Acidentes por Animais Peçonhentos Camila Freitas Pereira – R1 de pediatria Orientador: Dr. Felipe L. Vasconcelos Hospital Regional da Asa Sul(HRAS)/SES/DF www.paulomargotto.com.br 16/10/2008 Notificações por Ofidismo no Brasil em 2005 Região Número de casos Norte 8.463 Incidência (x 100.000) 54.8 Nordeste 6.767 12.8 Sudeste 7.635 9.5 Sul 2.741 10.0 Centro- Oeste 2.799 22.6 Brasil 28.597 15.0 Distribuição das agressões por tipo de animal peçonhento - Distrito Federal - 2006. Tipo de Animal Freqüência Absoluta Freqüência Relativa (%) Escorpião 122 36,7 Abelha 73 22,0 Serpente 67 20,2 Aranha 25 7,5 Lagartas 2 0,6 Outros 14 4,2 Ignorado 29 8,7 Total 332 100,0 Fonte:Sinan-DF Nº de casos e coeficientes de incidência e de mortalidade por agressão por serpente Distrito Federal - 2000 a 2006 Ano Casos de Agressões por Serpente Coef. Incid. p/100000 Hab. Óbitos por Agressões por Serpente Coef. de Mortal. por 100000 Hab. 2000 84 4,1 1 0,05 2001 62 3,0 1 0,05 2002 97 4,5 1 0,05 2003 105 4,8 - - 2004 85 3,8 1 0,04 2005 75 3,2 - - 2006 67 2,8 2 0,08 Total 575 - 6 - Fonte: Sinan e SIM Incidência de agressões por serpente – Distrito Federal – 2000 a 2006 Fonte: Sinan - DF Média mensal de casos notificados de agressão por serpente – Distrito Federal – 2000 a 2006 Fonte:Sinan-DF Ofidismo Ofidismo • Gênero Bothrops – 30 espécies – todo território nacional, zonas rurais, periferias de grandes cidades, locais úmidos – Hábito noturno, crespuscular – Jararaca,ouricana, jararacuçu, urutu-cruzeira, jararaca-do-rab-branco, malha-de-sapo, patrona, surucucurana, combóia, caiçaca Bothrops sp Bothrops sp B. atrox B. erythromelas B. jararaca B. jararacussu B. neuwiedi B. alternatus Ofidismo • Gênero Crotalus – Várias subespécies, pertencentes à espécie Clotarus durissus; – Campos abertos, áreas secas, arenosas e pedregosas; – Habitualmente não atacam, ruído característico do guizo ou chocalho; – Cascavel, cascavel-quatro-velas, boicininga, maracambóia, maracá; Crotalus sp Crotalus sp Ofidismo • Gênero Lachesis – Espécie Lachesi muta, com 2 subespécies – Maior das serpentes peçonhentas das Américas (3,5m) – Florestas e áreas úmidas – Surucucu, surucucu-pico-de-jaca, surucutinga, malha-de-fogo Lachesis sp Ofidismo • Gênero Micrurus – 18 espécies – Todo território nacional – Pequeno e médio porte (1m) – Anéis vermelhos, pretos e brancos – Coral, coral verdadeira, boicorá – Falsas coráis: ausência de dentes inoculadores e diferente configuração dos anéis Micrurus sp Ofidismo • Família Colubridae – Algumas espécies do gêneros: Philodryas e Clelia – dentes inoculadores, ausência de fosseta loreal – Cobra-cipó ou cobra-verde, muçurana ou cobra-preta; Philodryas olfersii Clelia clelia C. durissus M. frontalis L. muta M. lemniscatus M. corallinus Mecanismos de ação dos venenos Atividade Inflamatória aguda Veneno Botrópico e laquético Coagulante Hemorrágica Botrópico, laquético e crotálico Botrópico e laquético Neurotóxica Crotálico e elapídico Miotóxica “vagomimética” Crotálico Laquético Efeitos Lesão endotelial e necrose no local Liberação de mediadores inflamatórios Incoagubilidade sanguínea Sangramento local e à distância(gengivorragia, hematúria..) Bloqueio da junção neuromuscular Rabdomiólise Estimulação colinérgica ( vômitos, dor abdominal, diarréia, hipotensão, choque) Ofidismo • Acidente Botrópico – Maior importância epidemiológica (90%) – Ações do veneno: • “Proteolítica”: edema, bolha e necrose têm patogênese complexa: ação de proteases, hialuronidades, fosfolipase; liberação de mediadores da resposta inflamatória, ação das hemorraginas sobre endotélio, ação pró-coagulante • Coagulante: ativação do fator X e protrombina (CIVD). Alteração da função e número de plaquetas • Hemorrágica: hemorraginas causam lesão na membrana basal dos capilares, associa à plaquetopenia e alterações de coagulação Ofidismo • Acidente Botrópico – Local: processo inflamatório, edema tenso, equimose, dor e adenomegalia regional e progride ao longo do membro acometido para bolhas (seroso, sero-hemorrágico) e, eventualmete para necrose. – Sistêmico: alteração da coagulação, sangramentos espontâneos . Náusea, vômito, sudorese, hipotensão, choque. Ofidismo • Acidente Botrópico – Complicações: • Síndrome compartimental: rara • Abscesso: 10 a 20% (bacilos gram-negativos, anaeróbios, cocos Gram-positivos) • Necrose: maior risco nas picadas de extremidades • Choque: raro, multifatorial (liberação de substâncias vasoativas, seqüestro de líquido, perda por hemoragia) • Insuficiência Renal Aguda: multifatorial (ação direta nos rins, isquemia renal secundária a microtrombos em capilares, desidratação ou hipotensão ou choque) Ofidismo • Acidente Botrópico – Exames: • Tempo de Coagulação: elucidação diagnóstica e acompanhamento • Hemograma: leucocitose, neutrofilia, desvio à esquerda, plaquetopenia • VHS: aumentado • EAS: proteinúria, hematúria, leucocitúria • Outros: eletrólitos, uréia, creatinina BOTRÓPICO Ofidismo • Acidente Crotálico – Cerca de 7,7% dos acidentes ofídicos no Brasil – Maior coeficiente de letalidade (IRA) – Ações do Veneno: • Neurotóxica: fração crotoxina com ação pré-sináptica (inibe liberação de acetilcolina), bloqueio neuromuscular; • Miotóxica: rabdomiólise, liberação de enzimas e mioglobina. • Coagulante: consumo de fibrinogênio, não há redução de plaquetas, manifestações hemorrágicas discretas Ofidismo • Acidente Crotálico – Locais: sem ou pouca dor, parestesia, edema, eritema – Sistêmicas: • paralisia neuro-muscular: fácies miastênica (ptose, flacidez da musculatura da face), distúrbios de acomodação visual, de olfato, de paladar e sialorréia • Rabdomiólise: dores musculares generalizadas, mioglobinúria • Incoagubilidade sangüínea ou aumento do tempo de coagulação Ofidismo • Acidente Crotálico – Complicações: • Parestesia local de longa duração: rara, porém reversível em semanas • IRA: com necrose tubular e instalação em 48h. – Exames: • CK(precoce), LDH (tardio), TGO, TGP • Tempo de coagulação aumentado • Hemograma: leucocitose, neutrofilia, desvio à esquerda (granulçaões tóxicas) • EAS: normal, proteinúria discreta. CROTÁLICO Ofidismo - Crotálico • Tratamento geral – Hidratação venosa – Manitol a 20% 5ml –kg na criança e 100ml – kg no adulto – Furosemida 1mg-kg dose na criança e 40mgdose no adulto – Manter pH urinário acima de 6,5 com bicarbonato de Na Ofidismo • Acidente Laquético – Raros – Ação do Veneno: • Coagulante: atividade tipo trombina • Hemorrágica • Neutrotóxica: estímulo vagal Ofidismo • Acidente Laquético – Locais: semelhantes às do acidente botrópico – Sistêmicas: hipotensão, tontura, bradicardia, cólicas abdominais, diarréia – Complicações: semelhantes às do acidente botrópico Ofidismo • Acidente Laquético – Exames: • Tempo de coagulação – Diagnóstico diferencial com acidente botrópico: manifestações da “síndrome vagal” Laquético Edema, equimose, necrose cutânea (foto: J.S. Haad) Ofidismo • Acidente Elapídico – 0,4% dos acidentes no Brasil – Todo acidente elapídico é grave – Ações do veneno • Neurotoxinas de ação pós-sináptica: – Baixo peso molecular, rápida absorção, sintomas precoces – Competem com acetilcolina na junção neuromuscular – Uso de anticolinesterásicos (neostigmina, edrofônio) • Neurotoxinas pré-sinápticas: – Bloqueiam liberação da acetilcolina na junção neuromuscular Ofidismo • Acidente elapídico – Locais: discreta dor, parestesia com progressão proximal – Sistêmicas: vômitos, fraqueza muscular progressiva ( ptose palpebral, oftalmoplegia). Pode comprometer musculatura respiratória: insuficiência respiratória aguda. Elapídico Ofidismo - Elapídico • Tratamento da Insuficiência Respiratória Aguda – Teste da neoestigmina: 0,05mg-kg em crianças e 1 ampola em adultos, EV. Rápida resposta. – Terapêutica de manutenção: 0,05 a 0,1 mg-kg, EV, a cada 4 horas ( precedida por atropina) – Atropina: antagonista dos efeitos muscarínicos da acetilcolina (bradicardia, hipersecreção): 0,05mg-kg em crianças e 0,5 mg-kg em adultos, EV Ofidismo • Tratamento Geral: – Elevar e estender o segmento acometido – Analgésicos – Hidratação – ATB Escorpionismo • Epidemiologia – Importantes pela alta frequência e potencial gravidade – 8000 casos-ano – MG e SP: 50% dos casos. Aumento importante nos estados: BA; RN; AL; CE – Membros superiores – Letalidade 0,58% Escorpionismo • Espécies de importância no Brasil – Tityus serrulatus: Ba, ES, GO, MG, PR, RJ, SP – Tityus bahiensis: GO, SP, MS, MG, PR, RS, SC – Tityus stigmurus:NE – Tityus cambridgei:AM – Tityus metuendus: AM, AC, PA T. bahiensis / Escorpião Marron T. serrulatus / Escorpião Amarelo T stigmurus Escorpionismo • Ações do Veneno: – Dor local – Alterações nos canais de Ca: despolarizações pós-ganglionares, com liberação de catecolaminas e acetilcolina Escorpionismo • Clínica: – Locais: • Acidentes por Tityus serrulatus são mais graves • Dor local, parestesia – Sitêmicas: hipo-hipertemia, sudorese profusa, náuseas, vômitos, sialorréia, dor abdominal, diarréia, arritmia cardíaca, hiper-hipotensão, ICC, choque, taquidispnéia, edema pulmonar agudo, agitação, sonolência, confusão mental, hipertonia, tremores Escorpionismo • Gravidadade: – Espécie, tamanho, quantidade de veneno, massa corporal do acidentado e sensibilidade do paciente • Exames complementares: – ECG: desaparecem em 3 dias, podendo persistir por 7 – 10 dias • Taqui-bradicardia sinusal, extra-sístoles ventriculares, distúrbios de repolarização ventricular, bloqueio AV ou interventricular, onda Q, supra ou infradesnivelamento do segmento ST Escorpionismo • Exames complementares: – Raio-x de tórax: • Aumento da área cardíaca, edema pulmonar – Ecocardiograma – Hemograma (leucocitose com neutrofilia) – Bioquímica: hiperglicemia, amilasemia, hiponatremia, hipopotassemia, aumento de CK e CK-MB Escorpionismo • Tratamento Inespecífico: – Lidocaína a 2% sem vasoconstrictor infintração, 1-2 ml para crianças e 3-4 ml para adultos – Analgésicos (dipirona 10mg-kg de 6 em 6h) – Correção de distúrbios hidroeletrolítcos e ácidobásico – Atropina 0,01-0,02 mg-kg(bradicardia sinusal com baixo déb ito e BAV total) – Nifedipina 0,5 mg-kg ( hipertensão e edema pulmonar) – Monitorização (UTI) Araneísmo • Epidemiologia: – Brasil: • Phoneutria, Loxoceles, Latrodectus • Incidência: 1,5 -100.000 habitantes • 18 óbitos (1990-1993) Araneísmo • Phoneutria – Aranha armadeiras – Acidentes intra e peridomicílio, entulhos, material de construção, lenha, sapatos – Em mãos e pés, adultos ambos os sexos – 42% dos acidentes de araneísmo notificados no Brasil Phoneutria Araneísmo • Phoneutria – Ações do veneno: • Ativação e retardo da inativação dos canais de Na: despolarização de fibras musculares e terminações nervosas: liberação de acetilcolina e catecolamina • Ativação do sistema calicreína-cininas: contração de musculatura lisa vascular, aumento da permeabilidade vascular Araneísmo • Phoneutria: – Clínica: • Locais: mais importantes – Dor, edema eritema, parestesia, sudorese • Sistêmicos: – Taquicardia, hipertensão ou hipotensão arterial, sudorese, vômitos, agitação psicomotora, sialorréia, priapismo, hipertonia muscular, choque, edema agudo de pulmão Edema discreto em dorso de mão em paciente picado há 2 horas por Phoneutria sp Araneísmo • Phoneutria: – Exames complementares: • • • • Hemograma: leucocitose com neutrofilia Bioquímica: hiperglicemia Gasometria: acidose metabólica ECG: taquicardia sinusal Araneísmo • Loxosceles – Epidemiologia • • • • Forma mais grave de araneísmo no Brasil Região sul ( PR, SC) Acidentes em intradomicílio Acomete mais coxa, tronco e braços Loxosceles Araneísmo • Loxoceles – Ações do Veneno: • Enzima esfingomielinase-D: atua em membrana celular levando à ativação do sistema do complemento, da coagulação e das plaquetas Araneísmo • Loxoceles: – Clínica: • Forma cutânea: 87 – 98% dos casos – Dor, edema endurecido, eritema (pouco valorizados pelo paciente) – Lesão sugestiva: enduração, bolha, equimoses e dor em queimação – Lesão característica: dor em queimação, lesões hemorrágicas focais, mescladas com áreas pálidas ( placa marmórea) e necrose. Pode evoluir para escara (7-12 dias) e úlcera de difícil cicatrização em 3 – 4 semanas – Astenia, febre, cefaléia, exantema morbiliforme, petéquias, mialgia, sonolência, obnubilação, irritabilidade, coma Araneísmo • Laxoceles: – Forma cutâneo-visceral (hemolítica) • Além do comprometimento cutâneo ocorre hemólise intravascular • Anemia, icterícia, hemoglobinúria, petéquias, equimoses, CIVD, IRA – Exames complementares: • Hemograma: leucocitose, neutrofilia, anemia, plaquetopenia, reticulocitose, hiperbilirrubinemia indireta, hiperpotassemia, ↑ uréia, ↑creatinina, alteração do coagulograma Loxoscelismo Araneísmo - Loxoceles • Tratamento geral – Corticoterapia: prednisona oral 1mg-kg em crianças e 40mg – kg em adultos por 5 dias – Analgésicos – Compressas frias – ATB se infecção secundária – Remoção da escara após estar delimitada por área de necrose Araneísmo • Latrodectus – Epidemiologia: • Região NE, homens, 10 – 30 anos de idade – Ações do Veneno: • Alfa-latrotoxina atua no sistema nervoso autônomo com liberação adrenérgicos e colinérgicos e na junção neuromuscular présinaptica alterando permeabilidade dos canais de Na e K Latrodectus Araneísmo • Latrodectus – Clínica: • tremores, ansiedade, excitabilidade, insônia, cefaléia, prurido, edema de face e pescoço • Dor com irradiação para MMII, contraturas musculares, atitude de flexão no leito, hiperreflexia, dor abdominal intensa, podendo simular abdome agudo • Contratura facial, trismo de masseteres: fáscies latrodectísmica • Opressão precordial, sensação de morte iminente, taquicardia e hipertensão seguida de bradicardia • Náusea, vômitos, sialorréia, anorexia, obstipação • Retenção urinária, dor testicuçar, priapismo, ejaculação • Ptose, edema bipalpebral, hiperemia conjuntival, midríase Blefarite em paciente picado por Lactrodectus Araneísmo • Latrodectus – Exames complementares: • • • • Hemograma: leucocitose, linfopenia, eosinopenia Bioquímica: hiperglicemia, hiperfosfatemia EAS: albuminúria, hematúria, cilindrúria ECG: arritmias: FA, bloqueios, inversão de onda T, alteração do ST, prolongamento do QT Síndrome Hemorrágica por Lonomia Síndrome hemorrágica por Lonomia • Síndrome hemorrágica por Lonomia – Aumento dos casos, região Sul – De novembro a abril – Ações do veneno: hipofibrinogemia, ação prócoagulante moderada, ↓ fator XIII, sem alteração de plaquetas Síndrome hemorrágica por Lonomia • Quadro clínico – Dermatite urticante – Até 48h após: • Discrasia sanguínea: equimoses, hematomas, hemorragias, hematúria macroscópica, hemorragias intra-articulares, abdominais, pulmonares, gladulares, intraparenquimatosa cerebral • Complicações: – IRA: até 5% Síndrome hemorrágica por Lonomia • Exames complementares: – Tempo de coagulação – ↑ tempo de protrombina e tromboplastina parcial ativado – Diminuição do fibrinogênio plasmático – Plaquetas normais • Diagnóstico: • Se TC normal e sem sangramentos: acompanhar por 48h, o TC a cada 12h • Se TC alterado ou sangramento: diagnóstico Síndrome hemorrágica por Lonomia • Tratamento: – Local: antihistamínico, compressas frias, corticóide tópico eventualmente – Hemorragias: • Repouso • Agentes antifibrinolíticos • Concentrado de hemácias (não fazer sangue total ou plasma fresco, pelo risco de acentuar o quadro de coagulação intravascular) • Soro antilonômico: moderados a graves. Utilização restrita, ensaios clínicos • Prognóstico: – Reservado se idoso, muitas lagartas ou contato intenso com larvas, patologias prévias Bibliografia • Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos – MS. FNS. 1998 • Boletim epidemiológico – Agressões por animais peçonhentos DF – 2006 • Guia de bolso de doenças infectoparasitárias. Brasília 2006, 2 ed revisada