Entrevista com a psicóloga Maria de Fátima Pereira Alberto (CRP 13/3877), professora da Universidade Federal da Paraíba. 1) Do seu ponto de vista, o que são políticas públicas? Eu acho que as políticas públicas são efetivações por parte do Estado dos direitos garantidos aos cidadãos a partir da Constituição Federal e de outros documentos que derivaram dela, como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Políticas públicas para mim são isso, a efetivação desses direitos porque o fato de estar em uma legislação não significa que será cumprido; está posto na lei, mas não se efetiva se não vier acompanhado de ações que façam essa efetivação, que realmente transformem esse direito na garantia do seu exercício. Isso compete ao Estado, é o estado que tem que fazer isso, principalmente dentro daquilo que são consideradas as políticas básicas ou compensatórias, que são as políticas que asseguram, por exemplo, o direito à saúde e à educação, e as de proteção especial, como nos casos da criança, do idoso e do portador de necessidades especiais, garantindo-lhes determinadas ações complementares ou especiais, sejam programas assistenciais, sejam de saúde, sejam suplementares em educação. Para mim, essas são as políticas públicas. 2) Como você vê a forma como as políticas públicas se dão no Brasil? O que poderia melhorar? Temos vários problemas. O problema maior no Brasil se dá em decorrência de uma coisa que é crônica, da qual muitos cientistas já falaram e que de certa forma ainda não conseguimos trabalhar legal. A primeira questão que existe no Brasil é a do conhecimento dos nossos direitos, o que passa pela educação. E essa educação passa, essencialmente, pela escola. As pessoas têm que conhecer seus direitos, pois sendo conhecedora de que deve ter acesso e participação naquela ação, naquele atendimento, ela pode reivindicar, cobrar e, uma coisa muito importante nas políticas, monitorar. Muitas vezes, o Estado até faz seu papel, mas de forma ineficiente. E quem é usuário dessa ação precisa dar um feedback, uma resposta. Então, a primeira questão é que precisamos conhecer nossos direitos, que nem todos os cidadãos conhecem. Outra questão nesse sentido é a fiscalização. E uma questão maior é a própria responsabilidade do Estado. Quem deveria ser o gestor das políticas públicas não consegue fazer isso – não consegue porque falta conhecimento, porque falta vontade política, que é a questão mais grave, de usar muitas vezes o Estado com certo patriacarlismo, usando aquela política, que é um direito do cidadão, em beneficio próprio, em benefício político-partidário. Acho que esse é um grande problema na efetivação dessas políticas, os gestores – o desconhecimento, a falta de interesse e a falta de compromisso com o exercício disso, que é um direito do cidadão. 3) Qual é a diferença entre políticas públicas, políticas de Estado e políticas de governo? Entendo que temos políticas sociais, políticas públicas e políticas de governo. As políticas sociais são as ações de cidadania que devem ser desenvolvidas e efetivadas e que devem ter a participação do Estado, mas não só a do Estado. Temos, por exemplo, empresas que podem desenvolver determinadas ações, como o compromisso social. Por isso, digo que políticas sociais vão além do Estado, incluindo o setor privado e as outras esferas da sociedade. As públicas não, elas são ações do Estado – ele pode ter parcerias, mas é obrigação dele. E as políticas de governo são o grande problema. Precisamos saber muito nitidamente que as políticas devem ser de Estado; qualquer que seja a pessoa ou partido que esteja lá, elas devem se manter. Então, a política de governo é isso: aquele governo que está pensa um determinado programa ou ação, mas é um planejamento a partir da sua visão de mundo, da sua visão de exercício público, mas não tem continuidade depois da sua saída. Então, é essencial que possamos desenvolver no Brasil políticas públicas de Estado. E políticas sociais também, pois a sociedade, principalmente a esfera privada, deve dar alguns retornos. Algumas áreas são mais graves, como, por exemplo, as que trabalham com mineração e petróleo; essas empresas têm que dar uma resposta mais efetiva para a sociedade a partir do lucro que têm com aqueles recursos. 4) Na sua opinião, qual o papel da Psicologia nas políticas públicas? A Psicologia tem um papel extremamente importante, junto com o Serviço Social – a Psicologia pode e deve fazer uma coisa muito importante, que é olhar na perspectiva do coletivo, mas também na do individual – se considerarmos que nem sempre os espaços coletivos são garantidores de que haja o exercício da subjetividade. O nosso trabalho enquanto psicólogo é fazer essa mediação entre o aspecto coletivo e o aspecto individual. Um exemplo é quando uma criança é vítima de abuso sexual. Se você pensar do ponto de vista das políticas públicas, há o Sistema de Garantias, que deveria tentar restabelecer a segurança dessa criança. Aí, entraria Assistência Social, Saúde, Educação etc. Mas e a escuta dessa criança, e o falar com essa criança, saber como ela se sente, a mediação do que está sendo desenvolvido? Muitas vezes, uma adolescente chega a uma delegacia e vai ser ouvida por uma equipe que não consegue falar com aquela adolescente como uma pessoa que foi vitimada, a trata como ré. E o psicólogo tem um papel importante aí, de fazer essa mediação entre o aspecto individual e o coletivo, fazer a mediação também no aspecto coletivo no sentido dos sujeitos. Por exemplo, vem uma política para fazer geração de renda – mas o que as pessoas que recebem essa ação pensam disso? Será que essa ação se adéqua àquele fato? Aí, acho que de novo entra o psicólogo – o psicólogo tem que fazer essa escuta, devolver essa escuta para o coletivo, para que esse coletivo tenha o poder de decisão. Então, entendo que o papel do psicólogo nas políticas públicas é o papel de mediador, no sentido da garantia desses direitos, no sentido da garantia dos aspectos subjetivos e dos aspectos coletivos. 5) Como você vê a inserção da temática “políticas públicas” na formação dos psicólogos? Vejo que é muito precária, ela não existe. As universidades brasileiras, com raríssimas exceções, têm algumas ações pontuais, e não são ações no sentido da formação do profissional. Essa é uma questão gravíssima, sobre a qual o Conselho Federal precisa se debruçar. Não estamos oferecendo a formação para esse profissional trabalhar com políticas públicas. Não oferecemos essa formação. Esse profissional está chegando no mercado de trabalho sem saber como trabalhar, está levando modelos individuais. Quando falo que é mediação, não digo que deva fazer psicoterapia. Ele vai trabalhar com escuta, mas não é atendimento individual nem psicoterapia. E acho que muitas vezes o profissional que vai trabalhar com políticas públicas está levando esse modelo de atendimento. Poucas universidades brasileiras têm, por exemplo, uma disciplina que trabalhe com Estado. Como o psicólogo vai trabalhar com políticas públicas se nem sabe o que é o Estado? Então, a formação está deficiente, acho que o CFP está deixando isso muito solto. Quanto aos CRPs, agora é que alguns estão começando a pegar isso como bandeira de luta. Outra coisa dentro da formação é a contratação. A maioria dos profissionais de Psicologia estão sendo contratados de forma bastante precária, não são concursados, não têm a possibilidade de garantia do seu direito como trabalhador. Isso está muito precarizado, tanto do ponto de vista da formação quanto do ponto de vista da organização da categoria. E acho que, muitas vezes, os CRPs se prendem ao exercício apenas como fiscalizador e não como alguém que também prima pela melhoria da qualidade do trabalho do profissional. 6) Você tem percebido mudanças ao longo dos anos com relação à inserção da Psicologia nas políticas públicas? Não digo que não houve nenhuma melhoria, pois, de certa forma, o próprio fato de conseguirmos abrir determinadas frentes de trabalho e esse profissional estar ocupando determinados espaços é um avanço. Mas não percebo avanço no sentido da formação nem da responsabilidade das universidades – não vejo isso nos currículos, no que está sendo passado nas salas de aula, no exercício da profissão nem no trabalho dos CRPs. Mas vejo melhoria na abertura, no fato de os profissionais estarem ocupando mais esse Município. Um exemplo: temos no Brasil mais de 5.500 municípios; se cumpríssemos a legislação, todos eles teriam profissionais dentro de CREAS, mas não temos. Outra coisa que percebo é que estamos perdendo espaço para outras profissões, como, por exemplo, no CREAS, que é o Centro de Referência em Assistência Social e que, dentro das políticas públicas, tem um lugar importantíssimo, pois é a porta de entrada da comunidade para todos os serviços oferecidos pelo Estado - a partir dali, pode-se fazer esse trabalho de formação do cidadão brasileiro de conhecer seus direitos. O que vejo é que estamos perdendo espaço em alguns municípios, a partir do momento em que se permitiu que o pedagogo também pudesse participar dessa equipe; isso significou perda para os profissionais da Psicologia. 7) Como você vê a questão do controle social hoje? Como eu disse antes, o cidadão brasileiro deveria ser conhecedor do seu direito, para sempre poder reivindicar e monitorar, e o trabalho de controle social, que é o monitoramento do exercício das políticas públicas, deveria ser exercido pela sociedade civil. O que acontece é que as ONGs muitas vezes acabam assumindo um papel que deveria ser desenvolvido pelo Estado e não conseguem fazer esse controle social, porque passam a ser o próprio Estado. O controle social é muito importante para que possamos desenvolver boas políticas públicas no país, e acho que ainda é feito de forma bastante precária – primeiro porque não conhecemos os nossos direitos, não temos na história da formação da sociedade brasileira a prática do exercício desse controle, e, por outro lado, porque as organizações, a sociedade civil, que poderiam fazem um bom trabalho nesse sentido, acabam assumindo um outro papel, ficam muito assoberbadas de trabalho e não conseguem muitas vezes dar uma grande contribuição nesse controle.