XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
A MEDIAÇÃO DA LEITURA DE TEXTOS DIDÁTICOS COMO CAMINHO
PARA FACILITAR A COMPREENSÃO DOS MODELOS DE LIGAÇÃO
QUÍMICA
Célio da Silveira Júnior – FAE/UFMG
Resumo
O esforço dos professores de ciências se traduz na busca da compreensão por parte dos
estudantes dos conteúdos científicos. O nosso interesse está nos processos nos quais os
estudantes se veem envolvidos no esforço de compreensão dos modelos de ligação
química. Esses modelos apresentam-se ao mesmo tempo como sendo importantes, mas
difíceis de serem ensinados e aprendidos. Acreditamos que abordagens capazes de fazer
frente às práticas de esquematização, memorização de definições, de classificações e de
proposição de nomes e fórmulas de compostos precisam considerar a importância e o
papel do texto na sala de aula, o que vai requerer do professor o desenvolvimento de
estratégias de mediação de leituras. Constatamos que existe uma carência de estudos
que dizem respeito à mediação da leitura e da escrita de textos didáticos de ciências em
sala de aula da educação básica. Estamos interessados em avaliar o papel da mediação
da leitura de textos didáticos de ciências na produção de sentidos sobre os modelos de
ligação química junto aos estudantes de uma turma do 9º ano do ensino fundamental de
uma escola da rede pública. Apresentamos aqui resultados parciais dessa pesquisa em
andamento. Escolhemos examinar alguns resultados relacionados às mediações
propostas para a leitura de um texto que buscava o estabelecimento por parte dos
estudantes das relações entre modelos e a realidade. Pelas análises iniciais de nossa
pesquisa, verificamos que o processo de compreensão dos modelos de ligação química
pelos alunos pode ser promovido pela mediação da leitura dos textos didáticos.
Palavras-chave: Compreensão, Leitura, Mediação, Ligações Químicas.
Introdução
O esforço dos professores(as) de ciências se traduz na busca da compreensão por
parte dos estudantes dos conteúdos científicos. Como educadores empreendemos
esforços para que os processos de compreensão nos quais os alunos se veem envolvidos
sejam ricos em elaboração de sentidos e cada vez mais dialógicos. Uma perspectiva que
considere a compreensão como um processo de interlocução nos ajuda muito a tomar
decisões em relação ao que vamos tornar disponível para os alunos em nossas aulas.
Como nos aponta Geraldi (2010), de acordo com a produção do Círculo de
Bakhtin, a compreensão consiste no processo de interlocução, cujos elementos
necessários a essa construção nem sempre estão previamente definidos. A compreensão
está para além do reconhecimento do significado das palavras. É preciso mergulhar nos
processos de diálogos estabelecidos entre os sujeitos, em contextos reais de interação,
para que os sentidos vários sejam apresentados e confrontados. Pensando na sala de
aula, alguns fatores constituem os processos de elaboração de sentidos nas interações.
Para Machado (2004), a construção do entendimento está relacionada com as muitas
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formas como duas ou mais vozes entram em contato. Queremos dizer com isso que
compartilhamos com a ideia de que nas interações de uma sala de aula as vozes do livro
didático, do professor, dos colegas, das experiências da vida cotidiana, etc., encontramse e confrontam-se e, a partir daí, significados negociados ganham relativa estabilidade
em termos de significação compartilhada socialmente.
A produção de sentidos, que emerge desse cruzamento de vozes, revela assim
seu caráter essencialmente dialógico, pois “a compreensão é uma forma de diálogo; ela
está para a enunciação assim como uma réplica está para outra no diálogo. Compreender
é opor à palavra do locutor uma contrapalavra” (Bakhtin, 1997b). Esse movimento
dialógico, para Castro (2010), é rico pela sua natureza responsiva despertada no sujeito,
de forma que a elaboração de sentidos é sempre ativa e responsiva, conforme Bakhtin
(1997a). Ativa porque remete a uma ação humana, mediada por signos e pela
linguagem. E responsiva porque uma voz/palavra ou ideia sempre responde a outra,
caso contrário o dito careceria de qualquer sentido já que Bakhtin (1997b) chama de
sentido ao que é resposta a uma pergunta.
Problema
O nosso problema de pesquisa refere-se aos processos nos quais os estudantes se
veem envolvidos no esforço de compreensão dos modelos de ligação química.
A teoria das ligações é uma ideia poderosa para os químicos e para o estudo
dessa disciplina. Conhecer os modelos de ligações pode favorecer o estabelecimento de
relações com outros modelos, conceitos ou ideias centrais da Química e possibilitar a
compreensão de diversos fenômenos que ocorrem ao nosso redor, como as reações
químicas, a liberação de energia na combustão, a solubilidade de substâncias, etc. Para
explicar, por exemplo, a condutividade elétrica de um fio de cobre recorremos ao
modelo de ligação, nomeada de metálica. Todas as propriedades específicas dos
materiais são explicadas em termos de modelos de ligações químicas. Assim, a
compreensão dos modelos de ligação é fundamental no entendimento das propriedades
e do comportamento dos materiais (Carvalho e Justi, 2005; Lima e Barboza, 2005;
Fernandez e Marcondes, 2006; Milaré, 2007).
O ensino das ligações recorre, frequentemente, ao procedimento de se apresentar
nome e fórmulas de substâncias químicas classificadas como covalentes, iônicas e
metálicas. Para orientar a identificação/classificação, um recurso bastante presente nas
aulas e materiais didáticos é o de associar cada um como resultado de ligações entre
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ametal com ametal; metal com ametal e metal-metal. Nesses casos, parece que o que
importa mesmo é a classificação pela classificação, seguida da memorização de
propriedades representativas das substâncias características de cada grupo. Outro
aspecto recorrente se refere à utilização da estabilidade dos gases nobres e da regra do
octeto como explicação para a origem da estabilidade nas ligações químicas.
O
problema com essa regra, conforme Mortimer, Mol e Duarte, (1994), é que sendo um
procedimento útil para a previsão da valência e de fórmulas de compostos, ela se
transforma em um ritual, um verdadeiro dogma a explicar a estabilidade dos compostos
químicos, substituindo princípios mais gerais como as variações de energia envolvidas
na formação de ligações entre átomos.
Consideramos que as abordagens, em geral, trazem pouca ou nenhuma
contribuição na compreensão dos materiais, quando não introduzem conceitos errados.
Além disso, consideramos que se perde a oportunidade de ensinar outros conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais no que se refere ao modo como a ciência
produz conhecimento, como os modelos são criados e validados, as relações entre
modelo e realidade, entre outros. Isso é especialmente preocupante quando voltamos
nossa atenção para o Ensino Fundamental, etapa em que os estudantes ainda não
compreendem os fenômenos naturais no nível atômico molecular.
Objetivos
Devido à sua característica de teoria, à variedade de modelos propostos e ao alto
nível de abstração exigido, os modelos de ligações químicas apresentam-se como sendo
importantes, mas difíceis de serem ensinados e aprendidos. O nosso desafio como
professores e professoras de ciências e de química é maior considerando-se não só as
críticas aqui feitas, mas a necessidade de avançarmos na proposição de outras
abordagens capazes de enfrentar sentidos ou concepções equivocadas sobre os modelos
de ligações por parte dos estudantes, além de contribuir para a compreensão mais ampla
dos modelos químicos e das teorias. Acreditamos que outras abordagens capazes de
fazer frente às práticas de esquematização, memorização de definições, de classificações
e de proposição de nomes e fórmulas de compostos precisam considerar a importância e
o papel do texto na sala de aula. Contudo, o estudo do texto didático de ciências requer
do professor o desenvolvimento de estratégias de mediação de leituras.
A leitura de textos didáticos de ciências é uma atividade que tem sido pouco
requerida pelos professores principalmente no espaço social da sala de aula. Via de
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regra, as leituras vem sendo indicadas para serem realizadas extra classe, sem que haja
orientação prévia de como fazê-la. Até pouco tempo parecia não exigir uma reflexão a
respeito do ato de ler como atribuição de sentidos. Tal constatação que se faz decorre da
maneira como a atividade era (ou ainda é) proposta. De acordo com Bakhtin (1997b), o
texto (oral ou escrito) é o dado primário de todas as disciplinas e de qualquer
pensamento, o que o leva a concluir que “onde não há texto, também não há objeto de
estudo e de pensamento”. A substituição dos textos na sala de aula por resumos
esquemáticos feitos no quadro pelo professor configura-se uma situação particularmente
preocupante do nosso ponto de vista, para a aprendizagem de ciências. No que se refere
ao estudo das ligações então, é extremamente problemático pela sua relevância em
termos explicativos, pelo alto grau de abstração e imaginação requerido no
estabelecimento de relação entre modelo e realidade. Existe algo “estranho” e
contraintuitivo, no discurso da ciência, que é difícil de ser compreendido (Espinoza,
2010). Para enfrentar essa realidade, a opção pelo ensino de determinados conteúdos
acaba por introduzir explicações simplificadas, reducionistas e esquemáticas que não
convêm a uma educação em ciências comprometida com a capacidade de pensar,
criticar e se posicionar no mundo como sujeito.
Na leitura, ocorre um complexo processo de produção de sentidos, condicionado
pelos aspectos histórico-sociais nos quais o texto, seu autor e seu leitor encontram-se
situados. Ler um texto escolar de ciências pressupõe compreender as intencionalidades
ou projetos de dizer de autores e dos professores mediadores dos discursos científicos,
no encontro com o que os estudantes pensam e sabem sobre aqueles enunciados.
Contudo, o projeto de dizer do autor a um leitor presumido não dá conta do
inacabamento em termos de sentidos possíveis, inerente aos discursos. O texto se
atualiza e se concretiza no ato da leitura. O leitor preenche lacunas que decorrem do
encontro entre o sentido que ele confere ao que o autor diz e aquilo que lhe parece estar
sendo dito por este. Em outras palavras, são preenchidas as lacunas na medida em que o
leitor recria o que foi omitido (Paula e Lima, 2010; Brandão, 2011), funcionando como
co-produtor dos sentidos do texto. Os sentidos do texto e a significação das palavras
dependem da relação entre sujeitos, ou seja, constroem-se na produção e interpretação
dos textos (Brandão, 2011; Barros, 2011). Resultam do encontro entre projetos de dizer
e de ouvir, tributários de um determinado gênero discursivo (Lima, 2005). No nosso
caso, o gênero texto didático de ciências, escrito para estudantes do segundo segmento
do nível fundamental.
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O professor é responsável, em sala de aula, por criar condições para que seus
alunos ingressem nas práticas sociais de leitura como processos de atribuição de
sentidos (Espinoza, 2010). Por isso, estamos convencidos de que é importante estudar a
mediação intencionalmente planejada dos professores de ciências antes, durante e após
as situações de leitura, realizadas em sala de aula. Tais mediações têm como objetivo
exercer influência sobre a construção de sentidos acerca dos modelos de ligações, bem
como conhecer os sentidos elaborados pelos estudantes, de modo a permitir uma
primeira estabilização de significados cientificamente consolidados.
De forma mais específica estamos interessados em avaliar o papel da mediação
da leitura de textos didáticos de ciências na produção de sentidos sobre os modelos de
ligação química junto aos estudantes de uma turma do 9º ano do ensino fundamental de
uma escola da rede pública de Minas Gerais.
Metodologia
A responsabilidade social e política com uma educação em ciência para todos
exige de nós uma postura ética em relação a todos os atos de nossa vida. No campo da
pesquisa reafirmamos tal compromisso na medida em que esta não se dissocia da nossa
condição de docentes implicados com nosso fazer pedagógico. Para nós, a pesquisa está
intrinsecamente ligada à formação docente. Em decorrência dessa visão, nossa pesquisa
se constrói na relação com os outros docentes que oportunizam a realização da mesma.
Desse modo, os instrumentos de pesquisa concebidos, a coleta de dados e as análises e
reflexões acerca do processo de ensino e aprendizagem são uma construção coletiva e
colaborativa. A professora de ciências dos estudantes do 9º ano onde esta pesquisa vem
sendo realizada se constitui como interlocutora privilegiada em termos de nossas
proposições e decisões.
O primeiro momento da pesquisa envolveu a seleção de textos didáticos de
ciências para serem utilizados em sala de aula. Fizemos uma análise preliminar dos
livros didáticos de ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) 2011 do Governo Federal, resultados apresentados no VIII Encontro Nacional
de Pesquisa em Educação em Ciências, 2011. Os resultados apontaram que apenas dois
dos onze livros, entre os quais se encontra a coleção a ser utilizada na pesquisa, a
Coleção Construindo Consciências (Grupo APEC, 2010), apresentaram uma estrutura
que diferia do padrão verificado nos demais. Esses livros apresentaram como pontos
comuns: uma abordagem que não atribuía a estabilidade das ligações químicas à
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obediência da regra do octeto, mas sim ao resultado de interações elétricas entre átomos,
com consequente abaixamento de energia do sistema; uma apresentação dos tipos de
ligação que se iniciava com a metálica; uma abordagem das ligações metálicas que ia
além do uso apenas da analogia do “mar” de elétrons; uma vinculação entre os modelos
propostos para as ligações e as explicações para as propriedades apresentadas pelas
substâncias, incluindo o tratamento da influência das interações intermoleculares; a
proposição de realização de atividades práticas; a incorporação das recomendações das
pesquisas acadêmicas relacionadas ao tema.
A escola pública onde a pesquisa vem sendo realizada adota essa coleção há
alguns anos, bem como a professora responsável pela turma, que aceitou participar de
nossa proposta de investigação. Para conhecer as intencionalidades ou projetos de dizer
dos autores da coleção didática selecionada como referência fizemos um novo estudo,
em parceria com a professora da turma selecionada, a partir da leitura e análise do texto
da assessoria pedagógica que integra essa coleção. A partir daí, foi possível
produzirmos em parceria os instrumentos de mediação da leitura de modo a responder
aos nossos objetivos. No caso, prevaleceram os objetivos apresentados em meu projeto
de pesquisa, explicitados como tal para a professora que não se opôs a aceitar.
Para caracterizar os usos do texto didático na sala, foram observadas aulas da
professora colaboradora durante doze encontros, em um período que se estendeu por
cerca de quatro meses. Posteriormente, foram escritas algumas atividades de mediação
da leitura, que foram apresentadas e discutidas com os estudantes e com a professora. A
interação com o texto em sala de aula ficou a cargo de um dos pesquisadores, a qual foi
mediada por meio de roteiros de leitura previamente desenvolvidos. Os dados das
interações foram registrados em áudio para posterior transcrição e análise. Além disso,
as discussões com a professora da turma e com as orientadoras desta pesquisa foram
registradas em caderno de campo, o que compõem também o corpus desta pesquisa.
Coerentes com a perspectiva histórico-cultural adotada como referencial
teórico, deixamos que os discursos produzidos revelassem sua forma de produzir
sentidos. Por isso, não foram estabelecidas categorias de análise a priori, nem aplicados
conceitos pré-definidos a fim de compreender os discursos em circulação em vez de
enquadrá-los em ideias preconcebidas ou preconceituosas sobre o que deveria ser dito e
em que circunstâncias seriam enunciadas.
Nessa perspectiva, buscamos não só compreender e descrever a realidade em
que nossa pesquisa se insere, mas também procuramos construir sentidos que nos
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ajudassem a compreender melhor os processos envolvidos, e, nesse movimento,
transformá-la. A compreensão dos dados nos exigiu a análise das palavras e das contrapalavras que circularam na sala de aula durante o processo de mediação da leitura. O
esforço de compreensão dos dados é inseparável da avaliação tanto de nossas
intervenções, quanto dos instrumentos utilizados, do contexto de produção dos dados e
dos sentidos atribuídos pelos estudantes. Compreender sem julgar é impossível
(Bakhtin, 1997b).
Utilizamos essencialmente a observação direta das interações pedagógicas em
sala de aula, anotações pessoais e trabalhos dos estudantes. Essa estratégia, na
perspectiva histórico-cultural é vista pela dimensão da alteridade, ou seja, o pesquisador
ao se inserir no campo se torna parte dele, mas no encontro com o outro mantém sua
posição exotópica. Significa olhar para o outro a partir de outro campo de visão, ou seja,
o de pesquisador interessado em compreender um determinado processo. É a partir do
nosso distanciamento como professores, autores de textos didáticos e pesquisadores que
abordamos o envolvimento com o evento (Santos, 2010).
O planejamento das atividades de mediação levaram em conta que as leituras a
serem mediadas seriam extraídas da Coleção Construindo Consciências (Grupo APEC,
2010). A coleção traz um conjunto de cinco textos que se referem ao tema ligações
químicas, apresentados na seguinte ordem: Os átomos ligam-se uns aos outros (texto 1);
Testando a condutividade elétrica de materiais (texto 2); As ligações entre os átomos de
um metal (texto 3); Modelos de ligações para materiais não metálicos (texto 4); e Forças
de ligação e propriedades dos materiais (texto 5).
O planejamento previu que se estabelecessem propósitos bastante explícitos por
nós para as leituras que seriam feitas. Exigiu-se que ao final de cada aula fossem feitas
uma síntese e socialização das ideias que circulassem na sala, apresentadas também na
forma de pequenos textos produzidos por eles, explorando a ideia central de cada aula.
A cada nova aula, fez-se com que o início dela correspondesse à retomada das ideias
discutidas na aula anterior. Combinamos entre os pesquisadores e a professora da turma
que a indicação pelo professor das respostas “corretas” fossem postergadas ao máximo,
de forma a permitir o debate, a circulação de variados sentidos. Outra observação em
termos de coleta de dados foi a de que, a cada novo texto, fossem utilizadas estratégias
diferentes de leituras, bem como possíveis variações na interpretação dos textos.
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Planejamos iniciar as aulas com o experimento descrito no texto 2, Testando a
condutividade elétrica de materiais. O texto traz a descrição dos procedimentos para
realização do experimento e algumas questões sobre os resultados que podem ser
obtidos. Entendemos que ao final das atividades propostas os estudantes pudessem
começar a propor explicações sobre o porquê de algumas substâncias conduzirem
eletricidade e outras não, e, em alguns casos, não conduzirem quando estão no estado
sólido, mas sim quando solubilizadas em água. Que modelos seriam capazes de explicar
essas ocorrências? A questão sobre os modelos foi retomada em seguida com o texto 3,
As ligações entre os átomos de um metal. Ele tratou da relação entre as propriedades
dos materiais e os modelos de ligações químicas propostos, a de que, em suma, para
propriedades diferentes devemos ter modelos diferentes. Em seguida, esse texto vai
conduzir a uma proposta de um modelo para as ligações entre os átomos de um metal. O
planejamento previu que se discutisse nessa aula o modelo para as máquinas de
refrigerante automáticas proposto por Chassot (1990) e inserido na coleção Construindo
Consciências. O objetivo de tal texto era o de introduzir a ideia de que um modelo é
uma situação provável e não algo certo ou acabado. Planejou-se o estudo dos demais
textos na seguinte ordem: 4, Modelos de ligações para materiais não metálicos; 1, Os
átomos ligam-se uns aos outros; e 5, Forças de ligação e propriedades dos materiais. O
estudo do texto 1, em ordem diferente à apresentada na coleção, foi fruto de nossa
intenção de enfatizar aos estudantes as relações que existem entre modelos e a realidade,
antes de partirmos para as possíveis causas das ligações entre os átomos. Para todos os
textos, questões foram elaboradas e estratégias diferentes de leitura e interpretação
foram apresentadas: identificação de ideias-chave dos parágrafos do texto; produção de
questões sobre o texto pelo leitor; identificação do que o texto/autor diz, como diz e o
que não diz, dentre outras.
Resultados
Apresentamos aqui resultados parciais de uma pesquisa em andamento.
Escolhemos examinar neste artigo alguns resultados relacionados às mediações
propostas para a leitura do texto 4, Modelos de ligações para materiais não metálicos.
Interessa-nos aqui analisar o estabelecimento por parte dos estudantes das relações entre
modelos e realidade. Inicialmente retomamos com os alunos os resultados da leitura do
texto 3, Modelos de ligação química para materiais metálicos, com o objetivo de dar
um fechamento à aula anterior e construir um propósito de leitura para o texto seguinte.
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Em outras palavras, estabelecer conexões entre os diferentes textos como um conjunto
de narrativas sobre ligações químicas, ato a ato. As aulas foram desenvolvidas de forma
dialogada e com a participação dos alunos. Para Bakhtin, apud Amorim (2001), o
fenômeno dialógico ultrapassa em muito as relações entre as réplicas de um diálogo
formalmente produzido; ele é quase universal e perpassa todo o discurso humano,
todas as relações e todas as manifestações da vida humana, de uma maneira geral,
tudo que tem um sentido e um valor. Tentou-se que a mediação da leitura se fizesse o
tempo todo com a intenção de levar os alunos a estabelecer as relações necessárias com
as ideias centrais dos textos. A intenção era avançar mais do que nas aulas anteriores
quanto ao fechamento / acabamento das questões tratadas pelos textos, em termos de
respostas cientificamente aceitas ou validadas pelo texto.
Lemos com os alunos o texto 4, Modelos de ligações para materiais não
metálicos, utilizando uma estratégia específica de mediação. A ideia era utilizar uma
estratégia que fosse estruturada por três ações: pré-leitura, intra-leitura e pós-leitura.
Essa estratégia previu a produção de textos pelos alunos sobre questões que seriam
feitas em etapas diferentes da leitura do texto proposto. Os registros dos alunos foram
recolhidos para avaliação. Socializamos as ideias principais do texto lido. No quadro,
registramos as ideias principais do texto destacadas pelos alunos. A intenção aqui era
socializar as respostas dadas e efetuar uma mediação que permitisse estabelecer as
relações dos destaques com os conceitos-chave do texto. Solicitamos a produção de um
texto pelos alunos. A intenção era a de que os alunos produzissem um texto que
sintetizasse o que foi lido, considerando os seguintes aspectos: a) Que questão o texto
lido se propunha a discutir? b) Que resposta o texto lido dava à questão que se propôs
a discutir? Os textos produzidos foram recolhidos para se analisar a interpretação dos
alunos às questões centrais tratadas no texto lido.
Iniciamos a aula retomando os resultados da aula anterior, registrando no quadro
as ideias principais: a de que o texto se propôs tratar de modelo de ligações para
materiais metálicos; a de que os modelos propostos devem se basear nas propriedades
dos materiais; a de que o modelo para as ligações metálicas se baseia na facilidade de
movimentação dos elétrons livres. Solicitamos aos alunos que respondessem à questão
que correspondia à estratégia de pré-leitura:
1. As propriedades dos metais, incluindo a condutividade elétrica, estão
relacionadas à facilidade de movimento dos elétrons livres que os metais
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apresentam. Como devem estar os elétrons nos materiais que não conduzem
bem a corrente elétrica e apresentam propriedades diferentes das dos
metais, como é o caso dos plásticos, dos materiais cerâmicos, do sal de
cozinha no estado sólido, dentre outros?
Algumas respostas produzidas para essa questão, selecionados aleatoriamente,
foram as seguintes, sic: “Por que estão presos” (Aluno 1); “Os eletrons estão em
dificio movimento” (Aluno 2); “Esses matérias possuem poucos quase nenhus eletros.
Ele ficau presos” (Aluno 3); “Dificio movimento”(Aluno 4); “Facilidade de movimento
de elétrons livres” (Aluno 5); “Eles devem estar preso com um difícil locomoção de
lugar” (Aluno 6); “Os materias que não conduzem bem a corrente elétrica, eles ficam
mais presas tem pouco movimento” (Aluno 7).
Veja-se que essa primeira questão correspondia, na estratégia de mediação, à
fase de pré-leitura do texto que forneceria a resposta à questão. Então nesse ponto, as
respostas possíveis seriam aquelas que se baseassem no que já havia sido lido. Para
Geraldi (2010), o leitor trabalha produzindo significações e é nesse trabalho que ele se
constrói como leitor. Suas leituras prévias, sua história de leitor, estão presentes como
condição de seu trabalho de leitura e esse trabalho o constitui leitor e assim
sucessivamente.
Compreender é cotejar com outros textos e pensar num contexto novo (no
meu contexto, no contexto contemporâneo, no contexto futuro). Contextos
presumidos do futuro: a sensação de que estou dando um novo passo (de que
me movimentei). Etapas da progressão dialógica da compreensão; o ponto de
partida – o texto dado, para trás – os contextos passados, para frente – a
presunção (e o início) do contexto futuro. (Bakhtin, 1997b: p. 404).
Observa-se também que, em algumas respostas, já são apresentadas hipóteses
explicativas sobre como deve ser o modelo para um material que apresenta propriedades
diferentes das dos metais. Os dados fornecem indícios de que a relação
propriedade/modelo está sendo construída e compreendida como compromisso
epistemológico entre modelo e realidade. É o início do processo. Para Geraldi (2007),
na leitura a compreensão acontecerá quando o leitor oferecer suas contrapalavras:
Como a palavra lida é sempre o momento da “startização” de muitas outras
palavras do leitor, suas contrapalavras, a compreensão resulta não do
reconhecimento da palavra aí impressa, aí ouvida, mas do encontro entre a
palavra e suas contrapalavras (na metáfora bakhtiniana, na faísca produzida
por este encontro). Dada a impossibilidade de prever quais as contrapalavras
que virão a este encontro, porque elas a ele comparecem segundo os
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percursos já percorridos por cada diferente leitor e segundo os inumeráveis
momentos da leitura, é impossível prever todos os sentidos que a leitura
produz. Por isso, um texto, uma vez nascido, passa a ter histórias que não
são a reprodução de sentidos sempre idênticos a si mesmos.
Conclusões
Constatamos que existe uma carência de estudos que dizem respeito à mediação
da leitura e da escrita de textos didáticos de ciências em sala de aula da educação básica,
bem como nos cursos de formação de professores de ciências da vida e da natureza.
Acreditamos que as práticas de leitura em sala de aula podem desempenhar um papel
relevante, tanto no que se aprende de ciências, quanto no modo como se compreende a
natureza do conhecimento científico. Nossa pesquisa se constitui, então, como
oportunidade para uma reflexão sobre a complexidade envolvida nos processos de
leitura, como uma resposta responsável para a formação dos sujeitos envolvidos,
oriundos da rede de ensino pública. Serão esforços de pesquisa como compromisso
maior de professores-pesquisadores, partilhando conhecimentos e experiências, e
oferecendo ao outro instrumentos que lhe permitam agir e transformar conscientemente
sua própria realidade, em um genuíno espaço de formação (Freitas e Ramos, 2010).
Pelas análises iniciais de nossa pesquisa, verificamos que o processo de
compreensão dos modelos de ligação química pelos alunos pode ser promovido pela
mediação da leitura dos textos didáticos. Há indícios disso até momento. Mas há de se
ter em mente que a compreensão é um processo complexo e que deve ser continuado, ou
seja, leva tempo para ser alcançado e não combina com o imediatismo que a escola
geralmente nos impõe. O grande problema é que a escola normalmente não tem tempo
para oferecer aos alunos as oportunidades de viverem o processo. O importante é
permitirmos a interação com o texto, pois é assim que a leitura se constrói. Lemos e
relemos e isto é importante para o processo de compreensão. Assim como é importante
a troca de ideias com os outros, quer sejam alunos, quer sejam os professores. É o que
esperamos demonstrar com esse trabalho.
O sentido é potencialmente infinito, mas pode atualizar-se. Somente em
contato com outro sentido (do outro) ainda que seja com uma pergunta do
discurso interior do sujeito da compreensão. Ele deve sempre contatar com
outro sentido para revelar os novos elementos da sua perenidade (como a
palavra revela os seus significados somente no contexto). Um sentido atual
não pertence a um (só) sentido mas tão-somente a dois sentidos que se
encontraram e se contactaram. Não pode haver “sentido em si” – ele só
existe para outro sentido, isto é, só existe com ele. Não pode haver um
sentido único (um). Por isso não pode haver o primeiro nem o último
sentido, ele está sempre situado entre os sentidos, é um elo na cadeia dos
sentidos, a única que pode existir realmente em sua totalidade. Na vida
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histórica essa cadeia cresce infinitamente e por isso cada elo seu isolado se
renova mais e mais, como que torna a nascer (Bakhtin, 1997b).
Referências
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BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Ed. Hucitec: São Paulo, 1997a.
___________. Estética da Criação Verbal. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 1997b.
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Agradecimentos
Às minhas orientadoras de pesquisa, Profas. Dras. Maria Emília Caixeta de Castro Lima
(FAE/UFMG) e Andréa Horta Machado (COLTEC/UFMG).
Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.006326
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a mediação da leitura de textos didáticos como caminho