IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº CNJ RELATOR APELANTE PROCURADORA APELADA ADVOGADOS REMETENTE ORIGEM 2007.51.01.8053705 : 080537011.2007.4.02.5101 : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO IVAN ATHIÉ : INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI : MARGARETH GAZAL E SILVA : TNL PCS S/A : ALICIA KRISTINA DANIEL SHORES E OUTROS : JUIZO FEDERAL DA 31A VARARJ : TRIGÉSIMA PRIMEIRA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200751018053705) R E L A T Ó R I O Tratase de remessa "exofficio" e de apelação cível interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI, contra sentença proferida nos autos da ação de rito ordinário proposta por TLN PCS S/A, em face de VR HOTÉIS LTDA EPP e do ora apelante, objetivando a nulidade do registro marcário nº 825218063, concedido pela Autarquia em favor da primeira ré, referente à marca mista "OI", depositada na classe NCL(8) 43 para distinguir 'serviços de motéis'. Alega a autora, na petição inicial, que o aludido registro é nulo de pleno direito, pois foi concedido em afronta às disposições contidas no art. 124, incisos XIX e XXIII, da Lei nº 9.279/96, uma vez que a marca mista da ré reproduz integralmente a sua marca "OI", podendo, com isso, causar confusão ao público consumidor quanto à origem dos produtos e serviços colocados à sua disposição. Sustenta que é conceituada empresa do ramo de telefonia celular, constituída há vários anos, e que adquiriu a confiança do público consumidor ao proporcionar excelente padrão de qualidade e eficiência em seus serviços. Informa que é proprietária da marca "OI MÃE", depositada em 1993 e convolada em registro em 1995, como também é titular de vários outros 1 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 registros para a marca "OI", sem qualquer ressalva e em diferentes classes de serviços e produtos. Acrescenta, ainda, que o renome e prestígio alcançados pelos serviços que presta despertam a cobiça de terceiros mal intencionados em apropriarse indevidamente da marca "OI", notoriamente conhecida, prejudicando assim seus interesses comerciais. Contestada a ação pelo INPI, quedouse inerte a primeira ré, razão pela qual foi decretada a sua revelia. Após regular tramitação do feito, sobreveio a sentença de fls. 480/485, que, reconhecendo o abuso de direito por parte da empresa ré, ao pretender utilizar marca notoriamente conhecida, julgou procedente o pedido da peça inicial, decretando a nulidade do registro nº 825.218.063, relativo à marca mista "OI", bem como deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando que o INPI proceda à suspensão do referido registro, publicandoa na RPI. Outrossim, condenou os réus ao pagamento da verba da sucumbência, que fixou, pro rata, em 20% (vinte por cento) sobre o valor atribuído à causa. Em suas razões recursais (fls. 490/491), a Autarquia apelante reitera os argumentos da sua contestação, bem como sustenta que, "apesar dos sinais em cotejo serem constituído (sic) por denominação idêntica, podemos depreender da inteligência do Princípio da Especialidade que, caso os produtos ou serviços assinalados pela marca não sejam suscetíveis de causar associação errônea para os consumidores quanto à origem dos produtos ou serviços, é passível de registrabilidade o mesmo sinal marcário para titulares diversos. É o que acontece com o caso in concreto, pois, a proteção conferida a marca da autora se prende a segmento mercadológico completamente distinto do registro da ré". Recebido o recurso no efeito devolutivo, e com contrarrazões da autora, às fls. 503/519, foram os autos remetidos para este Tribunal, com vistas a Procuradoria Regional da República, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 529/532). 2 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 É o relatório. Peço dia. Rio de Janeiro, 28 de maio de 2014. ANTONIO IVAN ATHIÉ Desembargador Federal Relator V O T O Conheço do recurso, uma vez presentes seus pressupostos legais. Todavia, não conheço da remessa necessária, por incabível na espécie. Como relatado, tratase de ação de nulidade do registro nº 825218063, concedido pelo INPI em favor da empresa VR Hotéis Ltda., referente à marca mista "OI", depositada na classe NCL(8) 43, para distinguir 'serviços de motéis'. A sentença julgou procedente o pedido da inicial, por entender que houve abuso de direito por parte da empresa ré, ao pretender utilizar marca notoriamente conhecida, determinando, assim, a nulidade do registro em questão. Inconformada, a Autarquia apelou da sentença, sustentando que o caso comporta a aplicação do Princípio da Especialidade, porquanto as marcas em conflito, apesar de serem idênticas, não são suscetíveis de causar associação indevida para os consumidores quanto à origem dos produtos e serviços ofertados, já que estariam inseridos em segmentos mercadológicos diversos. Em que pesem as razões do apelante, a sentença não merece reforma, pois bem decidiu a questão, nada havendo a ser reparado, valendo dela transcrever os seguintes lances (fls. 482/484): 3 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 "De meritis, pugna a parte autora pela declaração de nulidade da marca nº 825218063, referente à marca OI, cuja titulação foi concedida pelo INPI à 1a. Ré em data de 08.05.2007. Intitulase a autora renomada empresa brasileira, sendo detentora única e exclusiva, da marca notória “OI”, cujo registro mais antigo é o de nº 824097246, com prioridade desde 04.10.2001, qualificando seus serviços como detentor de reconhecimento mundial de procedência e excelência. A Lei nº 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, assevera que a marca se adquire pelo registro validamente expedido (art. 129). Portanto, outorga a lei o efeito atributivo do registro. Embora seja regido pelo princípio da especialidade, cede a esta restrição quando se trata de marca notoriamente conhecida. A notoriedade da marca representa um fato, uma circunstância em que a marca conquista grande conhecimento do público, o qual relaciona com o produto ou serviço assinalado. Segundo Dominique Brandt, ao falar que a notoriedade tem por efeito a criação de um direito, estamos a nos referir ao art. 6 bis da Convenção da União de Paris, o qual excepciona o princípio da territorialidade no direito da marca. (La protection élargie de La marque de haute renommée audelà des produits identiques et similaires ´Étude de droit compare Genève: Librairie Droz, 1985, p. 13). 4 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 Para reconhecer uma marca como notória, capaz de atribuir ao seu titular, direito exclusivo sobre ela em qualquer classe, devese levar em consideração: o grau de conhecimento pelo público; e a isso acrescenta os valores transmitidos pelas marcas afamadas, decorrentes de características intrínsecas aos produtos ou serviço. Não se pode ignorar, o conhecimento público da marca OI, pertencente à Autora e destinada a proteger o setor da telefonia celular, operada pela Autora. Vários são os registros da marca OI a favor da Autora, consoante se vê de relação não exaustiva de fls. 06/08. In casu, a pretensão da primeira Ré em utilizarse da marca OI para “serviços de motéis” é rechaçada pela teoria do aproveitamento parasitário. Em razão disto, é lógico que a marca notória, que ainda não adquiriu o status de marca de alto renome, deve merecer uma proteção diferenciada das marcas “comuns”. A fama por elas conseguida deve de alguma forma ser protegida de terceiros que queiram utilizar essa marca para produtos ou serviços diversos daquele protegido pelo titular original. Porém, esta proteção não está na Lei de Propriedade Industrial em vigor e foi pensando nestes casos que se aprovou no INPI o parecer normativo sobre aproveitamento parasitário, cujas conclusões foram incorporadas ao Ato Normativo 123/1994, que instituiu as Diretrizes de Análise de Marcas. Enquadrouse no parecer o aproveitamento parasitário, não como um ato contrário à lei (que não é), mas como um exercício irregular do direito (depositar marca igual para designar produto distinto), que pode 5 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 ocasionar dano à reputação da marca afamada e um enriquecimento sem causa por parte do usurpador. O exercício irregular se verifica por “desvio de função das regras de proteção à propriedade industrial, caracterizandose como fraude à lei, tornando NULO O ATO DE REGISTRO, independentemente do elemento intencional. Na lei brasileira, o exercício irregular do direito está previsto no art. 188, inciso I, do novo Código Civil, merecendo repulsa jurídica, inclusive na área de marcas." Como visto acima, bem houve a sentença ao julgar procedente o pedido de nulidade do ato administrativo que deferiu o pedido do registro nº 825218063, referente à marca mista "OI", na classe NCL(8) 43, ante o reconhecimento da notoriedade das marcas anteriormente concedidas à autora, e com fundamento na teoria do aproveitamento parasitário. Com efeito, cotejandose os signos marcários em conflito, verificase com extrema facilidade que as expressões neles contidas são gráfica e foneticamente idênticas, como também seus elementos figurativos são bastante próximos, ambos apresentando formas arredondadas, conforme demonstram as ilustrações abaixo: 6 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 Relevante ressaltar que, não obstante tratarse de expressão comum da Língua Portuguesa, a interjeição "OI" não guarda qualquer correlação com o produto que visa assinalar e, como já visto acima, adquiriu notória distintividade junto ao público consumidor ao longo dos anos e em todo o território nacional, merecendo, desta forma, proteção diferenciada em relação às marcas consideradas comuns. Na hipótese, o INPI analisou a questão da aplicação do art. 6º bis da CUP sob o prisma do art. 126, da Lei nº de 9.279/96, por se tratar de empresa nacional e, apesar de reconhecer a notoriedade da marca da autora no segmento das telecomunicações, entendeu a Autarquia que a referida proteção marcária deveria ser restringida a um segmento de mercado específico, já que os supracitados dispositivos legais estariam circunscritos ao princípio da especialidade. Todavia, em casos envolvendo marcas notoriamente conhecidas, há que se levar em consideração o disposto no art. 16.3 do acordo TRIPS, in verbis: "3. O disposto no Artigo 6bis da Convenção de Paris (1967) aplicarseá, mutatis mutandis, aos bens e serviços que não sejam similares àqueles para os quais uma marca esteja registrada, desde que o uso dessa marca, em relação àqueles bens e serviços, possa indicar uma conexão entre aqueles bens e serviços e o titular da marca registrada e desde que seja provável que esse uso prejudique os interesses do titular da marca registrada." Conforme se verifica da disposição acima, o referido acordo TRIPS confere maior abrangência à proteção concedida pelo art. 6º bis da CUP às marcas notoriamente conhecidas, configurando, assim, exceção ao princípio da especialidade, uma vez que possibilita a sua ampliação para além do seu ramo de atividade, englobando bens e serviços que não sejam 7 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 necessariamente similares, mas que possam indicar alguma interligação entre aqueles e bens e serviços oferecidos pela marca ameaçada. Admite parte da doutrina que tal possibilidade tenha surgido com as transformações econômicas ocorridas entre o advento da CUP e do acordo TRIPS, refletindo tendência que se concretiza cada vez mais, tendo em vista que é comum, na atualidade, uma marca notoriamente conhecida designar mais de um tipo de produto com o qual tenha alguma conexão com a atividade principal, como por exemplo é o caso de algumas grifes de alta costura que também utilizam suas marcas para designar jóias e/ou perfumes. No caso, a autora utiliza a sua famosa marca "OI" para divulgar em seu site na internet publicidade acerca de motéis e serviços a eles correlatos, conforme se observa do documento de fl. 17, ou seja, de fato há uma concreta conexão entre os serviços oferecidos pela marca da autora e aqueles prestados pela empresa ré, restando demonstrado que a extensão da proteção legal à referida marca deve se sobrepor ao princípio da especialidade, sobretudo ante o iminente risco de haver aproveitamento parasitário e desvio ilícito de clientela. Como é cediço, a marca apresentase como sinal apto a estabelecer distinção entre produtos industriais, artigos comerciais e serviços profissionais. Sua função primordial é identificar uma empresa ou um produto, distinguindoo de outros iguais ou similiares existentes no mercado. Visa, ainda, orientar o consumidor sobre a procedência de determinado produto ou serviço, bem como indicar sua qualidade e eficiência. Portanto, dentre os requisitos exigidos para o registro da marca destacamse a sua distintividade e disponibilidade. Desta forma, o sinal através do qual a marca se apresenta deve ser diverso dos demais existentes em uso ou sob registro de outra empresa pertencente ao mesmo gênero de atividade ou fim, justamente para o consumidor não incorrer em erro, atentandose para o fato de que os objetivos principais do legislador são a proteção do consumidor e do empresário titular da marca anterior, de modo a livrálo da concorrência desleal, o que pode ocorrer no presente caso, pois a 8 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 marca anulada, ao reproduzir quase integralmente a marca da autora, não consegue dela se distinguir, não sendo, assim, permitida a sua coexistência. Ante o exposto, não conheço da remessa necessária, por incabível na espécie, e nego provimento ao recurso, mantendo na íntegra a r. sentença recorrida. É como voto. ANTONIO IVAN ATHIÉ Desembargador Federal Relator EMENTA APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA PROPRIEDADE INDUSTRIAL NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA PRINCÍPIO DA REPREENSÃO À CONCORRÊNCIA PARASITÁRIA SOBREPOSTO AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE RECURSO DESPROVIDO E REMESSA NÃO CONHECIDA. I Apelação de sentença que julgou procedente o pedido de nulidade do ato administrativo que deferiu o registro referente à marca mista "OI", depositada para distinguir 'serviços de motéis', ante o reconhecimento da notoriedade das marcas anteriormente concedidas à autora, e com fundamento na teoria do aproveitamento parasitário; II A despeito do INPI alegar que os artigos de lei invocados pela autora estariam circunscritos ao princípio da especialidade, há disposição contida no acordo TRIPS conferindo maior abrangência à proteção concedida pelo art. 6º bis da CUP às marcas notoriamente conhecidas, configurando, assim, exceção ao referido princípio, uma vez que possibilita a sua ampliação para além do seu ramo de atividade, englobando bens e serviços que não sejam necessariamente similares, mas que possam indicar 9 IV APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO 2007.51.01.8053705 alguma interligação entre aqueles e bens e serviços oferecidos pela marca ameaçada; III No caso, a autora utiliza a sua famosa marca "OI" para divulgar em seu site na internet publicidade acerca de motéis e serviços a eles correlatos, conforme prova dos autos, ou seja, de fato há uma concreta conexão entre os serviços oferecidos pela marca da autora e aqueles prestados pela empresa ré, restando demonstrado que a extensão da proteção legal à referida marca deve se sobrepor ao princípio da especialidade, sobretudo ante o iminente risco de haver aproveitamento parasitário e desvio ilícito de clientela; IV Apelação desprovida. Remessa necessária que não se conhece, por incabível na espécie. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator. Rio de Janeiro, 13 / 06 / 2014 (data do julgamento). ANTONIO IVAN ATHIÉ Desembargador Federal Relator 10