Entrevista com José Meirelles Filho (CRP 05/2546), membro da equipe de psicólogos
da Seap
1) Você estava na equipe, no grupo de pessoas que veio procurar o CRP bem no
começo de toda essa questão, não era?
Sim, eu estava. Isso foi em 2006, talvez. 2005, 2006. Foram vários momentos.
2) Essa mobilização de vocês começou de que forma?
Foi o seguinte: em função de uma mudança estrutural na Secretaria, houve uma brecha
para os psicólogos formarem fóruns de discussão sobre o trabalho. A partir do momento
em que esses fóruns começaram a atuar, isto deu uma oportunidade aos psicólogos de
uma reflexão sobre sua prática. E muitos de nós, que não tínhamos conhecimento sobre
o que os outros faziam, passamos a ter essa possibilidade de conhecer o trabalho do
colega. A partir daí, algumas identificações foram acontecendo, permitindo uma crítica
à questão do exame e à participação dos psicólogos nas CTCs disciplinares. Isso uniu
um grupo, esse movimento começou a refletir sobre essa questão, fazer uma crítica,
depois questionou o caráter ético do trabalho, e depois solicitou ao CRP que desse um
parecer sobre a posição ética ou não ética do que a gente fazia. Isso em 2005, 2006.
3) Você considera que a postura do grupo, no início, era um pouco mais radical?
Eu acho que não. O grupo sempre tende a buscar uma tendência que reflita o
posicionamento de todos. No grupo, evidentemente, havia pessoas mais conservadoras,
menos radicais e outras mais radicais. Acho que o grupo agora está bem afinado. Muita
coisa aconteceu nesses quatro anos, houve muitas fraturas, muitas situações em que nós
não estivemos juntos. Mas a partir da resolução, houve um retorno de nosso movimento
e também uma aliança cada vez mais consistente com o CRP.
4) A partir de todo esse processo, houve mudanças na prática em relação ao
trabalho de vocês até o momento?
Não. Concretamente não houve nada. Só atitudes individuais, principalmente depois da
resolução, mas até agora nada mudou. Concretamente nada mudou. Só o nosso trabalho
de crítica. Temos freqüentado fóruns, teve a questão da audiência pública, congressos...
A gente vai, escreve, fala, protesta, faz abaixo assinado, manifesto. A nossa expectativa
é a volta da resolução para que a gente possa ter de fato um respaldo, pois nós fomos
muito perseguidos. Há muito tempo nós fomos perseguidos. Há muita pressão sobre nós
desde que nos posicionamos de forma crítica.
5) Vocês têm uma expectativa clara de que essa resolução possa voltar a valer?
Eu tenho a expectativa, estou confiante de que ela vai voltar e que nós vamos ter uma
outra postura. Eu acho que aí deve ser mais agressiva, inclusive por parte do Conselho,
na exigência de que o psicólogo cumpra com a resolução. Eu acho que nisso o Conselho
não foi suficientemente incisivo, na exigência de que o psicólogo seja ético. Acho que
essa é a postura que deve ser tomada a partir do retorno da resolução. Os únicos que
cumpriam a resolução eram punidos, e os que não cumpriam ficavam numa posição
muito cômoda. Isso foi uma crítica que, inclusive, a gente fez ao próprio Conselho. Que
ele seja mais duro com quem descumprir as normas éticas da psicologia.
6) Como foi a reunião de vocês em São Paulo? Como foi o debate?
Na minha avaliação, a nossa tendência de ir contra o exame, ela foi majoritária. Se não
foi quantitativamente, foi a que teve as melhores falas, pela melhor participação nossa.
A delegação do Rio de Janeiro estava absolutamente coesa, a fala do RS também, MG,
SP, se não em totalidade, com muitos colegas. Então, acho que as forças nacionais elas
têm a tendência a respaldar a resolução. Essa é minha avaliação. Mas teve muita gente
contra, ou seja, contra a nossa posição, a favor do exame. Mas acho que fomos
majoritários, essa é minha opinião.
7) Vocês conseguiram fazer com que algumas pessoas mudassem de opinião?
Eu acho que sim. Agora, é difícil avaliar isso, porque, como nós voltamos para o Rio, a
gente não tem como aferir a evolução do fórum, a evolução do encontro. Cada Conselho
irá averiguar como a coisa evoluiu. De onde ela parte, para onde ela vai. Evidente que
tinha muita gente com uma posição fechada contra a resolução. Eu estive em
Florianópolis e acho que a tendência de SC é se aproximar da gente, pelo que observei
em fórum preparativo do encontro de SP.
8) O próximo momento marcante dessa situação é a APAF, o que o senhor espera?
Espero que ela decida pelo retorno da resolução e que deixe claro, para que não haja
mais dúvidas, que o EC não pertence à literatura psicológica e não pertence à ciência
psicológica. É um instrumento que não nos pertence, e como tal deve ser abolido da
nossa prática. Ele não é perícia, não é avaliação, não é psicotécnico, não é diagnóstico,
não é nada. Ele não pertence à psicologia. Essa, eu acredito, é a posição mais correta do
ponto de vista teórico. Ele não pertence à nossa ciência.
9) Para o senhor que trabalha na SEAP, qual é a função do psicólogo dentro de um
estabelecimento prisional?
Eu tenho uma crítica muito radical em relação à instituição penal. Eu não acredito em
ressocialização, eu não acredito em nenhum objetivo de saúde, de recuperação do ser
humano dentro da instituição penal. Eu acho absurdo, é totalmente irracional que uma
instituição pretenda aprisionar para corrigir quem quer que seja. O aprisionamento não
corrige rigorosamente ninguém. Então, eu já tenho uma crítica profunda em relação a
isso. Mas o psicólogo pode trabalhar, da maneira mais ampla possível, na questão da
redução de danos, da medida em que você tem um indivíduo aviltado pelo massacre
institucional, pela pressão, por tudo que a instituição traz de danos ao ser humano, ao
homem, ao indivíduo, ao sujeito. Você pode atuar minimizando esses prejuízos,
minimizando os danos causados pelo aprisionamento através, obviamente, da
assistência psicológica e de outros possíveis tratamentos, de reflexão, de grupos, de
outros técnicas que possamos usar, que nos pertencem, para que as pessoas possam
neste período que se encontram encarceradas ter o menor prejuízo pessoal possível.
Essa
seria
nossa
atuação,
minimizando
todos
os
danos
causados
pela
institucionalização, pelo aprisionamento.
10) Como é feito isso hoje em dia?
Hoje em dia, justamente, isso é o que nós fazemos menos, pois temos que participar
dessas tais CTCs disciplinares, que julgam as indisciplinas dos internos, e temos que
fazer EC, isso toma de 85 a 90% do trabalho do psicólogo dentro da prisão. O que resta
é muito pouco, e mesmo assim há muita sabotagem por parte da segurança em nosso
trabalho. Tudo aquilo que sobra, que fica no excedente, é muitas vezes mal visto.
11) Então a questão do EC, além de ser errada por si, ela ainda prejudica um
trabalho que poderia ser mais eficiente?
Claro, sem dúvida nenhuma. Ela nos compromete em 80%, acima de 80% no tempo de
nosso trabalho. Então ela é terrível, pois ficamos assoberbados com a exigência, com a
quantidade de exames que temos que fazer, e não podemos atender ninguém, nossa
atuação se resume a isso. Não podemos fazer nenhum outro tipo de trabalho.
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Entrevista com José Meirelles Filho (CRP 05/2546 - CRP-RJ