UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI
MÁRCIA REGINA FRANCO FRANZONI
SÍNDROME DE BURNOUT: a confiabilidade da dimensão
despersonalização (cinismo) no instrumento MBI.
Itajaí
2009
MÁRCIA REGINA FRANCO FRANZONI
SÍNDROME DE BURNOUT: a confiabilidade da dimensão
despersonalização (cinismo) no instrumento MBI.
Monografia apresentada como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel
em Psicologia, na Universidade do Vale do
Itajaí - UNIVALI - Centro de Ciências da
Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo José Legal.
Itajaí
2009
2
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa ao meu marido Paulo e às
minhas filhas Isabella e Andressa, que sempre
estiveram comigo em todos os momentos e que
apesar
de
todas
as
dificuldades
encontradas,
conseguiram compreender a minha necessidade de
crescimento e de em alguns momentos eu não
conseguir desfrutar de suas companhias.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço profundamente aos professores: meu orientador Dr. Eduardo José
Legal, que com sua paciência e bom humor me incentivou na realização da presente
pesquisa e compartilhou comigo seu conhecimento; ao Prof. Dr. Jamir Sardá Jr. e a
Profª. MSc. Heloísa Beatriz Machado, pela disponibilidade de participação no
processo avaliativo da pesquisa e da banca, colaborando assim com meu
enriquecimento acadêmico. Em especial, deixo meu agradecimento e minha gratidão
a todos os professores que consentiram em participar da entrevista, colaborando
assim para a realização da presente pesquisa científica.
4
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................08
2 EMBASAMENTO TEÓRICO...................................................................................10
3.2 Instrumento ......................................................................................................... 17
3.3 Coleta dos Dados ................................................................................................ 18
3.4 Análise dos Dados .............................................................................................. 18
4.1 Dados demográficos da amostra......................................................................... 20
4.2 Resultados do MBI .............................................................................................. 22
4.3 Relatos das entrevistas e sua análise: ................................................................ 23
4.3.1 Categoria1: Fontes de Estresse no Ambiente de Trabalho: ............................. 23
4.3.2 Categoria 2: Auto-Percepção da Despersonalização (cinismo) ....................... 39
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................58
7.1 ANEXO 01 – MBI-HSS ........................................................................................ 63
8 APÊNDICES............................................................................................................65
8.1 APÊNDICE 1: ...................................................................................................... 65
8.2 APÊNDICE 02 ..................................................................................................... 66
8.3 APÊNDICE 03 ..................................................................................................... 67
5
SÍNDROME DE BURNOUT: A confiabilidade da dimensão
despersonalização (cinismo) no instrumento MBI.
Orientador: Profº Dr. Eduardo José Legal
Defesa: novembro de 2009.
Resumo:
A presente pesquisa se propôs investigar a confiabilidade da dimensão despersonalização
mensurada pelo instrumento MBI-HSS (Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey), em
uma população de professores da área de saúde de uma instituição superior de ensino, a fim de se
detectar possíveis incoerências na mensuração da referida dimensão. De acordo com várias
pesquisas, é conhecido que os resultados são discordantes, quanto à confiabilidade da dimensão no
referido instrumento, em termos culturais. O MBI avalia as três dimensões conceituais que
caracterizam a Síndrome de burnout, a saber: Exaustão Emocional, Despersonalização (cinismo) e
reduzida Realização profissional. Desta forma, objetivou-se levantar os sintomas relativos à Síndrome
de Burnout; descrever os sintomas relativos à dimensão despersonalização, através dos relatos dos
participantes, em relação às situações em que estas se apresentam e comparar com os resultados do
MBI. Para alcançar os objetivos propostos, primeiramente foi aplicado o MBI- HSS entre os
professores que consentiram em participar de uma entrevista semi-aberta, na qual foram privilegiadas
as situações percebidas e experienciadas pelos mesmos no que se refere às fontes de estresse e aos
relacionamentos interpessoais no cotidiano de trabalho. Para a análise das entrevistas, foram
utilizados procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo, buscando indicadores
que permitissem conhecer sintomas/sinais relativos à despersonalização nos professores
investigados. A presente proposta de trabalho fez uso dos métodos de pesquisa quantitativo e
qualitativo, definindo-se como empírica, de natureza exploratória. Os dados do MBI foram
computados de acordo com a norma para sua correção e as entrevistas foram transcritas e
analisadas por meio do método e análise de conteúdo. Os resultados desta pesquisa demonstraram
que os escores do MBI-HSS não foram indicadores de sintomas de burnout no grupo, contudo, para
alguns participantes, os índices em uma ou outra dimensão alcançaram valores maiores, indicando
propensão ao desenvolvimento da síndrome. Na análise das entrevistas foram evidenciados alguns
sintomas relativos à dimensão despersonalização em alguns professores. A comparação dos
instrumentos utilizados demonstrou que o instrumento MBI não conseguiu captar com precisão alguns
aspectos da despersonalização demonstrados através dos relatos de alguns participantes desta
pesquisa, especificamente em relação aos colegas de trabalho. Este resultado vem a confirmar a
deficiência do instrumento na mensuração desta dimensão específica, ocasionado, em tese, pela
distorção da auto-percepção em relação ao tratamento dispensado às pessoas no ambiente de
trabalho. Novas pesquisas devem refinar o instrumento a fim de ampliar seu foco (do cliente para os
colegas de trabalho e organização) e modificar a forma (ou termos) de se avaliar a sintomatologia
referente à dimensão despersonalização.
Palavras-chave: 1.Burnout; 2. Despersonalização; 3. Modelo Triárquico; 4. MBI.
Sub-Área de conhecimento: 7.07.09.04-1 - Fatores Humanos no Trabalho
6
MEMBROS DA BANCA
___________________________________
______________________________________
Prof. Dr. Jamir João Sarda Jr.
Profª. Heloísa Beatriz Machado, MSc.
________________________________________
Prof. Dr. Eduardo José Legal
7
1 INTRODUÇÃO
É bem conhecida a problemática denominada "desgaste profissional"
(Burnout) que ocorre em trabalhadores que se esgotam, depois de anos de trabalho
em ocupações relacionadas a pessoas. “Este é o caso dos profissionais na área da
saúde, nos quais se reconhece uma pressão psicológica superior a de outros
profissionais de igual nível ocupacional e nos quais o desgaste profissional alcança
cerca de 20 a 25% (REES; COOPER, 1992 apud GUIMARÃES; FREIRE, 2004,
p.31)”.
A síndrome de Burnout não aparece como resposta a um estressor
determinado, mas é multifacetada, emergindo discretamente e comprometendo a
qualidade do trabalho e dos relacionamentos interpessoais. Se manifesta através de
três dimensões de sintomas: sentimentos de falta de energia (exaustão emocional);
atitudes de distanciamento afetivo nos relacionamentos interpessoais – cinismo/
indiferença - (despersonalização); e insatisfação quanto ao trabalho exercido
(reduzida realização profissional).
Hoje, a incidência da síndrome é considerada entre os profissionais de
ensino, superior à dos profissionais de saúde (FARBER, 1991 apud CARLOTTO,
2002). No caso da presente pesquisa que foi realizada com professores da área da
saúde, unem-se as duas categorias profissionais mais apontadas para o
desenvolvimento da síndrome.
O instrumento mais utilizado para avaliar a síndrome de Burnout, é o Maslach
Burnout Inventory (MBI)1, elaborado por Christina Maslach e Susan Jacson (GILMONTE; PEIRÓ, 1999 apud CARLOTTO; CÂMARA, 2007). Apesar de contar com
traduções para várias línguas (incluindo o espanhol e português), o referido
instrumento ainda possui alguns problemas psicométricos relacionados à sua
validade (GIL-MONTE; PEIRÓ, 1999 apud GUIMARÃES; CARDOSO, 2004).
Tecnicamente, os sintomas que fazem parte da síndrome de Burnout, são
mensurados através do instrumento MBI. No que se referem à dimensão
despersonalização, as questões são formuladas de modo direto, podendo coibir a
1
Este instrumento possui quatro versões: MBI-HSS (Human Services Survey), MBI-ES (Educational
Survey), MBI- GS (General Survey) e MBI-SS (Student Survey) (LEGAL; THIEME, 2007).
8
respostas da pessoa. Respostas de nível alto “freqüentemente” ou “sempre”,
denotam descuido com o trabalho e podem ser evitadas pelo respondente para
evitar possíveis punições, ou minimizam sua percepção do desgaste envolvido em
sua função.
A sintomatologia da síndrome de Burnout é muitas vezes confundida com
outras nomenclaturas conceituais de estresse ocupacionais existentes, gerando
dúvidas quanto ao seu diagnóstico. A dimensão despersonalização (cinismo) é a
que mais gera controvérsias (BENEVIDES-PEREIRA, 2002; MASLACH; LEITER,
1999). Sua mensuração, pelo MBI, tem gerado alguns problemas psicométricos
relacionados à validade interna e externa (GIL-MONTE; PEIRÓ, 1999 apud
GUIMARÃES; CARDOSO, 2004). Estes dados conflitantes com o modelo
tridimensional, não aparecem apenas em versões do instrumento em português,
mas também em espanhol e outras línguas (LEGAL; THIEME, 2007). Diante deste
fato, sugeriu-se a investigação dos sintomas relativos à dimensão despersonalização
também por meio de uma entrevista semi-aberta, incluindo a aplicação do MBI com
o objetivo de verificar a confiabilidade do instrumento na respectiva dimensão.
Diante de resultados contraditórios é importante estabelecer de que maneira
as pessoas compreendem as características da dimensão despersonalização
comparando-as cm os resultados do MBI, a fim de compreender se a mesma é uma
característica apenas cultural ou se ela, de fato, deve ser interpretada como parte
dos sintomas de Burnout. A análise da referida dimensão no instrumento MBI poderá
vir a contribuir para os vários questionamentos levantados em relação à sua
mensuração. Desse modo, este conhecimento é necessário para que haja um
preciso diagnóstico diferencial, a fim de que uma intervenção mais efetiva possa ser
desenvolvida nos casos em que for recomendada.
9
2 EMBASAMENTO TEÓRICO
O Burnout é definido como uma síndrome psicológica, decorrente de tensão
emocional crônica e desgaste de energia, que leva o profissional, a ter sentimentos
de fracasso e atitudes negativas em relação ao trabalho que exerce. Faz referência
a um tipo de estresse ocupacional e institucional gerado nos profissionais que
mantém relação direta, contínua e altamente emocional com outras pessoas
(MASLACH; LEITER, 1999; MUROFUSE; ABRANCHES; NAPOLEÃO, 2005;
BENEVIDES-PEREIRA, 2002; HAHNMARY; CARLOTTO, 2008).
A síndrome de Burnout se manifesta através de três dimensões: num
esgotamento emocional (exaustão emocional), num sentimento de cinismo
(despersonalização) e numa sensação de uma ineficácia profissional (baixa
Realização Profissional). A definição predominante do modelo multidimensional da
síndrome de burnout é que a mesma se desenvolve em resposta a uma prolongada
exposição aos estressores interpessoais no trabalho (MASLACH, 2009).
Segundo Benevides-Pereira (2002), o que diferencia o estresse do Burnout, é
a mudança de perspectiva do plano individual no estresse, para o relacional no
Burnout, devido à necessidade de estabelecimento de vínculo com as pessoas às
quais o profissional se relaciona no trabalho. De acordo com Ezmann et al.(1998
apud SILVEIRA, 2005), o Burnout é distinto das reações clássicas de estresse
porque está mais relacionado a uma fadiga psicológica e envolve atitudes negativas
com relação aos usuários, clientes, à organização e ao trabalho.
O psiquiatra Herbert Freudenberger descreveu o termo Burnout, na década
de 70, como uma manifestação radical do estresse em sua fase mais aguda de
esgotamento. Paralelamente, e de forma independente, Christina Maslach, adotou o
termo Burnout, durante pesquisas com profissionais de serviços humanos e elaborou
um modelo tridimensional da síndrome (BENEVIDES-PEREIRA, 2002; TAMAYO;
TROCOLLI, 2001).
Posteriormente, na mesma década (1978), Christina Maslach e Susan
Jackson elaboraram o MBI (Maslach Burnout Inventory), para a mensuração da
síndrome. Sua construção partiu inicialmente de duas primeiras dimensões,
exaustão emocional e despersonalização, sendo que a terceira dimensão
(realização profissional) surgiu após estudos desenvolvidos com pessoas de várias
profissões (CARLOTTO; CÂMARA, 2007).
10
As questões metodológicas utilizadas no desenvolvimento das pesquisas da
síndrome de Burnout têm sido as mesmas qualificadas desde a sua fase pioneira, ou
seja, através da aplicação do instrumento MBI (Maslach Burnout Inventory). Este
tem sido o instrumento mais utilizado nos estudos culturais e nas investigações
sobre o processo de desenvolvimento da síndrome, independentemente das
características ocupacionais da amostra e de sua origem (CARLOTTO; CÂMARA,
2007).
Segundo Maslach & Leiter (1999), as profissões mais vulneráveis ao
desenvolvimento da síndrome de burnout são geralmente as que envolvem serviços,
tratamento ou educação. Na definição de Farber (1991 apud CODO; VASQUESMENEZES, 1999, p.241): “burnout é uma síndrome do trabalho, que se origina da
discrepância da percepção individual entre esforço e conseqüência, percepção esta
influenciada por fatores individuais, organizacionais e sociais”.
A síndrome de Burnout tem sido abordada sob quatro perspectivas: Clínica,
Social-Psicológica, Organizacional e Social-Histórica. A concepção clínica tem cunho
individualista; a concepção Sócio-Psicológica (perspectiva mais adotada pela grande
disseminação do MBI) situa-se os fatores de trabalho e os institucionais como
condicionantes e antecedentes da síndrome; na concepção Organizacional, as
dimensões apresentadas na síndrome (EE, DE, RP) tratam-se de mecanismos de
enfrentamento,
evidenciando
os
agentes
estressores organizacionais
como
desencadeantes do processo; e na concepção Sócio-Histórica, os valores
comunitários poderiam estar incompatíveis com os valores predominantes na
sociedade atual. A perspectiva social-psicológica de Maslach e colaboradores é a
mais aceita atualmente (BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
Das dimensões avaliadas pelo MBI, a dimensão Exaustão Emocional se
refere à sensação de perda progressiva de energia, seguida de esgotamento físico,
mental e emocional. A dimensão Despersonalização (DE) expressa o contexto
interpessoal e é definida como atitudes de frieza, insensibilidade emocional com as
pessoas receptoras do serviço, chegando ao cinismo e atitudes negativas. Já a
reduzida Realização Profissional (rRP) se evidencia pela
falta de motivação e
insatisfação com o trabalho, na qual o trabalhador se auto-avalia de forma negativa,
se julga incapaz de cumprir demandas de sua função e tem um sentimento de
inadequação no trabalho (MASLACH; JACKSON, 1981 apud CARLOTTO;
CÂMARA, 2007). Dentre as três dimensões que compõem a síndrome, a dimensão
11
“despersonalização” é a que se apresenta como defesa da carga emocional
derivada do contato direto com o outro (VOLPATO, 2003).
Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001apud CARLOTTO; CÂMARA,
2007) em resposta aos estressores interpessoais ocorridos na situação do trabalho,
a síndrome de Burnout, é definida como um fenômeno psicossocial. Neste modelo, a
dimensão exaustão emocional é a responsável pelo inicio de desenvolvimento da
síndrome, desencadeada por características pessoais e pela carga de trabalho. Ao
fazer uso de mecanismos de defesa inadequados, o profissional desenvolve atitudes
de despersonalização, levando-o à falta de realização profissional (CARLOTTO;
CÂMARA, 2007).
Alguns autores agrupam os aspectos de sintomas e conseqüências do
Burnout, em: afetivos, cognitivos, físicos, comportamentais, sociais, atitudinais,
organizacionais e do trabalho, relatando que as principais manifestações afetivas
são humor depressivo, desesperança, falta de significado para suas ações e
sentimentos de impotência no trabalho, acompanhados de baixa auto-estima. Em
relação às manifestações cognitivas, são relatadas dificuldades de concentração e
tomada de decisão, perda de memória, presença de tiques nervosos, agitação e
incapacidade para relaxar (TAMAYO; TRÓCCOLI, 2001).
Em relação aos sintomas físicos, Tamayo e Tróccoli (2001) citam
Freudenberger (1974) e Arches (1991) como autores que identificam os sintomas
como resfriados freqüentes, problemas gastrointestinais, dores de cabeça,
ansiedade, falta de ar, insônia e sensação de exaustão, que parecem estar
associados ao quadro. As manifestações organizacionais e do ambiente de trabalho
referem-se à perda do entusiasmo e do idealismo, que podem desencadear no
abandono do emprego e levar ao absenteísmo (TAMAYO; TRÓCCOLI, 2001).
O MBI é utilizado exclusivamente para avaliar a Síndrome de burnout, não
considerando os elementos antecedentes e as conseqüências do processo. Avalia
como o trabalhador vivencia seu trabalho, de acordo com os escores de cada
dimensão, sendo que altos escores em exaustão emocional e despersonalização e
baixos escores em realização profissional (esta subescala é inversa) indicam alto
nível de burnout (CARLOTTO, 2004).
De acordo com Benevides-Pereira (2002), após revisão do instrumento do
MBI, que passou a se destinar ao trabalhador de outras profissões e não apenas aos
da saúde e educação, Maslach, Jackson e Leiter, passaram a denominar a
12
dimensão Despersonalização por Cinismo2, e a de Realização Profissional por
Eficiência Profissional. Esta tendência tem dividido a opinião dos autores, na medida
em que descaracteriza a síndrome e a assemelha ao estresse ocupacional,
perdendo seu sentido inicial, que é o de vinculo com as pessoas às quais presta
serviço. Gil-Monte e Peiró (1997 apud Carlotto, 2004, p.501) “reforçam a importância
de avaliar o MBI como um construto tridimensional, ou seja, as três dimensões
devem ser avaliadas e consideradas, a fim de manter sua perspectiva de síndrome”.
De acordo com o estudo de Carlotto e Câmara (2007), as autoras levantaram
a hipótese de que pode acontecer um afastamento no campo cognitivo, no momento
de responder especificamente as questões que se referem à dimensão
despersonalização no instrumento MBI. Devido à própria percepção do trabalho,
podendo interferir, ainda que de forma latente, em seus níveis de auto-estima e
auto-eficácia percebidas. Neste sentido, as autoras pensam em um efeito de
desejabilidade social sobre as respostas específicas da referida dimensão.
Carlotto (2004), em seu estudo da análise fatorial do MBI (em uma amostra
de professores), cita autores como Gil-Monte (1997); Jimenez et al. (1997); Cadiz e
colaboradores (1997), indicando algumas debilidades psicométricas no MBI,
principalmente do fator de Despersonalização. Gil-Monte (2005 apud CARLOTTO;
CÂMARA, 2007) adverte que a baixa consistência da subescala despersonalização,
pode também refletir problemas conceituais, uma vez que existem algumas
indicações de que ela poderia ser tratada como um construto multidimensional.
Segundo Lautert (1995 apud Carlotto; Camara, 2007), diferentes resultados
do MBI, são encontrados quando aplicado em norte-americanos, no idioma original
em que a mesma foi elaborada. Nas palavras de Tamayo e Tróccoli (2001, p.53): “a
dimensão despersonalização tem apresentado um baixo índice de confiabilidade
tanto na literatura em geral quanto nas versões brasileiras do MBI”.
Também a versão espanhola do MBI-GS (General Survey) apresentou
problemas com a dimensão despersonalização quando se utilizou o método varimax
para análise fatorial (GIL-MONTE, 2002). Ajustado para apenas três fatores, as
questões se agruparam de modo semelhante ao modelo tridimensional (idem). A
tradução do MBI-GS (General Survey), uma versão do MBI para profissionais de
2
Cinismo é um termo inadequado para este conjunto de sintomas. cognato (cynical – aquele que não
acredita na bondade humana, desconfiado, indiferente – OXFORD DICTIONARY AND THESAURUS,
1996). O termo mais apropriado para o português seria Indiferença (LEGAL e THIEME, 2007).
13
outras áreas que não educação ou saúde, também demonstrou problemas em
relação à dimensão despersonalização na análise fatorial (LEGAL; THIEME, 2007).
Maslach e Leiter (1999) apresentam uma sistematização das principais
causas da síndrome de burnout, destacando os seguintes aspectos: excesso de
trabalho, falta de controle, remuneração insuficiente, colapso da união, ausência de
equidade e valores conflitantes. As autoras apontam que os aspectos destacados na
etiologia da síndrome, estão associados aos processos e estrutura de administração
das organizações (definições da missão e objetivos, conduta da administração
central, estilo de supervisão, processo de comunicação, avaliação de desempenho,
políticas de saúde e de segurança).
Maslach (2009), em seu artigo de revisão, ao compreender as situações que
causam burnout, evidencia que pode haver alguns fatores individuais de risco, mas
que a natureza do trabalho e as variáveis situacionais predispõem ao burnout mais
do que características individuais, salientando a necessidade de equilíbrio entre
estes dois aspectos. Carlotto (2002) em um estudo com profissionais de
universidades reforça a implicação dos aspectos organizacionais, mais do que os
individuais.
Dejours (1992) destaca a importância representada pelo papel da
organização do trabalho, salientando que quanto menor a autonomia do trabalhador
na organização da suas atividades, maiores as possibilidades de que a atividade
gere transtornos à saúde mental.
Na investigação desenvolvida por Byrne (1991 apud CARLOTTO, 2002), que
buscou verificar o nível de burnout em um grupo de professores universitários e sua
associação com variáveis demográficas, profissionais e fatores de estresse
percebidos no exercício profissional, foram identificados estressores comuns e
diferentes. Independentemente do nível de ensino de atuação do professor, todos
dividem frustrações similares: pressão do tempo, classes com grande número de
alunos, excessivas demandas administrativas, falta de suporte administrativo e
exercício de vários papéis (CARLOTTO, 2002).
A educação também pode estar associada à burnout, devido ao alto nível de
expectativa de seus profissionais quando esta não pode ser preenchida (MASLAH;
JACKSON, 1984 apud CARLOTTO, 2002). “Professores são comprometidos com o
trabalho
e
envolvem-se
intensamente
com
suas
atividades,
sentindo-se
14
desapontados quando não recompensados por seus esforços (FABER, 1991, apud
CARLOTTO, 2002, p.191)”.
O modelo sociológico, proposto por Woods (1999 apud Carlotto, 2002) aborda
o estresse e a eventual manifestação de burnout em professores, a partir de fatores
situados em níveis micro, intermediários e macro (p.191):
Fatores micro são os que se situam dentro da biografia pessoal e
profissional do professor (comprometimento, valores, carreira e
papéis desenvolvidos); os fatores intermediários são os institucionais
(tipo de escola, aspectos culturais do professor e dos alunos) e os
macro são todas as forças derivadas das tendências globais e
políticas
governamentais.
Estes
níveis,
em
interação,
desencadeariam
o
processo
de
“desprofissionalização”,
caracterizado pela proletarização do trabalho dos profissionais da
educação.
Faber (1999 apud CARLOTTO, 2002) compartilha em muitos aspectos da
visão sociológica para explicar burnout, mas acredita que seu entendimento está na
abordagem psicológica (p.191):
Sem se preocupar de onde emanam os estressores, acredita que
burnout ocorre quando o professor sente que seus esforços não são
proporcionais às recompensas obtidas e futuros esforços não serão
justificados ou suportados. Destaca também a ênfase negativa dada
às questões ligadas ao ensino, tendo freqüentemente seu foco
voltado para dificuldades. Este quadro tacitamente reforça o senso
de vitimização do professor, tornando-o mais vulnerável à burnout.
No campo de estudos da sociologia ocupacional e médica, há dois modelos
teóricos que podem ter a vantagem de levantar os aspectos relevantes para a saúde
e que caracterizam o mundo ocupacional do trabalho pessoal: o modelo americano
Demanda-Controle (Demand-Control Model, D/C, de Karasek, 1979 e Karasek;
Theorell, 1990) e o modelo alemão crise de gratificação no trabalho ou Desequilíbrio
entre esforço e recompensa no trabalho (Effort-Reward Imbalance Model, ERI, de
Siegrist, 1996) (apud GUIMARÃES; FREIRE, 2004).
De acordo com o modelo demanda-controle (D/C), quando há baixo controle
no processo ocupacional, também há uma diminuição na margem de decisão e
autonomia pessoal, e conseqüentemente, um pouco aproveitamento da capacidade
pessoal. Esta concepção foi ampliada por Karasek (1992 apud GUIMARÃES;
FREIRE, 2004), evidenciando que a ausência de apoio social no ambiente de
trabalho também pode intensificar a reação estressante. Este modelo registra as
15
situações estressantes vinculando a carga de trabalho, o mercado ocupacional e a
complexidade das experiências individuais. Diante de uma situação crônica de
estresse ocupacional, observa-se uma limitação de recursos de enfrentamento
(coping crítico) (GUIMARÃES; FREIRE, 2004).
O modelo “Crise de gratificação no trabalho" ou "Desequilíbrio entre esforçorecompensa no trabalho" (ERI) sugere uma relação de influência recíproca entre a
função ocupacional e a reciprocidade social. Neste sentido, o trabalhador espera
que sejam concedidas algumas gratificações (salário ou benefícios; estima e
valorização no trabalho e promoção e segurança no emprego) mediante seus
esforços. Este modelo tenta identificar as reações estressantes no trabalho em
relação às situações consideradas por um alto custo-esforço e um baixo
beneficio/recompensa (GUIMARÃES; FREIRE, 2004).
O destaque na recompensa social parece se justificar, segundo Cosmides;
Tooby (1992 apud GUIMARÃES; FREIRE, 2004, p.40): devido a que “Estas
expectativas ficaram impressas, ao longo do processo evolutivo, nas estruturas
cerebrais humanas como uma ‘regra’ básica do intercâmbio social, a ‘regra’ da
reciprocidade e a justiça”. Os dois modelos permitem identificar os fatores
psicossociais no trabalho e apresentam medidas de prevenção (GUIMARÃES;
FREIRE, 2004).
As propostas do modelo DIC se relacionam com medidas de replanejamento,
enriquecimento, desenvolvimento de habilidades e incentivo a participação no
trabalho. O modelo ERl centra-se na adequada relação entre esforço/recompensa.
Exemplos destas medidas incluem o desenvolvimento de sistemas de compensação,
construção de modelos de compartilhamento de necessidades e o reforço de
gratificações não financeiras. Podem ainda ser exploradas formas de melhoria das
oportunidades
de
ascensão
e
da
estabilidade
no
emprego.
Métodos
complementares são o desenvolvimento da formação interpessoal e as habilidades
sociais de relacionamento, em particular as do comportamento de liderança.
Maslach e Leiter (1999) enfatizam dentre as intervenções preventivas, aquelas
caracterizadas pela promoção dos valores humanos.
16
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
3.1 Amostra/ Sujeitos/ Participantes da pesquisa
Participaram da pesquisa 13 professores que exercem funções em atividade
de ensino, pesquisa e/ou extensão de um curso na área da saúde de uma instituição
de ensino superior privada. Tal escolha da amostra se deu pela quantidade de
dados
disponíveis
saúde/educação,
na
literatura
apontando-os
como
especializada
uma
classe
sobre
na
profissionais
qual
é
comum
de
o
desenvolvimento da síndrome de Burnout, pois unem as duas tarefas mais
associadas à síndrome. A amostra foi formada pelos professores que concordaram
em responder ao instrumento MBI; a um questionário referente a dados sóciodemográficos e organizacionais, bem como, aos que responderam à uma entrevista
semi-aberta contendo questões referentes à dimensão despersonalização.
3.2 Instrumento
Antes de iniciar a aplicação, os participantes foram informados sobre a
pesquisa, formalizando sua participação através da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, (apêndice 01) conforme normatiza as resoluções
CNS 196/1996 e CFP 010/2000 que regulamentam a pesquisa em seres humanos
na área de saúde e Psicologia, respectivamente. A presente proposta de trabalho
fez uso dos métodos de pesquisa quantitativo e qualitativo, definindo-se como
empírica, de natureza exploratória e descritiva, através da aplicação de três
instrumentos: o MBI, um questionário e uma entrevista semi-aberta, a saber:
Inventário da Síndrome de Burnout (MBI): (Maslach Burnout Inventory), adaptado
e validado no Brasil por Tamayo (1997 apud TAMAYO; TRÓCCOLI, 2001). Este
instrumento (anexo 01) é um auto-relatório (questionário preenchido pelo próprio
indivíduo) respondido por meio de uma escala do tipo Likert de cinco pontos,
variando de “1” = nunca a “5” = sempre.
Contém 22 itens dos quais, dez são
relativos à dimensão exaustão emocional (EE); cinco à despersonalização / cinismo
(DE) e sete à realização profissional (RP). Considera-se o diagnóstico positivo para
17
Burnout, quando uma pessoa revele altas pontuações em EE e DE associados a
baixos valores em RP (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). Esses valores foram
normatizados por Tamayo (1997 apud TAMAYO; TROCCOLI, 2001).
Questionário: Consta de um conjunto de questões fechadas, relacionadas a dados
sócio-demográficos e organizacionais (variáveis como sexo, idade, tempo de prática
da profissão e grau de profissionalização, e que se encontra no final deste projeto
(apêndice 01).
Entrevista: Consta de questões semi-abertas, onde foram abordadas, a percepção
das situações de estresse e dos relacionamentos interpessoais no contexto do
trabalho e as estratégias de coping utilizadas pelos indivíduos cotidianamente
(apêndice 02).
3.3 Coleta dos Dados
Foi aplicado primeiramente o MBI e logo após, o questionário e a entrevista.
Esta última foi gravada em áudio, como estabelecido no TCLE. A aplicação dos
instrumentos utilizados na pesquisa foi agendada com cada participante,
individualmente e de acordo com a disponibilidade de horário dos mesmos. Os
dados foram coletados individualmente pelo pesquisador, fornecendo as instruções
necessárias sobre como responder os instrumentos.
3.4 Análise dos Dados
Os dados do MBI foram computados de acordo com a norma para sua
correção, explicitada em Tamayo (1997). As entrevistas foram transcritas e
analisadas por meio do método e análise de conteúdo sugerido por Cartwright
(1974), visando obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição de conteúdo das entrevistas, indicadores que permitissem inferir
conhecimentos relativos (nesta pesquisa) a sintomas/sinais de estresse ocupacional
e despersonalização nos professores investigados. Para a composição das unidades
18
de análise das entrevistas, sugeriram-se as seguintes categorias, criadas em
conseqüência dos próprios relatos dos entrevistados: Fatores estressantes no
trabalho e auto-percepão dos relacionamentos interpessoais no ambiente de
trabalho. Subcategorias foram acrescentadas à medida que se tornou necessário,
mediante os resultados das entrevistas. Após a análise de conteúdo das entrevistas,
os resultados do MBI foram comparados de modo qualitativo às entrevistas
procurando pontos de intersecção e desconexão na dimensão “despersonalização”.
Aos professores participantes será fornecida uma devolutiva dos resultados
do próprio indivíduo e do trabalho (geral) assim que os dados forem analisados. Se
possível, os dados gerais serão discutidos com o próprio grupo de participantes
depois
de
serem
apresentados
à
banca.
Sugestões
serão
levantadas
(individualmente e em grupo), bem como serão repassados ao grupo estratégias de
enfrentamento para situações de estresse ocupacional e burnout.
19
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise dos dados é apresentada de acordo com os objetivos propostos.
Desta forma, os dados serão apresentados na seguinte ordem: 4.1 Dados
demográficos da amostra; 4.2 Resultados do MBI; 4.3 Relatos das entrevistas e sua
análise; e, 4.4 Comparações dos dados obtidos pelo MBI e na entrevista.
4.1 Dados demográficos da amostra
A amostra deste estudo foi composta por 13 professores, com especialização
no nível de mestrado, exercendo atividades em sala de aula e estágio. Para a
realização da pesquisa, a autora do projeto entrou em contato com a grande maioria
dos
professores
do
curso
específico
da
área
da
saúde,
abordando-os
individualmente e convidando-os a participarem da referente pesquisa.
Os dados sócio-demográficos gerais da amostra são apresentados de forma
resumida no quadro 01, a seguir.
20
Quadro 1. Demonstrativo dos dados demográficos da amostra.
VARIÁVEIS
CATEGORIAS
Idade
28-38 anos
4
39-49 anos
7
50-54 anos
2
Feminino
11
Masculino
2
Casado
8
Solteiro
3
Separado
1
Viúvo
1
Nenhum filho
4
1 filho
5
2 -3 filhos
4
Especialização
2
Mestrado
10
Doutorado
1
Professor Extensão /Pesquisa
3
Professor em sala de aula/
10
Sexo
Estado Civil
Números de Filhos
Escolaridade
Ocupação
FREQÜÊNCIA
campo/laboratório/hospital
Número de horas em sala de
aula
Número de horas em estágio
Tempo de Serviço
Tempo na Instituição
até 14 horas
6
15- 25 horas
3
26-35 horas
3
5-10 horas
2
15-20 horas
4
22-35 horas
3
Entre 5 - 10 anos
6
Entre 10 - 15 anos
2
Mais de 15 anos
5
Entre 5 - 10 anos
7
Entre 10 - 15 anos
2
Mais de 15 anos
4
21
A amostra foi composta em sua maioria, por professores na faixa etária de 39
a 49 anos, mulheres, casadas e com filhos. Observa-se que o tempo de trabalho da
maioria dos entrevistados se dividiu entre os que trabalham na área da saúde e na
instituição até 10 anos e há mais de 20 anos, constatando-se assim que os
participantes se dividiram entre os mais novos e os mais antigos.
4.2 Resultados do MBI
De modo geral, os escores do MBI-HSS não foram indicadores de sintomas
de burnout no grupo, contudo, para alguns participantes, os índices em uma ou outra
dimensão alcançaram valores maiores, indicando propensão ao desenvolvimento da
síndrome.
Tabela 1. Demonstrativo dos escores do MBI-HSS obtidos pelos professores entrevistados.
PARTICIPANTE
ESCORES NAS DIMENSÕES
EE
rRP
DE
Participante 1
1,56
1,75
1,2
Participante 2
1,78
1,88
1,4
Participante 3
3,33
1,75
1,4
Participante 4
2,78
2,50
1,4
Participante 5
1,89
2,13
1,2
Participante 6
2,44
2,50
2
Participante 7
1,56
1,88
1,6
Participante 8
3,33
2,63
2,8
Participante 9
1,67
1,63
1
Participante 10
3,22
3,00
1,6
Participante 11
2,33
2,13
1
Participante 12
1,56
1,38
1
Participante 13
3,11
2,13
2
22
Pode-se observar pelos resultados demonstrados na tabela 1, quatro escores
mais elevados na dimensão EE, um para a dimensão DE e um para rRP. Em apenas
um dos casos, a baixa realização profissional (rRP) e Exaustão emocional (EE)
apareceram conjuntamente. Em outro caso, a EE alta apareceu em conjunto com
Despersonalização (DE) elevada. Estes resultados são indicativos de prováveis casos
em curso da síndrome de Burnout. De modo geral, no total de escores para DE,
apenas um caso chama a atenção para uma elevação desta dimensão. Os demais
casos apresentam uma variação de auto-percepção das questões relativas à DE,
como inexistentes ou aparecendo raramente.
Segundo Maslach e Leiter (1999), a primeira dimensão a surgir na Síndrome
de Burnout é a Exaustão emocional, desencadeada geralmente pelas demandas
provenientes do exercício do trabalho, podendo ser a EE um preditor de
Despersonalização e esta por sua vez, um preditor do sentimento de baixa
Realização no Trabalho.
4.3 Relatos das entrevistas e sua análise:
Para uma melhor organização, optou-se por dividir os resultados em duas
categorias. A primeira categoria apresenta e discorre sobre os relatos dos
participantes ao avaliarem as fontes de estresse no ambiente de trabalho; a segunda
categoria apresenta a percepção dos participantes avaliando seus relacionamentos
interpessoais com os alunos/pacientes, colegas de trabalho e com a instituição.
4.3.1 Categoria1: Fontes de Estresse no Ambiente de Trabalho: Evidencia as
situações experienciadas e percebidas pelos professores como fontes de estresse
no cotidiano de trabalho. “Os estressores são exigências diante das quais a pessoa
tem que confrontar-se e que provocam uma tentativa de superação ou resolução do
problema (GUIMARÃES; FREIRE, 2004, p. 32)”.
De acordo com as entrevistas realizadas com os professores, destacaram-se
como fontes de estresse no ambiente de trabalho:
• A Política Institucional e a sobrecarga no trabalho;
• As dificuldades com a equipe de trabalho;
23
• As dificuldades com a mudança do perfil do aluno e suas repercussões
no processo ensino-aprendizagem.
As descrevemos a seguir:
A Política Institucional e a Sobrecarga no trabalho:
A sobrecarga no trabalho tem sido uma das variáveis mais apontadas como
predisponentes ao burnout. “Diz respeito tanto à quantidade como à qualidade
excessiva de demandas, que ultrapassam a capacidade de desempenho, por
insuficiência técnica, de tempo ou da infra-estrutura organizacional (GIL-MONTE;
PEIRÓ, 1997; KUROWSKI, 1999; MASLACH; SHAUFELI; LEITER, 2001; VEJA;
URDÁNIZ, 1997 apud BENEVIDES PEREIRA, 2002, p.60)”.
As políticas de administração determinam a carga de trabalho e especificam
quanto controle os indivíduos exercem sobre o próprio trabalho. O grau em que uma
pessoa pode controlar suas atividades, ou os acontecimentos em seu trabalho,
interfere no seu bem-estar (MASLACH; JACKSON, 1999).
Através das atribuições feitas por alguns professores entrevistados, em
relação à Política Institucional e a Sobrecarga no trabalho, evidenciaram-se como
fatores predisponentes ao estresse no ambiente de trabalho:
• A pressão que a Instituição exerce sobre o professor através das mudanças
administrativas;
• O acúmulo de funções e atividades a serem cumpridas em um limitado
espaço de tempo;
•
A auto-cobrança do professor no desempenho de seu papel de docente e
com o desempenho do aluno;
• A invasão que o trabalho exerce na vida pessoal do professor;
• A insegurança do professor quanto ao número de horas/aula disponível
semestralmente;
• À falta de uma maior organização da infra-estrutura institucional, assim como
no número de alunos e à necessidade de uma padronização de
procedimentos de avaliação dos alunos;
24
De acordo com a fala de um entrevistado:
Participante 11- “Em termos gerais, o que a gente encontra aqui é sobrecarga de
trabalho mesmo... porque em função de todas as dificuldades que a Universidade
tem enfrentado... tá havendo redução de pessoal, em todos os níveis... e aí, as
funções que muitas pessoas executavam... agora, a gente tem que executar e tem
que dar conta, porque a qualidade tem que ser mantida... o aluno não pode sofrer
em função desses cortes... e a gente tem que suprir essa necessidade. Então assim,
a demanda do trabalho está cada vez maior... muito grande. [...] mas não é uma
coisa relacionada à profissão em si, é relacionada à Instituição, especificamente... e
a gente consegue perceber que é uma coisa da Instituição”.
Em relação à pressão que a Instituição tem exercido sobre o professor, foram
destacadas as mudanças ocorridas na política institucional em decorrência da crise
mundial nos últimos anos. De acordo com Carlotto (2002), as conseqüências
decorridas do aumento de oferta de cursos e de instituições de ensino universitário e
a concomitante necessidade de processos avaliativos desenvolvidos pelo Estado
(como proposto na LDB aprovada em 1996), demandaram uma adequação na
formação de uma nova estrutura organizacional e de uma nova dimensão
pedagógica com conseqüente ampliação das atividades de ensino, pesquisa e
extensão. Diante destas transformações, aumentou as responsabilidades e
exigências sobre os educadores.
De acordo com a fala de um entrevistado:
Participante 10 – “Os principais problemas, no momento... Assim... bem atual, são...
a pressão que a gente vive dentro da instituição, pelo reflexo da própria crise
mundial, mas uma crise que a instituição já vivencia a um bom tempo... Isto, como a
gente fala popularmente, espirra sobre o curso em si, como em todos os cursos, mas
reflete também no nosso curso... Isto faz com que a coordenação cobre da gente
resultados... faz com que a coordenação cobre produtividade e a gente tem que dar
muito de si... e eu me sinto cobrada... muito cobrada a produzir, a dar conta dos
resultados... A trabalhar com um público com muita dificuldade, a diminuir índice de
reprovação com este público com muita dificuldade”.
25
Esta nova configuração do trabalho docente pode ocasionar ou incrementar
determinados fatores de estresse de trabalho. Estes, quando persistentes, podem
levar à Síndrome de Burnout, como o resultado do estresse crônico, típico do
cotidiano do trabalho, principalmente quando neste existe excessiva pressão,
conflitos, poucas recompensas emocionais e pouco reconhecimento (CARLOTTO,
2002).
Em função do avanço da economia capitalista, há uma perspectiva em manter
e promover à eficiência, assim, as tarefas de alto nível são transformadas em
rotinas, existindo uma maior subserviência a um conjunto de burocracia. Esta nova
realidade “supõe um profundo e exigente desafio pessoal para os professores que
se propõem a responder às novas expectativas projetadas sobre eles (ESTEVE,
1999 apud CARLOTTO, 2002, p.188)”.
Em relação ao acúmulo de funções e atividades a serem cumpridas em um
limitado espaço de tempo, evidenciou através das falas de alguns entrevistados, a
pressão e a dificuldade do professor em conciliar a realização de todas as
atividades/horas/funções (pesquisador/ educador/enfermeiro) a que estão sujeitos
pela exigência da categoria profissional e pela instituição.
Devido
à
própria
fragmentação
da
atividade
profissional
e
das
responsabilidades em que são exigidas do professor, há um aumento de tensão na
atividade do trabalho. De acordo com Carlotto (2002) as conseqüências a este
aumento de tensão é a consternação dos professores, pois em muitas situações,
podem
não
possuírem
meios
e
condições
necessários
para
responder
adequadamente. “[...] Assumir as novas funções que o contexto social exige dos
professores supõe domínio de uma ampla série de habilidades pessoais que não
podem ser reduzidas ao âmbito da acumulação do conhecimento (p. 188)”.
Isto pode ser percebido no discurso de um entrevistado:
Participante 8 – “Você tem inúmeras atividades pra desenvolver num curto espaço
de tempo... Há uma cobrança muito grande... Tem momentos que você não sabe o
que fazer primeiro de tanta coisa que tem pra fazer... aí você tem que parar e
26
estabelecer prioridades... e aí você fica ansioso, cansado, muitas vezes, a gente
acorda cansado em relação a isso...”
De acordo com Soratto e Pinto (1999) quando o professor sente dificuldades
em não conseguir cumprir as exigências impostas pela amplitude do trabalho, sob
condições objetivas, traz como conseqüências uma carga mental no seu cotidiano.
Participante 3- [...] “Eu não posso dizer que eu tenho dificuldades... na realidade...
são acumulo de funções, de trabalho que você tem... Então assim... eu não posso
dizer que a instituição complica minha vida... não é isso, mas ao mesmo tempo... os
prazos são mais curtos, as exigências são maiores... O que eu mais tenho... acho
que é sobrecarga mesmo de trabalho, porque além das funções que você assume...
você entra numa comissão disso, entra numa comissão daquilo... e são coisas
extras. [...] Eles querem que a gente publique, mas não tem tempo... e ai você se
cobra...”.
Segundo o estudo de Byrne (1991apud CARLOTTO, 2002, p.195): “no que
diz respeito ao professor universitário, a pressão para o desenvolvimento de
pesquisas e a publicação científica foi apontada como o principal fator gerador de
burnout”.
Participante 6 - “[...] eu acho que a gente tem uma carga horária extensa para dentro
da sala de aula e pouca pra publicar os trabalhos, então todo professor sonha em ter
o trabalho feito com os alunos, publicados com certeza. [...] mas você tem que se
dedicar isso no teu horário livre [...] isto é uma das coisas que me chateia um
pouquinho...”
Do ponto de vista institucional, o plano de trabalho do professor universitário
tem que ser disposto de horas de pesquisa, mas também de muitas horas de ensino,
o que pode não lhe sobrar tempo para investigações, nem para a preparação das
aulas (FRANCO, 2001 apud CARLOTTO, 2002).
Isto também pode ser também percebido nos conteúdos do discurso de vários
entrevistados, ilustrando:
27
Participante 4 -“Os problemas que eu acho que todos professores estão
enfrentando, na realidade... é a sobrecarga de trabalho... com relação à carga
horária disponível para o trabalho... então a gente tá assumindo com a mesma carga
horária, outras atividades que não são somente da extensão, não são somente do
ensino e nem da pesquisa. São outras atividades que nos exigem a participação, por
exemplo, dentro da comunidade. A gente tem reuniões fora da universidade,
participa de outros fóruns, de outros colegiados, de outros conselhos, que isto não
está computado em carga horária, então você sobrecarrega... e a carga horária que
você tem... são carga horária de atividade diretamente... e a carga horária que você
teria para corrigir prova, pra corrigir trabalho, para elaborar prova, para elaborar até
mesmo a aula, você não tem essa carga horária... você faz isto nos teus espaços de
lazer, durante os teus momentos de folga, então eu acho que isso é algo que
sobrecarrega demais, então a gente tem que ter um bom jogo de cintura...uma boa
possibilidade assim de organização, porque senão realmente complica o lado da
saúde do indivíduo”.
Segundo Carlotto (2002), o professor dispondo de mais tempo para a
realização do trabalho, tem menos tempo para o convívio social, menos
oportunidades de trabalho criativo e menos tempo para a atualização profissional.
Soratto e Pinto (1999) também salientam de que o trabalho do professor para ser
realizado a contento, implica em atualizações constantes, portanto, o professor
necessita de mais tempo para preparar as aulas e para se atualizar.
Participante 11- “Essas coisas acontecem, sobrecarga de trabalho... de repente você
ta dando conta de uma demanda... Não deu tempo de acabar aquilo, já vem outra...
e quando eu não vou conseguir eu digo: não vou conseguir... quando eu conseguir
eu entrego... vou fazer o mais rápido possível... não vou morrer por causa disso...eu
tenho que dormir, eu tenho que comer, eu tenho filhos... [...] Eu trabalho bem,
trabalho bastante... minha capacidade de trabalho é bem grande, que além das
coisas normais, eu invento um monte de coisa... Eu tenho um grupo de voluntários
que trabalha uma vez por mês. [...] mas assim... são várias coisas que a gente tem
que fazer [...] Eu sinto cansaço... tem hora que eu quero me aposentar mesmo... são
26 anos aqui na universidade... mas eu gosto do que eu faço”.
28
“O acumulo de exigências, a premência de tempo e o alto nível de
responsabilidade associado levam freqüentemente a sobre- esforços mentais e a
situações estressantes (GUIMARÃES; FREIRE, 2004, p.32)”.
De acordo com a fala de dois entrevistados:
Participante 3 - “To em casa às vezes... vendo um filme, lendo um livro... pô... mas
tem isto pra fazer... tem aquilo pra fazer... Meu filho perguntou: ‘porque tua
professora pede tanta coisa, mamãe?’. A mamãe é a professora e a mamãe está
fazendo isto pros alunos... ‘mas você trabalha tanto mamãe! ’... e era domingo... Isto
cansa sabe, assim... Tem horas que você cansa... não vive... prejudica tua qualidade
de vida... mas assim... o cansaço é mais físico”.
Em relação à invasão do trabalho na vida pessoal de alguns entrevistados,
fica evidente, pela fala dos mesmos, o quanto as tarefas do cotidiano de trabalho
são transportadas para o seio familiar, tomando parte da rotina fora do local de
trabalho.
No estudo de Vasques-Menezes, Codo e Medeiros (1999), foi evidenciado
que em torno de 6% dos profissionais de educação pesquisados, relataram que a
invasão do trabalho no ambiente familiar é fonte de sofrimento. “A relação trabalho x
família é uma relação biunívoca onde o trabalho afeta a família e a família afeta o
trabalho (VASQUES-MENEZES; CODO; MEDEIROS, 1999, p.256)”.
De acordo com a fala de dois entrevistados:
Participante 3 - “To em casa às vezes... vendo um filme, lendo um livro... pô... mas
tem isto pra fazer... tem aquilo pra fazer... Meu filho perguntou: ‘porque tua
professora pede tanta coisa, mamãe?’. A mamãe é a professora e a mamãe está
fazendo isto pros alunos... ‘mas você trabalha tanto mamãe! ’... e era domingo... Isto
cansa sabe, assim... Tem horas que você cansa... não vive... prejudica tua qualidade
de vida... mas assim... o cansaço é mais físico”.
Participante 13 – [...] “É o cansaço um pouco... às vezes ele bate o cansaço...
quando a gente vê que já não ta mais produzindo... não tem mais produção, tem um
momento que tem que parar... parar porque não tem mais... condições de seguir. [...]
29
O tempo curto que eu tenho... às vezes eu vejo que eu não tenho tempo pra mim,
não consigo ter tempo pra mim... tempo pra mim é irrisório, mas que eu consigo
cumprir estas tarefas... eu consigo”.
“No caso da existência do conflito entre trabalho e família, onde o trabalhador
sente-se roubado de um tempo que poderia estar se dedicando à família, percebese um aumento significativo dos fatores exaustão emocional e despersonalização
(VASQUES-MENEZES; CODO; MEDEIROS, 1999, p.256)”.
Segundo Maslach e Leiter (1999), o desgaste físico e emocional é uma
conseqüência de um desequilíbrio entre as necessidades do individuo e as
exigências do trabalho. Ainda, segundo as mesmas autoras, o desgaste, é um
problema da estrutura e do funcionamento do local de trabalho, que moldam a forma
de interação das pessoas e a forma como elas realizam seu trabalho.
Evidente, também, foram as questões relacionadas à auto-cobrança do
professor no desempenho de seu papel de docente e de sua preocupação com o
desempenho do aluno:
De
acordo
com
Benevides-Pereira (2002),
o
conjunto
de
funções,
expectativas e condutas que uma pessoa desempenha em seu trabalho constitui-se
em seu papel específico como profissional. “O papel do professor tem se modificado
na tentativa de atender às expectativas e necessidades da sociedade atual, que se
encontra em constante processo de mudança (CARLOTTO, 2002, p. 188)”.
De acordo com a fala de um entrevistado:
Participante 10 – “Tive um problema poucos dias com um aluno, colando. Quando
eu o abordei ele me acusou de está-lo constrangendo... [...] eu acho que as pessoas
me consideraram como culpada neste episódio... Eu agi de acordo com minha
consciência, me senti péssima... horrível. Senti decepcionada... [...] eu me senti
desmotivada, desestimulada... eu não vou desistir... mas sabe quando tu pensas em
desistir? Fiquei com vontade de não continuar mais. Tu questionas seus valores.
Não é nada agradável. [...] Você sonha assim, por exemplo... Que eu quero na
minha profissão? Destes 40, 50 que se formam em cada semestre, dois, três talvez
sejam ótimos profissionais... os outros serão enfermeiros e alguns nunca chegarão a
30
ser. Só que você, enquanto educador... você se empenha... você idealiza o aluno
ideal... e você quer que todos sejam... e não existe isso”.
Quando há um embate entre as informações e as expectativas do trabalhador
sobre seu desempenho, pode ocorrer um conflito em não conseguir corresponder ao
que os colegas, supervisores, etc. esperam dele. [...] “Quanto maior o conflito de
papéis, maior a probabilidade do desencadeamento do Burnout (BENEVIDESPEREIRA, 2002, p.62)”.
Este
conflito
pode
levar
o
professor
a
se
avaliar
negativamente,
particularmente a respeito do próprio trabalho com os alunos. “Não conseguir atingir
os objetivos aos quais se propõe traz ao professor um sentimento de impotência, de
incapacidade pessoal para realizar algo que tanto sonhou (CODO; VASQUESMENEZES, 2002, p. 242)”.
Em relação à falta de estabilidade quanto ao número de horas/aula disponível
semestralmente aos professores, evidenciou-se a insegurança gerada na fala de
alguns entrevistados:
Participante 4 - “Eu era de uma época que a gente sabia a carga horária que tinha, a
gente era período integral sem se preocupar se tinha 40, 2, 30 ou 20... E as coisas
aconteciam e tudo era feito dentro daquela carga horária”.
Participante 10 - “Você se sente assim... puxa!... não adiantou nada... todo semestre
é a mesma coisa... você nunca sabe se semestre que vem vai ter a carga horária
garantida. A gente sente uma insegurança muito grande... Todo semestre é uma
redistribuição da carga horária... a gente se encontra assim com outros
professores... até de outros cursos e eles perguntam ‘como é que ficou tua carga
horária? ’ Então isto já é uma coisa que já paira no ar... Lógico... Eu digo assim, a
profissão docência, independente do curso. Eu só exerço a docência...”.
Participante 12: [...] “Às vezes tu ta chateada... você sai de casa por alguma coisa
mesmo... você se chateia, porque não tem dinheiro pra pagar a luz... diminuiu
reduziu a hora de trabalho...coisas assim...”.
31
O professor, como qualquer trabalhador, vende sua força de trabalho para
suprir suas necessidades materiais e afetivas, devendo receber, do ponto de vista
material, o suficiente para lhe garantir segurança e estabilidade; e do ponto de vista
afetivo, satisfação, reconhecimento e respeito. Neste sentido, o trabalhador aspira
ter condições de levar a sua vida de modo satisfatório (VASQUES-MENEZES;
CODO; MEDEIROS, 1999).
A instabilidade quanto ao número de horas também foi observada na fala de
um entrevistado, como um gerador de conflito nos relacionamentos interpessoais.
Participante 8 – “Há uma dificuldade muito grande... uma disputa de poder muito
grande entre os professores. Disputa por carga horária... disputa por... ‘tatos’... ‘eu
sou mais que você’... ‘eu sou mais importante’... e tem muitas pessoas que são
capazes de fazer muita coisa por isso... [...] Este negócio da ganância, de carga
horária... são pessoas que conversam comigo, são pessoas extremamente
simpáticas, que demonstram simpatia, que conversam... e quando você não está
próximo manipulam de uma forma... e isto é que me chateia bastante... Neste
semestre... o grande problema é a disputa pela carga horária... que algumas
pessoas têm uma ambição tão grande que são capazes de excluir você pra não
precisar dividir a carga horária daquela disciplina com você... [...] e o que eu to
fazendo hoje... é como fazer de conta que isto não aconteceu... e continuar
trabalhando junto... com a pessoa, sem que a pessoa perceba... de que eu to ali,
que eu tenho competência pra isso... tentando buscar meu espaço aos poucos...”
Nas entrevistas, destacaram-se também nas falas de dois entrevistados, a
falta de organização na infra-estrutura da instituição, o número excessivo nas turmas
de alunos e à necessidade de uma padronização nos procedimentos de avaliação:
Participante 2 - “A gente tem turmas muito grandes, isso eu acho que é um fator
complicador na realidade de trabalho. Claro que se a gente olhar pro atual contexto
da universidade... quanto mais aluno melhor, mas no sentido do ensino... é o
numero de alunos... Em principio é isso... tem algumas coisas de estrutura de sala
de aula... que eu acho que isto também prejudica um pouco... os quadros colocados
em locais inadequados... coisas deste tipo, mas basicamente é isso, fora isto eu não
vejo outros problemas... [...] As dificuldades maiores que eu sinto na parte
32
profissional, é uma questão muito mais institucional de alguns problemas que tem
acontecido... de fluxo de algumas coisas, tipo reserva de auditório... é um trabalho
imenso. [...] É uma questão muito mais... como é que eu vou dizer... uma questão de
organização da instituição em si, do que especificamente outras coisas... é neste
sentido assim... Eles deviam tomar algumas medidas pra facilitar o trabalho... eles
fizeram algumas mudanças que só se tornou isto mais complicado ainda. Um
exemplo, os outdoors. Pra reservar os auditórios é uma novela e tanto. Aí
geralmente eles nunca vêm abrir no horário programado... então isso é muito chato,
por que muitas vezes a gente acaba meio que passando por ‘incompetente’, ou
mesmo por irresponsável por este tipo de coisa que não tem nada a ver.”
De acordo com Sorattto e Pinto (1999), turmas muito grandes são
inadequadas, tanto para professor que tem que empreender um esforço extra para
garantir a qualidade de suas aulas, quanto para os alunos que tem as condições de
aprendizagem prejudicadas. Assim conforme aumenta o número de alunos por
turmas, aumenta também o nível de carga mental exigido do docente.
Também se evidenciou a necessidade de uma padronização na instituição
quanto aos procedimentos de avaliação dos alunos. De acordo com a fala de um
entrevistado:
Participante 5- “[...] Então assim... o que é ser enfermeiro, por exemplo?... Ser
enfermeiro pra mim, por exemplo, é ter um conhecimento da área e este
conhecimento não precisa ser total, porque isto não existe, e ao mesmo tempo... que
essa pessoa saiba se relacionar... tenha uma boa comunicação e ele tenha ao longo
da academia pra desenvolver isso... Entretanto, esta academia... ela acontece em
etapas, então se estou na terceira etapa... entende que o aluno ao estar nela... para
sair dela, ele teria que completar esta etapa, senão ele não estaria apto ‘para’. E às
vezes o que se percebe, é que assim... ‘não’, a academia ela ta um pouco confusa
assim hoje... Sabe... o que é mercado e o que o mercado vai exigir do aluno? O
mercado não vai exigir isso, ou não... o mercado vai ensinar pra ele. [...] Então
assim... não existe no curso isso: Ah! até onde você vai ensinar e até onde você vai
cobrar?... [...] Será que o que eu cobro é a mesma coisa que outros professores? E
aí assim... é aquilo que eu te disse antes, não tem um padrão... então quando não
existe um padrão de cobrança...[...] e aí isso vai gerar conflito, porque o aluno em
33
algum momento vai dizer ‘não, ela cobra mais que fulano’. Então volto a falar, a
instituição precisa colocar um padrão de avaliação... existem critérios de avaliação e
até estes critérios de avaliação cada vez mais vem sendo assim, fragmentado pra
que se chegue neste padrão”.
Dificuldades com a equipe de trabalho: Evidenciou-se a divergência de opiniões
entre os professores, no que se refere ao que a instituição preconiza e suas
repercussões no comprometimento da equipe, acarretando em dificuldades de
relacionamento interpessoal entre os mesmos e minando o suporte social.
Segundo Vasques-Menezes e Soratto (1999), suporte social se refere à rede
social que se estabelece naturalmente entre colegas de trabalho, vizinhos e
conhecidos e que no contexto específico do trabalho, se torna um forte aliado na
proteção da saúde mental.
O suporte ou apoio organizacional tem a ver com o sentimento de união
entre colegas e superiores, a percepção de que as pessoas, no ambiente de
trabalho, estão disponíveis para ajudar e orientar, em um clima de respeito e
consideração. Quanto menor o suporte sentido por um profissional, maior a
probabilidade de desenvolver Burnout (GIL-MONTE; PEIRÓ, 1997; KUROWSKI,
1999; MASLACH; SHAUFELI; LEITER, 2001 apud BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
“A segunda função da rede social é de auxiliar objetivamente a resolver
problemas, quer no sentido de que compartilha soluções, quer no sentido que
permite a descarga de uma carga afetiva (VASQUES-MENEZES; SORATTO, 1999,
p. 267)”. Ainda segundo os mesmos autores, quanto melhor for o suporte social,
mais o indivíduo tem condições de desenvolver estratégias para lidar com os
problemas do cotidiano.
De acordo com a fala de alguns entrevistados:
Participante 5 – “Bom... na verdade, os problemas existentes... Na grande maioria
deles, são todos relacionados ao comprometimento da equipe que a gente trabalha.
[...] Uma vez que uns se comprometem mais, uns menos, então... acho que a maior
dificuldade é a visão que se tem de ensino... na questão do ‘ser enfermeiro’, que é
diferente entre os professores... e isto, em algum momento vai trazer algumas
dificuldades... Até o momento todas bem solucionadas assim, mas claro... isto em
algum momento, traz a frustração pra gente... [...] Eu acho que isto é o mais
34
complicado né... São vários profissionais com formações completamente distintas e
com visões de ‘ser enfermeiro’ diferentes... Então isso às vezes incomoda...
influencia no relacionamento... o relacionamento passa a ser mais estressante até
na visão de cobrança ‘desse ser enfermeiro”.
Neste sentido, Maslach e Jackson (1999), pontuam que o conflito mal
resolvido destrói o sentimento de união, causando frustração, ansiedade,
desrespeito e suspeita no local de trabalho, fazendo com que com seja menos
provável que as pessoas se ajudem em momentos difíceis.
Participante 8 - “A dificuldade que eu encontro pra trabalhar aqui na docência...
estão relacionadas principalmente com o relacionamento entre os colegas. Há uma
dificuldade muito grande... uma disputa de poder muito grande entre os
professores... [...] e tem muitas pessoas que são capazes de fazer muita coisa por
isso... de burlar normas, de privilegiar pessoas... Então há uma dificuldade muito
grande em se estabelecer no curso [...] As reuniões de grupos de professores... são
muito importantes... por que se eu estou trabalhando com 5 pessoas que são bem
tranqüilas, eu trabalho bem tranqüilo, mas se um ficar ‘ruminando’ aquele
problema... o outro também vai ‘ruminar’... quando eu vejo também estou
‘ruminando’...Às vezes eu me percebo fazendo coro àquela turma que ta
verbalizando tanto a sua ansiedade, que fico mais ansioso ainda que as vezes eu
tenho que sair da sala. Nós temos um grupo de professores muito ansiosos, muito
estressados.”
A qualidade dos relacionamentos e o sentimento efetivo da existência ou não
de suporte social pode variar de acordo com as características pessoais ou em
função dos problemas vivenciados em algumas condições situacionais. Outro
aspecto observado, é que a falta de suporte social pode não ser real, podendo
decorrer de uma percepção distorcida da realidade ou de um nível de exigência do
indivíduo
em
razão
de
uma
necessidade
pessoal
(VASQUES-MENEZES;
SORATTO, 1999).
A ausência de suporte social (real ou imaginária) pode desencadear uma
série de comprometimentos pessoais ou profissionais. “A nível pessoal, na falta de
alternativa para extravasar tensões diárias [...]. Para a vida profissional essa tensão
35
acumulada exacerba e é exacerbada pelos desgastes da própria atividade
(VASQUES-MENEZES; SORATTO, 1999, p.269)”.
O sentimento de não integração social pode interferir na relação do
trabalhador com o seu trabalho no aspecto mais funcional, ou seja, no sentido de
motivação e dedicação a ele.
Participante 6 - “Acho que a maior dificuldade... é... trabalhar dentro de um grupo
grande... vários professores... tendo uma política institucional que nem sempre...
agrada a todos os membros, mas... é fazer com que todas estas pessoas envolvidas
tenham um objetivo comum ainda assim dentro do ensino... Trabalhar com esta
diversidade de opiniões, que às vezes conflita até mesmo com a política da
instituição e você... numa situação como de coordenação, por exemplo, de apoio à
coordenação, que todos ainda pensem num objetivo comum, que é o ensino, que é
o aluno... eu acho que esta é uma das maiores dificuldades pra mim hoje, com
relação ao trabalho. [...] Algumas pessoas acreditam mais em alguns objetivos e
outras que acreditam em outros... e não necessariamente estes dois grupos
conseguem ver que os objetivos deveriam ser os mesmos. E aí... às vezes a gente
entra em conflito interno, nos dois grupos... defendendo uma idéia que não
necessariamente é igual, mas por traz dela tem uma boa intenção... e a gente acaba
desgastando numa discussão pessoal de que talvez o meu método é melhor, qual
método é pior e assim vai. Então este relacionamento com o grupo é bastante
complexo ...e é bastante difícil...”
Participante 7- “Assim, o que me incomoda é quando eu vejo assim... brigas
desnecessárias, porque a grande parte dos conflitos são relacionais, sabe... um
professor falando mal do outro... coisas que às vezes não envolve diretamente a
coordenação. Então eu fico um ‘pouquinho’ chateada... quando eu vejo que é uma
bobagem... que não precisaria provocar o transtorno que provocou...”
Segundo Maslach e Leiter (1999), mesmo com a tendência crescente em se
trabalhar em equipe, as organizações dão pouca atenção ao treinamento com
habilidades interpessoais, enfocando mais habilidades técnicas ou econômicas,
transformando assim, o ambiente de trabalho num terreno fértil para o
desenvolvimento do desgaste físico e emocional, o que num primeiro momento,
36
pode fragmentar as relações pessoais e num segundo nível, minar o trabalho de
equipe.
A mudança do perfil do aluno e suas repercussões no processo ensinoaprendizagem:
De acordo com as falas de alguns entrevistados, evidenciou-se a dificuldade
que alguns professores encontram em lidar com a mudança de perfil do aluno, o que
conseqüentemente reflete no processo ensino- aprendizagem:
Participante 8 – “O professor se esmera, prepara aula, dá aula, ministra e a
contrapartida não acontece. Reclamam as vezes que não aprendem, mas eles não
estavam em sala de aula pra aprender... eles saem... não se interessam... e isso me
deixa bem chateado. [...] e eles querem nota, eles não querem aprender. Eu posso
dizer com certeza que isto é mais de 80 % dos alunos. Criou-se uma cultura da
estratégia, é uma palavra que eu já não posso mais nem ouvir direito... é estratégia.
Os alunos... a partir da primeira prova que fazem... uma semana depois já vem... ‘vai
ter uma estratégia de recuperação de nota?’ [...] eles não se preocupam que eles
não aprenderam aquele conteúdo ou que eles não conseguiram mostrar o
conhecimento. [...] a gente quer que eles aprendam e eles querem nota pra passar.
Isto é uma dificuldade bem grande que eu encontro aqui”.
Participante 3 -“Hoje o nosso aluno exige mais... o aluno mudou completamente,
antes... você dizia ‘faz isso tal dia... tal hora’... era um tratamento até mais autoritário
em alguns momentos. E hoje não, hoje ele tem um monte de recurso, ele tem um
monte de instrumentos... às vezes ele vem pra aula já sabendo todo o tema...
porque ele já estudou na internet, já buscou... então assim, você luta hoje contra
todo um conhecimento que já está posto... né. Então assim... O professor hoje, ou
ele se atualiza em todos os aspectos, assim no trato com aluno... entra em blog ou
sei lá o que, ou ele entra no ostracismo. Então... as mudanças mundiais é que
fizeram com que também o nosso papel mudasse”.
Participante 1 – “A relação com os alunos, nos dias de hoje é um pouco mais difícil
assim... no sentido do perfil que a gente lida, um aluno mais inquieto... um aluno que
37
não para mais em sala... então assim, é um estresse voltado pra isso, digo, o perfil
do aluno que nós temos hoje, nada que não dê pra lidar de forma tranqüila... [...] é
um aluno muito imediatista... que tem acesso a tudo... então você tem que hoje...
criar muitas estratégias pra dar conta de atingir este aluno... então isto mobiliza
muito mais coisa, não a dificuldade de ser ‘a dificuldade de relacionamento não’...
Você tem que se movimentar mais pra dar conta do que você dava conta antes com
menos. Isto movimenta o professor de uma certa forma... faz também com que ele
vá atrás de outras coisas também pra um aluno de hoje...Estimula... um aluno
virtual...antenado o tempo inteiro... É outro aluno neste sentido. [...] Pode ser por um
aspecto mais cansativo...até, mas também estimulante...[...] Na verdade em alguns
momentos, por conta desta mudança...o professor também fica desmotivado. Às
vezes você espera mais de um aluno e de um aluno hoje que é muito
desinteressado em sala de aula. Um aluno que não tem mais paciência com o
professor... um aluno que não valoriza, desmotiva por um lado, acho que isto é o
maior problema, você sai da aula hoje não mais com aquela sensação de que
conseguiu atingir o aluno...Hoje a gente sai da aula e vê que eles não captaram a
mensagem...não porque você não buscou formas, mas porque hoje ele tá
preocupado com outras coisas. Ele ta ali de corpo presente, mas não leva a sério,
uma hora ta preocupado com a internet, celular, eu acho que se afeta de alguma
forma até sim......o professor sente-se desmotivado. Desmotiva o professor que se
prepara... que se organiza, que lê, que vai, que procura e que chega ali as vezes vê
que tudo o que tu buscou para esse nosso aluno de hoje é vazio”.
Participante 10-. “[...] A gente tem um público... que é o nosso público alvo, e que
são pessoas com um grau bastante importante de dificuldade cognitiva, de
dificuldade de aprendizado e isto faz com que a gente se sobrecarrege muito,
porque você tem que voltar... fazer uma nova estratégia, repetir estratégia... até que
este aluno alcance o objetivo a que as disciplinas se propõem, a que o curso se
propõe. Isto... gera pressão, porque você tem que mostrar, você tem que fazer o
aluno atingir o objetivo... às vezes à custa de várias estratégias... além do que a
carga horária disponibiliza... então me sinto sobrecarregada... pelo que eu tenho que
dar de resposta como empregado. [...] aluno de escola particular acha que pode
comprar tudo, então eles tem um tratamento com a gente diferente... Eles são mais
intempestivos... eles não têm disciplina, eles querem tudo a qualquer custo... visto
38
desta forma também gera uma pressão sobre o educador... são as dificuldades que
eu posso apontar assim.”
Participante 6 - “Acho que com relação aos alunos... Eu não tenho dificuldade de
trabalhar com eles... tenho dificuldade de trabalhar com... o conjunto que tem vindo...
que tem entrando na faculdade, que são pessoas que tem o segundo grau deficiente
e acabam chegando na faculdade com muita coisa faltando... e aí você tem que
puxar assuntos mais básicos, anteriores... então você não consegue trabalhar com
eles como de fato eles teriam que estar trabalhando na universidade...se não tivesse
que resgatar tantos assuntos...”.
Participante 5: “[...] acho que assim, trabalhar com aluno hoje é muito complicado, no
sentido assim... que às vezes parece um negócio. A academia está se tornando um
negócio. Então assim, não posso dizer que numa sala todos estão interessados em
aprender... porque isto seria muito gratificante”.
Participante 4: “Com relação ao relacionamento com os alunos... a gente tenta dar a
maior ‘harmoniosidade’ possível... nem sempre é possível, porque a gente tem
mudanças de perfil de alunos. Nós temos nossos alunos no curso de enfermagem
especialmente, são alunos que trabalham, são alunos que tem tripla jornada... não
só na casa, mas trabalham, então já chegam na sala de aula muito cansado... com
dificuldade até de raciocínio, dificuldade de desenvolver o pensamento...e até de
prestar atenção, porque muitas vezes estão dormindo, porque fizeram plantão,
amanheceu de plantão. [...] então é muito puxado pro professor neste sentido”.
Neste sentido, observa-se a grande dificuldade do professor em se “adequar”
a este novo perfil de aluno. Em decorrência do próprio avanço da tecnologia, isto faz
com que este “novo perfil de aluno” esteja exposto a uma quantidade maior de
estímulos e tenha acesso aos mais variados conteúdos, o que conseqüentemente
gera uma maior expectativa no professor ao tentar responder às suas demandas.
4.3.2 Categoria 2: Auto-Percepção da Despersonalização (cinismo) - Esta
categoria apresenta e discorre sobre como os professores entrevistados percebem
39
suas relações com seus clientes (alunos e pacientes), colegas de trabalho
e instituição.
Relações com Alunos e/ou pacientes: De acordo com o resultado das entrevistas,
foi destacado, através do discurso de dois participantes, o distanciamento no
relacionamento do professor com a pessoa do aluno:
Participante 4 - “Eu nestes anos que eu tenho de docência, eu nunca tive assim...
problemas sérios de relacionamento que não possa ser resolvido entre o aluno e
professor. [...] Relacionamento tem que ter, mas relacionamento profissional... você
não precisa ter relacionamento pessoal... Eu nunca tive relacionamento pessoal com
meus alunos e minha vida pessoal e a vida pessoal deles eu não quero nem saber,
às vezes eles vem... comenta alguma coisa, por alguma dificuldade, a gente tenta
ajudar no que for possível... mas eu não procuro investigar como é que é esse
aluno, como é que é a vida pessoal dele. A gente sabe das situações, a gente
procura manter um relacionamento profissional, porque na hora que você começa
misturar profissão com pessoal, você começa a perder o foco que é de ensinar... [...]
Ter que ensinar é obrigação de qualquer docente, sendo aluno ou não... aonde você
tá trabalhando você tem determinadas obrigações... e uma das obrigações do
docente é ter que ensinar o aluno... é ter que se relacionar com este aluno e saber
trabalhar com as diferenças desse aluno... Eu acho isso uma grande virtude do
professor, quando ele consegue trabalhar com estas diferenças... Nem todos os
alunos respondem esse respaldo da mesma forma, uns tem temperamento mais
difícil, outros tem temperamento mais fácil, outros são mais impulsivos, sei lá...
assim é a vida, assim é o ser humano... E a gente tem que tentar trabalhar da
melhor forma possível... Aquele que realmente se interessar e querer aprender, a
gente vai realmente trabalhar e insistir. Agora aquele que você tenta, tenta, tenta... e
se desinteressa... Cada um é responsável, nós estamos no meio acadêmico, meio
universitário, trabalho com adulto, então quer dizer, cada um tem que saber o que
faz. Agora dizer que é uma obrigação [...] se eu sentisse isso, eu já estava fora da
docência há muito tempo... Eu já to na docência há 23 anos... entendeu... a gente
acaba adquirindo algumas resiliências na vida... que acaba trabalhando estes
conflitos....Conflitos existem e existem em qualquer lugar e em qualquer posição...a
gente é que tem que saber a trabalhar com eles”.
40
Devido às próprias características de personalidade, algumas pessoas, irão
se valer de um enfrentamento mais afetivo do conflito, enquanto as outras, de um
enfrentamento em nível mais racionalizado. Desta forma, o sofrimento vai se
manifestar através de uma ansiedade vivenciada ou da evitação total desta, com o
conseqüente endurecimento emocional (CODO; VASQUES-MENEZES, 1999).
Desta forma pode ocorrer a despersonalização quando o vínculo afetivo é
substituído por um racional, onde predomina o cinismo ou a dissimulação afetiva ou
a crítica de tudo e dos demais. Especificamente na relação com o aluno, o professor
pode desenvolver atitudes negativas, tratando-o de forma fria. “O trabalho passa a
ser lido pelo seu valor de troca; é a coisificação do outro da relação (CODO;
VASQUES-MENEZES, 2002, p. 242)”.
Participante 10 - “Eu acho assim... que relacionamento é uma coisa difícil... nos
tempos de hoje, mais difícil ainda... Os jovens, os adolescentes, a gente trata como
uma geração sem limite, então tu tem que tomar cuidado quando tu te relacionas
com os alunos... conforme você se expõe demais, você fica muito vulnerável ao
aluno e isto é um mecanismo de proteção também... que a gente usa. [...] Relação
professor-aluno não há problema significativo... Que me incomode não”.
Na continuidade da entrevista, a entrevistadora questiona: Você acha que
pode ser considerado como certa frieza ou menos sensível em relação aos alunos?
Participante 10 - “Pode, eu acho que pode... um distanciamento né... pode até como
um mecanismo protetor... pode... com certeza”.
O distanciamento referido nesta e em outras entrevistas pode estar
relacionado ao desgaste do vínculo afetivo, característico da exaustão emocional.
Como apontam Codo e Vasques-Menezes (2002), os profissionais, neste estado,
ficam impedidos de se relacionarem afetivamente e percebem esta dificuldade em si
mesmos.
Em relação às dificuldades na relação aluno-professor no campo de estágio,
também se evidenciou na fala de um entrevistado pela a sobrecarga de atividades,
quando o aluno, às vezes, não consegue dar conta do trabalho assumido.
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Participante 8 - “É uma angustia muito grande... a gente vai pra campo de prática,
depois de toda a teoria dada... então a gente vê... o que o aluno pensa de ser
enfermeiro não é o que nós acreditamos que seja ser enfermeiro. Eles querem fazer
a parte prática, [...] mas que eles fazem e que alguns deles fazem muito bem... mas
no momento em fazer discussões, de que possa ter levado esta internação falta
muito... que conduta a equipe deve tomar, que requer a base de conhecimento...
falta muito. E aí por falta desta base... o aluno não consegue observar, alguns deles,
a necessidade de intervenção... E aí o professor tem que ficar: ‘agora você faz isso,
agora você faz aquilo outro’... e nós temos um tempo. Na minha área, quando a
gente assume paciente... então tenho que dar conta, dentro da norma da instituição
e fazer com que os alunos cuidem deste paciente... e que ao final do plantão esteja
tudo organizado... [...] E o aluno que demora mais, ele tem mais dificuldade e isso
acaba atropelando muitas vezes o horário das coisas... e aí chega ao final do
plantão, ou a coisa não ficou bem feita ou você tem que acabar fazendo. Ao final do
turno... estou atarefado, às vezes eu tenho que fazer alguns procedimentos. e é uma
responsabilidade muito grande... Pela falta de conhecimento às vezes eles não tem
esse click, esse insight. [...] Eu fico muito ansioso com as dificuldades que eles
apresentam, mas eu não sinto problema nenhum em falar com aluno, em dizer onde
foi que ele errou... Eu não sinto dificuldade nenhuma. [...] Eu não vejo problema de
relacionamento”.
De acordo com Carlotto (2002), quando o professor apresenta frustração nos
aspectos profissionais, devido à falta de progresso de seus alunos, pode acabar
desenvolvendo um grande distanciamento com relação a eles. Costuma, segundo
Edelwich e Brodsky (1980 apud CARLOTTO, 2002), denegrir os alunos, reclamar da
administração e arrepender-se de sua escolha profissional.
De acordo com a fala de outros entrevistados, evidenciou-se pontos
divergentes quanto à atuação no campo de estágio:
Participante 7- “[...] é muito mais estressante você ta com aluno no campo de
prática... porque ele não pode errar. Por que você... tem que, ficar ao lado dele, sem
que ele se sinta vigiado... pra que ele não erre e não cause um problema pra um
paciente. Então... isso eu acho que para o professor é mais estressante, porque às
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vezes, se a gente fica muito em cima, o aluno acha que ta ‘pegando no pé’ e às
vezes a intenção do professor é outra... e o aluno não consegue compreender. Eu
acho que a prática deve ser mais estressante do que estar em bloco teórico”.
Participante 5 - “Sempre gostei muito da assistência, minha relação com o paciente
é uma das coisas que eu gosto de fazer... é uma relação completamente diferente
né, paciente e aluno. [...] o paciente ta ali numa condição de que necessita de
cuidados, então você acaba gerenciando esse cuidado e acaba sendo mais
valorizada por isto... dentro da sala de aula, não... [...] Quando eu comecei aqui na
docência eu fazia duas coisas, eu trabalhava na instituição com uma carga horária
menor... então eu era mais feliz, sem sombra de duvida, se eu pudesse voltar... e
acho que até a relação de docência fica melhor... eu sinto saudade... [...] Em relação
aos alunos... exige... certa... habilidade para lidar com a variabilidade com relação
aos alunos. É claro que às vezes, isto é muito estressante, cansativo né, porque
assim... você tem que encontrar maneiras diferentes de lidar com aqueles alunos.
No começo, era muito mais estressante do que hoje pra mim... hoje eu já consigo
separar bem né, sem levar isto pra minha casa, pra que isto não se torne uma coisa
emocional, pessoal pra mim... mas exige bastante do professor... que você tenha
maneiras de ver este aluno, ou de ouvir, ouvir, ouvir... e como resolver o problema
dele”.
Na continuidade da entrevista, a entrevistadora questiona: Mas isto chega a te
afetar ou influenciar a atividade?
Participante 5 - “Não, de forma nenhuma, não interfere... não percebo... que isto
interfere assim...”.
Em relação aos outros participantes, é importante salientar que, de modo
geral, relataram um bom relacionamento com os alunos. As cobranças e discussões,
quando ocorrem, são encaradas como parte do processo normal de ensino e
aprendizagem e não como potentes fontes de estresse. Isto pode ser verificado nos
relatos descritos abaixo:
Participante 9 - “Meu relacionamento com os alunos é muito bom. Também tenho
isto com eles... não gosto de tratar mal os alunos. Acho que nós temos um grupo
muito... (esta coisa ta ultrapassada)... o professor não tem que fazer terrorismo, que
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os alunos têm que tirar nota se não vai reprovar. Acho que a relação aluno professor
tem que ser mesmo na parte da humanização... de amigo. Lógico com limite, com
disciplina, cobro na hora que tem que cobrar. Se tiver dificuldade de fazer uma
medicação também gosto de pegar na mão. Alguns são muito frágeis também e eles
são nossos clientes. Não tenho problema nenhum... Graças a Deus... com ninguém”.
Participante 3 - “Normalmente, eu me sinto muito bem assim com aluno,
independente da idade... Independente de eles serem sempre jovens. Eu acho que
eu, em alguns momentos... é como se eu vibrasse com a energia deles assim... [...]
Raramente tem um aluno ou outro que eu não me sintonize assim... [...] o hábito faz
você lidar com diferentes pessoas, então você releva, você lida praticamente com
qualquer tipo de pessoa, então... com aluno eu não tenho problema [...] Teve um
momento que assim, quando eu era mais jovem que eu não tinha filhos, às vezes eu
não entendia o problema dos alunos... era muito rígida. Era um outro momento da
escola, era um outro momento do ensino... daí quando eu tive meus filhos, eu
entendi...[...] A vinda das crianças me modificou enquanto pessoa. Talvez se eles
não estivessem vindo... pode ser que eu estaria perdida assim no processo, porque
eu estava chateada, desanimada, daí eles vieram e modificaram a minha vida. [...]
Com relação ao paciente... eu acho que posso dizer que é a mesma coisa, assim...
eu na maior parte das vezes, eu acho que eu aprendo mais, tanto com os alunos
como com os pacientes... A vivência deles me ensina mais coisas do que
necessariamente eu faço por eles... Assim então... o nosso paciente é nosso
feedback, o paciente é fundamental para o meu dia a dia. Se eu não tiver o paciente
como é que eu vou saber o que ta acontecendo? [...] E eu sempre digo ainda hoje
pros alunos... do momento que eu ficar assim... se eu ficar insensível pro outro...
então eu tenho que sair da enfermagem... e
eu tenho que sair da profissão... eu não posso ser mais ser professora, não posso
mais ser enfermeira... Eu falo isto em quase todas as minhas aulas assim... por que
você não pode ser assim com o ser humano. Não vou dizer que você vai chorar com
eles, mas você tem que se sensibilizar pelas questões do outro, mesmo que você
interfira ou não no processo. Mas como enfermeiro você não pode ser... eu vejo
muitos por aí”.
44
Participante 13 - “Quando eu vou pra prática com aluno eu acho o trabalho mais
gostoso, mais gratificante, super prazeroso [...] ‘aluno é muito bom’. Até é um
relacionamento assim... eu me dou muito bem com os alunos. [...] então a gente
acaba se envolvendo com eles [...] eu criei um vínculo muito grande na comunidade
que eu trabalhei... até hoje eu mantenho esse vínculo com eles... É uma unidade de
saúde aonde eu vou freqüentemente ao estágio com meus alunos e em que toda
vez este vinculo é fortalecido, tanto com os funcionários mais antigos quanto com a
comunidade [...] até eu tenho um vínculo muito grande com os alunos. [...] Acho que
vai muito do prazer de fazer... acho que eu não gostasse, não sei se eu faria tanto...
Se eu me sentisse frustrada procuraria outra coisa que me agradasse mais...”.
Participante 07- “É buscando uma forma de fazer eles aprenderem, que a gente
aprende junto também a lidar com as situações... e assim... Eu não me estresso. O
que me incomoda de sala de aula é aquelas coisas burocráticas que a gente tem
que fazer de diário, de prazo né, reconciliar tudo assim com a coordenação, mas
preparar aula, dar aula, relação com aluno, pra mim é muito prazeroso, eu adoro”.
Participante 11 – “Meu relacionamento com os alunos é muito bom... Eu sou só
docente, mas eu faço supervisão direta... então eu atendo paciente também. Minha
relação com os pacientes também é muito tranqüila assim [...] eu não tenho
problema, é bem tranqüilo. Eu faço uma vinculação bem boa, tanto com os alunos
quanto com os pacientes. [...] eu sou bem vinculada assim com eles... é bem
tranqüilo, eu ando lá pelo bairro, todo mundo me conhece..... é bem gostoso assim...
a relação com eles e com os alunos também, me dou super bem com eles. Eu acho
que apesar da sobrecarga de trabalho, isso é uma coisa, minha relação com o aluno
é outra coisa. [...] eu acho que os alunos também gostam de mim, eles sempre
vem... Eu ando no corredor... eles vem, ‘oi professora’, abraça e beija, a gente tem
uma relação afetiva bem boa assim...”
Participante 12 - “Eu não sinto dificuldade. Eu trabalho na saúde já há 34 anos...
Então a minha especialidade realmente... a minha função maior é com a criança... e
a vida inteira eu trabalhei com a criança, então a gente traz uma coisa... aquela
coisa com a criança, de saber lidar, de ter paciência, de entender a mãe. [...] De
repente se eu trabalhasse em outra área não seria assim, eu acho. Agora como eu
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gosto muito disso, então eu me empenho... eu amo... [...] eu gosto, e eu gosto da
criança porque eu vejo que a criança ela é muito inocente, ela é muito pura... não é
falso... [...] A criança te renova a cada dia. Que bom que a gente faz o vínculo com a
criança e a família... pra mim é muito gratificante [...] Às vezes acontece um aluno ou
outro... alguma coisa de relacionamento mesmo né, assim... mas não é aquela coisa
grave. Sempre tem aquele que reclama... mas tudo a gente consegue contornar, vai
lá... conversa com aluno... e isso não me incomoda, porque eu acho que eu sou a
favor que as pessoas realmente questionem quando elas não estão satisfeitas com
alguma coisa... isto engrandece meu trabalho, faz parte, não fico incomodada não”.
Neste sentido observa-se que 06 participantes percebem seu relacionamento
com os alunos permeados pelo vínculo e pela troca afetiva, gerando um
relacionamento sem maiores problemas.
Relações com colegas de trabalho: De acordo com a fala de alguns entrevistados
evidenciou-se as dificuldades nos relacionamentos entre os colegas de trabalho.
Os relacionamentos interpessoais estão entre os principais determinantes de
como o ambiente do trabalho afeta o estado subjetivo do individuo. Quando o foco
se desloca para o trabalho do educador, assume dimensões potencializadas, pelo
fato da escola se situar numa rede social, da qual depende a qualidade do trabalho e
que por sua vez, determina a qualidade do processo educacional (SORATTO;
RAMOS, 1999).
Todas as atividades humanas estão inseridas num contexto social, quer na
vida privada, quer no trabalho, e são marcadas pelas relações que se estabelecem
com as outras pessoas. Esta rede de relacionamentos funciona como uma fonte
constante de atenção, integração social, reafirmação de valores, provisão de ajuda
significativa, informações, mas também de conflitos (VASQUES-MENEZES;
SORATTO, 1999).
Alguns autores enfatizam que o tipo de relacionamento mantido nos locais de
trabalho, pode ser passível de dar início ao burnout (FIRTH, 1984 apud
BENEVIDES-PEREIRA, 2002). Segundo Folkman (1982 apud BENEVIDESPEREIRA, 2002, p. 61), 60% dos eventos identificados como estressores em um
grupo estudado foram atribuídos a esta variável, evidenciando a importância deste
aspecto.
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De acordo com os relatos que apareceram na entrevista, estes apontam para
dificuldades nos relacionamentos interpessoais entre alguns dos entrevistados, em
função da percepção de déficit de suporte social e afetivo e de divergências de
pontos de vista em relação às diferentes visões profissionais.
De acordo com a fala de alguns entrevistados:
Participante 8 – “A dificuldade que eu encontro pra trabalhar aqui na docência...
estão relacionadas principalmente com relacionamento entre os colegas... Há uma
dificuldade muito grande... [...] Eu me sinto incomodado com a ironia... com o
cinismo de algumas pessoas... de você saber que elas falam quando você não está
próximo... e quando você está próximo elas te tratam muito bem... isto é o que mais
me incomoda. [...] Eu posso dizer com certeza, que até ano passado, a minha
atitude era me isolar... era evitar contato com esta pessoa... [...] Então assim, estou
tentando ao máximo... mostrar pra aquela pessoa que eu tenho condições... [...] O
que eu to fazendo hoje é não demonstrar que isto me incomoda... é mostrar que isto
não vai me atingir, que eu sou mais do que esta discussão, essa picuinha... Algumas
pessoas eu tenho de me relacionar e aí eu respiro fundo... e vou... e tento fazer...
sem criar nenhuma inimizade, tentando ser o mais ameno e harmonioso possível...”
Dado a necessidade de esclarecimento, a pesquisadora questiona: Você
acha cansativo manter estas relações com estes professores?
Participante 8- “Com alguns professores eu acho cansativo... eu canso bastante,
porque eu saio daqui esgotado. [...] Eu preciso me ocupar com outras coisas pra
extravasar... No curso tem aquelas pessoas que eu preciso me relacionar porque
estão em cargos de chefia, porque são meus superiores que eu preciso me
relacionar que eu sei que pela verbalização destes... eu não sou muito bem quisto,
mas que eu tenho que ir... constantemente a estas pessoas pra... discutir, decidir
algumas coisas. Então assim... quando eu tenho que ir à sala destas pessoas, eu
fico um bom tempo antes pensando exatamente no que eu vou falar, quais são as
possíveis ‘patadas’ que podem voltar... [...] que isso me desestabiliza... Se eu
consigo me preparar primeiro, daí eu vou tranqüilo. E tem pessoas que se você
chegar pra falar com ele numa postura defensiva, automaticamente você vai levar
‘patada’ de volta. Então são pessoas que eu quando chego... vou cumprimentando e
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dizendo pra esta pessoa exatamente o que eu quero... não tentar florear... porque eu
já percebi que tem pessoas que se perceber que você tem medo aí que ela te pisa.
Tem pessoas que tem necessidade de pisar nas pessoas...”.
O sentimento de um déficit afetivo pode ter sua origem na dificuldade efetiva
da pessoa de oferecer este suporte ou; na dificuldade da pessoa receber o suporte
que está sendo oferecido ou, ainda; na demanda excessiva em função de um
determinado momento, que pode tornar o suporte recebido ineficiente (VASQUESMENEZES; GAZZOTTI, 1999).
“O professor, apesar de sofrer com o desamparo por falta de suporte afetivo
e de ver sua atividade permeada da relação trabalho-afeto, continua atuando
empenhado em seu trabalho, desgastando-se ainda mais nos vínculos afetivos
(VASQUES-MENEZES; CODO E MEDEIROS, 1999, p.266)”.
Neste sentido, Maslach (2009) alerta para que “as pessoas que estão
experimentando burnout podem ter um impacto negativo com seus colegas,
ocasionando em maiores conflitos interpessoal e alterar as tarefas no trabalho.
Deste modo, burnout pode ser ‘contagioso’ se perpetuar através das interações
informais no trabalho (p.38)”.
Participante 03 - “Tem colegas que a gente passa, uma pelo lado da outra no
corredor e não se olha... Infelizmente. Hoje nós estamos mais sozinhos, nós
trabalhamos sós... já teve momentos que a gente era um grupo de trabalho...
fazíamos comemorações juntos [...]...era um grupo de amigos que trabalhavam
juntos... Hoje nós somos só... um grupo de pessoas... que trabalham juntos. Você
trabalha com todo mundo porque você é profissional, você é educada, é
necessário... Todo mundo trabalha com todo mundo... com uns melhor, com outros...
se puder evitar atividade, evita, se não puder, conversa, trabalha junto sem
problemas... todos tem esta capacidade assim, mas a maior parte, algumas coisa
são veladas...outras nem tanto assim. Hoje... e agora eu vejo uma coisa interessante
assim também...por estar na instituição há muito tempo ...eu vejo que as pessoas
todas estão assim...você tem tantas atividades pra fazer em tantos cenários
diferentes que não dá mais tempo pra você conviver. Então nós já fomos uma
grande família aqui na instituição e...aí ficamos um grupo... O grupo foi destruído...
esta é a palavra... exatamente naquela época que eu te falei... e aí as pessoas
nunca mais conseguiram... as cicatrizes nunca mais se fecharam, pra você ver como
48
a coisa foi séria. [...] Oito anos de... sofrimento...foi muito sério. E aí assim, a coisa
tava quase explodindo, quando daí mudou, mas a pessoa continua... atrás das
cortinas. Com as pessoas, naquele momento... com os colegas de trabalho, eu fiz
isto assim...eu fiquei totalmente indiferente”.
As pessoas se distinguem de acordo com os recursos que possuem para
superar uma circunstância estressante. “Os recursos abarcam força física,
habilidades, conhecimentos e experiências, energia e resistência, mas também
apoio material e interpessoal (GUIMARÃES; FREIRE, 2004, p.33)”.
Participante 4 - “A gente já tá muito tempo vivendo com os colegas de trabalho... é a
mesma coisa... a mesma atitude que eu tenho com os alunos eu tenho com os
colegas de trabalho. A gente tem uma boa relação, procura ter uma boa relação,
mas dentro do lado profissional. Foram bem poucos os colegas de trabalho que eu
tive aqui dentro que se tornaram relações de afeto, pessoal, entendeu. Então quer
dizer... a gente se mantém dentro do lado profissional, nos respeitamos dentro do
ambiente profissional, mas não se traz isso para o meio privado... então é dessa
forma que a gente procura se revezar”.
Segundo Soratto e Ramos (1999), burnout oferece barreiras às boas relações
interpessoais, devido aos seus próprios sintomas. A falta de cooperação entre os
companheiros, decorrentes da síndrome, interferem nas condições de trabalho e nas
atitudes do trabalhador. “Estamos falando de uma relação circular e por esta razão
sem saída a não ser que haja uma intervenção em algum ponto do circuito” (p.276).
Participante 2 - “Eu acho que é assim... às vezes, como em todo lugar que tem
muitas pessoas... que sempre tem assim... às vezes alguns choques de idéias. No
sentido de que as pessoas acabam meio que não se respeitando em algumas
questões, mas eu acho que nada assim que pudesse comprometer o trabalho... ou
de como é que eu vou dizer... prejudicar o trabalho [...] Eu até porque eu sou uma
pessoa assim, que eu acho que quando atrapalha um pouco o serviço... eu acabo
não tendo muito lá muito contato com elas... Evito este tipo de pessoa, então...
acabo passando por cima disso... incomoda, mas nada que não possa superar...”.
49
Participante 5 - “Assim... Eu trabalho em dois períodos, isto é bem nítido... existe um
grupo de professores num período que eu trabalho, que funciona direitinho...
pessoas que a gente senta, discute, reconhece as fragilidades, as potencialidades
do outro... e no outro não..., cada um conduz a sua, isso de uma maneira acaba
interferindo [...] eu aprendi a lidar com algumas situações... Então por exemplo,
antigamente, eu tinha uma grande dificuldade de chegar muito perto desse
profissional e de conversar com ele, eu evitava. Hoje, pra mim passa a ser uma
relação profissional...então assim, não vou dizer que isso é perfeito [...] eu acho que
as pessoas pensam diferentes... Então... eu aprendi a tolerar mais...[...] Talvez eu
não tenha tanta afinidade, mas na hora que eu tenha que negociar alguma coisa,
discutir alguma coisa, vai ser uma relação profissional, vou expor a minha e vou
ouvir a dele... ‘Este lidar bem’... não é a perfeição né, mas eu acho que eu consigo
aceitar bem...claro que às vezes me frustra... não é o que eu queria, mas assim, se é
uma determinação, se é uma tomada de decisão em grupo do qual a minha opinião
não prevalece... pra mim não é um problema [...] Me incomoda claro, mas não a
ponto de interferir no meu trabalho... pelo menos não percebo isto”.
De acordo com o estudo de Soratto e Ramos (1999), o burnout afeta as
relações sociais no trabalho, tão essenciais para o educador. As dificuldades nas
relações sociais interferem na falta de controle, que por sua vez, são prejudicadas
pela falta de recolhimento de feedback. Os autores ainda concluem que os que
sofrem de falta de suporte social estão também aqueles com maiores problemas na
relação com o produto do trabalho e com relação à rotina, além de estarem menos
satisfeitos.
Participante 6 - “Acho muito mais difícil trabalhar com o colega professor do que
com o aluno... No curso, a gente vive como em qualquer instituição, eu acho que
vive com alguns segmentos assim... [...] eu trabalho numa situação de apoio à
coordenação, então... tem algumas coisas institucionais que tem que ser cumpridas
e às vezes, isto tem uma certa resistência de algumas pessoas...ta trabalhando,
pedindo, explicando, e ainda assim cobrando... é chato, é ruim, mas a partir do
momento que eu tenho uma função a cumprir, então...[...] no começo era muito mais
negociadora, muito mais participativa... de ouvir muito mais... Hoje tem algumas
pessoas que eu identifiquei que não adianta você ter este tipo de postura. Então é
50
melhor chegar, pedir ‘olha eu preciso tal coisa ponto’ e sem grandes explicações. A
partir do momento que ela me pede, claro eu dô,... e tem outras pessoas que não...
que você só explicando porque, elas já sabem o que fazer, vai lá e faz. Então acabei
criando pra mim, uma certa identificação de algumas pessoas....e com algumas eu
lido de um jeito, com algumas eu lido de outra.[...] têm momentos mais cansativos,
outros menos..., mas com certeza tem. Tem momentos que eu falo... tudo de novo”.
Neste sentido, observa-se a importância indiscutível do suporte afetivo e
social na vida das pessoas como forma delas enfrentarem suas dificuldades. O que
fica na conclusão da análise de Vasques-Menezes; Codo e Medeiros (1999) é a
necessidade de preservação dos vínculos afetivos e sociais no trabalho no seu
aspecto mais funcional.
Participante 07 - [...] Eu consigo separar assim, o pessoal do profissional e dá a volta
por cima... [...] o que é de crítica legal, eu vou assimilar e vou procurar melhorar e o
que eu sei que não sou assim... eu ignoro e sigo tranqüila. Eu não posso me abater
a ponto de contaminar os outros professores do trabalho da coordenação, enfim...
eu procuro separar. E depois assim... eu gosto de todos os professores do curso. Eu
não tenho nada contra nenhum. Eu acho que eles são legais, são comprometidos,
trabalham muito... muito.... Um trabalho árduo, pesado, e vejo que é muito
comprometido, então eu consigo entender algumas coisinhas... porque eu coloco no
lugar, até porque eu já tive no lugar deles, mas eu consigo compreender. [...] Eu
tenho uns dois, três assim que me preocupa bastante no curso... [...] assim... que
realmente tem que se preocupar antes de ir falar com elas. [...] Às vezes, a avaliação
do professor... eu sempre dou o retorno quando o aluno faz a avaliação,
principalmente nos campos de estágio. Eu chamo e dou o retorno... a tua avaliação
foi boa e quando foi ruim a mesma coisa. Tem professores que ele não consegue
ouvir... tu terminar a frase que o aluno falou...Ele já vem com mil desculpas..’não,
não mas eu não sou assim, isso não foi comigo’...não ouve pra crescer... assim... o
objetivo que a gente leva não é pra punir, é pra oportunizar...às vezes não consegue
ouvir...”.
Relação com a Instituição- Demonstra como os professores avaliam sua relação
com a instituição:
51
Os valores que mantém a satisfação no trabalho do professor abrangem o
sentimento de missão, de ser um agente transformador da história de um povo
(VASQUES-MENEZES; CODO; MEDEIROS, 1999). Portanto, a forma como uma
instituição recompensa seus membros e seu senso de justiça, sua tolerância para
com pontos de vista diversos entre seus membros, são valores a serem observados
(MASLASCH; LEITER, 1999).
Segundo Guimarães e Freire (2004), a percepção discrepante entre esforços
realizados e recompensas recebidas no trabalho é um determinante importante das
reações estressantes e de seus efeitos adversos sobre a saúde. Codo, VasquesMenezes (1999) acrescentam que burnout é atribuído ao resultado desta
desconexão entre o que o professor investe no trabalho e aquilo que ele recebe de
reconhecimento dos superiores e colegas ou dos resultados nos desempenhos dos
alunos.
De acordo com a fala de um entrevistado:
Participante 10 - “Sempre que você vive sob pressão isto se reflete no teu
desempenho, no teu trato. De alguma forma... isto nos afeta... nos angustia... nos
sobrecarrega... A gente freqüentemente se sente muito cansado... irritado,
desmotivado... porque é sempre muita cobrança, cobrança, cobrança, cobrança...
não vem nada em troca... o ser humano... ele vive de troca. Você é um bom filho,
porque você vai receber algo em troca... você é um bom aluno, em troca você vai
alcançar o aprendizado... você é uma boa mãe, porque você vai ter o carinho do teu
filho...E na vida profissional também é assim... a vida da gente é sempre assim...
Então é lógico que se você se sente pressionado... a tua motivação diminui muito e
com certeza tua produtividade também. A gente se sente cansado... irritado,
desmotivado... que mais que eu posso te dizer...Até meio deprimido às vezes. [...] Eu
acho que a gente tende a ficar mais intolerante pelo nível de estresse...a gente
tende às vezes a se fechar mais... a evitar assim um relacionamento mais
ameno...Você vai adotar uma postura... [...] se fechar dentro de si própria... [...] Aqui
é um comércio...aqui na verdade a gente vende o conhecimento... não deixa de ser
comércio”.
52
Codo, Vasques-Menezes (1999), ressaltam a importância do reconhecimento
social do trabalho, que tem valor para a auto-estima do trabalhador e que está
fortemente relacionado ao burnout. Desta forma, o trabalhador pode sentir que seu
trabalho não tem mais importância, quer como forma de defesa, quer como parte
dos próprios sintomas desencadeados pela síndrome.
A importância do reconhecimento social da profissão, as formas de
recompensa, a justiça e o respeito são caminhos que podem levar o indivíduo e
organização a um maior equilíbrio (CARLOTTO, 2002). “Professores como todas as
pessoas precisam sentir-se importantes, amados e de alguma forma especiais. Eles
devem ter estas necessidades afirmadas por quem eles vivem e trabalham (Faber,
1999 apud CARLOTTO, 2002, p.191)”.
Segundo Maslach e Leiter (1999), quando não há recompensa pelo trabalho,
o trabalhador sente-se desvalorizado. É importante salientar também o papel que as
emoções exercem na motivação para o trabalho e nas relações com os colegas, pois
as organizações definem o trabalho em termos de habilidade e resultados,
subestimando as emoções.
Participante 07 - “Assim tem momentos que a gente fica com raiva... coisas gerais
da universidade... reclama... chora... fica uma manhã toda lá... e tal. Daqui a pouco
já passou... a gente sabe que as outras universidades estão passando também por
isso. A gente vai levando assim, claro que a gente fica triste um dia ou outro. [...]
então o que já ta decidido, o que não tem mais jeito, que é uma decisão, que é
acima da coordenação e a coordenação tem que executar, então eu executo e
procuro sofrer o mínimo possível assim com isso, mas acho que faz parte do
trabalho”.
Segundo Carlotto e Gobi (2000 apud CARLOTTO, 2002), as propostas de
intervenção vinculadas à realidade brasileira devem contemplar ações conjuntas
entre indivíduo e organização, mas também devem ser ampliadas aos fatores
macro-organizacionais, que são os determinantes dos aspectos constituintes da
cultura organizacional e social.
Soratto e Ramos (1999) lembram Paulo Freire, que a educação necessita de
liberdade para poder ocorrer, e que isto só é possível através da conquista coletiva
de um corpo social organizado.
53
4.4 Comparação dos dados obtidos pelo MBI e na entrevista.
Observa-se na presente pesquisa, que dentre as fontes de estresse,
mencionadas pelos participantes na entrevista, as que mais se destacaram foram: a
sobrecarga de atividades a serem cumpridas no trabalho, em função da política
institucional; bem como às dificuldades de relacionamentos entre os colegas de
trabalho, devido à carência de suporte social entre os membros da equipe; e as
dificuldades para lidar com um novo perfil de aluno.
Em menor freqüência também se destacaram como fontes de estresse, a
insegurança
de
alguns
participantes
quanto
às
horas-aulas
disponíveis
semestralmente e a interferências do trabalho na vida pessoal, bem como, à autocobrança do papel de docente; a uma maior organização institucional (número de
alunos e reserva de auditório) e à necessidade de uma padronização institucional
avaliativa dos alunos.
Em relação à auto-percepção dos participantes quanto aos relacionamentos
interpessoais com os alunos/pacientes, colegas de trabalho e instituição, foram
observados o quanto que o insuficiente suporte social dificulta os relacionamentos
interpessoais entre os colegas de trabalho, e, por conseguinte, influencia na
satisfação do trabalho e no resultado do produto. Quanto ao relacionamento com os
alunos, foi observada uma adequação na maioria dos entrevistados, salvo as
dificuldades que encontram em lidar com o novo perfil do aluno.
De modo geral, os resultados do MBI, indicaram prováveis casos em curso da
síndrome de Burnout, chamando a atenção para quatro casos em que houve uma
elevação na dimensão EE (exaustão emocional). Dentre estes casos, um caso
específico, demonstrou também uma elevação na dimensão DE (despersonalização)
e em outro, evidenciou uma elevação nas dimensões rRP (baixa Realização
Profissional). Os demais casos apresentaram uma variação de auto-percepção das
questões relativas à DE e à rRP, como inexistentes ou aparecendo raramente.
Observou-se, mediante os resultados do MBI, que no caso específico de
elevação nas dimensões EE e DE, comparando-se com a análise da entrevista do
participante
em
questão,
foram
confirmados
os
sintomas
relativos
à
despersonalização e exaustão emocional. Neste caso específico em que apareceu a
dimensão DE no MBI, o discurso apresentado pelo participante foi coerente com
seus sintomas, no que se refere às atitudes negativas com relação aos colegas e
54
alunos. Em sua fala, relatou ter cansado de tentar resolver os problemas do dia-adia, se sentindo exausto para novas iniciativas. Entretanto, não se confirmou na fala
do participante a insensibilidade emocional ou mesmo o cinismo, característico dos
sintomas da despersonalização, pois o mesmo demonstrou através de sua fala,
sofrimento pela situação vivenciada. Isto demonstra a necessidade de adaptação
dos termos utilizados para a avaliação desta classe de sintomas.
A dimensão Despersonalização (DE) expressa o contexto interpessoal e é
descrita pela presença de atitudes de frieza, insensibilidade emocional com as
pessoas receptoras do serviço, chegando ao cinismo e atitudes negativas. Maslach
e Leiter (1999) denominam de despersonalização, quando o profissional manifesta
atitudes negativas como tratamento depreciativo, reações distantes e frias em
relação ao trabalho e aos colegas. Os autores enfatizam que os profissionais em
burnout, evitam contatos sociais e correm o risco de se isolar, pois o envolvimento
com as pessoas está reduzido.
Profissionais que não se importam mais com as relações interpessoais e que
manifestam atitudes negativas com relação aos colegas e alunos, tornam-se
pessoas que ficam isoladas para as tentativas de ajuda e solução dos problemas do
dia a dia, sentindo-se exauridas, apáticas e incapazes de darem mais de si mesmas,
porém, esta forma de agir é inconsciente, por não perceberem que afastam as
possibilidades de ajuda (SORATTO; RAMOS, 1999). Foram observadas em várias
situações narradas durante a entrevista, atitudes negativas dos participantes em
relação aos colegas no trabalho
No caso específico de elevação na dimensão EE e rRP, comparando-se com
a entrevista, confirmaram-se os sintomas relativos às dimensões Exaustão
emocional e reduzida Realização no Trabalho. Porém, em relação à dimensão
despersonalização, observaram escores baixos, foi evidenciado, que nem sempre o
desenvolvimento da síndrome obedece a uma seqüência de sintomas, divergindo do
proposto por Maslach e Leiter (1999), para quem a predição de rRP segue a
predição de DE e esta EE. Neste caso apareceu a dimensão rRP , sem que a
dimensão DE estivesse elevada.
Ainda observa-se neste caso específico, que a não elevação da dimensão DE
nos resultados do MBI, contrastam com a fala da participante:
55
Participante 10 - “Eu acho assim... que relacionamento é uma coisa difícil... nos
tempos de hoje, mais difícil ainda... Os jovens, os adolescentes, a gente trata como
uma geração sem limite, então tu tem que tomar cuidado quando tu te relacionas com
os alunos... conforme você se expõe demais, você fica muito vulnerável ao aluno e
isto é um mecanismo de proteção também... que a gente usa.
Importante observar que num outro caso específico, em que não foi
evidenciada nenhuma das dimensões elevadas para burnout através do resultado do
MBI, os escores contrastaram com a fala da participante na análise da entrevista, na
qual se observou um distanciamento do professor com a pessoa do aluno e com os
colegas de trabalho:
Participante 4 - [...] “Relacionamento tem que ter, mas relacionamento profissional...
Você não precisa ter relacionamento pessoal... Eu nunca tive relacionamento
pessoal com meus alunos e minha vida pessoal e a vida pessoal deles eu não quero
nem saber, às vezes eles vem... comenta alguma coisa, por alguma dificuldade, a
gente tenta ajudar no que for possível... mas eu não procuro investigar como é que é
esse aluno, como é que é a vida pessoal dele...”
Observa-se nestes dois últimos casos descritos, que de acordo com os
resultados do MBI, relacionados com a dimensão DE, os mesmos não
demonstraram um resultado elevado na referida dimensão, contudo, foram
observadas, através das falas dos entrevistados mencionados acima, atitudes de
distanciamento da pessoa do aluno, evidenciando uma possível falha na
confiabilidade da dimensão despersonalização no MBI.
Importante salientar que as questões relativas à dimensão despersonalização,
segundo Carlotto e Câmara (2007), também podem interferir, ainda que de forma
latente, nos níveis de auto-estima e auto-eficácia percebidas pelos participantes.
No referido estudo de Carlotto e Câmara (2007), as autoras observaram que a
dimensão despersonalização mensurada no MBI, é medida apenas por cinco itens, o
que pode influenciar nos resultados do inventário. Os itens do construto na referida
dimensão, são compostos de mais aspectos do que aqueles levantados pelo MBI, a
saber: "tornar-se mais duro com as pessoas", "preocupar-se por tornar-se mais rígido
emocionalmente", "não importar-se pelas pessoas que atende profissionalmente",
56
"sentir-se tratando as pessoas como se fossem objetos impessoais" e "perceber que
as pessoas atendidas no trabalho culpam o sujeito por alguns de seus problemas".
Considerações estas importantes, para que se compreenda o processo psicológico
subjacente à Síndrome de Burnout e que pode se manifestar nas respostas dos
trabalhadores ao inventário.
A presente pesquisa vai ao encontro das conclusões do trabalho de Carlotto e
Câmara (2007), nos quais os índices de confiabilidade do instrumento MBI
apresentaram boa consistência interna para as subescalas exaustão emocional e
baixa
realização
profissional
no
trabalho,
enquanto
que,
a
subescala
despersonalização, apresentou índice de confiabilidade um pouco menor.
57
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os objetivos propostos inicialmente para a realização desta pesquisa foram
realizados mediante a aplicação do MBI-HSS e de uma entrevista com professores
de um curso da área de saúde de uma instituição de ensino superior. Neste sentido,
foi avaliada a confiabilidade da dimensão despersonalização, através da
comparação dos resultados do MBI e da análise dos relatos dos participantes que
descreveram as situações estressantes cotidianas no trabalho, às quais foram
cuidadosamente analisadas e comparadas com os sintomas relativos à Síndrome de
burnout, e com os resultados do MBI.
Desta análise concluiu-se que o instrumento MBI consegue responder
adequadamente à sintomatologia das dimensões EE e rRP, não conseguindo captar
os sintomas relativos à dimensão despersonalização com precisão. Isto também
aponta para outras considerações importantes nas questões relativas à dimensão
“despersonalização” especificamente, mostrando que outras facetas (ou variáveis)
constantes nas suas características não são satisfatoriamente atendidas no
instrumento MBI.
Neste sentido, foi observado que as questões relativas à dimensão
“despersonalização” presentes no MBI, abordam especificamente o relacionamento
com os clientes, não abrangendo os relacionamentos com os colegas de trabalho
nem com a instituição, visto que, de acordo com a literatura consultada, as maiores
fontes de estresse dos participantes, derivam das políticas administrativas e dos
relacionamentos interpessoais também entre os profissionais. Essas relações se
mostraram, em alguns casos, despersonalizadas, nas entrevistas.
Outro aspecto a ser observado durante a entrevista é que, em várias
situações narradas pelos participantes, foram evidenciadas as dificuldades nos
relacionamentos interpessoais entre os integrantes da equipe de trabalho, levando a
um déficit na retroalimentação assertiva (feedback) de se estar fazendo um bom
trabalho ou não. Estes problemas de relacionamento dificultam a troca de
informações e a reafirmação de valores, bem como a interferência (quando
necessário) na realização das atividades no trabalho.
Os resultados desta pesquisa apontam para a necessidade de se resgatar
valores imprescindíveis para o ser humano que trabalha em equipe, como o
fortalecimento das relações interpessoais, a confiança e o respeito ao outro. Nas
58
situações em que se verifica a falta de suporte social, uma das sugestões apontadas
por Soratto e Ramos (1999) como proposta de intervenção é a de viabilizar o suporte
social entre os membros da organização.
Neste sentido, sugerem-se estudos posteriores com amostras maiores, e com
outros profissionais e uma ampliação nas questões relativas à dimensão
despersonalização no MBI, que abordem também aspectos e/ou situações entre os
colegas de trabalho e na organização e não somente aos clientes. A adequação dos
termos utilizados nas questões específicas à nossa cultura também se torna
fundamental para que o instrumento possa, de fato, cumprir com o seu objetivo
diagnóstico.
Finalizo as considerações agradecendo aos colaboradores que participaram
desta pesquisa e que se dispuseram a dividir suas experiências individuais em
benefício da ciência e visando melhores condições de vida e de trabalho.
59
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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62
7 ANEXOS
7.1 ANEXO 01 – MBI-HSS
Prezado(a) Sr.(a),
A presente pesquisa tem finalidade acadêmica e seu objetivo é conhecer como os
trabalhadores percebem o seu trabalho e as pessoas com quem eles trabalham
proximamente.
Na página seguinte você encontrará 22 afirmações relacionadas com sentimentos pelo
trabalho. Por favor, leia cada afirmação cuidadosamente e decida se você se sente desta
forma com respeito ao seu trabalho. Se você acha que nunca teve este sentimento marque 1
(um) no espaço antes da afirmação. Se você tem esse sentimento marque o número (de 2 a
5) que melhor descreva com que freqüência você se sente desta maneira. Um exemplo é
apresentado a seguir.
FREQÜÊNCIA
1
Nunca
2
Raramente
3
Algumas Vezes
4
5
Freqüentemente
Sempre
FREQÜÊNCIA
1–5
Afirmação:
____
Eu me sinto deprimido no meu trabalho.
Se você nunca se sente deprimido no trabalho você poderia escrever o número 1 (um)
embaixo do título “FREQÜÊNCIA”. Se você poucas vezes se sente deprimido no trabalho
(Raramente), você poderia escrever o número “2”. Se os seus sentimentos de depressão
aparecem Algumas Vezes você poderia escrever o número “3”. Se os seus sentimentos de
depressão aparecem muitas vezes (Freqüentemente) você poderia escrever o número “4”.
Se você sempre se sente deprimido no trabalho marque o número “5”.
ATENÇÃO!
Responda a todas as frases que compõem este questionário, não precisa escrever seu nome
em nenhum lugar para que suas respostas fiquem totalmente anônimas. Os dados desta
pesquisa serão analisados em conjunto e de forma confidencial. Pedimos apenas que nos
informe sobre alguns dados complementares no final. Sinta-se inteiramente à vontade para
dar suas opiniões, lembrando-se que suas respostas serão ANÔNIMAS e mantidas em
SIGILO.
Não existem repostas certas nem erradas o que importa é sua opinião sincera.
FREQÜÊNCIA
1
Nunca
2
Raramente
3
Algumas Vezes
4
Freqüentemente
5
Sempre
63
QUESTÃO
FREQÊNCIA
AFIRMAÇÕES
1
_________
Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho.
2
_________
Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho.
3
_________
Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho que
encarar outro dia de trabalho.
4
_________
Eu posso entender facilmente o que sentem os meus alunos acerca
das coisas que acontecem no dia a dia.
5
_________
Eu sinto que eu trato alguns de meus alunos com se eles fossem
objetos.
6
_________
Trabalhar com pessoas o dia inteiro é realmente um grande esforço
para mim.
7
_________
Eu trato de forma adequada os problemas de meus alunos.
8
_________
Eu me sinto esgotado com meu trabalho.
9
_________
Eu sinto que estou influenciando positivamente a vida de outras
pessoas através de meu trabalho.
10
_________
Eu sinto que me tornei mais insensível com as pessoas desde que
comecei este trabalho.
11
_________
Eu sinto que este trabalho está me endurecendo emocionalmente.
12
_________
Eu me sinto muito cheio de energia.
13
_________
Eu me sinto frustrado com meu trabalho.
14
_________
Eu sinto que estou trabalhando demais no meu emprego.
15
_________
Eu não me importo realmente com o que acontece com alguns de
meus alunos.
16
_________
Trabalhar diretamente com pessoas me deixa estressado.
17
_________
Eu posso criar facilmente um ambiente tranqüilo com os meus
alunos.
18
_________
Eu me sinto estimulado depois de trabalhar lado a lado com os
meus alunos.
19
_________
Eu tenho realizado muitas coisas importantes neste trabalho.
20
_________
No meu trabalho, eu me sinto com se estivesse no final do meu
limite.
21
_________
No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com calma.
22
_________
Eu sinto que os pacientes me culpam por alguns dos seus
problemas.
64
8 APÊNDICES
8.1 APÊNDICE 1:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome:____________________________________________________________,
idade:_________ anos, sexo:_______________________, foi esclarecido sobre o trabalho
intitulado: “Despersonalização: a confiabilidade de sua mensuração no instrumento MBI.”, da
autoria de Márcia Regina Franco Franzoni e sob a orientação do professor Eduardo José
Legal, ambos do curso de Psicologia da UNIVALI, Itajaí.
Estou ciente que para participar deste estudo terei de responder a um questionário
sobre a Síndrome de Burnout (MBI) e a uma entrevista na qual serei questionado(a) sobre as
fontes de estresse no meu trabalho e de como lido com elas. Esta entrevista será gravada em
áudio.
Fui esclarecido(a) também que a qualquer momento em que eu precisar de maiores
informações sobre esta pesquisa poderei obtê-las entrando em contato com a pesquisadora
ou seu orientador. Também estou ciente de que poderei, a qualquer momento durante a
realização deste trabalho, retirar meu consentimento sem qualquer prejuízo para minha
pessoa.
Por ser este estudo de caráter puramente científico meus dados pessoais serão
mantidos em anonimato e os dados só serão utilizados para os propósitos deste estudo.
Sendo minha participação totalmente voluntária, estou ciente de que não terei direito a
remuneração.
Itajaí, ____ de ______________ de 2009.
Assinatura (de acordo): ____________________________
Responsáveis:
Pesquisador responsável:
Profº. Dr. Eduardo José Legal ____________________________
E-mail: [email protected]
Telefone: (47)3341-7542
Acadêmica: Márcia Regina Franco Franzoni __________________
E-mail: [email protected]
Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí – CCS
R: Uruguai, 448 – bloco 25b – Sala 401.
65
8.2 APÊNDICE 02
DADOS COMPLEMENTARES
Idade:_________ anos
Sexo: ( ) Masculino (
) Feminino
Estado civil:
(
) Solteiro
Tem filhos?
(
) Sim
Escolaridade: (
(
(
) Não
) Especialização (
) Casado
(
) Separado
(
) Viúvo
Número de filhos: _____________________
) Mestrado
(
) Doutorado
Área da formação universitária específica: ______________________________________
Ocupação 1: ______________
Tempo de serviço: ___________________________
Ocupação 2:______________ Tempo de serviço:__________________________
Curso(s) em que ministra aulas: _____________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Tempo na instituição: ___________________________________________________
Tempo em outra instituição/organização: ____________________________________
Número de horas na UNIVALI: ____________ Em outra instituição/organização: _______
Número de horas em sala:____________ Em campo/laboratório/hospital: __________
66
8.3 APÊNDICE 03
ENTREVISTA SEMI-ABERTA (Roteiro)
1-Dentre os problemas que você enfrenta no cotidiano de seu trabalho, quais são
aqueles em que sente mais dificuldade?
2-Com relação às pessoas que você precisa se relacionar em função de seu trabalho
(alunos, pacientes e colegas de trabalho)... Como você se sente em relação à elas?
Você sente o relacionamento como imposição da profissão?
3-Se isto acontece... Com que freqüência? O que tem feito para lidar com a situação?
(como enfrenta a situação?). Descreva em que situação é mais fácil e também qual a
mais difícil?(estágio, aula). Por quê?
5-Você percebe que esse tipo de relação (desconfortável), tem alguma influência
sobre o tipo de atividade que está exercendo? Como?
6-Há momentos em que é cansativo manter essa relação? Por quê?
67
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UNIVALI MÁRCIA REGINA FRANCO FRANZONI SÍNDROME DE