FORMAÇÃO CONTINUADA DOS ALFABETIZADORES: CAMINHOS E DESAFIOS Mirtes Gonçalves H. de Carvalho Teresa Christina Torres S. Honório Universidade Federal do Piauí - UFPI RESUMO O presente texto relata nossa experiência com o projeto de capacitação continuada, da Alfabetização Solidária, na Universidade Federal do Piauí, realizada nos municípios de São João do Arraial, Santa Cruz dos Milagres e Joca Marques, no Módulo XIX. Trata-se de um curso de formação continuada, tendo como eixo dinamizador dinâmica de grupos. O projeto tem como objetivos: sensibilizar os alfabetizadores para a importância das dinâmicas de grupos no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, bem como contribuir para o desenvolvimento de uma prática pedagógica participativa. 2 FORMAÇÃO CONTINUADA DOS ALFABETIZADORES: CAMINHOS E DESAFIOS Mirtes Gonçalves H. de Carvalho Teresa Christina Torres S. Honório Universidade Federal do Piauí - UFPI Introdução Antes de relatar nossa experiência de capacitação continuada, faz-se necessário situar um pouco a construção do nosso processo de trabalho da Alfabetização Solidária na Universidade Federal do Piauí - UFPI. Desde que iniciamos como coordenadora setorial na Alfabetização Solidária na UFPI, o que tem nos mobilizado é a convicção de que o programa só conseguirá alfabetizar jovens e adultos inspirando e direcionando sua prática num projeto direcionado. Pois é a existência de um projeto que vai dando consistência ao processo de alfabetização e vai deixando transparecer à comunidade o compromisso e a qualidade da educação que se oferece aos alfabetizandos e alfabetizadores. E o projeto pedagógico da AlfaSol na UFPI, dentre outros objetivos, destaca a necessidade da formação continuada dos alfabetizadores, pois considera a tarefa do alfabetizador extremamente importante e complexa, assim este deve estar preparado para exercê-la, uma vez que o programa não se propõe a realizar uma atividade mecânica e repetitiva. Segundo Vasconcellos (2002:123), a formação continuada “não se dá necessariamente a priori: pode se dar antes (reflexão para a ação), durante (reflexão na ação) e após a prática (reflexão sobre a ação e sobre a reflexão para a ação). Mesmo quem saiu dos melhores centros universitários sabe que não domina tudo o que a atividade educativa exige, tendo necessidade de aprimoramento contínuo”. Nesta perspectiva é que demos continuidade ao processo de formação inicial dos alfabetizadores nos municípios de São João do Arraial, Santa Cruz dos Milagres e Joca Marques, na execução do Módulo XIX. A idéia de capacitação continuada, tendo como eixo dinamizador as dinâmicas de grupo, surgiu a partir do Módulo XVIII, com o intuito de aumentarmos a freqüência dos alfabetizando nas salas de aulas, bem como de motivarmos os alfabetizadores para 3 participarem com mais assiduidade das reuniões mensais. Considerando que os encontros mensais são momentos em que discutimos as dificuldades de cunho pedagógico, relata-se experiência, onde cada alfabetizador apresenta a dinamicidade de seu trabalho, faz-se leituras dinâmicas e planejamento de atividades pedagógicas. O trabalho com dinâmicas de grupo cria possibilidades de vivenciar uma metodologia participativa e democrática e constitui-se em uma complementação da capacitação inicial, pois nesta os alfabetizadores já vivenciam esta experiência e demonstram uma boa aceitação. Considerando que a educação libertadora busca potencializar todas as faculdades humanas, ativando o homem para atuar nas esferas da vida social não só intelectualmente (razão), mas também para o prazer, a criação, o afeto como produto de sua história de vida e de seu imaginário como ser humano singular e coletivo, foi que optamos pela dinâmica de grupo por considerar uma metodologia participativa e democrática, visto que a mesma é capaz de superar a tradicional divisão entre professor (que sabe) e aluno (que não sabe). Como sabemos, a aprendizagem não se dá somente pelo desenvolvimento do raciocínio, mas igualmente pela emoção, pelo afeto, pela intuição, pela vontade, pelo simbólico. Como diz Rubens Alves (1995), só aprendemos aquelas coisas que nos dão prazer e é a partir de sua vivência que surge a disciplina e a vontade de aprender. Neste trabalho, apresentamos a forma como damos continuidade à dinâmica da capacitação inicial, apresentando a experiência realizada nos municípios de São João do Arraial, Santa Cruz dos Milagres e Joca Marques, totalizando 36 (trinta e seis) alfabetizadores (incluindo coordenador municipal e monitor). O investimento na capacitação continuada visa sensibilizar os alfabetizadores para a importância das dinâmicas de grupo no desenvolvimento do processo ensinoaprendizagem, bem como contribuir para o desenvolvimento de uma prática pedagógica participativa. O trabalho com dinâmicas de grupo cria possibilidades de vivenciar uma metodologia participativa e democrática e constitui-se em uma complementação da capacitação inicial. Nesta os alfabetizadores já vivenciaram esta experiência e demonstram boa aceitação. Pois, só a capacitação inicial não é suficiente para desenvolver nos alfabetizadores habilidades e atitudes que o capacitem a realizar atividades pedagógicas que propiciem além da aquisição de conteúdos específicos, conhecimentos que promovam a 4 qualidade de vida, bem-estar social e a formação da cidadania. Haja vista que a maioria dos nossos alfabetizadores só possui o ensino fundamental. Dinâmica de grupo: eixo dinamizador da capacitação continuada Dando continuidade à capacitação dos alfabetizadores do módulo XIX, sistematizamos o processo de capacitação continuada no município de São João do Arraial , Santa Cruz dos Milagres e Joca Marques, tomando como eixo dinamizador do processo as dinâmicas de grupo. Nesta perspectiva, o nosso primeiro passo foi procurarmos conhecer separadamente o significado das palavras: dinâmica e grupo. Encontramos na Física o significado de dinâmica como parte da mecânica que estuda o movimento e as forças. A idéia de grupo está ligada ao indivíduo, pessoa. Com isso, o significado de dinâmica de grupo não é apenas um conjunto de técnicas. Indagamos também aos alfabetizadores que compreensão eles tinham de dinâmica de grupo, uma vez que na capacitação inicial existem momentos em que trabalhamos com dinâmicas de grupo. Usando a expressão escrita e oral, eles responderam: “ integração, brincadeira, união, descontração, passa tempo”. A partir dessa compreensão, iniciamos uma reflexão sobre dinâmica de grupo, pois o conceito de dinâmica de grupo como apenas um conjunto de técnicas não era suficiente para nos fazer compreender as múltiplas e complexas forças que atuam nos grupos, movimentando as pessoas que os compõem, e descobrindo que a partir do movimento interno de cada pessoa de um grupo, do próprio grupo e de fora do grupo, é que vai sendo desenhada a rede de relações humanas numa compreensão individual e coletiva. Assim, compreendemos que as dinâmicas não se constituem em técnicas que funcionam como mágica para interagir grupos, pois como afirma Ribeiro (1994, p.34 ) “o grupo é um permanente processo de comunicação compreendendo todas as coisas que nele acontecem: o corpo, palavras, posturas, um perfume, a roupa”, logo o significado de dinâmica grupal vai além de algo físico, ou seja, constitui-se em uma entidade psíquica e existe mesmo quando as pessoas não estão fisicamente presentes no mesmo lugar. Partindo desta contribuição de Ribeiro, entendemos que o processo de ensino e aprendizagem é um processo de comunicação e não de transmissão de conhecimentos já 5 existentes. Assim, quando compreendemos que o processo de ensino-aprendizagem é também de comunicação, estamos nos referindo à ação de comunicar do sujeito nas suas inter-relações. Assim como Ribeiro considera que o sujeito se comunica pelo uso de uma roupa, um perfume, do mesmo modo podemos ensinar e aprender através de múltiplas linguagens. Desta forma, a nossa atuação na sala de aula deve ir além da transmissão verbal de conhecimentos, que Freire (1987) chamou de concepção bancária, onde o aluno é visto como recipiente de conhecimentos. Segundo Gonçalves & Perpétuo (2000), na preparação de uma atividade educativa com uso de dinâmicas, alguns princípios devem ser levados em conta: • Quais são as características do grupo: número de participantes, faixa etária, sexo, nível de integração • As condições operacionais: carga horária disponível, espaço físico, materiais de que pode dispor e outros • Ter consciência do conteúdo da atividade, as etapas que vão percorrer nesse desenvolvimento, os objetivos existentes para cada uma delas, e é fundamental que o educador vivencie as dinâmicas antes de aplicá-las • Após a aplicação de cada dinâmica socializar as emoções, dificuldades e descobertas • As dinâmicas devem estar relacionadas a uma concepção de educação e proposta de trabalho • Compete ao educador explicar e propiciar momento de reflexão do grupo, auxiliando na sistematização desta vivência. Tomando como referência a capacitação inicial e estes princípios, sistematizamos nosso trabalho realizado durante a capacitação continuada, oportunidade em que proporcionamos aos alfabetizadores atividades em grupo, valorizando a participação destes, pois de acordo com Bordenave (1994, p.16), a participação “é o caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo. Além disso, sua prática envolve a satisfação de outras necessidades não menos básicas, tais como, a interação com os outros homens, a auto-expressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas, e, ainda a valorização de si mesmo pelos outros.” 6 Assim, a participação é um exercício fundamental na formação de cidadãos e cidadãs. Momentos da caminhada A capacitação continuada nos municípios de São João do Arraial, Santa Cruz dos Milagres e Joca Marques se desdobra tendo como eixo articulador as dinâmicas de grupo. No primeiro encontro, trabalhamos a dinâmica “o porquê do nome”. Esta dinâmica possibilita o desenvolvimento da oralidade, pois quando o alfabetizador fala do seu nome entra em contato com sua história, com suas origens. A partir desse falar e do expressar para o grupo sua relação com seu nome, ele estabelece um compromisso existencial consigo mesmo e cria possibilidades de discutir questões mais amplas, tais como: valorizar as experiências dos alfabetizandos e produzir textos a partir de conversas, discussões e debates realizados em sala de aula. No segundo encontro, trabalhamos a dinâmica “o repassar de um copo”, com o objetivo de discutirmos valores, como tolerância, respeito às diferenças individuais e ritmo de aprendizagem de cada alfabetizando. No terceiro e quarto encontros, propomos a realização de oficinas. No primeiro momento, discutimos uma série de dinâmicas com os alfabetizadores, e a possibilidade de relacioná-las com atividades, a serem realizadas nas salas de aulas da AlfaSol. Orientamos o planejamento de atividades partindo destas dinâmicas e, em seguida, os alfabetizadores apresentaram micro-aulas, utilizando as dinâmicas de grupo discutidas. Após a realização das oficinas, cada alfabetizador manifestou-se a respeito da experiência vivida . Vejamos alguns de seus depoimentos: “As dinâmicas de grupo tornam os encontros mais agradáveis”(alfabetizador) “Eu quando cheguei estava muito cansado, mas o cansaço passou” (alfabetizadora) “Os alunos gostam muito das aulas quando eu faço dinâmica, faço várias vezes a mesma dinâmica porque eles pedem” (alfabetizador) “Os alunos perguntam, professor amanhã vai ter dinâmica?” (alfabetizador) “Fico pensando que dinâmicas vamos fazer no próximo encontro” (alfabetizadora). 7 É relevante frisarmos que para viabilizar um projeto com esta temática faz-se necessário considerar criticamente os limites e as possibilidades do contexto escolar, definindo os princípios norteadores da ação, determinando o que queremos conseguir, bem como estabelecer caminhos e etapas para o trabalho. Para finalizar Esta experiência construída com base nos princípios da autonomia e da participação contribuiu para um conhecimento dos alfabetizadores entre si e de suas potencialidades, despertar para o espírito de liderança e trabalho em equipe, colaborar para o aumento da autonomia, da reflexão crítica e da aprendizagem contextualizada e significativa, favorecendo a melhoria da aprendizagem de leitura e da escrita e maior proximidade entre coordenadora setorial, coordenadora municipal, monitor e alfabetizadores. A caminhada da capacitação continuada nos apresenta, portanto, o desafio de prosseguirmos em busca de uma prática pedagógica inclusiva, colocando-se efetivamente a serviço de uma educação de qualidade democrática para todos, possibilitando o resgate tão urgente e necessário da cidadania através do desenvolvimento da linguagem oral, da leitura e da escrita. Bibliografia ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. Campinas: Ars Poética, 1995. DIAS BORDENAVE, Juan. O que é participação. 8.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. FREIRE, PAULO. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GONÇALVES, Ana Maria & PERPÉTUO, Susan Chiode. Dinâmica de grupo na formação de lideranças. 5.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt – Terapia – o Processo grupal. Summus, 1993. TATAGIBA, Maria Carmen. Vivendo e aprendendo com grupos: uma metodologia construtivista de dinâmica de grupo. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 7.ed. São Paulo: Libertad, 2006.