando o aluno escreve verbos no infinitivo sem a desinência, por se prender à oralidade do seu idioleto. Então, cabe ao material didático, ao professor, à escola, compreender que tais transgressões podem ser frutos da não maturação dos usos linguísticos da fala e da escrita e auxiliar o estudante a compreender o porquê desses desvios. Nessa senda, pode-se notar que há uma defasagem no ensino desses conteúdos, não apenas por parte dos docentes, mas também pela superficial abordagem desses conceitos nos livros didáticos, cujas propostas são ainda pouco funcionais para o ensino da fonética e da fonologia, culminando em problemas para a compreensão de aspectos do sistema gráfico do português. Enxergando essa emergência de reformulação metodológica no ensino do português, documentos já foram publicados em períodos anteriores, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) ou como a matriz que norteia o Programa Nacional do Livro Didático, os quais enfatizam a necessidade de uma abordagem linguística contextualizada no material didático, não apenas o código por si mesmo, mas também o código e suas relações com os usos. Os documentos não descartam, portanto, o trabalho com a estrutura da língua, mas têm sido interpretados de modo diferente, de maneira que muitos acreditam que o trabalho apenas com os gêneros, por exemplo, dará conta de todos os problemas de escrita dos alunos. Por isso, quesitos relevantes referentes ao uso da língua pelos seus falantes, intercalados a especificidades estruturais vêm sendo marginalizados nos materiais didáticos, cedendo espaço para a “nova linguística”, para o discurso. Almeja-se, portanto, compreender o espaço que a área da fonética e da fonologia ocupa nos livros didáticos, considerando a sua pertinência ao processo de aquisição da escrita e à compreensão das variações dialetais. Isso se faz relevante, pois sua carência pode relacionar-se diretamente a desvios à modalidade escrita e a não compreensão dos diferentes “falares” que compõem as línguas. Os objetos de análise serão dois livros didáticos de Língua Portuguesa, referentes ao 6º ano do Ensino Fundamental (antiga 5ª série), sendo um de publicação anterior à 1ª edição (1997) dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o 1418 Emily Ellen Lima de Sousa Português Oral e Escrito, de Dino Preti, da Companhia Editora Nacional. Buscamos perceber como se dava a explanação de conteúdos referentes à fonética e à variação linguística nos livros didáticos, considerando o espaço que esse tipo de material ocupa nas salas de aula da Educação Básica. Buscaremos estabelecer uma comparação entre a referida obra e o livro da editora Moderna, de edição posterior aos parâmetros, cujo título é Singular & Plural dos autores Laura de Figueiredo, Marisa Balthasar e Shirley Goulart, a fim de averiguar se a abordagem após os anos 90 sofreu modificações produtivas no que diz respeito ao tratamento dado à fonética, área essa que parece ter sido posta em segundo plano nos LD contemporâneos. Pressupostos teóricos Contexto de estudo da fonética e da fonologia A curiosidade pelo estudo científico da Fonética e da Fonologia não é restrita aos dias atuais. Segundo Weedwood (2002), desde o início da Idade Média, nos séculos XII-XVII, a busca pela compreensão acerca da realização do som se faz presente, embora, nessa época, as diferenças entre som e letra ainda não fossem bem consolidadas. Nesse período, as abordagens e finalidades de estudo ainda eram restritas às especificidades de uma dada língua, nessa época, o latim. Já na segunda metade do século XVII, o aspecto biológico inerente à produção da língua tornou-se objeto de estudo, a investigação do que permitia a execução da fala era o foco, sendo os mecanismos fisiológicos melhor compreendidos. Dando profundidade à análise, no séc. XX, Trubetzkoy, membro da Escola de Praga, desenvolve a teoria estruturalista do fonema, a noção de contraste funcional utilizada na distinção entre fonética e fonologia, além de conceitos de base como traços distintivos, pares mínimos, dentre outros (CUNHA, 2013, p.160), a qual foi seguida de outras teorias e estudos que ampliaram progressivamente o conhecimento da língua das suas realizações em sociedade. Na contemporaneidade, o ramo de estudo da linguística denominado Fonética apresenta os métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala, principalmente aqueles utilizados na linguagem humana. A Fonologia, por seu turno, caracteriza-se como sendo o estudo dos sons capazes de distin1419 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres guir significados, da forma como se organizam e se combinam, bem como das variações que esses fonemas podem apresentar. Com base no exposto, percebese que, enquanto a fonética preocupa-se com a descrição e com a articulação do som na fala, a fonologia busca entender esses “sons” e suas regras, aplicados a uma língua. Variações dialetais e os estudos fonológicos Heterogênea devido a fatores sociais e territoriais, a língua é um bem cultural pertencente àqueles que a utilizam e suscetível, por parte deles, à emissão de juízos de valor sobre a diversidade de seu uso. Esse fato faz com que muitas vezes a análise das variantes de uma mesma língua ainda seja percebida pelo senso comum através de um viés comparativo e hierárquico, dando margem à não compreensão desse fenômeno. Diante disso, a investigação do componente fonético-fonológico nas salas de aula do ensino básico é imprescindível, por permitir que o falante da língua compreenda as características a ela inerentes, desmistificando, inclusive, as hierarquias entre os dialetos e a cultura de colocá-los em escalas valorativas, compreendendo-os, apenas, como realizações diferentes inerentes a determinados grupos da sociedade. A simples compreensão de que, conforme os diferentes dialetos de uma mesma língua, há diversas realizações para um mesmo fonema, leva à ampliação do conceito de língua e das estruturas que a regem no meio social, ampliando, desse modo, a compreensão acerca das múltiplas realizações fonéticas naturais às línguas. Para ilustrar essa questão, tomemos como exemplo o processo de palatalização de oclusivas alveolares apresentado por Cristófaro (2009). Tal processo, comum na região Sudeste, pode ser exemplificado na transcrição da palavra [‘dʒikɐ], realização típica do falar carioca, em contrapartida à realização de outras variantes [‘dikɐ]. Embora haja a alofonia, isto é, a variação na realização do fonema, ela não acarreta mudança de sentido, mas apenas traz outra possibilidade de realização fonética. Assim, quando há defasagens nessa compreensão sobre a língua, preconceitos podem ser desencadeados, pois é perceptível que “(…) falantes de qualquer língua prestigiam ou marginalizam certas variantes regionais a partir da manei1420 Emily Ellen Lima de Sousa ra pela qual as sequências sonoras são pronunciadas” (CRISTÓFARO, 2009, p. 12), além de transgressões à norma padrão da língua (prosódicas, ortográficas, ortoépicas, dentre outras), já que muitas vezes o indivíduo transgride a escrita padrão, pois toma como base a modalidade oral de uso da língua. Como forma de desconstruir o tradicionalismo e formalismo na abordagem fonética, pode-se evidenciar a relevância dos estudos sociolinguísticos direcionados à variação e a uma maior compreensão desse fenômeno tipicamente linguístico e social correlacionando-o, inclusive, a características fonético-fonológicas. A fonética é um campo do saber que excede o âmbito meramente estrutural, uma vez que se preocupa com o contexto de emprego da língua por seus indivíduos. Nesse sentido, os foneticistas se ocupam do registro de toda uma variedade os sons de uma dada língua. Segundo Cezario (2013), “a variação consiste em diferenças linguísticas que caracterizam cada grupo social, cada cidade, região, canal (oral ou escrito) (...) ela está presente em todas as línguas em um dado momento”. Tal conhecimento, que é necessário a todos os professores de língua (materna ou estrangeira), promove o entendimento de que a compreensão “(…) da natureza do sistema linguístico tem papel fundamental na vida mental e social” (LANGACKER, 1972). Essa perspectiva vai de encontro à homogeneidade almejada, suscitada e mantida pela norma-padrão, que, segundo Faraco (2004), “(...) promove um apagamento de marcas dialetais” e, por isso, “(...) se torna uma referência suprarregional e transtemporal”. O lugar ocupado pela fonética, fonologia e pela variação no ensino de língua portuguesa no contexto dos anos 90 Conforme Weedwood (2002), o “tecnicismo educacional” embasado pelo behaviorismo na década de 70 fomentou um ensino pautado em regras, detalhes, previsibilidade e estruturas, muitas vezes, distante do palpável cotidiano do indivíduo. Em contrapartida, sabe-se que o final do regime militar suscitou uma reforma educacional que gradativamente ganhou força no cenário da pedagogia brasileira, atentando, agora, para o caráter social do ensino. 1421 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Em meados de 1993, partindo da percepção de que o livro didático (LD) necessitava de uma remodelagem, foi instituído que aqueles inscritos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) passariam por uma Avaliação, a fim de avigorar a busca por um material pedagógico renovado, menos interessado em paradigmas normativos. Essa prática é considerada “fruto da virada pragmática, (...) uma brusca mudança na concepção do que seria ensinar língua materna, determinada por um conjunto articulado de orientações teóricas e/ou metodológicas surgidas nas concepções tanto de ensino quanto de linguagem” (RANGEL, 2003 p. 14). Compreendendo, ainda, a necessidade de uma reforma e aprimoramento no ensino das mais diversas áreas do conhecimento, inclusive na área de Língua Portuguesa e na sua abordagem no ensino básico, surge a primeira edição, em 1997, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais propiciaram a incorporação das então recentes perspectivas de ensino de língua. Os documentos supramencionados inspiraram a produção de outras orientações, tais como aquelas adotadas pelo PNLD, o que promoveu mudanças significativas nos parâmetros de formulação dos livros didáticos, os quais passaram a contemplar questões outrora negligenciadas, como a ideia de que a língua não se reduz a uma estrutura e de que o seu ensino deve se dar a partir do trabalho com gêneros do discurso. A partir dos anos 90, então, o normativismo gramatical começou a ser paulatinamente questionado. Tal viés, entretanto, ainda é, nos dias de hoje, posto em prática em muitas escolas, sendo um entrave para a consolidação dessa união entre sistema e uso. Em muitas salas de aula de Língua Portuguesa, ainda hoje, o aluno é levado a pensar que a língua se resume à gramática, tanto pelo modo como o conteúdo é abordado, quanto pela postura do professor ante o desvio do aluno à norma (Morais, 2009). Tal problema diz respeito a questões diversas, inclusive, relacionadas à falta de valorização dos professores (as quais não serão abordadas aqui). Ademais, essa abordagem que busca perpetuar a cultura da gramática como força motriz do estudo da língua é, por mais que bem intencionada, segundo Rangel (2003), andar na contramão da aprendizagem. Em contrapartida, eliminar o ensino da gramática das aulas de Língua Portuguesa e reduzir o ensino ao estudo do texto, impede que o aluno atenda com segurança às demandas sociais da fala e escrita formais que cabe à escola en- 1422 Emily Ellen Lima de Sousa sinar. Isso é real, pois apenas através de uma análise do texto não se tem como propor uma reflexão adequada ao aluno sobre a estrutura da língua que utiliza, como ela se adequa às diferentes modalidades, sonegando, muitas vezes, informações relevantes, por focar apenas no discurso. Diante disso, são necessários reflexão e equilíbrio na abordagem dada ao sistema linguístico e ao seu uso. A ideia de que o conhecimento da estrutura da língua fornece mais autonomia ao aluno para pô-la em prática pode ser elucidada por Morais (2009, p. 44) quando afirma que “a compreensão das dificuldades regulares dá segurança ao aprendiz: internalizando as regras, ele terá segurança para escrever corretamente palavras que nunca teve a oportunidade de ler”. É importante considerar, além disso, que as diretrizes dos PCN não fomentam a exclusão da reflexão sobre a estrutura da língua, mas a ressignificação da abordagem do aspecto estrutural no campo do ensino. Ao tratar dessa questão, eles postulam que (...) não se deve sobrecarregar os alunos com um palavreado sem função, justificado exclusivamente pela tradição de ensiná-lo (...), isso não significa que não é para ensinar fonética, morfologia ou sintaxe, mas que elas devem ser oferecidas à medida que se tornarem necessárias para a reflexão sobre a língua. (PCN, 1997) Ainda que muitos avanços venham sendo observados após a publicação desses documentos orientadores do ensino, parte dos livros didáticos parece estar ainda em descompasso com as diretrizes e matrizes curriculares em vigor na atualidade. Por exemplo, ao se observar a abordagem dada à fonética e à fonologia nos livros didáticos, pode-se perceber claramente um apagamento em suas propostas de muitos quesitos relevantes nesse aspecto, perpetuando, por isso, não apenas questões referentes à não adequação à modalidade escrita, mas também preconceitos contra aqueles que não utilizam a variedade linguística de prestígio. Essa percepção é compartilhada por Bagno (2007) o qual afirma que “quando o assunto é variação linguística, o tratamento oferecido pela maioria dos livros didáticos ainda deixa muito a desejar”. Ademais, em função da carência de uma reflexão acerca das particularidades das variações atreladas à fonética, foca-se a neutralização da norma padrão. Isso se dá porque a ideia da fonética como estudo descontextualizado e meramente estrutural 1423 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres ainda é recorrente no meio educacional. Esclarecimentos nesse sentido são relevantes durante a aprendizagem, pois, conforme apresentado por Cagliari (2009, p. 25), Na análise de muitos erros encontrados em provas e nas avaliações feitas na alfabetização, é fácil observar que, em muitos casos, a criança revela um apego às formas fonéticas da língua, em lugar das formas ortográficas, não raramente deixando o professor perplexo com a “burrice do aluno”, devido a sua incapacidade de analisar a fala com a mesma competência que a criança apresenta. Essa questão pode ser ilustrada quando, na produção textual de muitos alunos, palavras como canteiro, pedreiro são encontradas grafadas como “cantêro” ou “pedrêro”, por causa do processo de monotongação do sufixo “-eiro”, tão comum na oralidade e que, muitas vezes, espontaneamente, aparece na escrita de alguns discentes. Não simplesmente gramatical, essa é uma questão que diz respeito à variação dialetal, linguisticamente vista como natural às línguas, fruto da sua flexibilidade e mutabilidade, mas socialmente ainda estigmatizada (CAGLIARI, 2009). A fim de lidar com esse processo de construção do conhecimento linguístico e social, é fundamental que sejam refletidos com os alunos os processos fonológicos, as realizações fonéticas de um mesmo fonema, pois suprimir essa área de estudo da língua estorva o desenvolvimento de um saber liberto de preconceitos. Isso é relevante, por exemplo, na compreensão e no lidar com as regras gramaticais, como a que postula que a maioria dos plurais se faz com o acréscimo do S – sem discriminar fala e escrita –. Entretanto, no contexto final de palavras, na modalidade oral, pode-se ter /s/ /z/ /ʃ/ e /ʒ/ em diversos dialetos da Língua Portuguesa. A escola, por sua vez, compreendendo que a oralidade e a escrita não são modalidades estanques da língua e que, por vezes, durante o processo de aprendizagem da norma culta, algumas dificuldades de adequação podem vir a surgir, precisa cultivar a compreensão e o respeito. Essa questão foi elucidada pelos PCN (1997) ao afirmar que “o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença”. 1424 Emily Ellen Lima de Sousa É perceptível, portanto, que embora os documentos supracitados não defendam a marginalização da gramática nos Livros Didáticos, mas sim o incentivo a remodelar a abordagem desse viés da língua em sala de aula, quesitos referentes à variação, à heterogeneidade do português brasileiro, à fonética e à fonologia, parecem ser negligenciados no ensino, o que dificulta a consolidação plena das modalidades orais e escritas. Breve descrição do corpus Ainda que os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmem a necessidade de se abordar os aspectos que compõem a estrutura da Língua em sala de aula, tanto pelo docente quanto pelos manuais de ensino, o viés que ele assim escreve é mais discursivo, ancorado na perspectiva bakhtiniana de gêneros do discurso. Em se tratando dos livros didáticos contemporâneos, parece que a tentativa de conciliar uso e estrutura vem fazendo com que fiquem em segundo plano questões relativas à estrutura da língua. Assim, em função dos nossos objetivos, para selecionar quais livros didáticos de Língua Portuguesa iriam fornecer os dados para nossa análise comparativa, adotamos como critério as datas de publicação de cada um, tomando como referência a 1ª edição dos PCN. Também, foi fundamental para a escolha dos livros que as obras em análise fossem referentes à mesma série (atualmente, ano) a fim de uma comparação mais equivalente. Como não tínhamos condições, no contexto deste artigo, de analisar os 4 livros que compunham a coleção, optamos por nos ater ao ano inicial do Ensino Fundamental, porque espera-se que, nessa fase, as obras dediquem-se a apresentar conceitos cujo propósito seja ampliar o trabalho com a ortografia, retomar a questão da fonética e reiterar a problemática da variação. Considerando o fato de este trabalho ser apenas um recorte de uma pesquisa mais ampla2, optamos por apresentar aqui dados levantados com base em apenas 2. Este recorte integra uma pesquisa mais ampla que está em andamento (através do PIBIC/CNPq/UFPE 20152016), cujo título é “O tratamento dado à Fonética e Fonologia em livros didáticos e seus desdobramentos no tocante à variação linguística e ortografia”, orientada pela Drª Siane Gois Cavalcanti Rodrigues, professora do Departamento de Letras, da Universidade Federal de Pernambuco. Esse estudo integra uma pesquisa maior intitulada “O Ensino da Fonética e da Fonologia e da Morfologia da Língua Portuguesa na Educação Básica Pública de Pernambuco: Práticas de Letramento”, coordenada pela Profª Drª Siane Gois Cavalcanti 1425 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres duas obras: uma anterior e outra posterior aos PCN. Assim, o corpus selecionado se constitui de dois livros didáticos de Língua Portuguesa, referentes ao 6º ano do Ensino Fundamental (antiga 5ª série): 1) Português Oral e Escrito, de Dino Preti (1977), da Companhia Editora Nacional; 2) Singular & Plural, dos autores Laura de Figueiredo, Marisa Balthasar e Shirley Goulart (2012), da editora Moderna. O primeiro livro é divido em 13 capítulos, organizados em 4 unidades didáticas as quais se subdividem em 3 seções cada uma: A) Textos, B) Treinamento oral e escrito, C) Atividades de comunicação e expressão. Nas seções do grupo A, percebe-se a presença de textos ou fragmentos de textos de autores renomados como José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, e algumas questões as quais não demandam uma interpretação textual exofórica, uma compreensão profunda do gênero, mas sim, na maioria das vezes, uma mera identificação do que está apresentado de forma explícita no texto trazido. Já no que se refere ao grupo B, têm-se os aspectos estruturais da língua, com conceitos apresentados de forma concisa e seguidos de exercícios que pouco se relacionam com o uso, mas sim com a própria regra dentro do sistema da língua (viés mais estrutural), além de preocupar-se com a estruturação dos sintagmas (nominais e verbais). Por fim, as seções de atividades de comunicação e expressão (C), referem-se à retórica, à desenvoltura do aluno diante de um público (leitura e interpretação de fragmentos de textos para a turma, por exemplo), os gêneros orais não chegam a ser explorados com profundidade, mas já são ao menos citados. Quanto à fonética e à fonologia, essas áreas são contempladas pelo material didático em pelo menos 7 dos 13 capítulos que compõem a obra. No que se refere à variação, não há nenhuma seção ou quadro específico dedicado a essa temática, entretanto ela aparece superficialmente citada quando o livro frisa alguns desvios à norma padrão e os classifica como pertencentes à variação popular (ou familiar), como, por exemplo, os casos de próclise em início de frases. Em se tratando do segundo livro, Singular & Plural, ele é dividido em 3 cadernos (Leitura e produção, estudos de língua e linguagem e práticas de literatura), sendo os dois primeiros ainda subdivididos em 3 unidades cada uma com quantidade de capítulos diferente. Rodrigues com a colaboração da Profª Drª Gláucia Renata Pereira do Nascimento. 1426 Emily Ellen Lima de Sousa No tocante às características próprias desse segundo material, diferentemente do primeiro, há uma variedade de gêneros textuais (inclusive, há gêneros da oralidade). Também se percebe uma preocupação com o combate ao preconceito linguístico, apresentando ao aluno, nas unidades didáticas, alguns exemplos da nossa heterogeneidade linguística. Entretanto, a abordagem dada à fonética e à fonologia é restrita, aparecendo sutilmente para elucidar as variações linguísticas, sendo os fenômenos e realizações fonológicos pouco discutidos. Ainda, a relação entre fonologia e ortografia não aparece para o aluno e apenas, em alguns casos, é dada como adendo ao professor. Logo, pode-se notar que os manuais selecionados apresentam diferentes modos de explanação dos conteúdos e focos distintos, percebidos através da atenção dada a algumas questões em detrimento de outras. Análise dos livros didáticos Apresentaremos a seguir um recorte da análise das obras didáticas supramencionadas. Para tanto, procedemos à leitura de todo o material, apesar de, neste trabalho, restringirmo-nos ao levantamento e análise dos trechos que abordam questões da fonologia relacionada à modalidade escrita da língua (consolidação da ortografia segundo a norma padrão) e também dos fragmentos que abordam a variação quando relacionada à fonética. Em uma observação inicial, pode-se perceber que enquanto no livro Português Oral e Escrito (1977), conteúdos relacionados à fonologia são explicitados na proposta de ensino de mais da metade dos capítulos da obra, no Singular & Plural (2012), essa área sequer é mencionada. Já no que se refere à variação, a obra de Preti (1977) trata apenas de linguagem culta e popular em seu sumário, não explicitando questões acerca da pluralidade dialetal do Português do Brasil. Aprofundando a análise, foi possível observar que, na obra Português Oral e Escrito, o estudo do fonema é trazido de modo a apontar, indiretamente, para a consolidação da modalidade escrita. Isso se verifica através do fragmento da sequência didática trazido abaixo, pois, mesmo não apresentando o aparelho fonador nem o alfabeto fonético, são apresentados alguns pares mínimos. 1427 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Figura 1: Excerto do exercício 12 da p. 8 do livro Português Oral e Escrito. Essa elucidação é esclarecedora, pois não focar apenas o estudo do fone de forma avulsa, mas sim a compreensão de como esse fonema se comporta como elemento distintivo, é de grande valor para o aluno, por ampliar a reflexão sobre as diferentes unidades que compõem a língua (MORAIS, 2009). Nesse sentido, não sonegar ao aluno informações sobre a sua língua proporciona um aprendizado amplo (ou seja, poder conhecer os pormenores da língua), propõe que o falante se aproprie com mais segurança das modalidades de uso tanto escrita quanto oral. Figura 2: Recorte da p. 65 do livro Português Oral e Escrito. 1428 Emily Ellen Lima de Sousa Nessa mesma obra, na seção destinada à explanação dos hiatos e dos ditongos, o viés fonológico é contemplado (sem termos muito técnicos para uma melhor compreensão por parte dos alunos), entretanto de modo descontextualizado, podendo, por isso, causar dúvidas. Isso porque há casos como o do fonema /ei/ (...) que diante de [ɾ] (consoante vibrante simples alveolar – tepe), em alguns dialetos do português brasileiro, pode variar entre [ei] e [e] (processo de monotongação) (CAGLIARI, 2009, p.77). Logo, caso no dialeto do aluno, palavras como “beiral” (trazida pelo exercício do livro – ver figura 2) forem pronunciadas como [be’ɾaw], ou seja, com o alofone [e] para o ditongo /ei/, apenas a regra trazida pelo livro pode não dar conta das dúvidas desencadeadas pela variação. Essa compreensão parcial é real, pois, em situações como essa, não fica clara a presença do ditongo ou do hiato em alguns vocábulos fonológicos, pois isso pode depender da variedade do falante. Atendo-nos às questões fono-ortográficas no livro Singular & Plural, depreende-se que o conhecimento fonológico é posto como adendo ao professor, como informação complementar (ver anexo 1). Essa abordagem pode ser visualizada através da sequência didática da p. 252, que tem por finalidade precípua consolidar a grafia dos verbos no infinitivo e sobre eles é posta a seguinte informação “(...) sempre terminam com a letra r”, que isoladamente pode gerar dúvidas nos alunos. Figura 3: Excerto do exercício 6 da p. 252 do livro Singular & Plural. Isso porque, quando se observam os dialetos do português do Brasil, notase que em alguns há o desvozeamento e até a elipse do /r/ final → [kan’ta] (elipse) ou [kan’tah] (desvoazeamento) em vez de [kan’taɣ] ou [kan’taɦ] (vozeados). Logo, a regra estritamente ortográfica dissociada dessa reflexão acerca do falar parece não ser suficiente para dirimir algumas possíveis questões a depender do dialeto do falante. Cabe, nesse caso, ao professor abordar a relação da 1429 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres variação com a ortografia e a fonética, visto que isso não é fornecido ao aluno pelo material didático, e é imprescindível instigar diferentes raciocínios sobre as palavras. Assim, o aluno irá se apropriar dos fenômenos da sua língua com mais segurança, visto que “internalizar regras não é o mesmo que recebê-las prontas e memorizá-las” (MORAIS, 2009, p. 44). Ainda nesse livro didático (Singular & Plural), tem-se uma seção (ver anexo 2) que versa sobre o uso e a ortografia das desinências verbais –am e –ão, dúvida frequente entre os alunos que estão se apropriando da modalidade escrita padrão da língua. O livro faz menção, nessa unidade, unicamente ao caráter temporal do verbo como diferenciador dessas duas desinências. Ou seja, nessa concepção se é relevante e suficiente uma boa compreensão do futuro, presente e pretérito do indicativo na terceira pessoa do plural, para que o aluno alcance a grafia padrão, negligenciando o fato dessas duas desinências, foneticamente, constituírem-se de ditongos decrescentes produzidos de modo semelhante e que um esclarecimento nesse sentido poderia dirimir algumas dúvidas. Devido à essa semelhança fonética, a criança compreende a temporalidade inerente ao uso de ambas as formas (-am e –ão), mas, muitas vezes, apoia-se na oralidade para grafá-las, transgredindo assim à norma padrão. Segundo Morais (2009), essas associações feitas pelos falantes mostram que não são meros copiadores de formas escritas, portanto, a depender do “nível de explicitação” a que o falante foi submetido, ou seja, o arcabouço linguístico de que ele dispõe, lhe será possível aperfeiçoar e consolidar progressivamente seus usos do sistema linguístico. Por conseguinte, é interessante observar que o segundo capítulo do livro Singular & Plural (2012) dedica-se à questão da variação linguística, sobre o preconceito, questão essa que é desconsiderada3 pelo livro Português Oral e Escrito (1977). Ao visualizarmos a p. 195 e a p. 196, do livro de publicação após a primeira edição dos PCN, vê-se que a heterogeneidade linguística no nível sonoro é trazida de modo caricatural, através de tirinhas, a fim de elucidar de forma 3. Essa ausência é compreensível ao visualizarmos o contexto da época de publicação da obra (1977). Isso porque, nesse período, ainda não haviam tomado força no Brasil os recentes estudos sobre a variação e a mudança linguística, os quais foram iniciados pela Sociolinguística laboviana entre o final dos anos 60 e a primeira metade dos anos 70 nos Estados Unidos. 1430 Emily Ellen Lima de Sousa contextualizada os diversos falares (Urbanoide e Mutum), como proposto pelos documentos oficiais após os anos 90. Figura 4: Tirinha Urbanoide extraída da p. 195 do livro Singular & Plural. Com relação à tirinha Urbanoide, os sotaques decorrentes à extensão territorial do país são explorados na figura de um paulista e um carioca e seus falares são percebidos e representados ortograficamente como ocorreu, por exemplo, em [si‘niʃtɾu] → sinixtro e também nos casos de junturas intervocabulares (sândhi) em “...pelamordideus...”. Diante disso, nota-se que a pronúncia é objeto de interesse na compreensão das variações, apresentada de forma contextualizada e relacionada à vivência do falante, objetivando atrelar estrutura e uso, podendo ampliar, com isso, a compreensão do aluno e desmistificar estereótipos e estigmas entre as variantes de uma língua. Figura 5: Tirinha Mutum extraída da p. 195 do livro Singular & Plural. 1431 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Nesse ínterim, comparando a variante do meio urbano e do rural, é trazida a tirinha Mutum, que pode trazer à tona a reflexão sobre alguns juízos de valor errôneos arraigados ao senso comum acerca desses dialetos. Entretanto, observa-se que a elipse/enfraquecimento do /r/ final e a troca dos róticos em algumas circunstâncias pelo fonema /l/, uma regularidade de certas variedades rurais do português brasileiro, não é explicitada no material didático e vem apenas como adendo ao docente (ver anexo 3). Figura 6: Questão 6 e 7 do exercício referente à tirinha Mutum da p. 196 do livro Singular & Plural Nota-se que seleção das tirinhas é satisfatória por tratarem de temáticas que podem trazer à baila a questão da variação. Entretanto, a reflexão a partir delas não é aprofundada no livro, parecendo ficar a cargo do aluno chegar a possíveis conclusões acerca dos dialetos, acerca das diferentes realizações dos fonemas nas diferentes variações. Como pode ser visto na figura 5, ao aluno é proposta, apenas através dos exercícios, uma comparação entre as realizações de um mesmo signo nas duas variantes (padrão urbana e a rural). Logo, é perceptível a carência no que diz respeito à teoria, à reflexão (essencial) que poderia ser feita pelo material didático, por se tratar de uma temática relevante na construção da consciência linguística. Logo, a partir dessa análise, é notório que no que no que tange à variação, o livro Singular & Plural aborda a função social da língua, em consonância com os pressupostos dos PCN (1997), uma vez que procura mostrar ao aluno alguns dos 1432 Emily Ellen Lima de Sousa diversos dialetos do PB. Essa abordagem, entretanto, difere-se da adotada pelo material didático Português Oral e Escrito, pois este, embora não tratando da variação, em seus exercícios de fixação – treinamentos escritos e orais, como são denominados na obra – opta por uma maior mecanização, repetição e não explora a interferência de juízos de valor e estigmas sociais relacionados às variações, não incentivando a aprendizagem aplicada ao uso, mas o domínio estrutural sem aplicação pragmática explicita (o que vai de encontro ao proposto pelos PCN). Essa abordagem adotada pela obra Português Oral e Escrito pode ser justificada pelo seu contexto sócio histórico de produção, considerando que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1971, a qual vigorava no seu momento de publicação e parecia incitar esse ensino mais estrutural e mecanizado (inspirado pela Ditadura Militar). Além disso, os estudos sociolinguísticos, que tratavam das variações e da configuração social da língua, ainda não haviam tomado força e chegado ao Brasil nos meados dos anos 70, visto que eles foram iniciados nessa mesma época nos Estados Unidos. Em contrapartida, o livro Singular & Plural (2012), apesar de pôr em prática diversas diretrizes trazidas pelos PCN, ainda parece não atrelar a estrutura do sistema linguístico (especificamente Fonética e Fonologia) aos usos que são elucidados no livro e que poderiam ampliar o arcabouço teórico do aluno e o seu conhecimento sobre a língua a qual ele utiliza. Considerações finais Nosso trabalho se propôs a investigar o tratamento dispensado à fonologia e à variação pelos livros didáticos nos livros Português Oral e Escrito (1977) e Singular & Plural (2012) – escolhidos pela data de publicação antes e após a 1ª edição dos PCN. Tendo em vista a extensão deste artigo, optou-se por focar a análise de questões fono-ortográficas e de variação linguística, sendo explicitadas aqui algumas delas que, da nossa perspectiva, teriam o potencial de oferecer respostas consistentes à nossa hipótese. Para efetuar a análise, além da leitura integral das obras, observamos de que modo os conhecimentos são explicitados aos alunos nos livros didáticos, centrando a nossa atenção nas possíveis estratégias usadas para ampliar a consciência sobre a língua e suas modalidades de uso. Observamos, por entender 1433 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres a relevância desses quesitos nas salas de aula da Educação Básica, qual o lugar ocupado pela fonologia nas duas obras, de que forma são apresentadas as questões dessa área aos alunos (quando são apresentadas), qual a preocupação em desmistificar preconceitos linguísticos, além do empenho em atrelar o uso da língua à sua estrutura (conforme ditam os PCN). Com base na análise comparativa apresentada neste artigo, reconhece-se a carência no esclarecimento da pluralidade do falar brasileiro na obra de publicação referente a meados dos anos 70 (Português Oral e Escrito), época essa em que o conceito de variação linguística ainda estava ganhando força na voz de Labov, juntamente com a ideia de língua como forma de comportamento social. Em contrapartida, após estímulo da primeira edição dos PCN, em 1997, já se percebe a inserção desses conceitos no material didático analisado (Singular & Plural) com finalidade esclarecedora e desmistificadora de pré-conceitos e estereótipos arraigados ao senso comum. Contudo, embora esse material atenda às diretrizes contemporâneas de ensino contextualizado, põe, em alguns momentos, o embasamento fonético -estrutural em segundo plano. Essa postura parece ter relação com o estigma de que essa área é difícil, exaustiva, sendo pouco inserida para ampliar a aprendizagem. Logo, de que forma aspectos estruturais devem ser explicitados no material didático direcionado ao aluno a fim de potencializar o esclarecimento linguístico na aprendizagem? O acesso a conceitos inerentes à estrutura da língua poderia sedimentar o conhecimento e a compreensão de como ela se comporta em seu meio e onde residem as causas de alguns desvios entre a modalidade oral e escrita. Nota-se, portanto, que ainda é escasso o equilíbrio entre o ensino de uma linguagem que tem lugar dentro e fora da escola concomitantemente à estrutura gramatical aplicada a essa linguagem e seu uso. Não é apenas tirar de foco treinamentos ortográficos e gramaticais – bem presentes até os anos 90 – mas também não negligenciar a estrutura fonológica que rege a língua, apresentando-a de forma remodelada, adequando ao uso, ao contexto, como preconizado pelos documentos oficiais. Assim, seria possível quebrar muitos estigmas referentes às variações, além de fortalecer o conhecimento do aluno no que se refere às modalidades da língua que utiliza. 1434 Emily Ellen Lima de Sousa Assim, esse instrumento tão utilizado nas salas de aula da Educação Básica dos Estados brasileiros poderia ser mais um mecanismo de ampliação do conhecimento da língua, de sedimentação. É preciso que se compreenda que o tradicionalismo não está no uso das terminologias e na reflexão estrutural sobre a língua, mas sim em como eu organizo esse aparato linguístico no meu arcabouço didático. Referências BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. – São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BALTHASAR, M; FIGUEIREDO, L; GOULART, S. Singular&Plural: Leitura, produção e estudos da linguagem: 6º ano. São Paulo: Moderna, 2012. BISOL, L. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 4 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. BRASIL. 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Com relação aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa foi realizada em três diferentes estapas: 1) Pré-Ensino, 2) Ensino e 3) Pós-ensino. Os alunos foram entrevistados, gravados e analisados acusticamente com auxílio do programa PRAAT, segundo os príncipios da fonética acústica em Ladefoged (1996) durante a primeira etapa e, baseado em suas necessidades, foram utilizadas estratégias didáticas para planejar atividades para aquisição de pronúncia dos aspectos suprasegmentais (isto é, padrões rítmicos e contornos entoacionais) segundos os preceitos de (CELCE-MURCIA et al., 2011; GIEGERICH, 2009; ROACH, 2011; WELLS, 2007). Como resultado, os alunos demonstraram um considerável aprimoramento com relação ao uso de entonação ascendente para confirmação de informações (em yes/no questions) e entonação descendente para descoberta de informações (em wh-questions), como demonstra as análises acústicas posteriores à fase de ensino. No que diz respeito ao ritmo, houve também evidência de que os alunos utilizaram formas enfraquecidas de palavras, visto que apresentaram vogais mais centralizadas (schwa) na produção de palavras de classe fechada após a etapa de ensino, contrastando com as produzidas na fase anterior a ela. Palavras-chave: Entonação, Ritmo, Ensino, Língua inglesa. ÁREA TEMÁTICA - Fonética e fonologia e ensino SUPRASSEGMENTAIS DA LÍNGUA INGLESA: O ENSINO DE PADRÕES RÍTMICOS E CONTORNOS ENTOACIONAIS1 Luiz Antonio de Sousa Netto (UFPE)2 Introdução Aprender uma língua estrangeira pode ser uma tarefa um tanto difícil. É bem provável que estudantes de uma língua estrangeira (L2) se comportem em relação à aquisição da nova língua como se fosse uma extensão de sua língua materna (L1). Uma análise cuidadosa da aquisição de linguagem demonstra que os desvios entre o alvo (L2) e o que é efetivamente alcançado são sistemáticas e geralmente pode ser atribuído à fonologia da língua materna, incluindo as suas regras fonológicas (Hayes, 2009). Este fenômeno é geralmente considerado pelos linguistas como a transferência linguística, interferência de L1, interferência linguística e crossmeaning (Hayes, 2009). Linguistas (Hayes, 2009) classificam as línguas do mundo de acordo com a forma como os sons e propriedades rítmicas da língua são usados e organizadas durante o discurso oral. Em Fonologia, é a prosódia (do grego antigo, προσῳδία, 1. O presente artigo integra a monografía intitulada English Suprasegmentals: the learning of rhythm patterns and intonation contours, orientado pela Profa. Dra. Fatiha Dechicha Parahyba e apresentado ao Departamento de Letras da UFPE como requisito para a conclusão do curso de Licenciatura Plena em Língua Inglesa. 2. Graduado em Letras Inglês. [email protected] 1439 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres um termo que se refere a musicalidade de enunciados) que determina se uma determinada língua tem padrões ritmicos acentual, sílabico, de quantidade, de acordo com as características suorassegmentais, como o acento e a entonação (GUSSENHOVEN & JACOBS, 2011). A Prosódia lida com os aspectos da fala que se aplicam a um nível acima da dos fonemas individuais (também conhecido como segmentos) e muitas vezes a sequências de palavras. Assim, as características prosódicas são considerados como suprassegmentais (pitch, entonação, acento), visto que estão acima do nível fonêmico (segmental). Embora as características suprassegmentais sejam essenciais para discurso falado, elas parecem ser negligenciadas por professores que tendem a ser mais focados em outros aspectos da língua considerados “como mais importantes” (tópicos gramaticais e lexicais, por exemplo). O ensino e as atividades de pronúncia parecem estar restritos a drillings de aspectos segmentais, especialmente de pares mínimos, visto que os professores geralmente não têm tempo o suficiente, devido a cronogramas, e os parâmetros currículares, tanto em escolas de línguas, quanto das escolas de ensino regular do sistema educacional brasileiro. Além disso, desse agravante, aspectos suprassegmentais não são intensamente focados em livros que abordam Inglês como língua estrangeira ( doravante referido como EFL). Como consequência, espera-se que o conhecimento dos alunos sobre aspectos prosódicos da língua inglesa seja deveras limitado devido à precariedade de ensino destes apesctos, e, consequentemente, isso poderia afetar a comunicação dos alunos na L2. Considerando, esses fatores, gostaríamos de destacar o quanto é importante que os alunos sejam expostos a aulas de pronúncia. Presumimos que o ritmo e a entoação podem ser ensinados em sala de aula através de ensino sistemático. Portanto, intenciona-se demonstrar como o objetivo geral deste presente artigo como o ensino sistemático dos aspectos prosódicos da Língua Inglesa poderia contribuir para a melhor a pronúncia dos alunos no que diz respeito às suprassegmentais. Como objetivos específicos, visa-se determinar as transferências fonológicas sistemáticas que ocorrem quando falantes do Português Brasileiro como L1 estão aprendendo Inglês como L2 no que diz respeito aos aspectos suprassegmentais. 1440 Luiz Antonio de Sousa Netto Por que ensinar suprassegmentais da língua inglesa? Português do Brasil é uma língua amplamente falada. Consequentemente, há variações dialetais significativas por toda a distribuição geográfica no Brasil e esta variação é estendida para o que diz respeito a escolhas lexicais, e indubitavelmente a inventários fonêmicos (especialmente os que podem ser colocados na posição final de sílabas. Tais restrições fonológicas pode afetar a aquisição de L2, visto que certos processos fonológicos possam vir a ocorrer). De acordo com Borges et al (2010), a variação fonológica do Português do Brasil também inclui diferenças em relação à tipologia rítmica variando de propriedades rítmicas silábicas a acentuais. Como essa variação é apresentada nos dialetos, para este estudo, a importância de considerar a tipologia fonológica e inventários fonêmicos como variável dos alunos (falantes do português brasileiro de Recife, para o presente estudo) é destacada a fim de desenvolver atividades e instrução de pronúncia adequadas. Em Português do Brasil a partir de Recife-PE, existem características fonológicas que pode tanto ajudar (assimilação de sons como o vozeamento desvozeamento da fricativa alveolar surda /s/ em posição de coda, posição final de sílaba) ou interferir na aquisição de Inglês (L2): Tabela 1: Características fonológicas do Português de Recife na aquisição de Inglês (L2) a) [fejsi’buki] Facebook b) [kaw] Call Nos exemplos citados, dois processos fonológicos diferentes que são típicas de falantes recifenses, ao falarem em língua inglesa, podem ser observados. O exemplo em (b) demonstra a vocalização da líquida [l] enquanto que (a) aponta para a inserção de outra sílaba através de vocalização da oclusiva velar surda [k] final. Este último fenômeno, que também é característico em alguns outros dialetos no Brasil, pode afetar uma importante regra fonológica de Inglês: a nãosoltura das oclusiva finais quando seguidas por outro segmento consonantal (cf. Tabela 2). 1441 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Tabela 2: Como características fonológicas do português recifense podem afetar o ritmo em língua inglesa Frase em inglês Would I do that for you? Possível enunciado de um falante nativo [wʊdaɪ du ðæ fə ju:↗] Possível enunciado por um falante de Recife. [wʊdi aɪ du ðæti fɔɦ ju: →] Embora o significado possa não ser afetado, este enunciado proferida por um falante de Recife pode soar estranho e maçante para um falante nativo, como as oclusivas finais em coda são seguidas por uma vogal. Esta funcionalidade acrescenta uma outra sílaba à palavra fonológica, afetando o ritmo. O enunciado “[wʊdi aɪ du ðæti fɔɦ ju: →]” não tem nenhuma redução vogal e o contorno de entonação é plano. Outra ilustração sobre as diferenças entre as regras fonológicas do português brasileiro e do inglês diz respeito à estrutura silábica. A estrutura silábica em Português (SILVA, 2009), que pode ser descrito como (C) (C) V (C) quase não corresponde à estrutura silábica Inglesa - (C) (C) (C) V (C) (C ) (C) {C} (ROGERSON-REVELL, 2011). Como consequência, os alunos podem ter problemas em aprender os diferentes padrões silábicos em Inglês. Tabela 3: Correspondências limitadas entre o padrão silábico português do Brasil e inglês V CV VC CCVC CVC CCV Peso silábico pode ser uma das propriedades fonológicas que determinam o ritmo e o acento. A sílaba desempenha também um papel importante a respeito das restrições fonotáticas nas línguas, propriedades fonológicas essenciais que, por exemplo, “um alto-falante de Inglês pode julgar novas formas como palavras possíveis ou não” (YAVAS, p.132, 2011, tradução nossa). 1442 Luiz Antonio de Sousa Netto As diferenças entre as regras de acento entre o Inglês e o Português do Brasil pode resultar em dificuldades com relação à aprendizagem dos padrões rítmicos da língua inglesa. Consequentemente, essas regras também afetarão características de fala encadeada, assim como os contornos de entonação. No entanto, no caso do ensino de língua inglesa, estes aspectos cruciais são negligenciados: Learners of English usually concentrate on the segmental phonetics – the ‘sounds’ of the language (known technically as the segments). It is indeed important to learn to recognize and to reproduce the consonant sounds and vowel sounds of English and the differences between them. Every learner of English should be taught to make the th-sounds of thick and this, the vowel sound of nurse, and the differences in sound between leave and live, bet and bat. Most learners also learn about word stress. […] But intonation (also known as prosody or suprasegmentals) is mostly neglected. (WELLS, 2009, p.2) Desta forma, como a presente investigação será focada no ensino da prosódia para melhor aquisição de L2, as regras de acento, visto que integram as características suprassegmentais das línguas, são importantes a ser destacadas e ensinadas. Como o Inglês é uma língua acentual (CRYSTAL, 2003), ou seja, os significados das palavras são determinados não só por meio da articulação de sons individuais, mas também ao pronunciar as palavras de maneira mais alta, forte ou fraca. Os falantes não-nativos que utilizam padrões de ritmo incorretos podem ser percebidos como rudes ou até mesmo não compreendidos (CELCE-MURCIA et al., 2010). Estudos desses autores indicam que é mais provável para aprendizes de L2 produzirem a fala de maneira mais inteligível e compreensível, concentrando-se na aquisição das suprassegmentais ao invés de segmentais. Embora a fonologia segmental seja um nível essencial para a análise e ensino de línguas, uma vez que pode levar a mal-entendidos e fornece informações sobre a forma sistêmica em que o inventário fonêmica é distribuído em línguas, recursos suprassegmentais envolvem também os domínios em que a comunicação e a compreensão podem não ser efetivamente estabelecidos. Com as segmentais, mal-entendidos pode ser eliminados através de contexto, mas 1443 anais eletrônicos Vi eClae / Pôsteres with suprasegmentals and connected speech, however, the misunderstanding is apt to be of more serious nature. Learners who use incorrect rhythm patterns or who do not connect words together are at best frustrating to the native-speaking listener; more seriously, if these learners use improper intonation contours, they can be perceived as abrupt or even rude; and if the stress and rhythm patterns are too nonnativelike, the speakers who produce them may not be understood at all (CELCE -MURCIA, 2010, p. 163). Portanto, aprender os aspectos suprassegmentais da língua inglesa (ritmo, acento, variação de sândi, padrões entoacionais, etc.) é essencial para um melhor domínio do Inglês e de sua prosódia. Perspectiva teórico adotada e como esses modelos teóricos foram usados nas aulas A presente pesquisa segue os princípios teóricos da Fonologia Prosódica, responsável pela descrição da Hierarquia Prosódicas nas línguas. Nespor e Vogel (1986) sugerem um modelo para a forma em que os constituintes prosódicos são exibidos na estrutura fonológica das línguas. Figura 1: Hierarquia Prosódicas e seus componentes, baseado em Nespor & Vogel (1986) 1444 Luiz Antonio de Sousa Netto Apesar de outros autores poderem ter diferentes abordagens com domínios adicionais ou diferentes na escala prosódica, como é o caso que ocorre para as línguas Banto3 (cf. VOGEL, 2007), a proposta de Nespor & Vogel melhor se adapta à abordagem teórica deste estudo. De acordo com Vogel (2008) o domínio palavra fonológica (PW) é aquela em que (a) regras fonológicas, incluindo a atribuição de acento e (b) restrições fonotáticas ocorrem. É sob o domínio da palavra fonológica onde ritmo, que é o resultado da combinação e interação de velocidade, intensidade e o pitch da fala, é moldado. Roach (2009) aponta que o pé, elemento integrante da hierarquia prosódica, sob o domínio da palavra fonológica, onde o ritmo se forma. Roach aponta que diferentes teorias descrevem o modo em que diferentes grupos do componente prosódico pé se organizam e adquirem maior duração, peso e força. A fim de ilustrar o quão diferente qualidades e comprimento dos pés podem afetar a produção de ritmo e prosódia, nós fornecemos os seguintes exemplos (a), (b) e (c). Para cada exemplo, ‘s’ significa forte, enquanto ‘w’ para fraco: Sendo uma língua acentual, a forma como os falantes arranjam as formas fortes e fracas das palavras tendem a ser relativamente definida em intervalos regulares. Esta propriedade também determina a proeminência de uma cada enunciado. Ao fazer perguntas, falantes nativos de Inglês aplicam contornos 3. De acordo com Ethnologue, as línguas banto constituem 535 línguas como um sub-ramo tradicional das línguas níger-congo faladas por comunidades na África (desde a Nigéria ao sul, toda República CentroAfricana, a República Democrática do Congo, Uganda, Quênia, até a Somália, no leste). 1445 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres de entonação e padrões rítmicos diferentes, como os ilustrados em (e) e (f). Nos exemplos (e) e (f), o símbolo ‘*’ ilustra as sílabas tônicas, enquanto que as setas (↗, ↘) representam os contornos de entonação e as ‘()’ os pés: (e)Where are you going to travel? (* ) (* ) (* ) ↘ (f)Are you going to travel to Iceland? ( * ) (* ) (* )↗ Ao analisar esta ilustração, é possível notar que algumas palavras são mais proeminentes do que outras. O grupo de palavras que é proeminente em Inglês é o das palavras de classe aberta (a parte mais produtiva e ativa do léxico das línguas). Palavras de classe aberta incluem palavras como substantivos, adjetivos, advérbios e verbos como Ascher & Saslow (2012) sugerem (também conhecido como palavras NAVA) e um grupo de pronomes (demonstrativos, interrogativos, reflexivos e possessivos), neste artigo, nos referimos a estes pronomes como DIRP. Embora palavras de classe aberta sejam acentuadas, há também um conjunto de palavras que é menos proeminente: as palavras de classe fechada. Em contraste com palavras de classe aberta, palavras de classe fechada não denotam elementos, mas em vez disso, eles funcionam principalmente em estabelecer relações gramaticais entre outras palavras em um enunciado, apontando humor ou atitude dos falantes. As palavras de classe fechada em inglês constituem o grupo das preposições, pronomes, verbos auxiliares, conjunções e determinantes. No que diz respeito à entonação, esta ganha forma no nível prosódico da Frase Entoacional (I). Autores divergem em determinar o que é entonação (ROGERS, 2009). Durante este estudo, seguimos o conceito de Wells (2009) que define a entonação como “a melodia da fala na qual o pitch da voz se eleva e se rebaixa, e como este pitch é usado por falantes para transmitir significado linguístico e pragmático em inglês” (WELLS, 2009, p. 1, tradução nossa). É devido à importância pragmática que a entonação é vista como um dos aspectos mais importantes da língua inglesa falada. 1446 Luiz Antonio de Sousa Netto Em Inglês, existem quatro tons diferentes (descendente, ascendente, descendente-ascendente e ascendente-descendente) que desempenham papéis importantes na prosódia da língua. Por definição, os tons são características prosódicas que são realizados principalmente através de pitch (WELLS, 2009). Para a análise acústica, entendemos acento lexical inglês como acusticamente multidimensional, envolvendo manipulação de frequência fundamental (F0), duração, intensidade e qualidade vogal (Zhang et al., 2008). Essas características serão consideradas, a fim de verificar os padrões de acento nas palavras produzidos pelos informantes. Com relação a proeminências de palavras em enunciados e ritmo, a língua inglesa demonstra a presença de uma vogal média-central, conhecido como schwa, na forma fraca de palavras, bem como em sílabas átonas. Analisamos os formantes F1 (responsável pela altura) e F2 (responsável pela posteridade) das vogais de acordo com Ladefoged (1996), por meio da análise acústicas. Consideramos o pitch como variante a ser analisada para definir os padrões entoacionais utilizados pelos Alunos anteriormente e posteriormente à fase de ensino, visto que diferentes marcas de pitch apontam para diferentes contornos entoacionais (GUSSENHOVEN & JACOBS, 2011). Para selecionar, adaptar e desenvolver atividades de pronúncia para as oficinas, os fundamentos da Linguística Aplicada (SIMPSON, 2011) e sua vertente de Fonologia Aplicada (YAVAS, 2011) foi seguido, uma vez que uma estrutura teórica que reconhece a natureza complexa do discurso é necessário, bem como a importância de ensinar a fonologia de L2. For many years, communicative language teaching tried to ‘go it alone’ with regard to pronunciation, relying on implicit learning, and phonetics and phonology were largely dropped from teacher education. However, it is rare for adults to learn pronunciation well without explicit instruction, and these decades are now widely agreed to be a dark period in the history of language teaching (Celce-Murcia et al, p 2010). Conciliar Fonética e Fonologia com Linguística Aplicada ainda é muito pouco explorado, como Fraser (2011) sugere. Ao tratar o problema do Ensino de Pronúncia, os conceitos apresentados por Fraser (2011) e sua “metáfora do arco-íris” foi seguido: 1447 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres The relationship between the levels of [linguistic] analysis, then, is the same for speech as for the rainbow. First, people learn to recognise the rainbow as a whole, the meaningful aspect of reality picked out through social experience. Then they analyse it into basic colours, colour variants, and more technical descriptions. Speech is far more complex than a rainbow, but the overall relationship among the levels is the same: people must learn words before they can learn spelling, spelling before phonemes, phonemes before allophones, and allophones before all the technical units of scientific phonetics and phonology. The crucial difference is that, with speech, a ‘strange inversion’ occurs, whereby, as they learn each new level, people come to believe its units are real, when in fact they are merely more abstract ways of conceptualising the same continuous reality that lies behind them all (FRASER, p. 591, 2011). Assim, os alunos foram progressivamente expostos ao menor nível (no caso das suprassegmentais, a sílaba que é o nível abaixo da Palavra Fonológica na hierarquia prosódica) até a Frase Entoacional. Além disso, acreditamos que ensinar prosódia aos alunos não deve começar a partir de extensa teorização ou através de uma infinidade de regras, visto que eles podem ficar desmotivados. 4. Metodologia Para os fins desta pesquisa, uma pesquisa de campo foi realizada. Os alunos foram entrevistados (cf. Apêndice para Learners A, B e C) e gravados a fim de recolher amostras de fala a serem analisadas. Este estudo foi realizado em três fases: pré-ensino, ensino e pós-ensino. Fase de pré-ensino Durante a fase de pré-ensino, os alunos selecionados foram convidados a responder um questionário adaptado de Celce-Murcia et al. (2010). Este questionário continha dezoito perguntas acerca de diferentes pontos-chaves sobre o conhecimento prévio dos alunos. Os alunos selecionados foram todos do sexo masculino, estudantes da Universidade Federal de Pernambuco, com escolaridade alta (nível superior completo) e nível linguístico correspondente ao nível B2 de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas. Nesta 1448 Luiz Antonio de Sousa Netto fase, os alunos foram entrevistados e gravados com auxílio do Audacity 2.0.6 para MacOS X Yosemite. Foi suspenso o auxílio de textos escritos para as gravações para que não houvesse interferência da escrita na produção oral dos alunos. Posteriormente, as entrevistas foram analisadas e transcritas foneticamente com o auxílio do programa praat. Baseando-se no que foi analisado, o professor-pesquisador desenvolveu atividades e estratégias didáticas para o ensino de suprassegmentais (entonação e ritmo) durante as oficinas, à luz de (CARTER; NUNAN, 2007; CELCE-MURCIA et al, 2010; HEWINGS, 2007, 2009; ROACH, 2009; ROGERSON-REVELL, 2011; WELLS, 2007; YAVAS, 2011). Fase de ensino A Fase de Ensino consistiu em colocar em prática as atividades de pronúncia selecionados e desenvolvidas durante a fase de Pré-Ensino com base nas necessidades dos alunos (ausência de formas fracas de palavras e tons entoacionais inadequados em perguntas). A série de oficinas foi constituída de 10 sessões de duração de 30 minutos, resultando em cinco horas (2,5 horas para ritmo e 2,5 horas para entonação) gravadas. Estes cinco horas representam 8,33% do total de horas de um termo usual de estudos de inglês em escolas de língua em Recife, Pernambuco, Brasil. Foi utilizado os princípios da Abordagem Comunicativa e técnicas de reforço multissensoriais: reforço auditivo e cenestésico (este último para enfatizar a diferenças acentuais, entoacionais e rítmicas) . As aulas das Oficinas seguiram o seguinte cronograma: Aula 1: O que é ritmo? Acento em palavras de classe aberta; Aula 2: Palavras de Classe Fechada e Schwa; Aula 3: Sufixos e Prefixos e O acento em Palavras germânicas; Aula 4: Acento em palavras latinas; Aula 5: Acento em palavras compostas e polissílabas; Aula 6: Proeminências; Aula 7: Tons na Língua Inglesa; Aula 8: Qual é a entonação ?; Aula 9: Tons Ascendentes para Verificação de informações; Aula 10: Tons Descendentes para Descoberta de Informações; 1449 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Fase pós-ensino Na etapa final para este estudo, os alunos foram mais uma vez gravados, e estas gravações analisadas acusticamente e transcritas. Depois de terem frequentados as oficinas, foi realizada uma outra entrevista, cujo objetivo foi de verificar a compreensão dos alunos sobre os temas que foram ensinados durante a série de workshops. Como resultado, o foco das perguntas era sobre a importância de padrões de entonação e ritmo de Inglês. Análise e resultados Ao conceber a maneira sistemática para ensinar aos alunos os padrões do ritmo e da entoação da língua inglesa, pedimos para que os alunos respondessem a um questionário cujas respostas demonstraram o conhecimento prévio dos alunos, a exposição à língua e contato com falantes nativos, que são tópicos cruciais para a aprendizagem de suprassegmentais (CELCE-MURCIA, 2009; ROGERS, 2009; WELLS, 2007). A tabela a seguir dá uma visão geral do conhecimento prévio dos Alunos A, B e C, com base em suas respostas ao questionário adaptado de Celce-Murcia et al. (2010): Tabela 5: Conhecimento Prévio dos Alunos 1450 LUIZ ANTONIO DE SOUSA NETTO Como pode ser notado, a aprendizagem formal variou de um ano e meio a nenhum ano de exposição. Esses alunos foram escolhidos porque nós gostaríamos de verificar se seria possível ensinar os padrões de ritmo e de entoação até mesmo para os alunos que nunca tiveram exposição adequada ao inglês na escola regular ou curso de idiomas. Todos os alunos possuíram até 20% de uso L2 oposição a L1, e com exceção do Aluno, tiveram experiências em outros países. O conhecimento deles referentes a alfabetos fonéticos e chaves de pronúncia também variou. Portanto, temos evitado o uso de símbolos fonéticos extensivamente durante a fase de ensino, uma vez que não é o principal objetivo deste estudo ensinar alfabetos fonéticos. A tabela a seguir ilustra as diferentes percepções dos alunos A, B e C com relação à própria pronúncia. Tabela 6: Auto-Avaliação dos alunos Como se pode notar, os três Alunos apresentaram respostas e pontos de vista diferentes sobre os dois temas abordados no questionário. No entanto, ao analisar os questionários, todos abordaram uma coisa em comum: a preocupação com a pronúncia dos fonemas individuais (principalmente os que não ocorrem em sua L1, ou seja, as fricativa dentais). Isto pode ser devido ao foco em aspectos puramente segmentais que os professores insistem em fazer em sala de aula. Não há referências a entonação e ritmo nos questionários. Ausência e presença de schwa (ritmo) e variação de pitch (entonação) De acordo com Ladefoged (1996), altura e posteridade auxiliam na determinação das propriedades de vogal. Flemming & Johnson (2007) apontam que as 1451 anais eletrônicos Vi eClae / Pôsteres vogais schwa têm uma qualidade de vogal relativamente consistente, geralmente média-central em sílabas finais. As palavras de classe fechada foram analisadas, e categorizadas em três tipos: ‘a’, ‘i’ e ‘u’, que são as vogais encontrados em posição fraca nas palavras (ROACH, 2009). Nos seguintes gráficos de dispersão, apresentamos uma descrição das vogais em palavras de classe fechada na produção dos alunos durante as entrevistas que integram a fase anterior e posterior ao ensino. Estes gráficos são o resultado de análises acústicas de vogais de palavras funcionais, que são átonas e, consequentemente, sofrem redução vogal. Para estes gráficos, usamos o PRAAT para medir formantes F1 e F2 e localizar as vogais no gráfico vogal. Como o gráfico de dispersão à esquerda mostra, as vogais estão espalhadas, com cores e propriedades diversas (essa produção assemelha-se com a produção dos fonemas vocálicos que integram a fonologia do português.), sendo predominantemente descentralizadas. Como schwa está no meio do quadro vocálico, pode ser notado que o alvo (schwa) não foi atingido. Figura 2: Os gráficos de dispersão quadro de dispersão vocálica nas fase de pré-ensino (à esquerda) e pós-ensino (à direita) Depois de terem sidos expostos a 5 horas de aulas durante as oficinas, os alunos apresentaram melhoramentos. Após o ensino sistemático acerca do enfraquecimento de palavras de classe fechada, foi constatado a presença de schwa nesse tipo de palavra na produção oral dos Alunos. Isso acarretou em ritmos mais regulares, já que a centralização das vogais indica a presença de vogais fracas, característica dos padrões rítmicos da língua inglesa (ROGER, 2009). 1452 Luiz Antonio de Sousa Netto Entonação é a melodia da fala (WELLS, 2009) e, acusticamente, os contornos do pitch demonstram diferentes entonações no espectrograma. As figuras a seguir indicam inadequações na entonação. Para cada imagem, salienta-se o contorno afinação (em azul), que é medida em Hz. Na camada amarela, podese notar a pergunta utilizada e à direita, acima dela, há uma linha horizontal vermelha traçado que define os limites para campo, a fim de verificar se ele varia ou não. Figura: Aluno A (1) e Aluno B (2) utilizam contorno entoacionais inadequados para yes/no questions (1) (2) Anteriormente à fase de ensino, o pitch foi na maioria das vezes invariável ou pouco variado. Quando havia variação, esta era em sua maioria, inadequada. Para Yes/No Questions, o pitch deveria ser ascendente. Estes fenômenos que ocorrem para Yes/No Questions, também ocorreram com as Wh-questions. Os tons típicos descendentes foram predominantemente alterados por tons constantes ou crescentes com basicamente nenhuma variação de pitch. No que diz respeito à entonação, todos os alunos apresentaram considerável melhoramento para ambas wh-questions e yes/ no questions. 1453 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Figura 2: Variação no Pitch em Yes/ No Question (à esquerda) e em Wh-Questions (à direita) após fase de ensino Um resumo do uso apropriado de diferentes contornos entoação após a fase de ensino pode ser encontrada nos gráficos a seguir. Conforme pode ser visto, houve um melhoramento muito significativo sobre os contornos entoação. O Aluno B atingiu 100% de precisão, enquanto os Alunos B e C alcançaram a mesma taxa em relação ao padrão de entonação para Wh-Question. Para Yes No/ Questions, tivemos mais de 90% de precisão. Os gráficos são organizados em diferentes cores e tons para cada aluno, sendo os tons mais claros relacionados ao uso adequado dos contornos entoacionais pelos alunos. Em cada gráfico, (R) significa “right” (adequado) ao passo que (W) significa “wrong” (inadequado). Gráfico 1: tons descendentes em Wh-Questions nas fases de pré-ensino (à esquerda) e pós-ensino (à direita) 1454 LUIZ ANTONIO DE SOUSA NETTO A produção de Wh-Questions do Aluno A foi 100% inadequado na fase de pré-aprendizagem. No entanto, na fase pós-ensino, o Aluno A obteve 66,77% de uso adequado de contornos entoacionais. Por outro lado, o Aluno B, que tinha atingido 66,7% do uso apropriado de Wh-Questions, aumentou para 100% o nível de precisão. No caso do Aluno C, que obteve 25% dos contornos de entonação adequados para Wh-Questions, que chegou a 25% durante a fase de pré-ensino, pôde alcançar a marca de 66,7% de entonação descendente apropriada para WhQuestions. Em relação às Yes/ No Questions, houve ampla variação nas taxas de variação durante a etapa de pré-ensino. As taxas de inadequação dos usos dos tons ascendentes nesse estágio variou de 60,0% (Aluno A) até 80,0% (Aluno B). É importante ressaltar que o Português Brasileiro também faz uso de tons ascendentes para confirmar as informações (em Yes/ No Questions). No entanto, os alunos tendem a não aproveitar essa semelhança entre o inventário fonológico do Português Brasileiro e o de Inglês. Gráficos: taxas de uso de tons ascendentes em Yes/No Questions durante as fases de pré-ensino (à qesuerda) e a pós-ensino (à direita) Após o estágio de ensino, pode-se notar através do gráfico resultante das análises que havia maiores taxas de contornos de entonação apropriadas para todos os alunos após a fase de ensino. Como pode ser visto no gráfico, o grau de adequação foi quase 100,0% para todos os alunos. Apenas o Aluno A atingiu 87,5% de adequação. 1455 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Considerações finais Com este artigo, esperamos ter atraído a atenção dos professores para o fato de que as aspectos suprassegmentais da língua inglesa podem ser ensinados. Esperamos também destacar a importância do ritmo para a comunicação e aquisição de língua estrangeira, bem como contribuir para ensino de Inglês para falantes do Português Brasileiro. Como pode ser notado, apesar de interferências L1 (ausência de redução de vogal na fase de pré-aprendizagem, padrões de entonação erradas e palavra errada estresse e proeminência), os alunos demonstraram melhora significativa em relação ao ritmo e à entonação. Consequentemente, eles puderam soar mais naturais e mudar a percepção deles sobre a aprendizagem de Inglês como língua estrangeira. É também nossa intenção de destacar um assunto bastante crítico: nenhum dos alunos que participaram da pesquisa foram expostos a aulas sobre o ritmo e a entoação anteriormente e que não há tanto espaço para o ensino de suprassegmentais em livros didáticos e em aulas de língua inglesa. Mesmo que hajam resultados consideravelmente satisfatórios, sabemos que, devido ao tempo destinado à pesquisa, nenhuma atenção especial foi dada às características do sândi em Inglês, que também é um ponto crucial na prosódia da língua, uma vez que aborda o Grupo clíticos na hierarquia prosódica, o domínio entre a frase entoacional e a palavra fonológica. Assim, destacamos a necessidade de pesquisar e desenvolver mais estudos nesta área abordando a forma como os professores concebem aulas de pronúncia, como o sândi pode ser ensinado em sala de aula, como contornos entoacionais diversos podem ser abordados nas aulas, o acento contrastivo, e uma infinidade de outros estudos, a fim de aprimorar o ensino-aprendizagem da língua inglesa, visto que mais pesquisas são necessárias nesta área de conhecimento. 1456 Luiz Antonio de Sousa Netto Referências ASCHER, A.; SASLOW, J. Summit 2. New York: Pearson Education, 2012. BORGES, R. R. et al. Speech rate and rhythmic variation in Brazilian Portuguese. Illinois: 2010. Available on <http://speechprosody2010.illinois.edu/papers/100875. pdf>. Accessado em 31 de Janeiro de 2015. CELCE-MURCIA, M. et al. Teaching Pronunciation: A course book and reference guide. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. CRYSTAL, D. The Cambridge Encyclopedia of the English Language. Cambridge University Press, 2003. 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