LIBRAS É LÍNGUA Ruth E V Lopes [email protected] 23 de maio de 2007 “Línguas dependem do cérebro humano, não do ouvido.” (Stokoe, 2001: 404, minha tradução) “Languages depend on the human brain, not on the naked or electronically assisted human ear.” O que são línguas naturais? • O termo só se aplica a línguas que se desenvolveram naturalmente (vs. linguagens ‘construídas’) – Há evidências de que as línguas de sinais existam desde o início do uso da linguagem na espécie (www.dartmouth.edu/~lpettito/ASL.html, acesso em 03/2007) • Possuem sistemas de regras altamente complexas que restrigem sua estrutura gramatical (fonologia, morfologia, sintaxe, semântica); • Diferentes línguas guardam entre si características universais (linguagem humana) O que são línguas naturais? • São sistemas ‘articulados’: a partir de unidades mínimas distintivas, pode-se produzir infinitas estruturas (discrete infinity) – Criatividade lingüística • Arbitrariedade • Não apresentam restrição funcional • São ‘adquiríveis’ por qualquer criança, sem treinamento ou instrução, e elas nunca fracassam nessa tarefa, dada alguma exposição a uma língua • Ocorrem dentro de uma determinada comunidade, estando a ela intrinsecamente ligadas; • Variam (entre comunidades lingüísticas). Mitos sobre línguas de sinais • Há uma ‘linguagem’ de sinais universal? – Um sinalizante de ASL não se entende com um sinalizante inglês de BSL, a não ser através de intérprete; – Há variação em uma mesma língua de sinais. • Línguas de sinais são línguas orais sinalizadas? – Há “códigos” sinalizados, como, por exemplo, o português sinalizado, com uso restrito. • Arbitrariedade – Línguas de sinais são icônicas? • São funcionalmente restritas? – Não! Podem expressar toda a diversidade semântica encontrada nas línguas orais e possuem regras pragmáticas, conversacionais e discursivas assim como qualquer outra língua natural. Arbitrariedade • Policial: (British Sign Language) Arbitrariedade Qual a diferença entre línguas orais e de sinais? Modalidade! Aparatos articulatório-perceptuais distintos Fonologia • Traços: Ponto e modo de articulação etc (fonemas = elementos básicos para as palavras sentenças etc) • Traços: Configuração e orientação da mão, ponto de articulação e movimento (unidades sub-lexicais = elementos básicos para os sinais sentenças etc) • As palavras da LIBRAS e do português se estruturam a partir de unidades mínimas espaciais e sonoras, respectivamente. • Essas unidades são distintivas – quando substituídas uma por outra, geram uma nova forma lingüística com um significado distinto: • Em português: pata vs. bata vs. cata vs. lata Ponto de articulação: certo policial Prosódia (e sua interface com processos sintáticos) Eu vi o João ontem no cinema. (SVO) Tópico: O JOÃO eu vi [O JOÃO] ontem no cinema. Libras (Quadros, 2003) top mc ____________ FUTEBOL JOÃO GOSTAR ___________ Marcação não-manual: Tópico = sobrancelhas erguidas e cabeça levemente inclinada para trás Mc = movimento afirmativo com a cabeça (para sentenças afirmativas) Tempo/Aspecto • Tempo = expresso por locativos temporais e não no verbo – Semelhança com o chinês • Aspecto = “incorporado” ao verbo – Semelhança com marcadores imperfectivos em línguas eslavas Aspecto: incorporação da informação aspectual no verbo (Ferreira Brito, 1995) Aquisição - Balbucio Bebês surdos ou bebês ouvintes expostos a uma língua de sinais balbuciam sinalizando Petitto, 2004 Petitto, L. A. & Kovelman, I. (2003). The Bilingual Paradox: How signing-speaking bilingual children help us to resolve it and teach us about the brain’s mechanisms underlying all language acquisition. Learning Languages, 8: 3, pp.5-18. Quais são as implicações? Criança surda = LIBRAS como L1 Portanto, português língua “estrangeira” Mais! português escrito!!! Pensando na alfabetização... • Sistemas de escrita são tradicionalmente classificados como: – Ideográfico: Sinais se referem a uma idéia ou conceito geral, não a uma palavra necessariamente – Logográfico: Cada sinal = uma palavra específica – Silábico: Cada sinal = uma sílaba – Alfabético: Cada sinal se refere a um “som” (consoante ou vogal) A escrita se divide, portanto, em: • Sistemas que partem de ‘conceitos’ Huo3 ‘fogo’ Mu4 ‘árvore’ Shang4 ‘sobre’ • Sistemas que partem da ‘forma fonológica’ das palavras Ainda sobre alfabetização... Português escrito = sistema alfabético Hipótese que a escola espera da criança ouvinte = o sistema guarda alguma relação com a fonologia da língua que ela fala Mas e a criança surda? Ainda sobre alfabetização... CASA Ainda sobre alfabetização... E para além da alfabetização... http://deafness.about.com (em 21/05/2007) – “Manipulative Visual Language” 17 surdos, ensino médio (Pires, 2005) (1) [Maria já uma presente.] (2) [João presente muito Maria depois ficando!] (3) [O pediu a ajuda João caiu] (4) [já falar pra mim] (5) [Antes avisa já] [mas você esquecer.]] (6) [Maria esqueceu] [e precisa] [avisar no horário 5:00h tarde]]] (7) [Já avisar ontem noite festa] (8) [Maria conversar já antes veze joão] (9) [já comprou a presença da Luiza] (10) [Por favor, tu nada conversa pra mim] OBRIGADA!