Caro leitor, ISSN 1982-2898 Diretores Sônia Inakake Almir C. Almeida EDITORA Luiza Oliva COLUNISTAS Cassiano Zeferino de Carvalho Neto Claudio Castro Sanches Emilia Cipriano Maria Irene de Matos Maluf Nílson José Machado COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Christiane Mendonça Marchetti Cléo Busatto Fabiano Moraes Gustavo Teixeira Hamilton Werneck Heloísa Lück Heloísa Monte Serrat Barbosa Laura Monte Serrat Barbosa Maria das Dores Macedo Lehpamer Maria Helena Negreiros Ninfa Parreiras Paulo Roberto Padillha Rosana Formigoni Telles Sônia Maria Ferreira Barrueco Direção de Arte Jonas Coronado ASSISTENTE DE ARTE André Akira Sergio Willian Atendimento ao leitor e circulação Claudiney Fernandes Jornalista Responsável Luiza Oliva MTB 16.935 [email protected] Impressão Prol gráfica Filiada à Apoio O Grupo Direcional apóia: EDITORIAL O que fazer para estimular a leitura em nossas crianças e jovens? Desde o início de sua publicação, Direcional Educador periodicamente traz artigos e entrevistas tentando responder a esta questão. O escritor e ilustrador Ziraldo, nosso entrevistado na edição 7, de agosto de 2005, afirmou à época: “A única forma de estimular a leitura que eu conheço é a participação. Criança vai gostar de ler se o professor ou os pais começarem a ler livros junto com ela. A leitura compartilhada é o segredo. Como também é a não cobrança de resultados. Leitura não pode nunca ser ligada à ideia de dever. Ler não é um exercício.” Ziraldo pediu ainda “ênfase total à leitura” nas escolas, na entrevista publicada posteriormente no livro Encontros com Educadores, editado pelo Grupo Direcional em 2010. O escritor deu ainda uma sugestão: “Criar no currículo escolar do Ensino Fundamental uma cadeira intitulada ‘Gostar de Ler’”. Tantos anos depois, com inúmeras ações desenvolvidas visando o incentivo à leitura – seja por ONGs, entidades públicas e privadas e por educadores – ainda há muito a fazer em se tratando de desenvolver a capacidade leitora de nossos alunos. A terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil - maior e mais completo estudo sobre o comportamento do leitor brasileiro, promovido pelo Instituto Pró-Livro - mostra que 85% dos brasileiros com mais de cinco anos assiste TV em suas horas vagas, contra 28% que lê jornais, livros, revistas e textos na internet. O levantamento foi divulgado em março e é uma iniciativa do Instituto Pró-Livro. Um dado interessante da pesquisa é que os professores têm lido mais para as crianças do que as mães. No contexto dos incentivadores à leitura, os professores passaram do segundo (anotado na versão anterior da pesquisa) para o primeiro lugar, ultrapassando a indicação da mãe como a responsável por despertar o interesse pela leitura. “As mães continuam sendo muito lembradas e quase empatam nessa positiva disputa, mas a subida importante do professor pode ser reveladora em relação a ações que estão dando certo. Na verdade, a pesquisa como um todo promove a oportunidade de que especialistas possam identificar projetos bem-sucedidos”, diz Karine Pansa, presidente do Instituto Pró-Livro e da Câmara Brasileira do Livro. Nesta edição, Direcional Educador continua a discussão, tão importante quanto atual, do incentivo à leitura. Assinam os artigos desta edição os especialistas Cléo Busatto, Fabiano Moraes, Ninfa Parreiras, Rosana Formigoni Telles e Sônia Maria Ferreira Barrueco. Leia, estude, discuta os artigos com sua equipe e mãos à obra! Ou melhor, aos livros e à leitura! Um grande abraço e nos vemos no próximo mês. Luiza Oliva Editora Revista Direcional Educador Direcional Educador é uma publicação mensal do Grupo Direcional, com circulação nacional. Dirigida a diretores, educadores, coordenadores e todos os profissionais que atuam na área da educação. Não é permitida a reprodução total ou parcial das matérias, sujeitando os infratores às penalidades legais. As matérias assinadas são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Direcional Educador. Rua Vergueiro, 2.556 - 7ª andar cj. 73 CEP 04102-000 - São Paulo-SP Tel.: (11) 5573-8110 - Fax: (11) 5084-3807 [email protected] www.direcionaleducador.com.br Para publicar seus artigos na revista Direcional Educador, basta enviá-los para: [email protected]. aos cuidados do diretor. Os artigos serão analisados e, caso aprovados, serão publicados oportunamente, conforme a programação das edições. Envie também no e-mail: • Seu mini-currículo para ser publicado junto ao artigo. • Sua foto em tamanho 600x600 pixels ou maior (opcional). • Seu endereço, para que possamos lhe enviar exemplares da revista. • Declaração de que o artigo é inédito e que não foi enviado para nenhuma outra revista da área de educação, autorizando sua publicação na revista Direcional Educador, tanto na versão impressa quanto na versão digital (internet e CD) Se você organiza algum evento na área da Educação (curso, palestra, seminário, congresso), envie material de divulgação para o e-mail faleconosco@grupodirecional. com.br. O material poderá ser divulgado na seção Agenda, conforme a disponibilidade de espaço e a programação das edições. Direcional Educador, Setembro 13 SEJA COLABORADOR DA DIRECIONAL EDUCADOR 3 SUMÁRIO SUMÁRIO Setembro 13 32 06 CAPA Escola: sua importância na promoção da leitura Por Sônia Maria Ferreira Barrueco 09 TETRAEDRO Política Por Nílson José Machado 16 CAPA Autonomia no acesso à informação como incentivo à leitura Por Rosana Formigoni Telles 34 20 CAPA Seleção de acervos para bibliotecas Por Ninfa Parreiras 10 CAPA Contar histórias: a arte de brincar com as palavras Por Fabiano Moraes 13 PÁGINA DO PSICOPEDAGOGO Brincar e socializar Por Maria Irene Maluf OPINIÃO DO PEDAGOGO Sobre o conteúdo dos pareceres em conselhos de classe Por Hamilton Werneck EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA Refletindo sobre o vivido: a trajetória do instituto aprender a ser e a construção de trilhas para a formação permanente do educador da infância Por Emilia Cipriano e Claudio Castro Sanches NOSSOS ALUNOS E AS DROGAS Ecstasy Por Gustavo Teixeira 44 EDUCAÇÃO INTEGRAL Desafios e Perspectivas da Educação Integral: as tecnologias e suas possibilidades Por Maria Helena Negreiros 46 25 CURSO Educar a Infância – Desafios constantes Módulo VIII – Sobre avaliar Por Laura Monte Serrat Barbosa e Heloísa Monte Serrat Barbosa 42 36 PROJETO RECREIAÇÃO: uma experiência lúdica e prazerosa na Escola Municipal Cônego Vitor, em Três Pontas (MG) Por Christiane Mendonça Marchetti REFLEXÃO As manifestações populares e a Educação Infantil Por Maria das Dores Macedo Lehpamer 48 LIVROS Direcional Educador, Setembro 13 CAPA A leitura literária e a formação do leitor Por Cléo Busatto 4 29 REINVENTANDO PAULO FREIRE Ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança Por Paulo Roberto Padillha 38 GESTÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA Como se pode maximizar as oportunidades de aprendizagem dos alunos (11) Por Heloísa Lück 50 AGENDA Direcional Educador, Setembro 13 14 5 ESCOLA: SUA IMPORTÂNCIA NA PROMOÇÃO DA LEITURA Direcional Educador, Setembro 13 Por Sônia Maria Ferreira Barrueco 6 enfoque deste artigo – a leitura – baseia-se na constante necessidade de ensinar, instigar, incentivar, conscientizar, desenvolver o gosto, intermediar, interagir e promover a leitura, sob as afirmativas e os pontos de vista apresentados por Filipe Leal, da cidade do Porto/ Portugal, no II Fórum sobre Bibliotecas Públicas - Maceió-AL, ocorrido nos dias 8 e 9 de Agosto de 2011, cujas assertivas mesclam-se a outras informações advindas de diversas leituras sobre a temática. Sobre essa questão, à escola cabe cumprir seu papel educativo e social com a competência de investir, incansavelmente, na promoção da leitura desenvolvendo hábitos de ler nos estudantes, por meio das várias situações que surgem no cotidiano, utilizando-se de estratégias e objetivos de forma consistente. Para tanto, o trabalho com leitura deve ser realizado com grande rigor e qualidade, e ser assumido como uma prioridade estratégica envolvendo todo o segmento escolar (direção, supervisão, coordenação, bibliotecários e/ou assistentes de biblioteca, alunos, pais dentre outros). É fundamental, portanto, uma atitude proativa: conhecer – agir – avaliar. Para tanto, alguns objetivos prioritários precisam ser considerados e mantidos ao se planejar projetos de leitura na escola, sendo importante contemplar tais objetivos de acordo com faixa estaria e série/ano, como se descrevem: • Criar e fortalecer o gosto pela leitura nas crianças A leitura ajuda a crescer. Portanto, faz-se necessário desenvolver projetos que, de uma forma continuada, ajudem as crianças a trilhar os seus percursos individuais de leitura desde a mais tenra idade até à adolescência. • Consolidar as práticas de leitura nos jovens O grande desafio do trabalho de promoção da leitura com os jovens é conseguir que estes vejam a leitura como algo mais do que um mero instrumento para aprender ou como um dever escolar. Apresentar a leitura como uma forma de lazer e como uma forma de descoberta e afirmação individual torna-se fundamental para consoli- dar as práticas de leitura nos jovens. Para tal, faz-se necessário desenvolver projetos num contexto extracurricular levando em consideração as formas de ser e de estar dos jovens. • Diversificar as práticas de leitura nos adultos O público adulto é, sem dúvida, o mais heterogêneo ao nível das práticas de leitura e dos hábitos de leitura. É nesta faixa etária que podemos encontrar, em paralelo, indivíduos com hábitos de leitura consolidados (escassa minoria) e indivíduos sem qualquer prática quotidiana da leitura (esmagadora maioria). Tendo em atenção este fato, há que pensar os projetos em função destes diversos perfis de leitor, de modo a diversificar as suas práticas de leitura. Ao consolidar os objetivos propostos, a escola precisa criar ambientes de leitura acolhedores aos estudantes. Esses ambientes podem ser: a sala de aula, a biblioteca, a sala de leitura, a sala de tecnologia, pátio, jardim, em casa ou outros lugares convenientes para isso. A abordagem lúdica da leitura nas escolas é um fator-chave. En- tretanto, não basta fazer a animação da leitura, é preciso realizar um trabalho de orientação sobre esse tema aos professores e aos estudantes para ajudar o leitor a alargar horizontes de leitura. Somente assim poderemos mudar radicalmente a nossa atitude perante o ensino da leitura para a formação de bons leitores. Assim, por meio de um trabalho sistemático e contínuo desenvolvido a médio e longo prazo, será possível obter alterações substanciais na situação atual, caracterizada pelos baixos índices de leitura. Nesse contexto, a sala de aula é lugar da criação de um vínculo estreito com a leitura, pela inserção do aluno na tradição do conhecimento. Ela é o lugar onde o professor ensina, onde ele mostra, por sua presença e sua atuação, a importância da leitura, traz os livros e os apresenta, estimula a todos a escolherem o que vão ler, fica sabendo do interesse que vai se formando para cada um, faz sugestões, discute os assuntos, responde perguntas, questiona, aprofunda o assunto. Enfim, ele sabe dos percalços a serem vencidos. É ele com seus alunos. A biblioteca é o lugar de outra magia: lá está o tesouro inesgotável do conhecimento construído historicamente pela humanidade. Na biblioteca, o estudante, ao explorar o acervo ali existente, vai expandir seus interesses e descobre que existem enciclopédias, mapas, atlas, manuais, revistas, livros de todo o tipo e sobre diversificados assuntos, ou vai concentrar-se numa leitura de aprofundamento de um determinado interesse criado na leitura em sala de aula. Sempre se acreditou que o contato com os livros foi continuamente valorizado por favorecer o espírito crítico, tornando o leitor uma pessoa melhor por meio do contato com experiências e ideias registradas por escrito. Essas ideias correspondem, de certa forma, ao que muitos pensam sobre leitura e que muitos tomam como fundamento de sua prática como professores ou como fomentadores de leitura. Embora acreditemos nisso, a história da leitura mostra-nos que nem sempre foi assim, pois essas ideias pareciam despropósitos completos em outras épocas, tendo em vista que por um longo período a leitura era lida apenas em voz alta (norma no século IV d.C.). A leitura em silêncio realizada por Santo Ambrósio foi observada por Santo Agostinho, causando-lhe admiração e ao mesmo tempo perplexidade, pois ele, Agostinho, professor de retórica, só lia em voz alta. Mesmo quando se generalizou a leitura silenciosa, ler em voz alta era, ainda, uma forma de sociabilidade comum. A leitura em silêncio, a mais utilizada nos dias de hoje, tornou-se, posteriormente, algo mais comum. Em síntese, partindo de tudo o que foi dito, podemos perspectivar ações a serem desenvolvidas na escola como definição de novas estratégias, como: 1- ALARGAR O ÂMBITO DE ATUAÇÃO • Leitura - apropriação da mensagem escrita. A leitura pode ser definida como o processo de decodificação de um texto escrito num contexto significativo específico (para onde é convocada a história de vida de cada indivíduo leitor, ou seja, as suas vivências, os afetos, os conhecimentos, as emoções, etc.), independentemente do suporte físico em que este está registrado. Esta definição remete-nos para a ideia de que existem diversos tipos de leitura e, consequentemente, diversos tipos de leitor, e que a leitura é um dos pilares da liberdade e da cidadania. • Diversificação dos suportes de leitura Não podemos cair no erro de associar a leitura somente à leitura das grandes obras-primas da literatura. Esta visão, profundamente elitista e redutora, muito tem contribuído para a desvalorização social do ato de ler, ao remeter todas as outras formas de leitura para um estatuto de menoridade cultural. Os suportes de leitura precisam ser diversificados, para favorecer o hábito da capacidade leitora dos estudantes. A leitura pode ter uma dimensão lúdica e estética (ler pelo prazer de ler), mas comporta também uma dimensão instrumental e pragmática (ler para conhecer). Na promoção da leitura, nenhuma destas dimensões deve ser sobrevalorizada em detrimento da outra. Para tanto, o professor deve incluir leituras de diferentes suportes, como: - livros, gibis, jornais, panfletos, cartazes do âmbito escolar, folhetos, manuais de instrução eletrônicos, manuais de instruções (programação), instruções de jogos, receitas culinárias, embalagens, bulas de remédio, etiquetas, biografias, enciclopédias, prescrições médicas, cláusulas, editais de concurso, regulamentos, tickets, gráficos, tabelas, mapas, atlas, curriculuns, obras de arte, obras teatrais, dentre outros; enfim, os suportes em que os textos foram impressos originalmente. • Diversificação das práticas de leitura Uma prática constante de leitura na escola pressupõe o trabalho com a diversidade de objetivos, estratégias, modalidades e textos que caracterizam as práticas de leitura de fato. Diferentes objetivos exigem diferentes textos e, cada qual, por sua vez, exige uma modalidade de leitura. Há textos que podem ser lidos rapidamente, outros devem ser lidos devagar. Há leituras em que é necessário controlar atentamente a compreensão, voltando atrás para certificar-se do entendimento; outras em que se segue adiante sem dificuldade, entregue apenas ao prazer de ler. Há leituras que requerem um enorme esforço intelectual e, a despeito disso, se deseja ler sem parar; outras em que o esforço é mínimo e, mesmo assim, o desejo é deixá-las para depois. Para desenvolver habilidades de leitura, o professor, junto ao estudante, precisa buscar situações didáticas que favoreçam a aprendizagem. É necessário, portanto: - propor, antes da leitura, perguntas (levantamento do conhecimento prévio) que suscitam a elaboração de hipóteses in- Direcional Educador, Setembro 13 CAPA CAPA 7 TETRAEDRO 8 terpretativas, que serão verificadas (confirmadas ou não) durante e depois da leitura: - ler em voz alta e comentar, ou discutir com eles os conteúdos e usos dos textos lidos, pois todo texto tem uma função social específica para atender às necessidades do leitor; - proporcionar-lhes familiaridade com gêneros textuais diversos e solicitar-lhes leitura autônoma - silenciosa ou oral; - ajudá-los a reconhecer diferentes gêneros textuais e identificar suas características gerais, pois isso favorece o trabalho de compreensão, porque orienta, adequadamente, as expectativas do leitor diante do texto; - abordar as características gerais desses gêneros: do que eles costumam tratar, como costumam se organizar, quais recursos linguísticos costumam usar, o tipo de linguagem que utilizam (formal ou informal), a finalidade do texto, a intencionalidade do autor, a que tipo de público se direciona; - instigar os estudantes a prestarem atenção e explicarem os ‘não ditos’ do texto, a descobrirem e explicarem os porquês fazendo inferências (advindos das pistas deixadas pelo autor), a explicitarem as relações entre o texto e seu título; - ler textos em voz alta é uma estratégia adequada para desenvolver a capacidade de compreensão que leva os estudantes a partilhar sua emoção e sua compreensão com os colegas, avaliando e comentando afetivamente o texto, resumindo-o, explicando-o, fazendo extrapolações (isto é, projetando o sentido do texto para outras vivências, outras realidades). Resumir, explicar, discutir e avaliar o texto requer tê-lo compreendido globalmente, ter interligado informações e produzido inferências. Fazer extrapolações pertinentes – sem perder o texto de vista – contribui para o aprendizado afetivo e atitudinal de descobrir que as coisas que se leem nos textos, podem fazer parte da nossa vida, podem ter utilidade e relevância para nós; - trabalhar estratégias que permitam dotar-se de objetivos de leitura e atualizar os conhecimentos prévios relevantes (prévias à leitura/durante ela), e as que permitem estabelecer inferências de diferente tipo, rever e comprovar a própria compreensão enquanto se lê e tomar decisões adequadas ante os erros ou falhas na compreensão (durante a leitura); desse modo, estabelecendo previsões, fazendo inferências, levantando hipóteses, chegar ao conhecimento prévio, mostra a integração das estratégias no decorrer do processo de leitura, considerando-se as etapas do processo: antes, durante e depois da leitura. 2- ENVOLVER DIRETAMENTE AS FAMÍLIAS CONSCIENTIZANDO OS PAIS QUE: - o desenvolvimento precoce de hábitos de leitura é determinante, deve ser iniciado em casa, pois os pais são promotores da leitura junto aos filhos; - a leitura partilhada (envolvendo os membros da família) reforça os laços afetivos e as cumplicidades; - presentear os filhos com livros para que possam familiarizar-se com a leitura; - o papel do adulto enquanto mediador da leitura é determinante. Mediante ao exposto, conclui-se que: se é na escola que as crianças, jovens e adultos adquirem as competências necessárias à leitura, é na família que ocorre a socialização primária da leitura. Entretanto, cabe à escola dar continuidade e/ou cobrir as lacunas deixadas pela família e cumprir sua função de mediadora da leitura. E será, então, este o contributo da escola nesse mister – ensino da leitura para o sucesso educativo e para o desenvolvimento de cidadãos leitores. POLÍTICA Por Nílson José Machado Referências bibliográficas ABREU, Márcia. Diferentes formas de ler. Departamento de Teoria Literária. Instituto de Estudos da Linguagem - Unicamp. www.unicamp.br/iel/ memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm Acesso em: 1º/fevereiro/2013. BARRUECO, Sônia Maria Ferreira. Avaliando a experiência de formação continuada em língua portuguesa do GESTAR. 2007, 268 f. Capítulo II. A leitura e o ensino da língua: linguagem, discurso e texto. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. Campo Grande/MS, 2007. BARRUECO, Sônia Maria Ferreira. Práticas de leitura. Revista Direcional Educador. São Paulo, dezembro/2009. LEAL, Filipe. Os caminhos da promoção da leitura. II Fórum sobre Bibliotecas Públicas | Maceió-AL | 8 e 9 de Agosto de 2011. -----------------. Leituras. Coordenação. Revista Setepés – Projetos da BMO- Bibliotecas Municipais de Oeiras Porto/Portugal. Coleção Públicos. 1ª Edição, 2007 SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6ª. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1998 Sonia Maria Ferreira Barrueco é Mestre em Educação pela UCDB (Campo Grande/MS), técnica coordenadora de Projetos de Leitura na Escola da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul/SUPED/SED. E-mail: soniabarrueco@ yahoo.com.br 1 – Sociedade, Política, Estado, Governo Sociedade é a expressão mais ampla que engloba todos os agrupamentos humanos, em múltiplas relações de interdependência. Famílias, escolas, empresas, sindicatos, igrejas, associações esportivas, entre muitas outras, são instâncias da sociedade. A organização da vida social, a articulação entre o interesse pessoal e o coletivo é o espaço da Política. Em todos os contextos de relações humanas vivencia-se a atividade política, um conceito abrangente que inclui os que exercem funções públicas, mas se estende a todos os cidadãos. Uma estrutura de poder dá forma à atividade política, organizando a ação social na busca do bem comum: o Estado constitui a arquitetura de tal organização. O Governo representa o Estado; o governante é um servidor público, um timoneiro, um condutor da nau do Estado, não é seu capitão. O sentido maior da ação do governo é o da mobilização do Estado na formulação de políticas públicas que visem ao bem estar social, muito além dos interesses do governante de plantão. 2 - Quatro formas básicas de reacionarismo Em A retórica da intransigência, Albert Hirschman caracteriza o que considera três vertentes principais do pensamento reacionário, ao longo da História, diante de uma perspectiva de mudança: a futilidade, a perversidade e a ameaça. O argumento da futilidade considera que as mudanças não surtirão efeito algum; após algum tempo, tudo voltará a ser como antes. O argumento da perversidade garante que as transformações tornarão a situação ainda pior. O da ameaça sugere que as ações propostas poderão por em risco conquistas já realizadas. Nos três casos, a retórica do reacionarismo conduz ao conformismo, que é muito distinto de uma conservação do statu quo a partir de um juízo consciente sobre os méritos do que vige. Uma quarta forma básica do pensamento reacionário manifesta-se quando, diante de uma proposta de mudança, afirma-se com pretensa sabedoria: “é interessante do ponto de vista teórico, mas na prática não funciona”. É quase impossível contra-argumentar sem parecer agressivo. Mas dá. 3 - Voto: direito ou dever Há direitos que são inerentes a certos deveres. O direito ao voto parece ser dessa estirpe. Ele é um nobre instrumento por meio do qual o poder político é transferido temporariamente do povo a seus representantes. Assim como a palavra, o voto não deve ser comprado ou vendido. Para ser fiel a seu desígnio, deve circular de modo dadivoso, como uma manifestação de confiança, tecendo a imensa e vital rede de laços sociais. Em sintonia com tal fato, o voto não deveria ser obrigatório. O índice de abstenção nas eleições é o primeiro e mais importante sintoma da saúde civil de uma sociedade. A consciência do valor do direito ao voto seria mais que suficiente para constranger cada cidadão a cumprir seu dever. Observando os carros nas ruas, notamos que a livre escolha pessoal faz com que quase 90% deles sejam das cores preta, prata, cinza ou branca. Se, no entanto, uma lei nos proibir de escolher outra cor, muitos protestarão. De modo similar, a obrigação de votar também gera certo desconforto. 4 – Polanyi, epistemologia e política Personal knowledge é o título de um livro (nunca traduzido para o português) com o qual Michael Polanyi contrapõe-se ao bem conhecido Conhecimento objetivo, de Karl Popper. Popper constrói uma teoria do conhecimento baseada em princípios nítidos de objetivação e explicitação. Para Polanyi, é inerente ao conhecimento uma dimensão pessoal, tácita: o que somos capazes de explicitar é apenas a ponta de um iceberg. As duas epistemologias apresentam aspectos que claramente se opõem. Para Popper, a percepção sensorial não serve para fundar qualquer conhecimento em sentido objetivo: para Polanyi, ela é a porta de entrada, o primeiro momento na construção do conhecimento confiável. É na política, no entanto, que a busca pela verdade mais distancia as duas epistemologias. Nesse terreno, a objetividade nas asserções pretendida por Popper chega a parecer ingênua: quase tudo é inefável. Aqui, em múltiplos sentidos, a razão está com Polanyi: o que se conhece é muito mais do que o que se pode falar... Nílson José Machado é professor titular da Faculdade de Educação da USP, onde também coordena dois grupos de estudo de frequência livre: os Seminários de Estudo em Epistemologia e Didática - SEED, e os Seminários de Ensino de Matemática – SEMA. É autor de diversos livros, entre eles Educação – Microensaios em mil toques (volumes I, II e lll, pela Editora Escrituras). www.nilsonjosemachado.net Direcional Educador, Setembro 13 Direcional Educador, Setembro 13 CAPA 9 Contar historias: a arte de com as palavras1 Por Fabiano Moraes esde os tempos mais longínquos o ser humano conta as suas histórias. Caçadas, conquistas, encontros, desencontros, lendas, fábulas, causos, anedotas, enfim, muita coisa vem sendo narrada a cada dia há milênios, nos mais diversos recantos da Terra, em inúmeras línguas e dialetos, por pessoas de culturas distintas, cada uma expressando uma visão de mundo própria e singular que torna a produção do texto verbalizado um evento único, original a que chamamos narração ou ato de contar histórias. Quando narra, o contador de histórias (quem narra) conta uma história (o que se narra) ao ouvinte (para quem se narra). Tendo em vista a sequência acima descrita, trato como relação narrador-história-ouvinte a interação entre o agente e o receptor no momento em que se conta uma história, acontecimento de natureza indissociável, mas que pode ser decomposto em elementos básicos e nas relações entre tais elementos com o intuito de favorecer tanto a compreensão de seu funcionamento como o desenvolvimento de técnicas que possibilitarão um melhor desempenho da arte de contar histórias. Direcional Educador, Setembro 13 Atributos do narrador 10 No que diz respeito ao narrador, o contador de histórias como agente da relação narrador-história-ouvinte detém em suas mãos diversas decisões com relação ao processo de adaptação e ao momento de contar. Tais decisões, embora ligadas diretamente às ações do narrador ante a história, sofrem a influência do ouvinte enquanto coprodutor. Este último, por sua vez, mesmo que não efetive um diálogo de fato com o narrador, interage com a história e com quem a conta por meio de seus diálogos interiores expressados por meio de emoções e de olhares. O ato de contar histórias como expressão artística é, pois, um ato de criação. Sabe-se, por exemplo, que a cada vez que narramos uma mesma história, mesmo que o texto físico tenha sido memorizado e narrado integralmente, executamos um evento único e original. Sendo assim, ao se recontar uma mesma história, ainda que o narrador e os ouvintes sejam os mesmos, as suas experiências de vida e as suas reações diante da história serão outras. Parafraseando Heráclito: não se conta uma mesma história duas vezes. Por outro lado, se todo ato de criação é exercido por um criador, no ato de contar histórias é o narrador quem molda a sua criatura, a história, exercendo o caráter de criador sobre a sua criação no momento em que prepara e conta a história. Para compreendermos esse caráter, dividiremos os elementos de decisão do narrador em três grupos a que denominaremos atributos do narrador: o tudo saber sobre a história, o tudo poder ante a história e o em todo lugar da história poder estar, equivalentes aos atributos divinos: onisciência, onipotência e onipresença. O tudo saber é atributo do narrador no sentido de que ele tudo conhece sobre a história que está sendo narrada por sabê-la do início ao fim. Conhecendo o futuro dos personagens (pelo menos até o final da história), é ele quem define por meio de sua imaginação e de sua técnica, no ato de contar, as características dos ambientes e dos personagens que expressará por meio do seu corpo, dos seus olhares e da sua voz. A arte de resumir e de enriquecer a história com detalhes, descrições e sensações vincula o atributo de tudo saber sobre a história ao atributo de tudo poder ante a história. Definimos tudo poder como os poderes de escolha que o narrador detém sobre a história. Distinguimos neste atributo, de forma resumida, a escolha da história e do modo de contá-la, bem como as adequações realizadas a partir da interação com o ouvinte e o domínio do enredo. O atributo em todo lugar da história poder estar, por sua vez, diz respeito à capacidade de o narrador poder estar ao mesmo tempo em toda e qualquer parte da história. Refere-se à possibilidade de o narrador poder ir e vir, na história, para qualquer posição, passear pelos ambientes, ver em um instante com os olhos de um personagem, em outro com a visão de narrador, ou mesmo com a dúvida do ouvinte. Qualidade: entre escutar e ignorar a crítica A qualidade e a crítica são elementos que permeiam a relação narrador-história-ouvinte, por isso, no livro Contar histórias: a arte de brincar com as palavras (Vozes), proponho uma vivência que consiste no seguin- te: cada aluno registra em um papel uma qualidade classificada frequentemente como inadequada (chamada comumente de defeito). A partir de então evitará considerar essa característica como defeito e buscará tratá-la como qualidade. Para isso, a pessoa buscará enumerar situações em que essa qualidade pode ser considerada adequada ou mesmo favorável. Nas vivências aplicadas em cursos e oficinas é comum encontrarmos coletivamente ocasiões em que certas qualidades podem ser consideradas favoráveis, como, por exemplo, a dificuldade de acordar cedo ou a impulsividade de dizer o que se pensa, que são muito convenientes e apropriadas em determinadas circunstâncias da vida. Buscando nos dicionários o verbete qualidade é possível encontrarmos, dentre outras definições da palavra, uma que aponta para esse seu aspecto subjetivo ao qual nos referimos: qualidade como atributo, talento, característica própria de um indivíduo. Por essa razão, não consideramos esse termo como algo diametralmente oposto ao que chamamos comumente de defeito. Ou seja, não concebemos qualidade como antônimo de defeito, mas sim como uma característica que pode, em determinado momento ser mais adequada e em outro ser menos adequada. Desse modo, ao recebermos uma crítica acerca de certa atitude ou qualidade, podemos optar por entender a atitude ou a qualidade, tomadas como alvo da crítica, como possivelmente adequadas a outras situações, e que dessa forma podem vir a ser substituídas por outras atitudes e qualidades em certas situações, caso queiramos e concordemos. Já no nível objetivo, é comum considerarmos o termo qualidade como correspondente a certo grau de precisão ou conformidade com determinado padrão. Neste sentido, sabendo que queremos apresentar nossas histórias a pessoas que pertencem a uma dada cultura e que possuem seus próprios critérios de avaliação da qualidade de uma história contada, é importante que estejamos atentos ao que se determina como padrão nesta arte em cada espaço em que nos propomos a contar: teatro, biblioteca, museu, auditório, escola. É por meio do conhecimento do que é considerado padrão artístico em uma cultura que podemos não apenas ser escutados pelos ouvintes pertencentes a essa cultura, mas também virmos a questionar, inovar e reinventar esse padrão. Vejamos como podemos fazer isso. Nachmanovitch (1993) nos leva a autoquestionar tanto o nosso conceito de qualidade quanto o momento em que podemos dizer que estamos preparados para contar histórias ou o momento em que a nossa história pode ser considerada pronta para ser contada. Se por um lado podemos dizer que sempre estamos prontos, pois caso busquemos aprimorar o nosso trabalho estaremos sempre além do que estávamos há tempos atrás, por outro lado nunca estamos prontos, pois estamos sempre aquém do que estaremos daqui a algum tempo caso continuemos a nos aprimorar nas técnicas e nos estudos da nossa arte. Portanto, é preciso tomar cuidado tanto com o excesso de perfeccionismo que pode gerar uma protelação sem fim (acharmos que nunca estamos prontos) como com a ausência de autocrítica que pode nos levar a produzir um trabalho sem qualidade. A complementaridade desses dois posicionamentos pode ser melhor compreendida por meio dos dois contos populares que se seguem: O cirurgião Contam que há muito tempo atrás, em um pequeno vilarejo da Hungria, Direcional Educador, Setembro 13 CAPA CAPA 11 PÁGINA DO PSICOPEDAGOGO 12 vivia um ferreiro muito conhecido não apenas pelo seu trabalho como ferreiro, mas também por realizar cirurgias nos olhos de quem sofria de catarata. Pois esse velho ferreiro era quem resolvia os casos de catarata mais complicados e até mesmo desenganados. Um dia, ele foi chamado para fazer uma cirurgia em um homem de uma aldeia distante. O caso tinha sido considerado incurável pelos médicos que o avaliaram. Mesmo assim ele partiu para a viagem quando era fim de tarde. Pegou estrada cruzando bosques em sua carroça. Chegou pela manhã ao vilarejo e logo encontrou a casa do homem que sofria da crescente cegueira provocada pela catarata. O ferreiro tinha pressa, pois deveria retornar o quanto antes à sua oficina para cumprir as tantas encomendas de ferraduras, escudos e armas tão procuradas em tempos de guerra. Enquanto as pessoas apinhavam-se naquela casa, o ferreiro tirou a bota direita e dela sacou um velho canivete, abrindo-o e o limpando-o na barra de sua calça. E então, com grande desenvoltura passou aquela lâmina em um dos olhos do homem e retirou a primeira catarata. Todos se assombraram com a cena. No segundo olho, em que o caso era mais grave, ele levou um tempo um pouco maior, mas em poucos minutos tudo já estava resolvido. O ferreiro guardou a sua ferramenta e já ia fazer suas recomendações para se despedir quando, antes de poder dizer qualquer coisa foi puxado por alguns médicos que presenciaram a cirurgia. Eles o cercaram enquanto um deles desenhava com carvão a anatomia de um globo ocular na parede, mostrando em detalhes todos os riscos que o ferreiro oferecia ao paciente. – O senhor poderia tê-lo cegado ou mesmo matado! O pobre homem, assustado e muito preocupado, arregalou os olhos e saiu às pressas e tremendo daquele lugar. E dizem que a partir daquele dia aquele ferreiro nunca mais realizou nenhuma cirurgia. A corrida das rãs Certa vez, algumas rãs resolveram apostar uma corrida um tanto incomum entre rãs: todas partiriam do solo e aquela que primeiro conseguisse chegar ao topo da torre Eiffel, subindo através de sua armação, seria a vencedora. O juiz escolhido era um corvo que considerava aquela ideia uma idiotice sem tamanho. Foi dada a largada e as rãs, desajeitadas, começaram a subir. O corvo logo se aproximou de uma delas e começou a falar baixinho ao seu ouvido: – Você pensa que vai chegar lá em cima? Você é uma rã. Não nasceu para subir em torres. E a rã logo desistiu. Para outra rã o corvo dizia: – Você vai cair, vai cair! Veja a altura em que está, e você nem tem asas para voar. Vai cair e se esborrachar. E não é que a rã caiu e se esborrachou? Vendo a cena, algumas rãs caíram de susto, outras logo desistiram. E o corvo, tomando gosto pelo que fazia, foi convencendo a todas, uma por uma, de que não conseguiriam. Mas uma delas, a única que persistia, não dava a mínima atenção às palavras do pássaro que gritava e berrava aos seus ouvidos. Mesmo assim a rãzinha conseguiu chegar ao topo e foi considerada a vencedora. Quando os bichos que assistiam à corrida procuraram saber por que aquela rã havia persistido apesar de tudo o que o corvo havia dito, descobriram: Ela era surda. Por fim, considero que o que caracteriza a crítica como potente e produtiva ou não, é algo interno e não externo a nós. Quero dizer, o que faz com que uma crítica seja destrutiva ou construtiva está muito mais em mim do que em quem profere a crítica. Cabe a mim, mais do que a qualquer outra pessoa, a possibilidade de vir a construir ou destruir minha própria arte a partir do que escuto sobre ela. Posso inclusive ignorar uma crítica caso considere conveniente. Portanto, a qualidade poderá ser buscada justamente na linha tênue entre: saber em dado momento escutar a crítica e aprimorar o trabalho artístico e saber em outro instante ignorá-la, para que desse modo não se corra o risco de por um lado produzir um trabalho sem qualidade e por outro se deixar estagnar na protelação e no adiamento do fazer artístico. A busca e a prática, desse modo, conduzirão adiante aquele que busca se aprimorar na arte de contar histórias. Referências bibliográficas MORAES, Fabiano. Contar histórias: a arte de brincar com as palavras. Petrópolis: Vozes, 2011. NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte. São Paulo: Summus, 1993. 1. Este texto reúne trechos do livro Contar histórias: a arte de brincar com as palavras, publicado por Fabiano Moraes pela Editora Vozes. Fabiano Moraes é Doutorando em Educação, Mestre em Linguística e graduado em Letras-Português pela UFES, Diretor de Comunicação do Instituto Conta Brasil, idealizador e coordenador do Portal Roda de Histórias, professor universitário, escritor e contador de histórias. É autor de Contar histórias: a arte de brincar com as palavras (Editora Vozes). E-mail: [email protected] www.fabianomoraes.com.br Brincar e socializar Por Maria Irene Maluf ma das primeiras teorias sobre o brincar infantil surgiu no século XVIII e descrevia esta atividade como o produto de uma energia excedente (Groos, 1896/1976). Até o século XX, vários estudiosos que se dedicaram à criança, como Piaget (1945/1978) e Vygotsky (1933/1989), definiram o brincar a partir da sua relação com o desenvolvimento psicológico infantil, mais amplo. Percebe-se que a compreensão e a percepção que o adulto ao longo do tempo teve sobre a atividade do brincar da criança foi guiada principalmente por seu significado cultural. A criança, por sua vez, como transcende a cultura de seus pais no processo de apreendê-la, reconstrói as experiências adquiridas no mundo em que vive, criando cenários e novas funções para vivenciar o seu faz-de-conta. Ao fazer isto, ela externaliza sua compreensão do que vê à sua volta e, ao mesmo tempo, reconstrói o significado social que apreende com a atividade (Valsiner e Winegar, 1988). Seguindo esse pensamento vemos no nosso dia a dia uma das formas mais saudáveis de brincar que aparece por volta do segundo ano de vida, quando a criança começa a imitar os gestos e posturas de seus familiares e das pessoas com quem convive. Essa imitação concreta em geral causa surpresa aos pais, por perceberem o quanto seus filhos já são capazes de observar e espelhar aquilo que os adultos fazem. A brincadeira torna-se motivo de riso e alegria: é a imitação do jeito de andar como o vovô, de colocar a mão na cintura como a titia, de coçar a orelha como o papai... Em seguida, aos três anos, a criança já passa a ser capaz de imitar situações, papéis sociais: agora ela é a “mamãe”, a “professora”, assim como pode ser o “nenê” ou “ajudante” da mãe nas ocupações domésticas, por exemplo, o que aliás gosta muito de ser por volta dos cinco anos de idade, tanto que participa ativamente de todas as tarefas domésticas com prazer. Nessa fase copiam os comportamentos das pessoas queridas, ainda sem se preocupar com o sexo da pessoa imitada. A partir dos sete ou oito anos, quando seu círculo social se amplia, a criança em geral começa a tentar reproduzir o que vê os irmãos mais velhos, ou mesmo outras crianças maiores fazerem, vestirem e dizerem. Nesse momento, a pressão social e cultural começa a se impor, estimulando, criticando e proibindo algumas dessas imitações, apoiando de sobremaneira a cópia de modelos do mesmo gênero, mesmo na atualidade. A princípio desorientadas, as crianças começam a buscar modelos culturalmente aceitos para reproduzirem e cedem às pressões do meio para se sentirem aceitas e acolhidas, integradas no seu grupo social de preferência. Surgem as piadinhas, as brincadeiras, a vergonha decorrente de usar esta ou aquela roupa criticada pelos amigos, ou pelo grupo social, por exemplo. Há diversos outros tipos de pressões sobre a criança: a propaganda, os diferentes grupos sociais que frequenta, o acesso a informações muitas vezes desencontradas, a cultura, os padrões educacionais da sua família em contraste à dos novos amigos, etc. Há ainda uma outra questão, além das brincadeiras, que é o brinquedo em si: embora hoje não cause grande surpresa ver meninos e meninas brincando juntos, boa parte dos pais ainda se sente desconfortável se o filho gosta de brincar com bonecas ou a filha com carrinhos, pois esses papéis ainda são ligados à identidade sexual. O que as famílias não percebem muitas vezes é que um mesmo brinquedo ou jogo é utilizado de maneira diferente por uma menina e por um menino: seus interesses, habilidades visoespaciais, motoras, linguísticas, expressões afetivas são diversas. O uso que fazem do mesmo brinquedo é geralmente diferente, pois ao brincarem usam de sua criatividade, imaginação, elaboram questões internas, vivenciam situações que na prática não poderiam ou não conseguiriam suportar. O brinquedo e a brincadeira cumprem assim seu papel de organizadores internos, de reconstruir o significado daquilo que a criança vê no mundo em que vive e exercer sua inteligência e criatividade sobre ele. Maria Irene Maluf é Especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. É editora da revista Psicopedagogia da ABPp, Coordenadora do Núcleo Sul/Sudeste do Curso de Especialização em Neuroaprendizagem, Transtornos do Aprender e Psicopedagogia - Instituto Saber/Núcleo de Estudos em Psicopedagogia e Neuroaprendizagem/FTP. Site: www.irenemaluf.com.br E-mail: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 Direcional Educador, Setembro 13 CAPA 13 CAPA A leitura literária e a formação do leitor Direcional Educador, Setembro 13 Por Cléo Busatto 14 unca se falou tanto em leitura e sobre o texto ficcional. Já é consenso que ler é a principal condição para fazer parte da letrada sociedade contemporânea e que a leitura promove a formação de sociedades democráticas orientadas pela pluralidade; desenvolve o potencial humano; facilita a inclusão social; assegura a liberdade e a condição de ser um cidadão. É por isto que estar no mundo e interagir com ele, exige continuidade e diversidade de leituras. Uma forma de democratizar a leitura é pensá-la como prática social, como ser o leitor de quem não lê. Essa atitude facilita a partilha de afetos, que se manifesta por meio da troca de impressões sobre o que se lê. No conto A história de dona Cotinha, Tom e o gato Joca, um menino se torna leitor de uma senhora idosa e quase cega. Já a prática cultural promovida pela leitura é uma ação que pode acontecer nos lugares mais inusitados, como pontos de ônibus. Em vários cantos do país podemos ver esta prática se desenvolvendo e, quando não ocorre só com os livros, acontece através das intervenções de artistas, que atuam na interface com outras linguagens. Que ler é condição básica para o exercício da cidadania, ninguém tem dúvida. Mas, reconhecer a importância da leitura literária; da subjetividade e da fantasia na formação do ser humano; compreender que a literatura é uma linguagem simbólica, por onde se revelam diferentes dimensões do sujeito; entender que ela expressa diferentes olhares e modos de ser e que favorece o reencantamento pela vida, ainda não é entendimento da maioria. Portanto, cabe a nós, leitores e mediadores de leitura, dimensionar e revelar os efeitos e afetos da literatura na vida das pessoas. Esta ação que se inicia na sensibilização para a escolha do livro literário, dificilmente ocorre sem o papel de um mediador, seja em casa, na escola, na biblioteca e outros espaços leitores. Promover a leitura literária é tarefa para um profissional já sensibilizado por ela. Ele é quem vai indicar caminhos e compartilhar o prazer em ler. Formar leitores não é uma tarefa fácil. Exige do sujeito-leitor um trabalho contínuo e dedicado, a fim de desvendar os meandros do texto, na busca dos significados, seja no mais simples ao mais complexo escrito ficcional. Para esta tarefa pede-se a intervenção de um sujeito-promotor-construtor-de-vivências com a literatura, capaz de colaborar para a formação de outro, o sujeito-leitor-crítico-e-atuante. Chamo este mediador de agente do reencantamento, porque, ao promover a leitura, ele compartilha o que tem de mais raro, seus sentimentos e experiência de vida. Com isto facilita ao ouvinte o acesso ao seu mundo interior. Ao ler ou contar histórias para o outro, abrimos o coração e nos tornamos cúmplices, seja daquilo que a história quer dizer, seja dos afetos provocados no ouvinte. Para ser um agente de reencantamento devemos parar o tempo marcado pelo relógio e descobrir outro tempo, o tempo de estar junto e partilhar uma história com amor. Fazer do conceito kairós, uma práxis. A literatura é como um espelho que nos mostra outra realidade, de onde podemos acessar nosso mundo interno. Isso ocorre porque ela revela a multiplicidade de olhares que o homem lança sobre o mundo. Apresenta vivências, maneiras de fazer e sentir as coisas, de onde a gente pode olhar para nossa história e decidir o que é melhor para nós. Isso acontece quando entramos em contato com as histórias que tratam daquilo que é universal e atemporal. Costumo dizer que estas são as histórias que carregam a alma mítica do mundo. A literatura nos ajuda a reconhecer as relações simbólicas estabelecidas com as pessoas e com o meio e nos ensina a habitar poeticamente o espaço. Mostra como existir de acordo com a lógica de troca simbólica, no instante da relação com o mundo e com o outro, e nos esclarece que estar no mundo implica em dar, receber e largar. É tempo de olhar para a leitura literária e reconhecer que a dimensão do sensível ativada por ela é fundamental para o ato do conhecimento. Através das histórias descobrimos que sofrimento e prazer, alegria e tristeza, não são prerrogativas de poucos, de uma época ou cultura. Esses sentimentos nos lembram de como é eterna e universal a busca pela paz e pela liberdade. Que todos nós ansiamos por uma vida de amor, confiança e coragem, livre dos conflitos e das dores. Esta sensação de pertencimento sugerida pela literatura faz toda a diferença, pois facilita a experiência com o sagrado, que se revela a partir da expansão da per- cepção, e que pode ser sentida como uma mudança no nível de consciência. É tempo de pensar as histórias como metáforas que nos mostram como viver plenamente, e o mediador de leitura, como um agente do reencantamento. Até agora falamos dos efeitos e afetos da literatura. Mas, o que é preciso reconhecer, e que estratégias usar, para se formar um leitor? Inicialmente gostar de ler e apreciar a literatura. O bom mediador estimula a visita às casas dos livros: livrarias, bibliotecas, sebos. Divulga bate-papos com autores, sugere e promove oficinas literárias, organiza encontros e mostras literárias. Compartilha suas leituras e vibra com as histórias que narra. Lê em voz alta e conta histórias. Estimula a leitura silenciosa sabedor que é no silêncio e recolhimento, que se exercitam habilidades como interiorização, disciplina e concentração. Trabalha com variedade de temas, consciente de que eles formam a consciência ética e estética do leitor. O mediador ensina a ler a literatura e percebê-la como uma modalidade de arte. Prioriza obras que sugerem o trabalho com a linguagem, pois elas facilitam compreensões e nos ajudam a entender a estrutura da língua. A linguagem tem várias tramas. Algumas mais finas, outras mais robustas. Algumas rebuscadas, outras lineares. Para exemplificar sugiro a leitura de um trecho do livro Pedro e o Cruzeiro do Sul : Minha avó é a pessoa mais divertida que eu conheço. Quando eu ainda cabia debaixo da mesa, ela brincava comigo de falar frases difíceis. Um dia, ela teve pneumonia e foi parar no hospital. Eu tive varicela e fiquei em casa parecendo um cachorro sarnento. Eu rezava para que minha avó melhorasse logo. E, pra ela não ficar triste, eu escrevia muitos bilhetes. Ela ficou boa logo e voltou pra casa. Foi aí que ela me ensinou a brincadeira de falar frases bem rápido. Lembro até hoje. Uma delas era assim: Era uma velha furunfunfelha de maracuntelha, junto com a moça furunfunfosca de maracuntosca foram na roça furunfunfoça de maracuntoça. O marido da velha furunfunfelha de maracuntelha foi à polícia furunfunfícia de maracuntícia, disse que a velha e a moça furunfunfosca de maracuntosca mataram um coelho furunfufelho de maracuntelho. Veio o soldado furunfunfado de maracuntado, prendeu a velha furunfunfelha de maracuntelha. E casou com a moça furunfunfosca de maracuntosca. O bom mediador entende que leitor é a pessoa que lê, independe do que lê. Não julga. Antes, valoriza e incentiva novas buscas. Entende que ler literatura é uma opção do sujeito; que há pessoas que preferem dançar; outras, ouvir música ou ir ao cinema; algumas preferem fazer tricô, cozinhar. E, têm as que preferem a companhia da leitura literária, e a estas ele diz, fez uma boa escolha. Cléo Busatto é uma artista da palavra. Mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora transdisciplinar formada pelo Cetrans. É autora de 21 obras, entre livros de literatura para crianças, teóricos sobre oralidade, CDs e DVDs de histórias. Suas obras fazem parte de programas de leitura e catálogos internacionais, como o Bologna Children’s Book Fair. www.cleobusatto.com.br cleobusatto.blogspot.com.br Direcional Educador, Setembro 13 CAPA 15 CAPA CAPA Autonomia no acesso à informação como incentivo à leitura Aprendizagem permanente Pergunta Resolução de problemas Autonomia Investigação/Experimentação A criação de espaços amigáveis, que acolham e valorizem a proposta de incentivar o amor à leitura por meio da implantação e cultivo do círculo virtuoso, pode ser feita a partir da adequação do espaço e mobiliário disponíveis. É óbvio que com o tempo, todos nós gostaríamos de ver esses espaços ampliados e cada vez mais convidativos, inspiradores, acolhedores, etc. Não se trata de mudar a estrutura existente e sim de iniciar as mudanças e esperar que as evidências da prática criem as demandas necessárias aos próximos passos. O que torna amigável um espaço (real Direcional Educador, Setembro 13 Direcional Educador, Setembro 13 Curiosidade intelectual dagem, gerando uma séria de perguntas: Por que será que nunca houve um estudo comparativo entre os resultados obtidos com programas de incentivo à leitura frente à evasão escolar e o analfabetismo funcional? Como os investimentos financeiros poderiam ser direcionados para aumentar a eficiência dos programas? Vale a pena investigar. De acordo com o documento “Parâmetros para o Aprendiz do Século 21”, a leitura é uma competência essencial a ser utilizada por toda a vida. Vista como uma janela para o mundo, ela é fundamental para a aprendizagem, o aprimoramento pessoal e o lazer devendo, portanto, ser valorizada. Tal convicção, compartilhada por todos, gera novas perguntas: Por que razão os intensos apelos sobre seus benefícios e prazeres vêm sendo ignorados pela maioria das crianças e jovens brasileiros? O que precisa ser feito para trazer de volta o interesse e o amor não apenas pela leitura, mas pela investigação em busca do aprofundamento de conhecimento? A resposta pode estar na leitura equivocada das necessidades do novo cliente: o nativo digital. Esse novo cliente começa a se familiarizar e divertir com as maravilhas da tecnologia, encantando-se com os ícones na tela de um tablet ou iphone a ampliar e aprofundar o repertório de conhecimentos do indivíduo e de toda a comunidade. Um lugar onde professores e alunos são pesquisadores. Pela amplitude de seu escopo a proposta acima apresentada corre o risco de ser vista com descrédito, mas quando existe muito a ser feito o melhor é não desanimar e começar pelo começo. A partir da curiosidade intelectual – naturalmente incentivada em casa, na escola e na biblioteca – é possível, por exemplo, criar um círculo virtuoso capaz de resgatar a motivação para a leitura em qualquer tipo de suporte (impresso, digital ou eletrônico). 16 bom e velho texto impresso vem sofrendo duros golpes em seus índices de audiência. O desenvolvimento tecnológico, fomentado pela curiosidade natural do homem, avança a passos largos oferecendo infindáveis oportunidades de descoberta. Um link leva a outro link, ícones cativantes e instigantes tornam a navegação decifrável e amigável, ou seja, extremamente desejável. De fato, a concorrência é desleal e o prenúncio da morte do livro vem sendo cantado pelos mais pessimistas já há algum tempo. Mas nem tudo está perdido. _não contem com o fim do livro, maravilhosa reflexão feita por dois amigos que entendem de ler e de leituras, vem em nosso socorro afirmando que, assim como a maravilhosa invenção de Gutenberg não aboliu da noite para o dia o uso dos códices, o e-book “não matará o livro” (Eco, 2010). Por outro lado, os mais otimistas, com banners em punho, fazem proliferar por todo país uma quantidade massiva de programas de incentivo à leitura. Seria interessante fazer um levantamento dos polpudos investimentos e peripécias realizadas nos últimos dez anos em nome da importância da leitura. A que conclusão se chegaria? É sabido que o índice de analfabetismo funcional (pessoas incapazes de interpretar um texto), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, manteve-se, em 2011, o mesmo levantado em 2009, quando os analfabetos funcionais representavam 20,4% da população brasileira. Os indicadores claramente sugerem a necessidade de uma nova abor- aos seis meses de idade. Aos dois anos, é capaz de acessar os joguinhos de sua preferência numa relação prá lá de amigável. Aos três – pasmem – navegando um site infantil, pode colorir partes de locomotivas no monitor, utilizando princípios básicos do Photoshop. Apesar de ser insistente e veementemente apresentado como o mais excitante e garantido caminho para novas descobertas, a leitura do texto impresso é, para o nativo digital, apenas mais um entre a vasta gama de interesses oferecidos pela tecnologia. Esta realidade sem volta precisa ser constatada com urgência para que estratégias emergenciais comecem a ser pensadas. O que é preciso mudar? Antes de mais nada, é necessário que ocorra uma mudança de paradigma quanto ao papel e serviços prestados pelas bibliotecas pública, escolar e comunitária. Em primeiro lugar, uma mudança de foco: do simples incentivo à leitura para a criação de programas de ensino-aprendizagem que facilitem a aquisição de autonomia na busca à informação, com elaboração de currículos integrados de capacitação informacional para todos os alunos do nosso sistema educacional. Depois, uma mudança de atitude: do distanciamento entre bibliotecários - que devem assumir seu papel de educadores – e professores para melhor integração e colaboração entre as áreas, desenvolvendo parcerias que venham agregar valor à educação brasileira. No novo modelo a biblioteca passa a ser um organismo vivo e atuante, um espaço facilitador da aprendizagem onde é possível buscar informações e gerar novos conhecimentos que possam, por sua vez, ser compartilhados de forma Por Rosana Formigoni Telles 17 CAPA CAPA Referências bibliográficas Direcional Educador, Setembro 13 Apropriação/Navegação do Livro 18 Antes de ser uma obra que abriga um conteúdo, o livro é um objeto que precisa ser devidamente apresentado ao público infantil. Sua utilização demanda uso de competências convencionais (se estivéssemos no Japão, por exemplo, a leitura começaria pelo lado contrário e, para exemplificar o fato, estão aí os gibis de Mangá). Existem miolo e lombada, capa e contracapa, página de rosto (carteira de identidade do livro), autor e título, ilustrador, casa publicadora, data de publicação e edição. Sumário e índice (que são mapas para navegar o livro e com os quais as pessoas normalmente se confundem), glossário e muito mais. O livro é uma importante fonte de informação impressa, também navegável. Mas aqui, a navegação precisa ser ensinada. Considerando o tipo de apelo visual ao qual o nativo digital está exposto desde a mais tenra idade, ele dificilmente dedicará seu tempo para decifrar o livro por conta própria. Então, que tal enriquecer a hora do conto com a introdução sistemática dos conceitos que compõem o universo do livro, antes de ler a história? Este pequeno ajuste na dinâmica contribuiria para a expansão do vocabulário, desenvolvimento de intimidade com o livro (que passa a ser uma entidade, um aliado), além de estabelecer os fundamentos que facilitarão o entendimento futuro de citações bibliográficas, essenciais ao processo de investigação e elaboração de trabalhos de pesquisa. Conceitos como “direitos autorais” deveriam ser evidenciados para embasar discussões e desenvolver pensamento crítico sobre a qualidade e o uso ético da informação. Afinal, observamos claramente que a análise da informação vem perdendo terreno para o “copiar e colar”. Então por que não informar, por exemplo, sobre o site Creative Commons que surgiu em função da demanda de regulamentação de autoria para trabalhos publicados eletronicamente? Apropriação/Navegação da Biblioteca As bibliotecas permanecem, de modo geral, indecifráveis para o público a que se propõe servir. Inúmeras pessoas – adolescentes ou adultos – confessam não saber se localizar ou localizar informações em uma biblioteca. Quase sem exceção, depois de percorrer toda a trajetória escolar, os alunos brasileiros chegam à universidade sem a mínima noção de como lidar com a informação ou de como navegar o espaço que a contém. Fato que gera a urgentíssima pergunta: O que precisamos fazer para trazer transparência à biblioteca, tornando-a um espaço amigável onde todos sejam capazes de satisfazer suas necessidades de informação de forma autônoma e satisfatória? Aqui, é importante levar em conta que a autonomia é fator de motivação importantíssimo, tanto para a localização da informação quanto para o incentivo à leitura. Para satisfazer uma necessidade, a informação deverá ser acessada, lida, compreendida e avaliada e, por estar vinculada a um contexto (necessidade), se apresentará repleta de significado. Dessa forma, além de motivar o usuário à leitura, alimenta o círculo virtuoso. No meu entender, uma das ações necessárias seria simplificar o número de chamada (código de localização fixado na lombada do livro para sua localização nas estantes). Utilizado em grande parte das bibliotecas, o número de chamada acaba tendo seu entendimento restrito aos profissionais que atuam na área, impedindo que o usuário comum adquira compreensão do sistema utilizado, possibilitando sua autonomia. Uma vez simplificado o número de chamada, podem ser utilizados recursos como jogos e atividades para trazer familiaridade quanto ao sistema de organização aplicado aos livros de ficção e não-ficção (factuais). É interessante notar que, no Brasil, quando se fala de incentivo à leitura, ênfase maior tem sido dada aos livros de ficção. Felizmente, há algum tempo, o mercado editorial vem se preocupando em lançar livros factuais para atender aos públicos infantil e juvenil. Considerando que, principalmente os meninos sentem-se atraídos por livros sobre tubarões, foguetes e animais selvagens, por exemplo, a ampliação no espectro da escolha pode ser outro fator de motivação. Os livros factuais recebem um tipo especial de organização que também deve ser explicitada para facilitar a navegação nessa seção específica. Uma das possíveis explicações para o fato de tanto tempo ter transcorrido sem que houvesse a preocupação de trazer transparência aos sistemas de organização utilizados nos livros e bibliotecas, pode ter sido a percepção de se tratar de algo muito complicado para tentar comunicar. A boa notícia é que não é complicado e pode ser feito. A surpresa estará em descobrir que qualquer nativo digital de três anos de idade sentirá imenso prazer ao sentir-se autônomo por entender o mecanismo de localização da história desejada em uma coletânea de contos de fadas, por meio dos ícones disponíveis no sumário. Observar a satisfação e entusiasmo de uma criança do terceiro ano do Ensino Fundamental ao localizar, sozinho, na seção de livros factuais, o livro que venha a solucionar sua curiosidade intelectual, pode ser um fator encorajador da mudança. Na Sociedade da Informação e do Conhecimento “navegar é preciso”. E a navegação tranquila, agradável e interessante, que proporciona momentos de encantamento e descoberta, deve se fazer presente tanto na Internet quanto na biblioteca e nos livros. Acredito ser chegada a hora de traçarmos o objetivo comum de trabalharmos no sentido de formar não apenas leitores, mas usuários de informação conscientes, criativos e éticos, capazes de se envolver em processo de investigação e pesquisa, preparados para atuar com sucesso em uma sociedade que valoriza a informação como matéria prima para a geração dos novos conhecimentos que fazem o mundo avançar. De acordo com Peter Senge, “quando existe um objetivo concreto e legítimo, as pessoas dão tudo de si para aprender, não por obrigação, mas por livre e espontânea vontade” (Senge, 1990. Tradução livre). AMERICAN ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANS. Parâmetros para o aprendiz do século 21. Tradução de Rosana F. Telles. São Paulo: Imprensa Oficial, 2011. ECO, Humberto; CARRIÈRE, Jean-Claude. _não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010. SENGE, Peter M. The fifth discipline: the art and practice of the learning organization. New York: Doubleday, 1990. http://creativecommons.org.br/ Acessado em 31/07/2013. http://noticias.band.uol.com.br/educacao/ noticia/?id=100000534788 Acessado em 23/07/2013. R o s a n a Formigoni Telles é bibliotecária graduada pela FESP-SP (Fundação Escola de Biblioteconomia de São Paulo), com especialização em Sistemas Automatizados de Informação pela PUCAMP (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), Master in Curriculum and Teaching, Michigan State University, e com pós-graduação em Gestão do Conhecimento pelo Senac-SP. Possui experiência de mais de 30 anos com bibliotecas escolares e híbridas. Ministra palestras e presta consultoria para a implantação de programas de letramento informacional em bibliotecas escolares e comunitárias. E-mail: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 ou virtual) que disponibiliza informações? Com certeza a segurança e o conforto de saber navegá-lo. Muito se fala em navegar a Internet e, curiosamente, pouco se fala sobre a navegação do livro ou da biblioteca. A navegação eletrônica é convidativa, deducional e instigante, além de permitir rapidez no acesso à informação. Entretanto, não se nota o mesmo tipo de apelo evidenciado nos espaços de biblioteca ou na maneira como o livro é apresentado. Ambos parecem ter-se tornado distantes, irreconhecíveis e indecifráveis. Otimista incurável que sou, afirmo que livro e biblioteca apenas sucumbirão se não forem devidamente introduzidos para que deles todos possam se apropriar. 19 CAPA Seleção de acervos para bibliotecas Direcional Educador, Setembro 13 © Can Stock Photo Inc. / eric1513 Por Ninfa Parreiras 20 m acervo de qualidade pode ser uma garantia de retornos positivos em sua biblioteca: os empréstimos constantes, as visitas de antigos e novos usuários, o movimento das atividades leitoras promovidas. Além disso, é na qualidade do que oferecemos que podemos contribuir para a formação leitora e subjetiva dos leitores. Portanto, primar por obras selecionadas, sem preocupação com a quantidade numérica, é um investimento certeiro. Quando oferecemos literatura, não limitamos nosso público, abrimos para leitores e não leitores diferentes, cada um vai encontrar algum ponto de identificação, de divergência, de convergência. A literatura não uniformiza, nem iguala as pessoas, não traz soluções rápidas para problemas. Ela problematiza as questões e dá ao leitor potência para conhecer melhor a si mesmo e aos outros. Ao selecionar o acervo a ser adquirido, devemos levar em consideração o perfil da biblioteca. Que público ela atende: crianças, jovens, adultos? Escolares, universitários, donas de casa, técnicos, profissionais? Leitores e aque- les que ainda não leem? O público busca leitura, empréstimos, pesquisas? O acervo deve procurar atender à demanda e à característica desse público. Pode também seduzir as pessoas pelas obras que oferece. De todo modo, os livros devem ser de qualidade e diversificados. Para selecionar um acervo qualificado devemos primar por obras literárias consagradas e de consulta atualizadas. Entendemos como consagradas as obras de autores referendados por diferentes fontes. Os autores clássicos, que publicaram há mais de 40 anos atrás, e continuam a ser lidos e comentados, com contribuições importantes para a humanidade, como Monteiro Lobato, Castro Alves e Machado de Assis. Também podemos entender como consagradas obras de autores contemporâneos, com prêmios e reconhecimento público (são recomendadas por programas de governo, por exemplo). Obras de consulta atualizadas são obras de caráter informativo, para atender pesquisas sobre a população, o consumo, a política, etc. Do ponto de vista da forma do livro, devemos considerar o projeto gráfico/ visual (a impressão, a diagramação, o papel, a capa, se o livro é costurado, colado ou grampeado, se é paginado, etc.); o conteúdo (o texto: de ficção, de teatro, de poesia ou de não ficção); e as ilustrações (desenhos, fotografias, colagens, etc.), se houver. No Brasil, ainda não é tradicional o uso da capa dura nos livros. Geralmente, essas edições custam mais caras aqui, são feitas em outros países e são duradouras. Porém, nem todo livro de capa dura é de qualidade. Muitas vezes, são edições feitas em países da Ásia, a baixo custo, com problemas na tradução dos textos e imagens bastante estereotipadas. Há livros que parecem uma mesa de som de boate: tantos botões, luzes, desenhos, sons e outras coisas que as crianças não terão espaço em branco para o silêncio, a pausa, imprescindíveis para a leitura. Devemos, assim, considerar o conjunto das três linguagens: o texto, as ilustrações e o projeto gráfico (a arquitetura do livro). Uma linguagem não pode trair nem se sobrepor à outra. Isso porque o texto pode ser maravilhoso, poético e a ilustração muito fraquinha: sem elementos que contribuam a mais para a leitura. E há obras que primam pela simplicidade no projeto gráfico, mas foram editadas corretamente, com costura nas folhas, papel sem transparência, boa diagramação e impressão. Como exemplo, temos as 22 obras da escritora Lygia Bojunga, com pouquíssimas ilustrações ou nenhuma, mas há cuidado no acabamento gráfico e há uma unidade que identifica toda a obra da autora: cor amarelada da capa, molduras e capitulares que acompanham os textos. Como saber se uma obra é literária? Nem todo livro publicado com histórias ou versos é literário. Temos, no mercado editorial, produções que trazem histórias, sem trabalho estético com a palavra: o não uso de figuras de linguagem, nem de metalinguagem, nem de intertextualidade, nem de polissemia (para citar algumas características da literatura). Para ser uma obra literária em prosa, a história deve capturar o leitor, ou seja, ter um uso de verossi- milhança que te leva a acreditar no que está escrito, a ponto de você não querer parar de ler e se sentir na história. Para além do aspecto verossímil, seria bom se ela tivesse também o que apontamos anteriormente: o polissêmico, o metalinguístico... As questões abordadas na história, mesmo que digam respeito a personagens de séculos atrás, podem ser também do interesse da contemporaneidade. Na literatura, o que faz uma obra ser atual não é a data que foi escrita, nem que foi publicada. É o tratamento dado aos valores universais abordados. Isso é atemporalidade. E quando algo se refere a outro país ou cultura pode ser bem identificado por nós, isso é a universalidade da obra. Se o texto for em versos, nem sempre é poesia. Não bastam as rimas e a disposição das palavras em estrofes. Para ser poesia, é necessário que o texto traga riqueza de imagens, condensação de ideias, musicalidade, uso econômico de palavras. Que seja um texto com metáforas, metonímias, onomatopeias, que tenha ritmo e melodia. Os poetas de cordel, muitas vezes, não dominam o código escrito da língua, mas sabem compor os belos versos de cor, pelo ouvido, isto é, pelo talento e habilidade com a contagem de sílabas poéticas e de versos. Como aspectos negativos, podemos evitar, nos textos e nas ilustrações, a presença de maniqueísmo, estereótipo, preconceito, lugar comum, chavão, lição de moral, didatismo, reducionismo, superficialidade, linguagem sofisticada. São equívocos que não podemos perdoar numa obra de leitura de entretenimento. Prefira textos que tragam valores universais, questões atemporais. Que cada leitor diferente, de qualquer parte do país, possa encontrar naquele livro um nicho de aconchego e uma possibilidade de identificação, de enfrentamento com o que lê. A literatura, por si só, é de qualidade. Se o texto não tem qualidade, não é literário. Há textos, como as fábulas, que trazem lições de moral, devido às ca- racterísticas que os identificam. São criações curtas, com predominância de animais como personagens e com uma moral ao final. Eram utilizadas para ensinar às pessoas. Depois, foram agregadas à história da produção literária. Exemplificamos com a produção do grego Esopo, do romano Fedro e do francês La Fontaine. Os contos de fadas do francês Charles Perrault costumam ter uma moral ao final. Isso porque ele foi professor dos filhos dos nobres na corte do Rei Luís XIV e utilizava os contos colhidos da tradição oral dos camponeses para educar os jovens. Ou seja, em ambas as situações, nas fábulas e nos contos de Perrault, a moral faz parte da história e está contextualizada pela prática de ensinamento da época por meio da literatura. Essa prática de ensinamento pela literatura não vigora nos dias atuais. Uma obra literária não deve transmitir ensinamento, nem deve, obrigatoriamente, instigar a imaginação. A priori, é uma livre criação de um artista que escreveu. A posteriori, se o leitor tirou alguma mensagem, que seja um gesto livre e espontâneo de quem lê ou leu. Por que será que Vidas secas, de Graciliano Ramos, romance escrito entre 1937 e 1938, publicado pela primeira vez em 1938, é considerado uma obra clássica e consagrada? Ela tem 75 anos, retrata a vida de sertanejos, no nordeste do Brasil e continua a nos dizer muito sobre nosso povo, sobre a vida social, familiar, subjetiva e sobre a arte de escrever: isso a torna atemporal. Podemos lê-la e fazer uma contextualização histórica e política. Porém, também podemos lê-la sem fazer nenhuma contextualização, porque é uma obra de caráter universal, ela vai mexer nas entranhas do que é humano, comum a todos nós. Por que será que A arca de Noé, conjunto de poemas de Vinicius de Moraes, de mais de três décadas atrás, faz tanto sucesso entre crianças, jovens e adultos? O poetinha e compositor dominava a técnica da poesia, criou versos cheios de melodia, de ritmos, de movi- Direcional Educador, Setembro 13 CAPA 21 22 CAPA mentos. E, ainda por cima, com muita ludicidade, com irreverência, com humor e fantasia. Você lê, canta e sente que está brincando, seja qual for a sua idade. As obras literárias, diferentes das de autoajuda e das de informação, vão além do tempo, atravessam anos, décadas, séculos. As obras de autoajuda servem a um determinado público, numa determinada época, são datadas. Como se elas tivessem uma data de vencimento. Os textos de informação, de não ficção, podem trazer informações desatualizadas. Se forem obras publicadas há décadas atrás, as informações merecem ser revistas. gião onde você mora, do seu estado e da sua cidade. Deve ter também obras de autores de todas as outras regiões brasileiras. Nem sempre conseguimos obras de autores de todos os estados, porque, muitas vezes, os autores foram morar no sudeste (em que está concentrado o maior parque gráfico do país), onde conseguem publicar seus livros e onde podem sobreviver como autores. Para a diversidade, tão necessária na sua biblioteca, sugerimos que os gêneros literários estejam contemplados: o dramático (teatro), o lírico (a poesia), o épico (feitos heroicos de um povo) e o narrativo (a prosa de ficção). - Obras de ficção: conto, crônica, novela, romance de autores nacionais ria, saúde, artes, botânica, zoologia, etc. Devem ser obras atualizadas. - Obras teóricas: ensaios, estudos acadêmicos, sobre leitura, literatura, educação, sociologia, psicologia, psicanálise, filosofia, etc. - Contos de fadas: temos, principalmente, contos de fadas de três autorias mais conhecidas entre nós: Charles Perrault, francês do século XVII; Irmãos Grimm, alemães do século XVIII; e Hans Christian Andersen, dinamarquês, do século XIX. Andersen, além de compilar histórias tradicionais da cultura popular, como os anteriores, foi criador. Considerado o pai da literatura infantil, é mais conhecido pelas histórias que inventou. Devemos ainda considerar as Câmara Cascudo (sua obra atualmente está publicada pela editora Global). - Contos clássicos: gregos, romanos, latino-americanos, anglo-saxões, russos, chineses, japoneses, etc. - Histórias em quadrinhos: com criações (por exemplo: Timtim, Asterix, Turma da Mônica) e adaptações de clássicos (por exemplo: Alice no País das Maravilhas). - Obras de autoria indígena e de autores que retratam o universo indígena: brasileiras e de outros povos latino-americanos. - Obras que retratam a África e suas variadas culturas: de autores nacionais, de autores africanos e de autores de outros continentes. car ao sol. São livros informativos para bebês, não literários. Os livros de plástico cumprem uma função lúdica na banheira, no tanque, na praia e em outros banhos. Também não são literários. Os cartonados são feitos de um papel com várias camadas, são leves, pontas arredondadas e duráveis. Geralmente, contam com oito a 24 páginas, pois o bebê não tem tanto fôlego de leitura. Há cartonados que são informativos, outros são literários. Inclua obras para crianças pequenas e maiores; para adolescentes; para jovens; para adultos. Escolha obras ilustradas, cujas imagens contribuam para o desenrolar da narrativa ou para a leitura dos poemas. A ilustração é uma Quando a obra for traduzida, prefira as traduções que foram feitas diretamente dos textos originais. Por exemplo, se são contos de fadas dos Irmãos Grimm, que eram alemães, que a tradução tenha sido feita diretamente do alemão para o português. Ao traduzir, costumamos falar que há uma traição, ou seja, é difícil encontrar soluções em outras línguas que aproximem a tradução do original. As adaptações costumam ser reduções das histórias originais. Se escolher uma adaptação, que seja feita por um profissional competente. Na verdade, os escritores costumam ser os melhores tradutores para uma obra porque sabem escrever e conhecem as literaturas. No caso da literatura infantil, temos tradutores renomados, como Ana Maria Machado, Luiz Antonio Aguiar, Marina Colasanti e Ruth Rocha. O importante é que o acervo de sua biblioteca seja variado, contemple obras regionais, de autores e editores da re- e de autores estrangeiros. Priorize os autores clássicos e os consagrados, mas tenha também autores contemporâneos. A crônica é considerada por alguns estudiosos como um relato entre a literatura e o texto jornalístico. Isso porque o cronista utiliza fatos que acontecem no cotidiano. - Obras de biografias e de autobiografias: priorize autores, artistas e cientistas conhecidos, que receberam prêmios e consagrações públicas. - Obras de poesia: poemas, quadras, cordel, parlendas, adivinhas, etc., de poetas nacionais e estrangeiros, clássicos, consagrados e também contemporâneos. - Obras de dramaturgia: escritas em forma de teatro, como as de Shakespeare, que podem ser simplesmente lidas com a pontuação e a marcação da dramaturgia. E, claro, poderão ser encenadas. - Obras não ficcional: textos de informação, sobre meio ambiente, histó- fontes dos contos de fadas, que os antecederam: Calila e Dimna, histórias de dois chacais e outros animais, escritas inicialmente em sânscrito; Panchatantra, fábulas indianas escritas em prosa e poesia, inicialmente em sânscrito e pali; e As mil e uma noites, histórias e contos populares escritos primeiramente em persa. Há, no Brasil, traduções que preservam a musicalidade dessas narrativas, que depois foram compiladas em árabe e francês. - Contos da carochinha, contos folclóricos brasileiros e de outros povos: no Brasil, nossos contos folclóricos trazem o Saci Pererê, a Mula sem Cabeça, o Curupira e outros personagens. São criações que desconhecemos o autor, mas fazem parte do nosso imaginário popular e contam com elementos que nos ajudam a entender a cultura nacional, além das propriedades fantásticas e literárias. Tivemos principalmente dois importantes folcloristas: o sergipano Silvio Romero e o potiguar Luís da - Obras de autores de língua portuguesa: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. - Livros sem texto: conhecidos como livros de imagem, para crianças, para jovens e para adultos. - Dicionários, enciclopédias, mapas, atlas, etc.: devem estar atualizados. Não se preocupe com a faixa etária dos livros. As obras literárias não perdem a validade e podem igualmente agradar aos pequenos e aos grandes. Elas não são como um medicamento que, além de prazo de validade, trazem as doses para cada idade. Construa um acervo com obras que podem ser manuseadas pelos bebês. Prefira os livros de papel, cartonados, com histórias e poemas. Os livros de pano cumprem uma função importante para o bebê utilizar no berço, no Moisés (cesto), no carrinho. Acumulam facilmente fungos e precisam ser periodicamente higienizados (lavagem com sabão neutro) e se- outra linguagem no livro, ela deve ilustrar, trazer lustre, dar uma voz a mais e não ser uma mera legenda do texto. As cores das imagens não determinam a qualidade. Muitas vezes, a ilustração foi feita em preto e branco e traz um trabalho estético qualificado. O fim da fila, de Marcelo Pimentel, feita em preto e vermelho, valoriza as culturas indígenas nacionais e os traços com poucas cores. Um livro de crianças poderá ser lido e desfrutado pelos adultos e vice versa. Não separe os livros por idade, a literatura não tem faixa etária. Um livro rico em ilustrações pode ser enganoso. A ilustração não deve exagerar nas cores nem na profusão de imagens. O fundo neutro da página, sem ilustração, deixa a leitura fluir e respirar. Uma página somente com um fundo neutro, sem imagens, pode dizer algo para o leitor costurar na leitura. Liste os autores cujas obras são imprescindíveis de ter (autores consagrados, premiados, traduzidos, clássicos). E contemple as novidades: obras de escritores que ainda não são tão famosos. Imprima a variedade na sua biblioteca e escute as preferências dos seus leitores, mas não deixe de surpreendê-los com o que não conhecem! Essas sugestões podem contribuir para que o seu acervo seja diversificado e contemple o gosto e o interesse dos leitores que entrarão na sua biblioteca. Antes de tudo, leia, comece a mergulhar no universo da literatura e troque ideias com seus pares. Em grupo, poderão discutir e montar um acervo de qualidade! Boas leituras! Ninfa Parreiras é Mestre em Literatura Comparada pela USP, autora de artigos e ensaios sobre Literatura e Psicanálise. É Membro Psicanalista da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle – SPID. Graduada em Letras e em Psicologia, pela PUC–Rio; trabalha com literatura como Especialista na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ e como professora da Estação das Letras, no Rio de Janeiro. Autora de obras para crianças: Com a maré e o sonho (Editora RHJ); A velha dos cocos (Editora Global); Um mar de gente (Editora Girafinha), Coisas que chegam, coisas que partem (Editora Cortez); Um teto de céu (Editora DCL) e Encontros d’água: sete contos d’água (Editora Scipione). E de obras para adultos: Confusão de línguas na literatura: o que o adulto escreve, a criança lê e Do ventre ao colo, do som à literatura: livros para bebês e crianças (Editora RHJ); O brinquedo na literatura infantil: uma leitura psicanalítica (Editora Biruta). E-mail: [email protected] Blog: http:/ninfaparreiras.blogspot. com Direcional Educador, Setembro 13 Direcional Educador, Setembro 13 CAPA 23 Direcional Educador, Setembro 13 Direcional Educador, Setembro 13 REINVENTANDO PAULO FREIRE 24 25 CURSO CURSO MÓDULO VIII SOBRE AVALIAR CONSIGNA: Para fecharmos nosso curso, pensamos em um processo avaliativo que, ao mesmo tempo, continue sendo um processo de aprender a ensinar. Esse processo terá dois tipos de questões: obrigatórias (questões 1 e 2) e optativas (questões 3, 4, 5 e 6). Escolha pelo menos uma delas para nos enviar. 1) Você assistiu ao documentário Criança, a Alma do Negócio? (CRIANÇA, 2010) Você já havia pensado sobre a infância da urbanidade por essa ótica? Que contribuição a Escola de Educação Infantil pode dar para que as crianças não sejam meros alvos do consumo? Além de refletir sobre essas questões, leia a poesia de Laura Monte Serrat Barbosa (a seguir) e escreva sobre o que você, em sua sala de aula, pode fazer para que nossas crianças não sejam apenas conduzidas a consumir e descartar, mecanismos incentivados pelo que Dany-Robert Dufour (2008) chamou de “divino mercado”. Onde está a infância? Será que toda a ganância a está deixando de lado? Colocamos a infância como alvo do consumo, e quem não puder consumir torna-se alvo do infortúnio. Ser criança, hoje em dia, parece não ter a ver com folia, com brincadeira e com sabor. Cadê a infância da globalização? 30 Criança de saia justa, de salto alto, pintando os lábios como uma mulher; meninos a trabalhar no asfalto: “Leva dois por um, quase não custa; leva, mesmo se não quer!” Ser criança é compromisso, é ter coisas, mas sem reboliço, é guardar tudo o que é viço, é catar coisas no lixo, é cantar em uníssono, sem pensar... Crianças na escola; depois, aula de inglês, Kumon - matemática e português, espaço para a informática, para robótica e pro xadrez. É entrar na roda viva e comprar, comprar, comprar... É entrar na roda viva e lutar, lutar, lutar... Sem espaço e tempo pra brincar! Crianças na escola; depois, na esquina, pedindo esmola, não para comprar “traquinas”, mas para alimentar a menina, irmã menor que definha. Vamos lá minha gente, vamos salvar a infância!!! Comece por você! Ricos, pobres e remediados... Jogue bola de meia, Cante, dance e espante o terno, o “taiêr” e a arrogância. faça da dança um momento, brinque de ser sereia, entre no rio e mergulhe, corra no mar e na areia, jogue bolinha de gude, dirija seus carrinhos, seja bombeiro... Apresse a ambulância, conte carneirinhos e cordeiros, distribua brigadeiros, reparta aquilo que é seu e ensine para seu filho que a infância ainda existe: se você não quiser, do metal, só o brilho; e se ele, puder, deixar de ser triste! 2) Como se chama o horário no qual as crianças ficam mais livres, em sua escola? Na escola em que trabalhamos, chamamos de Hora do Pátio, mas não importa... O que sugerimos é que você observe um momento desses, no qual as crianças estejam brincando livremente, de preferência crianças de outra turma, que não a sua, e: - faça o registro da observação; - destaque as brincadeiras que acontecem nesse momento; - aponte pontos a serem modificados (se existirem); - sugira intervenções por meio da brincadeira. 3) Junto com as crianças de sua turma, invente uma máquina que ainda não foi inventada. Um brinquedo mágico ou qual- quer outra coisa que surja de uma proposta feita em sala. Faça um relato contando todas as etapas do processo – das ideias primeiras até a confecção do produto final. Como você acredita ter contribuído para o desenvolvimento da imaginação de seus alunos? 4) Escolha um livro de história infantil e conte-a aos seus alunos. Antes, prepare-se para a contação: leia a história em casa; treine as vozes dos personagens; exercite a entonação de voz, a expressão facial e corporal; então, daí sim, conte a história aos seus alunos. Depois, com caixas de papelão e objetos de sucata, incentive a construção de um cenário relativo à história que escolheu e deixe-o disponível para que as crianças possam brincar com os elementos dessa história. Conte-nos como foi a experiência. 5) Escolha um artista local e convide-o para uma conversa com as crianças. Peça que ele leve duas ou três de suas obras para a escola. Na conversa com as crianças, que ele conte sobre o material que utiliza para produzir sua arte, como faz, satisfazendo toda a curiosidade das crianças. Depois, encontre materiais semelhantes ao que ele utiliza e provoque seus alunos para que construam as suas obras com tais materiais; as obras devem ser expostas na escola, juntamente com as do artista convidado (se ele permitir). Não esqueça de que toda exposição de Arte necessita de créditos; nesse caso, faça um texto que fale do artista e de sua obra, como também conte sobre a proposta que foi feita às crianças. Não se esqueça de dar à exposição um caráter estético. As obras de arte precisam de um cuidado especial, sejam elas feitas por um artista famoso ou por artistas crianças da Educação Infantil. Mande-nos uma foto e a impressão das crianças, de seus pais e de outros professores da escola. 6) Busque, na coleção L&PM Pocket, o Livro das Perguntas, de Pablo Neruda. Neruda faz perguntas de poeta que são muito interessantes. Escolha algumas delas, faça-as às crianças e peça que respondam desenhando, fazendo arte. Veja que ideias diferentes podem surgir. Conte-nos sobre sua experiência e ressalte os pontos que se diferenciaram das atividades que solicita de seus alunos no dia a dia. Houve diferença? Quais? Que tal criar um jogo de perguntas? Referências bibliográficas DUFOUR, D. O divino mercado: a revolução cultural liberal. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. CRIANÇA, A ALMA DO NEGÓCIO. Produção: Maria Farinha. Direção: Estela Renner. Disponível em http://www.youtube.com/watch?49UXEog2fI8 NERUDA, P. Livro das perguntas. Tradução: Olga Savary. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2008. 3 1 REINVENTANDO PAULO FREIRE Por Heloisa Monte Serrat Barbosa e Laura Monte Serrat Barbosa Prezado (a) Assinante Para ter direito ao Certificado de Participação do Curso Educar a Infância – Desafios Constantes, os assinantes devem responder ao módulo 8 - Sobre Avaliar, publicado nesta edição, e enviar suas respostas para a Revista Direcional Educador, através do e-mail faleconosco@ grupodirecional.com.br, ou para o fax (11) 5084-3807 ou ainda pelos Correios: EXCLUSIVA PUBLICAÇÕES LTDA. Rua Vergueiro, 2556 - cj. 73 - Vila Mariana São Paulo - SP CEP 04102-000 O prazo para o envio das avaliações é até 31/10/2013. 32 Por Paulo Roberto Padilha Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista enfaticamente sob o ângulo da luta política e que a compreensão científica do problema traz sua contribuição (FREIRE, 1999, pg. 9). Freire está se referindo à luta política que se fazia e ainda hoje se faz necessária, visando “à superação dos obstáculos impostos às classes populares para que leiam e escrevam”. (idem). E estes obstáculos, que antes se limitavam à alfabetização da leitura e da escrita, hoje ampliam-se para outros campos: analfabetismo cultural, analfabetismo digital, analfabetismo tecnológico e assim por diante. Nesse sentido, é inequívoca a relevância de retomarmos esta discussão em tempos de marchas e de participação social e popular em pleno século 21 (em tempos de CONAE 2014!), de protestos organizados, desorganizados, que se dizem “apolíticos” e “apartidários”, mas também de movimentos políticos, organizados, partidarizados, de marchas dos indignados do/pelo mundo Direcional Educador, Setembro 13 INFORMAÇÕES SOBRE O CERITIFICADO DO CURSO m dos livros mais lidos e reeditados de Paulo Freire, sem falar, é claro, de Pedagogia do oprimido (1987), é o intitulado A importância do ato de ler: em três artigos que se completam (FREIRE, Cortez, 1992) que, em 1999 já se encontrava em sua 37ª edição. Os artigos que compõem este livro são originários de textos escritos e apresentados por Freire em diferentes palestras em 1981 a 1982. Portanto, há mais de 30 anos. Mesmo assim, estamos falando de reflexões atualíssimas, 32 e 33 anos após as suas publicações, sobretudo, no sentido de reafirmarem a natureza política e transformadora da educação e da leitura. Em apresentação do próprio Paulo Freire, para a edição de 1999, ele escreve que 29 e dos “black bloc”1 que, ao seu modo, escrevem novas e importantes páginas na nossa história. E vejam que interessante: acabei de reler e aqui registro um outro texto de Paulo Freire, escrito “recentemente”, prefaciando a edição brasileira do livro Alunos Felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários, de Georges Snyders (SNYDERS, 2005): Direcional Educador, Setembro 13 (...) Para quem duvida que a alegria de viver está sendo intensamente assumida pela juventude hoje, que se dê conta da geração de adolescentes e jovens que, recentemente, enchendo as praças e as ruas, cantando, de cara pintada, vestidos multicolormente, inauguravam uma nova forma de fazer política. Se batiam pelo impedimento do presidente, finalmente conseguido. Não vieram às ruas sisudos, de paletó e gravata, de colarinho duro. Vieram em algazarra criadora. Vieram cantando. Vieram alegres e firmes. Falaram. Criticaram. Choraram. Exigiram vergonha (...)”. (FREIRE, janeiro de 1993. In: SNYDERS, 2005. p. 10).2 30 Refletindo sobre a importância de realizarmos diferentes leituras, visando ao nosso melhor fazer docente, sobretudo em tempos em que ainda escutamos que educadoras e educadores não se interessam por esta prática – afirmação certamente “desajustada” e descontextualizada, que não considera nem a falta de qualidade de muitas publicações hoje existentes (sobretudo no campo da autoajuda) e, muito menos, o preço exorbitante dos livros, nem mesmo os salários aviltantes que continuamos recebendo, tendo um dos menores pisos salariais do país, em comparação com outras profissões, com o mesmo nível de formação: R$ 1.567,00. Um número fácil de decorar, de entristecer e capaz de desencorajar as novas e futuras gerações a se interessarem pelo magistério. Em 2013 comemoramos 50 anos da marcante e simbólica experiência de Paulo Freire em Angicos, alfabeti- REINVENTANDO PAULO FREIRE zando 300 pessoas em 40 dias, abrindo a oportunidade de o Brasil enfrentar, desde aquela época, os já 14 milhões de brasileiras e brasileiros analfabetos, números que, hoje, pasmem, (50 anos depois!) são praticamente os mesmos – isso, sem falarmos no número do analfabetismo funcional da leitura e da escrita, muito maior que isso, e que ainda assola o nosso país. Como forma de contribuir para superar estes dados alarmantes da educação nacional é que se faz necessário a valorização da leitura em todos os seus significados e amplitudes. Registro aqui, para provocar nossa reflexão sobre o tema, três de suas variáveis: ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança. Ler é sempre um ato de conhecimento, de aprendizagem, de ensinamento, de crescimento pessoal e coletivo: a leitura nos inspira, alegra a nossa alma, resgata as nossas lembranças, provoca a nossa ira, causa-nos emoções, muda a nossa vida, acalma, aproxima-nos de outras pessoas e de outras culturas, fortalecendo-nos para a luta e para as transformações sociais que buscamos por meio da própria educação. Mas não basta apenas “ler”. Trata-se de ler, de tomar consciência da realidade lida e, com base nesse movimento, buscar transformar a realidade e a nós mesmos/as. Como permanecemos em luta política contra a injustiça, seguimos também brigando por participação popular e social (Gadotti, 2013), bem como pelo direito ao acesso à leitura e à educação como direito fundamental. E arrisco-me a dizer que na atual conjuntura nacional e internacional, quem não souber ler e interpretar o que está se passando na atualidade, como processo e resultado de lutas políticas históricas, não será capaz de pronunciar a sua palavra grávida das mudanças necessárias para uma vida mais feliz para todas as pessoas. Nesse sentido, registro e reafirmo a necessidade de lermos a vida, o mundo e a esperança, reescrevendo-os sempre. Ler a vida – trata-se de enxergar a vida que vivemos hoje, comparadas às condições que tínhamos anos atrás e de realizarmos agora os sonhos sonhados no passado, mas com coerência ética, estética, ideológica e política. E sempre praticarmos a “pedagogia da pergunta”: temos sido coerentes com os princípios e valores que defendemos outrora? Ou, ao contrário, desviamo-nos a tal ponto do nosso caminho que chegamos a negar, hoje, tudo o que defendemos ontem? Qual o sentido e o significado de estarmos hoje onde estamos? Como aproveitar as lições aprendidas no passado e como não perdermos a oportunidade de deixarmos as nossas “pegadas” na história, visando a um mundo mais justo e a uma vida mais plena e mais feliz para todas as pessoas, para todos os seres vivos e para todos os ecossistemas? Como escreveu Paulo Freire, “não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não apenas para me adaptar, mas para mudar”. (1997, pg. 85-85). Acrescente-se a isso a perspectiva da educação intertranscultural (Padilha 2007), que tem como ponto de partida as relações entre as pessoas e, destas, com todos os ecossistemas. Os conhecimentos da ciência, da arte e da política, por exemplo, compõem este cenário de aprendizagens complexas, transformadoras, com sentido e significado. Ler o mundo – Ler e enxergar o mundo é mais do que olhar para ele na sua superfície: é estarmos permanente e estrategicamente atentos e atentas ao que se passa ao nosso lado e ao que está distante de nós, em profundidade. É superar nosso eventual daltonismo em relação às pessoas com quem convivemos e em relação à realidade que nos cerca e em todos os espaços sociais nos quais vivemos ou por onde passamos. Ler o mundo enquanto processo que envolve aprendizes e ensinantes de suas histórias recíprocas, ambos, vivendo e dividindo processos criadores. Como também nos ensina Freire, “desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas ligados à experiência do educador”. (1997, pg. 29). Trata-se de aprofundar o que já sabemos, conhecer, desvelar e interpretar diferentes dimensões da realidade – social, econômica, política, ética, estética, ambiental, sexual, cultural, etc. – e também do real – significando tudo o que existe dentro e fora da mente humana, o que inclui o que é concreto, o que é abstrato, o que é simbólico, o que é mitológico – descobrindo o que não sabemos e estando sensíveis e humildes para aprender, com o outro, que nós mesmos podemos mudar o rumo da nossa história pessoal quanto mais estivermos abertos às mudanças. Vivemos no século 21, às vezes ainda impregnados de princípios e valores do século 19. Aí nos perguntamos: como podemos defender transformações se nos declaramos pessoas dialógicas e mudancistas, democráticas e sensíveis, mas se não formos capazes de mudar ou de estarmos abertos a novas concepções de vida, de educação, a novas visões de mundo e de natureza humana? Como influenciarmos mudanças se nos mantivermos nas nossas certezas, nos nossos preconceitos, na nossa pseudossabedoria e nas nossas inquestionáveis certezas? Quem já não ouviu alguém dizer “eu sou assim e não mudo”! Podemos observar: quanto mais certeza temos sobre algo, maior poderá ser o tamanho do nosso erro e, também, maior possivelmente será a nossa ignorância. Paulo Freire dizia, quando nos falava de seu pensamento complexo – sem se referir exatamente à complexidade, que não é impossível estarmos certos de alguma coisa. Impossível é estarmos absolutamente certos. (1997). Reescrever a esperança - A esperança existe mas, diante de certos contextos e desafios, temos a impressão de que, ela própria, está em nós enfraquecida. Mas com determinação e com capacidade de ler a realidade, o real e de sonhar com um mundo melhor, é que novas esperanças se inscrevem em nossas vidas e no mundo em que vivemos. Renovados em nossas esperanças, com a força dos encontros e dos projetos dialógicos, democráticos e coletivos, percebemos que, aos poucos, retomamos a força para que outras educações e outros mundos também sejam reescritos. Segundo Paulo Freire, “Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um 'não eu' se reconhece como 'si própria'. Presença que pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude”. (Freire, 1997, p. 20). Ler a vida, ler o mundo e reescrever a esperança, significa tornar estas leituras presentes em todas as fases de nossas vidas, dentro e fora da escola em que vivemos, na qual estamos e atuamos como aprendentes e ensinantes. “A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho”. (Idem, p. 88). Ler, interpretar e transformar o mundo são práticas de quem deseja construir, efetivamente, outros mundos e outras educações, possíveis, necessárias e urgentes. Com “paciência impaciente” e com “esperança sem espera”. Referências bibliográficas FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortes, 37 ed., 1999. FREIRE, Paulo. Prefácio À Edição Brasileira. In: SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2005. p. 9-10. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1997. GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular: planejamento e organização da educação nacional. São Paulo, Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2013. Cadernos de Formação v.6. PADILHA, Paulo Roberto. Educar em todos os cantos: por uma educação intertranscultural. São Paulo, Cortez, 2007; Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2012. 1. “Black Bloc foi o termo sugerido de forma confusa na imprensa nacional. Seriam jovens anarquistas anticapitalistas e antiglobalização, cujo lema passa por destruir a propriedade de grandes corporações e enfrentar a polícia. Nas capas de jornais e na boca dos âncoras televisivos, eram ‘a minoria baderneira’ em meio a ‘protestos que começaram pacíficos e ordeiros’. Uma abordagem simplista diante de um fenômeno complexo”. (reportagem da capa da Revista Carta Capital, por Piero Locatelli e Willian Vieira, intitulada “O black bloc está na rua”. Edição 7 de agosto de 2013 Ano XVIII No 760. pg. 22 a 26). 2. Vejam só.... este texto foi escrito há exatamente 30 anos e 7 meses. Alguma semelhança com os nossos dias não será pura coincidência. Infelizmente. Paulo Roberto Padilha é Pedagogo, mestre e doutor em educação pela Faculdade de Educação da USP. Diretor do Instituto Paulo Freire. Músico e bacharel em Ciências Contábeis. É autor de vários livros, entre eles Educar em todos os cantos, Educação Integral, Educação cidadã, Município que Educa, Currículo Intertranscultural, Planejamento Dialógico. E-mail: [email protected] www.paulofreire.org Direcional Educador, Setembro 13 REINVENTANDO PAULO FREIRE 31 OPINIÃO DO PEDAGOGO Direcional Educador, Setembro 13 Por Hamilton Werneck 32 uito se discute sobre o exercício do poder nesses conselhos. Não se trata de uma situação em que esteja em jogo o poder. É bom considerar que esta palavra denota uma situação característica de um tipo de “governo” não democrático. Deve-se tratar, portanto, a questão, como autoridade do professor, da escola e seus dirigentes. Não está em jogo a autoridade e, sim, o autoritarismo. Daí a importância da formação de um conselho para que o parecer seja de um colegiado daquele ano escolar e, não, um parecer monocrático, advindo somente do professor daquele aluno. Além dessa questão surge outra, não muito distante: a que trata das situações em que, a princípio, poderia parecer que um professor possa ter mais voz e vez que outros. Evidente que o professor da disciplina em que um aluno tenha ficado reprovado tem maior importância, porém, nunca uma importância absoluta. Em se tratando de professor de séries iniciais e até o quinto ano, quando um único professor leciona todas as disciplinas, este parecer é mais relevante porque ele conhece o aluno de vários ângulos. No entanto, a necessidade de um conselho existe para equilibrar a questão quando é clara a falta de sintonia entre o profes- sor em pauta e alguns alunos. Os casos mais comuns surgem quando, sendo o mesmo professor, ele projete sobre uma determinada disciplina, os valores de julgamento usados em outra. Os casos piores são configurados quando são formadas ideias “a priori” sobre um determinado aluno. É importante que sempre se considere a equipe que trabalhe junto à série, mesmo em classes iniciais. Algumas escolas têm uma equipe trabalhando na série (professor de artes, de educação física e/ou psicomotricidade, professor de ensino religioso, coordenador, orientador educacional, psicopedagogo). Exponho uma possibilidade que a maioria das escolas públicas não possui, porém, em todas elas há pelo menos um coordenador e o diretor da escola. Em regime mínimo estes últimos citados devem formar com o professor um pequeno conselho, ajustando as decisões aos pareceres e orientações legais e pedagógicas expressas no plano político-pedagógico. Não cabe aqui tratar de casos de omissão por parte dos dirigentes da escola. Isto é de início inconcebível e deixar as decisões nas mãos de uma só pessoa porque houve omissão é um erro grave que pode causar prejuízos a alguns alunos. Por isso deve haver múltiplos olhares quando está em julgamento a situação de um aluno. Primeiro vejam os elementos usados para expressar conhecimento e domínio de um conteúdo: se usam nota numérica, conceitos e pareceres. Sabemos que as notas são mais fechadas e deixam menor margem para expressar a realidade, o conceito é mais amplo e os pareceres mais abrangentes e flexíveis. Nos três casos é mais importante considerar o que existe antes na mente do educador, seja ele professor, orientador ou diretor. Há uma grande importância nisso porque os conceitos, notas e pareceres refletem, certamente, o que o educador pensa. Uma pessoa de mente aberta pode ser mais flexível e justa usando notas numéricas que uma de mente fechada usando pareceres. Em segundo lugar verifiquem os fatores relevantes em que representem destaques do aluno (olimpíadas de matemática, salão de artes, concursos literários, trabalhos espontâneos, outros saberes advindos de estudos fora da escola, aspectos intrapessoais e interpessoais). Podem considerar as disciplinas em que o aluno em questão é destaque. Podem considerar avaliações externas como a prova Brasil e o IDEB. Em terceiro lugar observem se a disciplina em que houve reprovação oferecerá oportunidade de revisão desses mesmos assuntos e se eles são ou não e em que medida, conhecimentos necessários para a assimilação de outros conteúdos futuros. Em quarto lugar, observando-se o potencial global do aluno, definam se ele tem ou não possibilidades de superar as deficiências atuais na série seguinte. Em quinto considerem que o ensino de nove anos já permite em sua estrutura recuperar alunos ao longo do período. Se as avaliações não devem estar desvinculadas do planejamento e do próprio ensino, elas necessitam ser consideradas quando do conselho de classe. Analisem se as avaliações se ajustavam ao desenvolvimento psicológico da criança, se nas disciplinas com conteúdos que permitem muita memorização as provas eram calcadas apenas nesse aspecto (educação tipicamente bancária). Observem o afastamento ou a aproximação dos resultados em relação às médias propostas pelo regimento escolar. Observem se o aluno em questão está fora do padrão da turma, ou seja: os alunos têm desempenho muito elevado e ele está muito aquém do grupo de desempenho médio naquela série. Este desempenho médio pode ser muito acima da média esperada. Vale dizer: um aluno com resultados mais fracos num contexto de avaliações difíceis apresenta um perfil; um aluno com resultados fracos num contexto de avaliações fáceis apresenta outro perfil. Ou seja, a mesma nota ou conceito, dentro de um contexto pode refletir uma situação diferente. Um bom conselho ao escrever seus pareceres deve considerar os fatores relevantes no entorno das questões psicológicas e sociais. É importante que se considere a situação etária do aluno ao repetir a série. É importante verificar as perdas sociais que se refletirão, num próximo ano, em caso de repetência. Finalizem analisando se haverá vantagem para a vida de uma pessoa perder suas referências sociais e que garantam mais equilíbrio psicológico, sobretudo numa sociedade onde a família está desestruturada, o tempo presencial dos pais com os filhos é muito menor que em outras décadas e as crianças se sentem, hoje, menos amparadas que em outras épocas. O que deve, ainda, nortear um bom parecer é a possibilidade de recuperação. A análise dessas possibilidades enquanto segue o ano posterior à série que o aluno acabou de cursar deve levar em conta as recuperações que a escola oferece e as condições de acompanhamento que a família poderá prover. Há famílias tão presentes à escola que conseguem saber das deficiências e tomam providências. Há casos de total desleixo e aqueles mais complexos onde há a ausência de tutores. Às vezes somente a escola pode recuperar alguma coisa, por isso digo, em algumas palestras afirmo, que somos “professores de órfãos de pais vivos”. No entanto há crianças cujos pais são presentes e têm condições de acompanhamento pessoal do aluno. Isso não é “proteção” e, sim, realidade. Precisamos ter em mente que não devemos promover concursos ou situações que atrapalhem, pelo contrário, quanto mais facilitarmos o progresso dos alunos, melhor. Temos ainda de ter cuidado com certos mitos: “vou te reprovar para o teu bem”; reprovação não é bem para quem quer que seja, recuperação, sim! E, em suma, a principal preocupação da escola é lutar por todos os meios para que o aluno aprenda. Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. É autor de, entre outros livros, Ensinamos demais, aprendemos de menos e Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo (ambos pela Editora Vozes). www.hamiltonwerneck.com.br Direcional Educador, Setembro 13 OPINIÃO DO PEDAGOGO 33 EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA REFLETINDO SOBRE O VIVIDO: A TRAJETÓRIA DO INSTITUTO APRENDER A SER E A CONSTRUÇÃO DE TRILHAS PARA A FORMAÇÃO PERMANENTE DO EDUCADOR DA INFÂNCIA Por Emilia Cipriano e Claudio Castro Sanches A beleza é a única coisa preciosa na vida. É difícil encontrá-la , mas quem consegue descobre tudo. Charles Chaplin omemoramos quando participamos, vencemos, conquistamos, temos um ideal e amigos com quem compartilhar as belezas da vida. Este ano celebramos 10 anos em defesa da infância e gostaríamos de partilhar este momento com todos os que acreditam e lutam pelos direitos das crianças. Érico Veríssimo dizia: “Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está passando inutilmente”. Assim nos sentimos neste momento em que, com muita felicidade, temos a certeza de que construímos este sonho com muitos parceiros que possuem o mesmo ideal. Nesse espaço de tempo, tivemos ao nosso lado preciosos educadores, amigos, idealistas com motivação e dedicação, construindo caminhos para uma educação que respeita o direito da criança de viver plenamente a infância. Desde o início desenhamos uma ação pautada nas seguintes dimensões: política, ética e estética, envolvendo educadores de diferentes contextos públicos e privados, unidos pelo princípio do espaço da infância como construção social, olhando a criança no presente, com a concepção de ser, estar, perceber e transformar o mundo. No espaço de tempo de 2002 a 2013, refletimos e discutimos sobre a Educação da Infância com pesquisadores, gestores educacionais, educadores, sociedade civil, sempre nos colocando em sintonia com as necessidades e desafios apontados pelo cenário político e sócio cultural, buscando diferentes olhares para a reflexão dos educadores articulados com a sua formação, na perspectiva de contribuir com o cotidiano da escola da infância. A caminhada sempre teve o objetivo de tecer uma teia de sentidos que, em uma ação de desconstruir as concepções arcaicas, pudesse construir uma escola fundamentada nas novas descobertas das ciências, desvelando o significado do paradigma do aprender na infância. Um caminho em que há espaço para os sonhos e para a construção de um projeto político pedagógico, em que as linguagens são articuladas com o contexto e situadas nas reais necessidades do desenvolvimento pleno da criança. Direcional Educador, Setembro 13 “O essencial é saber ver, mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida), exige um estado profundo, uma aprendizagem que possibilite desaprender”. (Fernando Pessoa). 34 Revisitando a memória do Instituto Aprender a Ser, nós nos reencontramos com o primeiro momento em que organizamos um encontro com o Professor Celso Antunes; presentes estavam os municípios e as instituições particulares com os quais o Instituto desenvolvia grupos de formação continuada. Na decorrência do projeto organizamos para os parceiros de grupos de formação uma Roda de Conversa com o Professor Miguel Arroyo. Esses momentos marcaram o início de uma caminhada que culminou com a instalação do I Seminário em 2004, até chegarmos ao presente: X Seminário – 27 a 29 de setembro de 2013: Temática “Educador – criança – conhecimento: protagonistas da Educação da Infância em construções compartilhadas”. Realizamos nesses anos uma cultura do encontro, com a certeza de que o diálogo construtivo nos une para assumirmos a nossa grande responsabilidade social de contribuir com a construção da felicidade para as crianças com as quais temos o privilégio de conviver e ser. Quem caminha para a realização ganha experiência, esperança e vida que só pode ser compreendida quando olhamos para trás e revivida sempre olhando de maneira firme e consistente para o que ainda está por vir. Ao olhar para trás, revisitamos os nove encontros, nos quais muitos de vocês estiveram presentes, alguns em todos, outros em parte deles: I. Seminário - 2004 - Temática “Olhares, Linguagens e Significados” desvelou o que está por trás das ações junto à criança, da mídia, a especificidade do fazer educador da infância. II. Seminário - 2005 - Temática “Articulação da Educação Infantil e Séries Iniciais” denunciamos a distância entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental e anunciamos a necessidade de construir um diálogo fecundo entre os segmentos tendo sempre como foco a criança. III. Seminário - 2006 - Temática “Ensino Fundamental de 9 Anos: aspectos legais e perspectivas pedagógicas” A implantação do Ensino de Nove Anos representou um momento de um profundo debate, pautado em questionamentos acerca da construção de novos pensares entre os aspectos da legislação e as concepções e práticas pedagógicas para a infância. IV. Seminário - 2007 - Temática “A Proposta Pedagógica para a Educação da Infância: que educação queremos” A provocação desse encontro contemplava a importância das dimensões do lúdico, do movimento, da estética, do desenvolvimento infantil para a construção de uma proposta pedagógica comprometida com a criança como um ser que integra aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos, linguísticos e sociais. V. Seminário - 2008 - Temática “As múltiplas Linguagens na Educação da Infância” O desafio desse momento foi de os educadores se colocarem como parceiros da criança na arte de interagir com o mundo, criando espaço para a voz e a vez da criança, possibilitando condições para a manifestação de seus pensamentos, crenças e leitura da realidade, para que ela pudesse se desenvolver como um ser construtor de cultura e identidade. VI. Seminário - 2009 - Temática “Qualidade na Educação da Infância: entrelaçando olhares, escutas e diálogos” Tendo como referência as Diretrizes Nacionais de Educação Infantil discutimos o significado da qualidade na Educação da Infância, sua especificidade e a importância de construir indicadores de qualidade, considerando as crianças como protagonistas, valorizando suas vozes e seus olhares. VII. Seminário - 2010 - Temática “Educar em Tempos de Infância: pensar, planejar e concretizar o sonho” O principio norteador da proposta foi o respeito ao desenvolvimento próprio da criança e de suas competências simbólicas, afetivas, sociais, culturais e, essencialmente, humanas. VIII. Seminário - 2011 - Temática “A Escola que Aprende com a Criança” Compartilhamos nesse encontro os saberes e sabores das crianças, construindo novos conhecimentos para que pudessem contribuir com o planejamento de nossas ações, o desencadear de diálogos e desenvolvimento de um fazer prazeroso na condição de concretizar com excelência o ensinar e o aprender. IX. Seminário - 2012 - Temática “O direito de Ser Criança em Tempo de Mudanças” Refletimos sobre o direito de a criança ter um lugar próprio no espaço da Educação Infantil com afeto e as competências dos educadores que respeitam os estudos da psicologia do desenvolvimento, da sociologia, da neurociências, da semiótica e os tempos de aprendizagem , além de os saberes a serem construídos referentes à infância. X – Seminário - 2013 – Temática “Educador – criança – conhecimento: protagonistas da Educação da Infância em construções compartilhadas”. A provocação desse encontro é realizar um movimento tríade: educador - criança – conhecimento; pensando em um protagonismo compartilhado, no exercício de pensar, criar, planejar e aprender do ponto de vista do educador e da criança. As trilhas que construímos neste caminho representam uma parte da história de muitos educadores que lutam efetiva e afetivamente pelos direitos da infância, enfrentando desafios e se posicionando pela vez e pela voz das crianças brasileiras. Neste momento convidamos vocês, educadores e educadoras da infância, sempre presentes nas reflexões desta coluna para, juntos, comemorarmos os 10 anos do Instituto Aprender a Ser, refletindo sobre a beleza e a preciosidade da vida de um educador da infância e o seu eterno compromisso ético com os pequenos aprendizes. Reafirmamos o que diz Ruth Rocha: Embora eu não seja rei, decreto, neste país, que toda, toda criança tem direito a ser feliz! Venham refletir conosco sobre o Educador, a Criança e o Conhecimento, nos dias 27, 28 e 29 de setembro de 2013. Emilia Cipriano é Doutora em Educação, Mestre em Psicologia da Educação e Pesquisadora da Infância. Claudio Castro Sanches é Mestre em Educação, Especialista em Gestão Educacional e Pesquisador da Infância. www.aprenderaser.com.br Direcional Educador, Setembro 13 EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA 35 PROJETO PROJETO Por Christiane Mendonça Marchetti Direcional Educador, Setembro 13 INTRODUÇÃO lém da importância do brincar, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) salientam a necessidade de a escola proporcionar uma educação que vá além dos tradicionais conteúdos de cada uma das disciplinas, destacando-se a formação ética dos alunos. Neste sentido, o recreio apresenta um amplo campo de oportunidades para o desenvolvimento de valores morais. Cagigal (1981), desde a penúltima década do século XX, aponta a existência de uma crise de valores em nossa sociedade. Não se trata somente de um tipo de valor, mas de uma espécie de desencanto geral do homem contemporâneo com respeito às questões "em que crer", "o que esperar" e" quando ter otimismo". Há uma deserção dos valores morais. "Mas o homem, se não quer deixar de ser homem, deve alimentar valores, recuperar os perdidos ou avigorar outros novos" (p. 136). "Precisamos compreender que uma pausa é necessária para as crianças", disse Barros. "Nossos cérebros são capazes de se concentrar e de prestar atenção por períodos de 45 a 60 minutos, e esse tempo é ainda mais curto no caso de crianças. Para que elas sejam capazes de adquirir todas as capacitações acadêmicas que desejamos que aprendam, é preciso que tenham uma pausa que lhes permita liberar a energia e exercitar seu lado social". Por recreação entendemos "o momento, ou a circunstância que o indivíduo escolhe espontânea e deliberadamente, através do qual ele satisfaz (sacia) seus anseios voltados ao seu lazer" (Cavallari; Zacarias, 1994) 36 JUSTIFICATIVA Este projeto surgiu da necessidade de envolver os alunos do Ensino Fundamental dos anos iniciais (1º ao 5º anos) da Escola Municipal Cônego Vitor, em Três Pontas (MG), em atividades lúdicas, durante o recreio, para desenvolver neles a socialização, o respeito, a solidariedade e o bem estar. Neste sentido, a escola iniciou um trabalho, mobilizando alunos, professores, pais e funcionários, proporcionando através de atividades dirigidas e recreativas momentos prazerosos às crianças. O recreio é o momento de um índice de muitas agressões sofridas, muitos alunos já sofreram algum tipo de agressão, sendo a verbal a mais frequente. Reforçando esta afirmação, Cislaghi e Carlos Neto (2002) também destacam que 70 a 80% dos comportamentos agressivos da escola ocorrem no recreio e que a modificação nas condições de supervisão e organização dos recreios escolares pode contribuir significativamente como forma de intervenção na redução destes índices. DESENVOLVIMENTO: O recreio escolar ou intervalo das aulas é um momento presente na vida de todo estudante. Acompanha-o da Educação Infantil à pós-graduação. Sem buscar a delimitação de termos, mas entendendo como fundamental à sua compreensão a análise etimológica da palavra "recreio", percebe-se que a sua raiz nos leva ao termo recreação: "Período para se recrear, como, especialmente, nas escolas, o intervalo entre as aulas" (Ferreira, 1999, p. 1721). 1º PASSO: • Reunião com todos os envolvidos (alunos, professores, especialistas de educação, direção, representantes de pais e funcionários) para apresentar o Projeto RecreiAÇÃO. 2º PASSO • Escolher representantes de cada turma de alunos do 1º ao 5º ano, representantes de funcionários e as Supervisoras Pedagógicas, para organização e desenvolvimento das atividades do recreio, distribuindo tarefas para cada representante e confeccionando crachás de identificação de cada membro. 3º PASSO • Realizar com os alunos, junto aos professores, uma lista de jogos e brincadeiras de suas preferências para que as atividades possam estar de acordo com seus gostos. 4º PASSO • Fazer um concurso de desenhos para escolha da logomarca do Projeto RecreiAÇÃO. E expor todos os desenhos selecionados pelos alunos, professores e equipe pedagógica. 5º PASSO • Premiar os alunos vencedores da logomarca escolhida. negativos da ação, com intenção sempre de reformular o projeto, para promover aos alunos atividades lúdicas, que possam proporcionar momentos prazerosos no recreio escolar. Portanto, o projeto RecreiAção será desenvolvido e mantido no âmbito escolar com frequentes adaptações visando o bem estar dos alunos. Referências bibliográficas 6º PASSO • Confeccionar um cartaz com o nome dos professores de cada turma, com as datas de mês, registrando com estrelinhas a sala que se comportou bem no recreio e cumpriu com as regras combinadas anteriormente. 7º PASSO • Premiar a sala de aula durante o mês que apresentou atitudes de respeito, solidariedade, amizade e cuidados com o ambiente, verificando o cartaz das estrelinhas. O prêmio foi sugerido pelos alunos, dentre eles os mais votados foram passeios, materiais escolares e lanches especiais. 8º PASSO • Reunião com os representantes para demonstrar e refletir sobre os pontos observados durante o recreio e reformular as estratégias caso necessite de adaptações. CONCLUSÃO: O Projeto será revisto sempre e a equipe de apoio deverá criar novas estratégias caso necessite. Os representantes de cada segmento se reunirão para analisar todos os pontos positivos e os Alves, Rubem, Por uma educação romântica: Campinas, SP: Papirus. 2003. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais e ética. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, MEC/SEF, 1997. v. 8. CAGIGAL, J.M. Deporte, pedagogia y humanismo. Madrid: Ramos Artes Gráficas. 1966. Deporte, Pulso de Nuestro Tiempo. Madri: Artes Gráficas Lillo. 1972. CAVALLARI, R. C.; ZACARIAS, V. Trabalhando com recreação. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1994. CISLAGHI, K. M. F. ; NETO, C. A. F. O recreio escolar e as expectativas das crianças. Sprint – Body Science, jul./ago. 2002. FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro:Nova Fronteira. 1999. http://www.mundojovem.com.br/projetos-pedagogicos/recreiorientado-a-paz-comeca-na-escola. Acesso em: 03/03/2013 http://cantinhodaleitura2009.blogspot.com. br/2009/07/atividades-ludicas-para-o-recreio. html.Acesso em: 03/03/2013. http://noticias.terra.com.br/educacao/ interna/0,,OI3497800-EI8266,00-Recreio+escola r+melhora+comportamento+das+criancas.html. Acesso em: 03/03/2013. http://www.univates.br/files/files/univates/ editora/livros/recreio-escolar.pdf Acesso em: 07/03/2013 Christiane Mendonça Marchetti é Técnica Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, responsável pelo Ensino Fundamental, atualmente Coordenadora do Polo de Apoio Presencial de Três Pontas (MG) dos Institutos de Educação Ciência e Tecnologia Campus de Juiz de Fora e Muzambinho. E-mail: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 OBJETIVOS: • Mobilizar toda comunidade escolar revendo e analisando o momento do recreio; • Proporcionar atividades lúdicas aos alunos durante o recreio; • Realizar atividades dirigidas e recreativas que possam trazer momentos prazerosos aos alunos; • Desenvolver atitudes de respeito, solidariedade e a socialização entre os alunos. 37 COMO SE PODE MAXIMIZAR AS OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM DOS ALUNOS 11 Direcional Educador, Setembro 13 Por Heloísa Lück 38 prender é um dos comportamentos mais naturais do ser humano. O bebê aprende até mesmo no útero de suas mães, conforme estudos têm demonstrado, e continua aprendendo ao longo da vida, a partir de suas vivências e observações. É a partir da aprendizagem que o ser humano se realiza como tal e vai ampliando sua visão de mundo e de si mesmo no mundo, vai adquirindo e desenvolvendo novas competências e se tornando um ser humano mais pleno. A aprendizagem se constitui, portanto, em condição fundamental da natureza e vida humana que vai se tornando cada vez mais complexa, à medida que se desenvolve e que vai ampliando seus horizontes e sendo exposto a experiências sociais mais complexas. Com a evolução da vida e das condições de vida do ser humano, e dado o gradual aumento e complexificação do conhecimento humano, as aprendizagens necessárias para o enfrentamento dos desafios na sociedade tecnológica e urbanizada vão se tornando cada vez mais amplas e aprofundadas, de tal modo que não se pode esperar que aconteça apenas espontaneamente, por condicionamentos, pela experiência e observações diretas ou até mesmo por condições elementares nos bancos escolares. Não bastam conhecimentos fragmentados, dissociados do seu contexto. São necessários conhecimentos associados uns aos outros, e à realidade, reconstruídos participativamente mediante a aplicação de processos mentais na resolução de problemas. Aprender, numa sociedade dinâmica em que o conhecimento oferece possibilidades múltiplas ao ser humano, por cobrir todas as áreas do empreendimento e manifestação humana, se constitui em condição que lhe traz um conjunto de contribuições, como por exemplo: i) permite ao aprendiz não apenas realizar-se cognitivamente, como também afe- tivamente, pela aprendizagem sobre suas emoções e comportamentos; ii) realizar-se socialmente, pela aprendizagem sobre comunicação e relacionamento interpessoal; iii) realizar-se biologicamente, pela aprendizagem sobre condições importantes para a manutenção da saúde e integridade física; iv) realizar-se espiritualmente, pela aprendizagem sobre literatura, artes e religião; v) facilita-lhe realizar-se economicamente, pela aprendizagem sobre atividades produtivas nas mais diversas áreas do empreendimento humano. Enfim, a aprendizagem é a base de todas as realizações humanas e seu desenvolvimento. Aprender é uma condição fundamental da realização humana e as escolas são instituídas e organizadas para orientar as crianças, jovens e adultos nessa realização, com caráter humano e social. Promover aprendizagens significativas, à altura das necessidades de desenvolvimento do ser humano na sociedade de seu tempo, GESTÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA e com condições de superar os seus desafios, este é o papel da escola realizado através de seus professores e gestores. Remete, portanto, a uma condição maior do que a transmissão de conhecimentos comprovados em testes objetivos. Consiste em promover o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes no sentido de que os alunos sejam capazes de um conjunto de competências, dentre as quais se destacam: • Ler, manipular e interpretar informações criticamente; • Ser capaz de raciocínio rápido e bem informado; • Analisar a realidade com base em informações interpretadas criticamente; • Tomar decisões oportunamente e objetivamente, com base em informações adequadas; • Assumir responsabilidades de natureza pessoal e social, com espírito de cidadania; • Atuar de forma empreendedora, proativa e ética; • Trabalhar cooperativamente, em equipe; • Relacionar-se positivamente com os outros; • Dominar conhecimentos técnicos para enfrentar desafios; • Fazer bom uso dos bens culturais e tecnológicos apresentados pela sociedade; • Atuar de forma autônoma, responsável e autoconfiante; • Mobilizar diversos recursos cognitivos e energia emocional para enfrentar desafios e situações-problema; • Resolver problemas com iniciativa e criatividade; • Enfrentar desafios com perspectiva de aprendizagem, empreendedorismo e visão de futuro; • Participar conscientemente das decisões que afetam a sociedade como um todo. Portanto, ler, escrever, falar, ouvir, interpretar, calcular consis- tem em competências básicas para instrumentalizar as competências anteriormente apresentadas, com as quais as pessoas enfrentam os desafios de vida em seu dia-a-dia, posicionando-se de forma proativa diante das situações vivenciadas. Portanto, na aprendizagem da linguagem, dos conhecimentos matemáticos, históricos, geográficos e científicos que a escola promove, o que se deve ter em mente é a finalidade desses estudos e aprendizagens correspondentes, que são a formação da pessoa e sua compreensão sobre os desafios, oportunidades, tensões e contradições do mundo em que vive. Essa orientação demanda do professor uma abordagem interativa de promoção da aprendizagem, pela qual se coloca em contínuo processo de relacionamento interpessoal e comunicação com os alunos, mobilizando sua atenção e envolvendo-os em atividades dinâmicas de aplicação de processos mentais e energia, voltados para a resolução de problemas. Para tanto, alguns cuidados são necessários por parte do professor, para constituir salas de aula efetivas em que os alunos se sintam bem, valorizados como pessoas, acolhidos, e se envolvam em processo de aprendizagem que, de fato, seja interessante e estimulante. Para a orientação desse processo, a seguir são apresentados oito dos muitos cuidados essenciais a serem promovidos pelo professor. 1. Criar ambiente de aprendizagem em que os alunos se sintam à vontade para ensaiar desempenhos e respostas, sem medo de cometer erros Uma das grandes limitações docentes é a orientação pelo princípio do certo e do errado, isto é, pelo princípio da certeza. Segundo esta orientação, o aluno deixa de ensaiar respostas e comportamentos, pois se errar, irá ser recriminado, perder pontos ou se sentir menor diante da turma. Dessa forma, deixa de aprender a resolver problemas que, muitas vezes, demanda uma condição de ensaio e erro ou de respostas aproximadas. Para que o ambiente de sala de aula seja orientado para aprendizagens significativas e transformadoras, é necessário que se adote o princípio da descoberta, pelo qual os alunos são estimulados a buscar respostas, as quais são analisadas e acolhidas de modo a se compreender o seu sentido e a que outras situações se aplicariam, caso não sejam consideradas como adequadas à questão em foco. Dessa forma, os alunos são orientados a resolver problemas, a compreender a relação entre diferentes situações e condições, a analisar criticamente os dados trabalhados, a relacionar-se positivamente com seus colegas, e a manter a sua autoestima intacta e, sobretudo, a reconhecer os desafios da resolução de problemas e do papel do esforço no seu alcance. 2. Demonstrar, a partir do próprio desempenho, a orientação da aprendizagem como um processo contínuo O professor ensina mais pelo que faz do que pelo que diz e afirma. Em vista disso, cabe-lhe apresentar, pelo próprio desempenho o modelo de atuação segundo o princípio da descoberta, que está associado à curiosidade e à aprendizagem contínua. Em vista disso, em vez de organizar suas aulas a partir de respostas a perguntas que não foram feitas, cabe ao professor adotar uma atitude de questionamento e problematização, pelos quais propõe perguntas problematizadoras que estimulam os alunos a pensar e a construir alternativas de respostas. Mediante essa orientação, o professor aceita desempenhos dos alunos como circunstâncias de aprendizagem e os acolhe, em vez de reprimi-los, solicitando aos alunos a analisar o seu significado e consequências, demonstrando a eles, dessa forma, desempenhos de resolução de Direcional Educador, Setembro 13 GESTÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA 39 GESTÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA 40 problemas e aprendizagem. 3. Envolver todos os alunos nas atividades de aprendizagem, de forma interativa O professor observa a todos os alunos na sala de aula, mantendo contato com o seu olhar, não apenas para indicar o seu interesse por eles pessoalmente, mas também, de modo a perceber o nível de sua participação e envolvimento nas atividades em curso. Sabe-se que os alunos não mantêm sua atenção o tempo todo e na medida em que o professor não observa os desvios e procura contornar as situações que os promove, vai perdendo a atenção dos alunos nessa condição, gradualmente, até o ponto em que estes perdem o interesse por aprender e até mesmo se sentem “perdidos” na sequenciação das aprendizagens, em vista do que, inadequadamente o professor passa a rotulá-los como alunos fracos, displicentes ou indisciplinados (Glasser, 1981 e 1997). Quando os alunos sentem que o professor os valoriza, se interessa por eles, mantendo com eles contato contínuo, tendem a manter atenção nas aulas, a gostar delas e a envolver-se ativamente nos processos de aprendizagem. 4. Atuar com entusiasmo, dedicação e espírito proativo Na medida em que o professor demonstra que gosta do que faz, sente-se bem interagindo positivamente com os alunos, e acolhe os problemas e dificuldades que acontecem, como circunstâncias naturais, promove condições de grande potencial proativo e estimulante. Essa atitude, além de favorecer a criação de ambiente propício para a participação e envolvimento dos alunos, oferece modelo de desempenho a ser seguido na resolução de problemas. A lógica proativa, por sua vez, diz respeito a uma visão sobre o significado dos “problemas” segundo a qual eles são encarados como desafios a serem superados, e até mesmo como circunstâncias de aprendizagem, e não como empecilhos a ela. Também se refere à atitude de assumir responsabilidades, em vez de transferi-las. Em vista disso, em vez de se considerar as dificuldades de aprendizagem como circunstâncias de sua própria situação, procura ver no processo de aprendizagem promovido, circunstâncias em que as limitações possam ser superadas. 5. Equilibrar e variar as atividades de aprendizagem Pesquisas sobre a capacidade de atenção das pessoas demonstram que é necessário promover a variação de estímulos, a fim de que os alunos possam manter-se interessados e envolvidos, sobretudo em processo de aprendizagem. Durante a realização de aulas expositivas em que o professor se concentra no conteúdo, é muito fácil que os alunos dispersem sua atenção e passem a se dedicar a atividades alternativas, que são caracterizadas pelo professor como indisciplina, ou a devaneios, que são caracterizados como displicência. Ao se defrontar com essas situações, o bom professor, em vez de rotular os alunos, presta atenção ao seu próprio desempenho e à organização de sua aula, avaliando a sua influência sobre o desempenho dos alunos que, em grande parte, é resultante das estimulações imediatas. A adoção de metodologias alternadas, como a aula expositivo-dialogada, as atividades em grupos e as atividades individuais para resolver problemas, apresentados de forma a instigar a curiosidade e a aplicação de processos mentais constituem-se em condições necessárias para a boa organização do processo de aprendizagem dos alunos. As possibilidades de variação são múltiplas e podem ser introduzidas na aula de modo natural, como a apresentação de perguntas problematizadoras a serem resolvidas individualmente, em duplas, em pequenos grupos, ou no grande grupo; o registro por escrito de soluções alternativas a problemas, antes de serem apresentados para a turma toda; a representação gráfica de ideias; a dramatização de problemas. Enfim as possibilidades são múltiplas para variar a estimulação da aprendizagem, além da apresentação de recursos de apoio. 6. Maximizar as oportunidades de aprendizagem socializadas Dois pressupostos são importantes a serem considerados aqui pelo professor: i) o ser humano é um ser social e se desenvolve plenamente em interação com os seus semelhantes; e ii) as atividades sociais ajudam a potencializar a formação de atitudes sociais e desempenhos interativos. Vale dizer que as turmas de alunos não são condição para educação massificada, e sim circunstância para se promover a interação dos alunos com seus colegas, para que aprendam uns com os outros. A escola é uma instituição que tem o papel de promover a socialização dos alunos, isto é, o desenvolvimento de competências sociais de tão vital importância para a qualidade de vida, como a comunicação e interação pessoal efetivas, a capacidade de resolver problemas em equipe, dentre outros aspectos. Além do que, é estimulante a troca de energia entre pessoas, o que pode servir como elemento estimulador do processo de aprendizagem. 7. Tornar as aulas experiências vivas e dinâmicas Aulas empacotadas, formatadas de tal modo que os alunos tenham que se ajustar a elas, constituem-se experiências desestimulantes. Os alunos necessitam perceber e sentir que são o centro das experiências de aprendizagem e que a sua participação é importante. Em vista disso, a preparação de boas aulas é orientada por um conjunto de questões problematizadoras e situações a serem analisadas pelos alunos, pelas quais eles são estimulados a participar da construção da aula. 8. Acompanhar a compreensão dos alunos sobre os objetos de aprendizagem É comum os professores perguntarem a seus alunos: “entenderam?” ou “alguma pergunta?” A estas perguntas também é comum não obter muita reação dos alunos, por diversas razões, como por exemplo, que sua pergunta possa representar que não prestou atenção na aula, que não tem competência para aprender, que sugira ao professor que não explicou direito, assim por diante. Como essas perguntas costumam ser feitas ao final da aula ou de um segmento antes do intervalo do recreio, perguntar pode representar ser retidos mais tempo na sala de aula, depois do sinal de intervalo ou término de aula ser batido. Daí porque o professor não obtem muita interação a partir de tais perguntas. Porém é de se esperar que muitas dúvidas possam surgir de aulas bem desenvolvidas. Sobretudo porque se sabe que novos conhecimentos geram a necessidade de mais conhecimentos, pois apontam para novas circunstâncias, novos aspectos, novas alternativas e situações. Portanto, em vez de realizar essas perguntas genéricas, é importante formular perguntas específicas e problematizadoras sobre as questões essenciais do processo, e fazê-lo durante a aula toda, como processo de ativação da aprendizagem. Ao mesmo tempo, quando o aluno apresenta uma pergunta, em vez de respondê-la diretamente, é muito interessante devolvê-la para a turma, e solicitar o envolvimento da turma na sua solução. Pode-se também solicitar que apresentem outras perguntas semelhantes. Enfim, promover a aprendizagem dos alunos é uma atividade estimulante para o próprio professor, pois demanda a sua criatividade, o seu olhar aberto, e a sua predisposição para trabalhar com seres humanos em desenvolvimento e contribuir para suas vidas. Referências bibliográficas GLASSER, William. Escolas sem fracasso. Rio de Janeiro: Cultrix, 1981. GLASSER, William. Quality school managing students without coersion. New YorK: Harper, 1997. Heloísa Lück é doutora em Educação pela Columbia University, em Nova York, com pós-doutorado em Pesquisa e Ensino Superior pela George Washington University, em Washington D.C. É Diretora Educacional do CEDHAP – Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado, conferencista e docente em cursos de capacitação de profissionais da educação. E-mail: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 Direcional Educador, Setembro 13 GESTÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA 41 NOSSOS ALUNOS E AS DROGAS Ecstasy Direcional Educador, Setembro 13 Por Gustavo Teixeira 42 adrugada de sábado, nossa equipe de resgate é acionada para um atendimento emergencial em uma festa rave na Barra da Tijuca. Na chegada observo uma grande confusão. Entre jovens alcoolizados e música eletrônica muito alta encontramos uma garota de aproximadamente 16 anos de idade desacordada nos braços de amigos. Mais do que desacordada, Daniela estava morta, vítima de um comprimido de ecstasy oferecido pela primeira vez à estudante da segunda série do Ensino Médio por colegas da escola. A cena aterrorizou amigos e funcionários do colégio que tinham Daniela como uma aluna exemplar, mas que naquela noite sucumbiu ao oferecimento da substância pelos mesmos colegas da escola. Também chamado de MDMA, “club drug” ou “bala”, o ecstasy é uma droga que vem se popularizando nos últimos 20 anos, principalmente entre adolescentes de classe média e alta, e está intimamente ligada a frequentadores de casas noturnas e festas chamadas raves, onde muitos desses jovens compartilham além da música eletrônica a utilização da droga. O ecstasy é consumido sob a forma de comprimidos. Trata-se de um tipo de anfetamina sintética com propriedades estimulantes e alucinógenas e está relacionada com efeitos danosos no cérebro humano, principalmente em neurônios serotoninérgicos. Esse efeito neurotóxico pode causar distúrbios no sono, alterações do humor, ansiedade, aumento da impulsividade, problemas de atenção e memória. Importante dizer que tais efeitos danosos podem ser permanentes, podendo ocorrer mesmo após a utilização da droga uma única vez. Os efeitos iniciais da droga ocorrem aproximadamente 20 a 40 minutos após a ingestão do comprimido de ecstasy, com a presença de enjôos que às vezes provocam vômitos, podendo ser acompanhados de uma urgência para defecar. Posteriormente, sentimentos de familiaridade e empatia com todos a sua volta, alterações na percepção do tempo, aumento da sensibilidade corporal, euforia, bem-estar e aumento do desejo sexual. Entretanto pode provocar também diminuição da ereção e dificuldade para se atingir o orgasmo. Agitação psicomotora, falta de apetite, tremor, sensações de calor, aumento da temperatura corporal e muita sede também ocorrem com frequência. Todos esses efeitos duram em torno de três a seis horas, entretanto costumeiramente podem ocorrer períodos de “ressaca” pós-utilização da substância, com duração de até 24 horas ou mais. Durante a “ressaca” o jovem pode experimentar sensações de cansaço, tristeza, falta de motivação e insônia. Além desses sintomas usuais, graves reações do organismo podem ser desencadeadas durante a utilização da droga nas festas, como confusão mental, desorientação, alterações na pressão arterial, aumento dos batimentos cardíacos e da temperatura corporal, desidratação, convulsões, problemas de coagulação sanguínea, falência do funcionamento dos rins, intoxicação hepática grave e morte. A hipertermia ou aumento da temperatura corporal é um dos grandes perigos do consumo da droga, pois devido a seus efeitos estimulantes, o ecstasy provoca um excesso de trabalho do organismo com produção de calor, superaquecendo o corpo do usuário. Em alguns locais onde a droga é consumida há uma facilitação desse superaquecimento do corpo, pois as casas noturnas normalmente são ambientes fechados, com pouca ventilação e superlotadas, motivo pelo qual atualmente muitas festas raves são realizadas em sítios, chácaras e praias. Uma das mais graves consequências desse superaquecimento corporal pode ser a rabdomiólise, quando há degradação de proteínas musculares causadas pela exposição do organismo a altas temperaturas. Essas proteínas degradadas caem na corrente sanguínea e podem prejudicar o funcionamento dos rins na filtração do sangue e causar insuficiência renal e consequente morte do usuário da droga. Os efeitos danosos no cérebro de usuários de ecstasy estão relacionados com a lesão de neurônios serotoninérgicos e com a consequente diminuição de 30% do metabolismo de serotonina. Além disso, diversos estudos com neuroimagem mostram um aumento da disfunção cognitiva no córtex frontal e hipocampo, evidenciando efeitos nocivos no funcionamento do sistema nervoso central. Alterações psiquiátricas como depressão, ansiedade, insônia, impulsividade e ataques de pânico também estão mais relacionadas com usuários da droga, quando comparados com pessoas que nunca as utilizaram. Não se costuma observar os fenômenos de tolerância, síndrome de abstinência e dependência do ecstasy, entretanto os efeitos, prejuízos e consequências ocasionados pelo seu uso são comumente observados entre usuários da droga e bem descritos na literatura médica. Gustavo Teixeira é Médico Psiquiatra Infantil, Professor Visitante do Department of Special Education - Bridgewater State University e Mestre em Educação - Framingham State University Contato: www.comportamentoinfantil.com Direcional Educador, Setembro 13 NOSSOS ALUNOS E AS DROGAS 43 EDUCAÇÃO INTEGRAL EDUCAÇÃO INTEGRAL Direcional Educador, Setembro 13 as tecnologias e suas possibilidades 44 fácil lembrar-se do quanto o tempo já passou em nossas vidas e quanto já nos aproximamos de uma nova etapa, quando encontramos objetos considerados antigos, verdadeiras peças de museu e que fizeram parte da nossa infância ou juventude. O alento pode estar no fato de que nos tempos atuais, isso ocorre com bens adquiridos a cada dois anos. Mario Prata, em seu livro Minhas tudo1, nos dá como exemplo das mudanças rápidas os controles remotos. Houve um tempo em que ele não existia, difícil de acreditar. Outro tempo em que ele contava com um fio que passeava pelo meio da sala, promotor de acidentes, inclusive. Há ainda o tempo atual, em que a abundância de botões nos mostram nossa ineficácia em não saber para que servem pelo menos um terço deles. Todo o restante morre sem ser conhecido nos difíceis manuais raramente lidos na totalidade. Quando criança eu assistia Os Jetsons 2 e invejava todas aquelas possibilidades que pareciam tão remotas. Tratavam de um futuro aparentemente distante dos desafios vividos no cotidiano em uma metrópole em formação onde eu vivia. Algumas coisas ali experimentadas já não estão tão distantes assim, mas a promessa de tempo em abundância quando tudo fosse resolvido tecnologicamente, já se mostrou frágil. Tenho a sensação de que não teremos mais tempo para o lazer, para o ócio criativo ou para a contemplação de outras criações da Humanidade, como a arte e o cinema. Trabalhamos mais para obter os itens tecnológicos que prometem facilitar a vida e, como eles mudam rapidamente, é preciso trabalhar um pouco mais para que seus itens não se tornem obsoletos, assim, evitamos aquela sensação de que nosso lar conta histórias de museu. Nossa dificuldade no domínio destes novos recursos não reduz a sua importância e as suas possibilidades. Quando Miguel Nicolelis, reconhecido neurocientista brasileiro, em seu livro Muito além do nosso eu3, diz “a neurociência acabará expandindo a limites quase inimagináveis a capacidade humana” e quando nos mostra os avanços no conhecimento do cérebro humano também nos chama atenção para a necessidade de aprofundarmos o trabalho que é feito na educação formal em ciência e tecnologia. Se o tempo reduzido de permanência na escola nas redes públicas em geral no Brasil tem sido insuficiente para garantir conhecimentos e habilidades na leitura, escrita e operações matemáticas, essa mesma insuficiência se mostra no trato às demais questões, entre elas, as possibilidades da tecnologia e a vasta riqueza da ciência. Já é comumente afirmado que não diante de nossas dificuldades e inexperiência, por exemplo, com os equipamentos eletrônicos de nossas casas ou o aparelho celular. O aparelho celular, hoje recurso comum à maioria da população, é outro recurso pouco explorado na escola como ferramenta cognitiva. A exploração das condições do entorno da escola, do registro do patrimônio material e imaterial, da história do bairro e dos seus moradores, por meio de fotografia e filmagem já não dependem de recursos tão arrojados, eles estão disponíveis com os alunos e alunas no cotidiano. O ambiente da escola e suas dinâmicas também são passíveis de observação e análise, há uma poética nessas rotinas. A relação com as redes sociais e seu uso de maneira consciente também são da competência da escola, evitando e sensibilizando, por exemplo, para os riscos do cyberbulling tão comuns e danosos aos adolescentes em diferentes lugares do país, já que esse acesso não está reduzido apenas às grandes metrópoles. Apesar de sabermos que essa política demanda ampliação, a inclusão digital precisa ser vista como um direito de acesso ao conhecimento. Já demos passos importantes nesse sentido e há exemplos especiais de entendimento de que o conhecimento só tem sentido quando partilhado. Ladislau Dowbor disponibiliza as suas principais obras em seu site5, além de indicar outras tantas, como forma de ampliar acesso ao conhecimento, rompendo com o caráter comercial que em muitos casos ainda é mantido. O assunto é amplo e convidativo. Os desafios de manter-se atualizado e sensível à relevância do papel da ciência e tecnologia quase nos assombra e a educação integral desponta como um ingrediente importante para essa receita. Penso que estamos todos convocados a fazer parte dessa importante página da história da Educação brasileira, eu diria, importante capítulo, robusto, ousado e complexo também, mas necessário quando se pretende conquistar transformações significativas nos processos de formação de crianças, jovens e adultos. 1. PRATA, Mario. Minhas tudo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. 2. NICOLELIS, Miguel. Muito além do nosso eu. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 3. The Jetsons (em português Os Jetsons) foi uma série animada de televisão produzida pela Hannah-Barbera. De 1962 a 1963 foi exibida no Brasil pela TV Excelsior, depois de 1985 a 1987, exibida pelo SBT e atualmente, exibida pelo canal Tooncast. Essa série introduziu no imaginário da maioria das pessoas o que seria o futuro da Humanidade: carros voadores, cidades suspensas, trabalho automatizado, toda sorte de aparelhos eletrodomésticos e de entretenimento, robôs como criados, e tudo que dá para se imaginar do futuro. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Jetsons 4. ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini e VALENTE, José Armando. Tecnologias e Currículo: trajetórias cinvergentes ou divergentes? São Paulo: Editora Paulus, 2011. 5. http://dowbor.org/principais-livros/ Livros de Ladislau Dowbor disponíveis para dowload gratuito. Maria Helena Negreiros é Mestre em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo. Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Possui graduação em Pedagogia, com especialização em Psicopedagogia, Educação Especial e Gestão Pública. Professora nos cursos de graduação e pós-graduação . Autora do livro Leitura e Lazer: uma alquimia possível, foi eleita personalidade do ano 2011, pelo Prêmio João Ferrador, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Inclusiva, Diversidade e Gestão de Políticas Públicas. E-mail: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 Desafios e Perspectivas da Educação Integral: seria útil estar mais tempo na escola, para fazer o mesmo que já é feito atualmente. Para alterar esse cenário, teremos que revisitar nossas dívidas históricas no trato a esses conhecimentos. Nos meus primeiros anos de escolaridade aprendi ciências nos livros didáticos, assim como a geografia, a história e todo o rol presente na grade curricular. Em um dado momento de minha formação, a disciplina de artes foi transformada em desenho geométrico e ali, a renúncia final ao contato que toda a Arte poderia me trazer. Reaproximei-me dela tempos depois, com o pesar de ter perdido a chance da aprendizagem sobre a apreciação, a fruição, a experimentação. Isso está ao nosso alcance. A permanência por mais tempo na escola pode abraçar a tecnologia como um recurso especial para a realização de pesquisas, para a produção de novos desafios, para a ampliação do repertório de conhecimento sobre assuntos dos mais diversos e nem tudo precisa ser controlado pelo educador ou professor, mas supervisionado pela sua experiência e Computadores, tablets ou laptops podem ser mais do que ferramentas tecnológicas, podem servir como ferramentas cognitivas capazes de expandir a capacidade intelectual dos alunos (Weston e Bain, 2010 apud Almeida, 2011)4 e podem favorecer o contato com outras culturas e suas riquezas, para a busca de soluções para problemas já resolvidos em outros lugares do mundo. Todas essas possibilidades dependem de um planejamento que garanta intencionalidade, previsão de recursos e distribuição no tempo letivo. Tempo este que precisa considerar saberes e ritmos dos alunos, condições muito particulares quando o assunto é tecnologia. Algumas crianças, em propostas comuns do dia a dia, apresentam dificuldades que muitas vezes preocupam, mas no trato aos desafios impostos pela tecnologia podem surpreender e o fazem, até porque, parte de nós, somos ‘migrantes tecnológicos’ e na relação com os ‘nativos’ é fácil sentir-se dinossáurico e precisar de sua ajuda. Basta que pensemos como reagem filhos e netos 45 REFLEXÃO Direcional Educador, Setembro 13 Por Maria das Dores Macedo Lehpamer 46 movimento histórico e democrático que assola o país trouxe sem sombra de dúvidas uma mensagem: é preciso ouvir as vozes das ruas. E para uma grande parte dos educadores, um questionamento: estamos ouvindo as vozes da sala de aula? Estamos permitindo que as crianças formulem opiniões sobre aspectos que lhe dizem respeito? Oferecemos um espaço de discussão ou uma pedagogia do silêncio? Será a rebeldia ou agressividade sinais latentes que sugerem mudanças? Como colaboramos para a construção dessa democracia? Democracia significa “um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, direta ou indiretamente por meio de representantes eleitos”. Considerando as diversas manifestações populares do norte ao sul do país, em grandes e pequenos centros, podemos afirmar que esse povo não está satisfeito com as decisões dos seus representantes. E o que tudo isso tem a ver com a Educação Infantil? Ora, considerando que a Educação Infantil é baseada entre outros, no princípio político dos direitos da cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática, questionamentos sobre a prática podem garantir a formação de um cidadão que atuará num cenário de reivindicações, de luta, de construção coletiva, de representatividade e responsabilidades, analisando de que forma essa democracia pode estar presente no cotidiano da Educação Infantil. As crianças podem ser ouvidas politicamente e isso significa validar seus anseios, auxiliá-las a gerir sua autonomia, desenvolver habilidades para expressar e ouvir opiniões diversas. Podemos oferecer vivências em pequenas votações e escolhas de questões do cotidiano da sala ou da unidade escolar como por exemplo: escolha de livros e atividades, opiniões sobre mobiliários, compra de brinquedos, formas de exposição de suas produções, mudanças na escola, etc. Podemos trazer para a discussão com os pequenos as formas de manifestações, o contexto, a história e cultura do Brasil, oferecendo elementos para que a criança possa pensar, perguntar, sugerir ideias, argumentar... E, ao estarmos atentos às perguntas que essa criança pequena elabora, ao que pensa ou fala, podemos contribuir para um ambiente que ofereça uma formação de qualidade. Uma educação de perguntas é a única educação criativa e apta a estimular a capacidade humana de assombrar-se, de responder ao seu assombro e resolver seus verdadeiros problemas essenciais, existenciais [...]. Então, nesse sentido a pedagogia da liberdade ou da criação deve ser tremendamente arriscada. Deve ousar-se ao risco, deve provocar-se o risco, como única forma de avançar no conhecimento, de aprender e ensinar verdadeiramente. (FREIRE, 1985, p. 52). No entanto, mais do que ouvir, é necessário desenvolver empatia, acreditar e valorizar as ideias e necessidades das crianças para correr esse risco que Freire nos coloca, de crescer e aprender em conjunto, através do diálogo, de comparação dos pontos de vista e respeito mútuo. Essa disposição e atitude devem ser permanentes, possuindo dimensões profundas, para que se tornem exercícios cotidianos, favorecendo a relação e a comunicação entre quem fala e os que ouvem. Esses processos de interação, tão rico na Educação Infantil entre crianças e adultos, das crianças entre si e o contexto sócio-histórico-cultural na qual estão inseridas, são determinantes para ampliar e promover o desenvolvimento infantil. Para Vygotsky (1991;1993), o ser humano constitui-se como tal na sua relação com o outro social. Para ele, as crianças não apenas recebem e se formam, mas também criam e transformam. São sujeitos ativos que participam e intervêm no que acontece ao seu redor, suas ações são também forma de reelaboração e recriação do mundo. Dar voz à sala de aula é: • Instrumentalizar professor e aluno a trabalharem com valores. • É permitir todas as formas de manifestações infantis (arte, música, dança, linguagem...) respeitando a autonomia, a subjetividade e a singularidade de cada um. • É entender os espaços educativos como espaços sociais. • É fomentar inter-relações baseadas no respeito ao indivíduo e ao bem comum. • É incentivar a curiosidade, instigar os questionamentos, é reforçar a capacidade crítica e expressiva. • É manter um canal de escuta para que o aluno possa revelar suas hipóteses e descobertas. • É criar espaços lúdicos, de criação, de transgressão e interação. Os jogos, as brincadeiras, as dramatizações, entre outras metodologias, podem contribuir para debater ideias, discutir questões familiares e sociais, refletir sobre preconceitos, construir identidade e valorizar a diversidade, auxiliando o desenvolvimento da expressão infantil, ao mesmo tempo em que amadurece e fortalece a comunicação. Aproveitemos que o “gigante acordou” para acordarmos também a educação formal, para educarmos o pensamento, provocando questionamentos e discussão sobre os caminhos que as propostas pedagógicas para a Educação Infantil podem levar nossas crianças. O tempo da inércia e comodismo passou, agora é tempo de mudanças, mas para que elas aconteçam de fato, precisamos sair à luta em defesa das gerações futuras por uma educação libertadora. Afinal, a criança não é o cidadão do futuro, mas o cidadão do presente. Referências bibliográficas Freire, Paulo. Por uma Pedagogia da Pergunta / Paulo Freire, Antonio Faundez. Rio e Janeiro: Paz e Terra, 1985. VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991, Maria das Dores Macedo Lehpamer é professora de Educação Infantil, atuando com crianças de três a cinco anos. Formada em Pedagogia, com pós- graduação em Inclusão de alunos com necessidades especiais pela Uninove, trabalha na Prefeitura Municipal de São Paulo desde 2003. E-mail: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 REFLEXÃO 47 livros Confira nossas boas dicas de livros para alunos e professores. Por Luiza Oliva Contar histórias: a arte de brincar JOGOS PEDAGÓGICOS E HISTÓRIAS DE VIDA – PROMOVENDO A RESILIÊNCIA Texto: Cristina Jorge Dias 205 páginas Edições Loyola www.loyola.com.br Educadora, psicodramatista e mestre em Psicologia, Cristina Jorge Dias nos apresenta em seu novo livro histórias concretas de quem enfrentou as adversidades da vida. O livro também traz Jogos de Superação, que visam estimular a habilidade de superação e de cooperação nas equipes de trabalho, buscando a qualidade das relações interpessoais. Cristina, que é colaboradora da Direcional Educador, está muito bem acompanhada em sua nova obra: o prefácio é de Celso Antunes e a quarta capa de Mario Sergio Cortella. “O que nos anima? Saber que é possível resistir ao que nos confronta, reagir ao que nos sujeita, persistir contra o que nos verga”, diz Cortella em seu texto. Direcional Educador, Setembro 13 O SAPO LELECA E A PRINCESA 48 LILI Texto: José Romero Nobre de Carvalho Ilustrações: Semiramis Paterno Editora Franco www.francoeditora.com.br O sapo Leleca se apaixonou pela princesa Lili. Mas como um sapo pode ganhar o coração de uma linda princesa? As crianças vão adorar este conto de fadas, onde o sapo precisou de mais do que um beijo para ganhar o coração da sua amada. José Romero é educador em Maceió e colaborador de Direcional Educador. EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL: INOVAÇÕES EM PROCESSO SISTEMAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO: A LEI DE DIRETRIZES E BASES E A EDUCAÇÃO NO MUNICÍPIO EDUCAÇÃO CIDADÃ, EDUCAÇÃO INTEGRAL: FUNDAMENTOS E PRÁTICAS Editora e Livraria Instituto Paulo Freire R$ 18,00 (cada) http://edlpaulofreire.org Três sugestões da série Educação Cidadã da Editora e Livraria Instituto Paulo Freire. Moacir Gadotti assina Educação Integral no Brasil: Inovações em processo. A obra toca em iniciativas que vêm ao encontro de uma nova qualidade da educação, buscando criar novos espaços e tempos para o atendimento e desenvolvimento integral de crianças, adolescentes, jovens e adultos. José Eustáquio Romão aborda Sistemas Municipais de Educação: a Lei de Diretrizes e Bases e a Educação no Município, livro que responde à expectativa de examinar os impactos da Lei n. 9394, de 1996, sobre a educação básica. Já Educação Cidadã, Educação Integral: fundamentos e práticas, de Ângela Antunes e Paulo Roberto Padilha, reflete sobre a Educação Integral quando se busca trabalhar na perspectiva da Educação Cidadã. Os autores propõem mudanças nas práticas educativas atuais e defendem o resgate do sentido do trabalho docente na era da informação. A LOBINHA RUIVA Texto: Stela Greco Loducca Ilustrações: Renato Moriconi Editora: Companhia das Letrinhas 32 páginas R$ 29,50 www.companhiadasletrinhas.com.br A história nasceu no site de histórias animadas O Pequeno Leitor (www.opequenoleitor.com.br), criado por Stela Loducca. Nesta nova versão do Chapeuzinho Vermelho, os papéis são invertidos: a lobinha ruiva vai visitar sua vovozinha doente e, no caminho, encontra um bicho esquisito, com poucos pelos no corpo e que andava só com duas pernas. Direcional Educador, Setembro 13 com as palavras Texto: Fabiano Moraes 124 páginas R$ 19,10 Editora Vozes www.universovozes.com.br O livro mescla fundamentação teórica e vivências práticas de maneira lúdica e didática. As vivências abrangem temas como: a diversão e o prazer inerentes ao ato de narrar; a relação entre contador, história e ouvinte; a memorização e a criatividade; o resumo e o enriquecimento do conto; a escolha e a preparação da história; e como contar uma mesma história para públicos distintos. Na obra são desenvolvidas e propostas técnicas para contar histórias por meio de uma das vertentes dessa tradicional arte de brincar com as palavras: a adaptação livre. 49 AGENDA XII CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOMOTRICIDDE Tema: “Vínculos em Psicomotricidade: o real e o virtual” Data: 12 a 15 de setembro de 2013 Local: UERJ - Campus Maracanã - Teatro Odylo Costa Rua São Francisco Xavier 524 - Maracanã - Rio de Janeiro Realização: Associação Brasileira de Psicomotricidade Informações: (21) 2204-4054 Site: http://www.psicomotricidade.com.br Email: [email protected] SABER 2013 - XVII CONGRESSO E FEIRA DE EDUCAÇÃO Tema: “Aprender e ensinar com felicidade: o Saber em busca do bem-estar” Data: 19 a 21 de setembro de 2013 Local: Centro de Exposições Imigrantes - Rodovia Imigrantes, KM 1,5 - São Paulo - SP Realização: SIEEESP - Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo Informações: (11) 5583-5500 Site: http://www.congressosaber.com.br Email: [email protected] VIII COLÓQUIO INTERNACIONAL PAULO FREIRE Tema: “Educação como prática da liberdade: saberes, vivências e releituras em Paulo Freire” Data: 19 a 21 de setembro de 2013 Local: UFPE Universidade Federal de Pernambuco - Recife - PE Av Acadêmico Helio Ramos, S/N - Recife - PE Realização: Centro Paulo Freire Estudos e Pesquisas e UFPE Universidade Federal de Pernambuco Informações: (81) 2126-8809 - (81) 3271-4813 Site: http://coloquio.paulofreire.org.br Email: [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO NORTE NORDESTE Tema: “Educação consolidada e de qualidade para todos” Data: 19 a 21 de setembro de 2013 Local: Hangar Feira e Eventos da Amazônia Av Dr Freitas, S/Nº - Bairro do Marco - Belém - PA Realização: Futuro Eventos Informações: (41) 3033-8100 Site: http://www.futuroeventos.com.br Email: [email protected] 50 CONGRESSO CONHECER ES 2013 FEIRA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA, TURISMO E ARTES Data: 20 a 22 de setembro de 2013 Local: Sesc de Santa Cruz - Rodovia do Sol, Km 35 - Praia Formosa - Aracruz ES Realização: Máxima Eventos Informações: (27) 3183-6500 - (27) 9901-0145 Site: http://www.maxima.art.br Email: [email protected] II SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL Data: 21 de setembro de 2013 Local: Colégio Pedro II - Auditório Mario Lago Rua Campo de São Cristovão, 177 - São Cristovão - Rio de Janeiro - RJ Realização: WAK Projetos Culturais Informações: (21) 3208-6113 / 3208-6095 Site: http://www.wakeditora.com.br Email: [email protected] II ENCONTRO PAULISTA SOBRE NEUROEDUCAÇÃO Data: 21 de setembro de 2013 Local: Av Nossa Senhora de Sabará, 765 - Chácara Flora - São Paulo - SP Realização: Creative Ideias Informações: (21) 2577-8691 - (21) 3246-2904 Site: http://www.creativeideias.com.br Email: [email protected] - [email protected] XI CONGRESSO INTERNACIONAL DE TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO Tema: “Educação, Tecnologia e Inovação Pedagógica” Data: 25 a 27 de setembro de 2013. Local: Centro de Convenções de Pernambuco - Recife - PE Realização: Fecomércio PE - Senac / Sesc Pernambuco Informações: (81) 3413-6731 - (81) 3413-6797 Site: http://www.pe.senac.br/ascom/congresso Email: [email protected] I CONEFE - CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA NAS ESCOLAS Data: 26 de setembro de 2013 Local: FECOMÉRCIO - Teatro Raul Cortez Rua Doutor Plínio Barreto, 285 - Bela Vista - São Paulo - SP Realização: Portal Edufin Informações: (11) 3295-1541 Site: http:// http://www.conefe.com.br Email: [email protected] X SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAIS Data: 27 a 29 de setembro de 2013 Local: Hotel Majestic – Águas de Lindoia – SP Realização: Aprender a Ser Informações: (11) 2503-5892 e 5049-1590 www.aprenderaser.com.br 10ª JORNADA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO NORTE NORDESTE Data: 3 a 5 de outubro de 2013 Local: Hotel Praia Centro - Fábrica de Negócios Av Monsenhor Tabosa, 740 - Praia de Iracema - Fortaleza - CE Realização: Futuro Eventos Informações: (41) 3033-8100 Site: http://www.futuroeventos.com.br Email: [email protected] III SIMPÓSIO INTERNACIONAL ABPp 2013 Tema: “Psicopedagogia: Caminhos para aprender e ensinar” Data: 17 a 19 de outubro de 2013 Local: Unip - Campus Paraíso - Rua Vergueiro, 1211 - Paraíso - São Paulo - SP Realização: ABPp Associação Brasileira de Psicopedagogia Organização: Arte em Eventos Informações: (11) 3641-4431 e (11) 3641-6661 Site: http://abppsimposio2013.com.br Email: [email protected] - [email protected] Direcional Educador, Setembro 13 2º CONGRESSO TODOS PELA EDUCAÇÃO Tema: “Educação: agenda de todos, prioridade nacional” Data: 10 e 11 de setembro de 2013 Local: Auditório do Conselho Nacional de Educação SGAS - Av L2 Sul, Quadra 607 - Lote 50 - Brasília - DF Realização: Movimento Todos pela Educação Informações: (11) 3145-5377 Site: http://www.todospelaeducacao.org.br/congresso/ Email: [email protected] 51