Acidente Ofídico Carlos Alberto Mauricio Júnior Orientadora: Dra. Elisa de Carvalho Escola Superior de Ciências da Saúde/SES/DF FEPECS/ESCS História Clínica Identificação: SSF; 8 anos; masculino; pardo; estudante; natural, residente e procedente de Cavalcante-GO QP: Picada de cobra há 2 dias Data: 28/03/06 História Clínica HDA: Mãe refere que criança foi picada quando caminhava em zona rural há 2 dias, por volta das 14:00h. Foi transportado para o hospital em Cavalcante-GO, levando cerca de 1h no trajeto. Na unidade, o animal morto foi identificado como sendo uma cascavel, senso classificado o acidente como moderado. História Clínica Realizada fase rápida de H.V. com 500ml de soro fisiológico e iniciada infusão de 10 ampolas de soro anti-crotálico no pronto atendimento. Após administração de 80% do soro, a criança apresentou rash cutâneo disseminado e broncoespasmo. Foram feitas duas aplicações de cloridrato de prometazina, adrenalina e nebulização. História Clínica Após terapêutica inicial à reação ao soro, optou-se pela transferência da criança para o HRAS. Apresentou miastenia, mialgia e diminuição da diurese no curso da doença. Chegou ao PS do HRAS às 20h do dia 26/03/06 com fácies neurotóxica e mialgia intensa. História Clínica Antedentes e Revisão de Sistemas: ndn Exame físico: REG, fácies neurotóxica, hipocorado (++/4+), hidratado, acianótico, anictérico, sonolento, orientado. AR: MVF sem RA ACV: RCR, em 2T, BNF, sem sopro Abdome plano, normotenso, ausência de VMG, RHA presentes e normais Extremidades: perfundidas, com edema discreto e hiperemia em pé direito, visualizado locais de inoculação em região maleolar interna. Indolor à palpação História Clínica Criança evoluiu bem, com melhora progressiva do estado geral, persistindo discreta miastenia. Exames Laboratoriais Leu Seg Bast Linf Mono Eos Plaquetas TTPA INR 26/03 27/03 29/03 21500 83 9 5 2 1 210000 72% 1,34 17100 85 6 8 0 1 219000 73% 1,31 6400 64 0 31 2 3 201000 Exames Laboratoriais Hb Ht Uréia Creatinina TGO TGP CK LDH CK-MB 26/03 27/03 29/03 12,3 37,2 36 0,4 436 424 21037 1504 12,1 36,2 24 0,6 790 150 23000 2648 12,5 27,8 30 0,4 458 208 6945 4630 136 Exames Laboratoriais EAS Densidade pH Hb Albumina Cels Leuc Hem Bact Muco Cilindros 26/03/06 1020 6 +++ ++ 2-3 3-5 + ++ 6-8(Granulosos) 27/03/06 1015 7 +++ ++ 3-4 15-20 3-5 ++ ++ Ofidismo Introdução - Dentre os acidentes com animais peçonhentos, o ofidismo é o principal deles - Maior freqüência e gravidade - Ocorre em todas as regiões do Brasil - Importante problema de saúde quando não instituída terapêutica adequada - Notificação obrigatória desde 1986 - Em 1990 foram notificados 9396 casos Ofidismo Introdução - - As serpentes peçonhentas possuem dentes inoculadores de veneno localizados na região anterior do maxilar superior Presença de fosseta loreal – com exceção das corais Ofidismo Classificação das Serpentes - 3 principais famílias: Colubridae, Elapidae e Viperidae - Serpentes de importância no Brasil: 23 espécies pertencem à família Viperidae (Bothrops, Bothriopsis, Crotalus e Lachesis); - 17 espécies pertencem ao gênero Micrurus (família Elapidae) Ofidismo Gênero Bothrops: Responsáveis por 8090% dos acidentes ofídicos - Ambientes úmidos como matas, hábitos noturnos - Consideradas as mais agressivas - Ofidismo - - - Gênero Bothriopsis: Serpentes de cor verde-clara Arborícolas Encontrada na Zona da Mata e região amazônica Jararaca verde Ofidismo Gênero Crotalus: - Freqüência baixa: 7% Apresentam na porção terminal da cauda o guizo ou chocalho Presente em regiões secas e pedregosas do Brasil Menos agressivas que as do gênero bothrps Mortalidade elevada: 72% nos casos não tratados - Ofidismo Gênero Micrurus: Baixa incidência: 0,5% Cabeça arredondada, sem fosseta loreal nem escamas na cabeça - Dentes inoculadores pequenos - Hábitos noturnos - Comportamento não agressivo - Ofidismo Gênero Lachesis: Baixa incidência: 1,5% dos acidentes - Serpentes distribuídas pelas grandes florestas tropicais - Ofidismo Presença de fosseta loreal AUSENTE PRESENTE Cauda Com anéis Coloridos Micrurus NÃO PEÇONHENTAS Cauda Lisa Cauda com Escamas arrepiadas Cauda com chocalho Bothrops Lachesis Crotalus PEÇONHENTAS Ofidismo Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Patogenia: Ação Coagulante: Veneno converte diretamente fibrinogênio em fibrina – “ação coagulante tipo trombina” Ativam fator X e a protrombina da cascata de coagulação sangüínea Consumo de fibrinogênio com incoagulabilidade sangüínea Consumo de fator V, VII e plaquetas CIVD - Ofidismo Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Patogenia: Ação Citotóxica - Ação citotóxica direta nos tecidos por frações proteolíticas do veneno - Pode haver: liponecrose, mionecrose e lise das paredes vasculares. - Ação que guarda relação direta com a quantidade de veneno inoculado Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Patogenia: Ação Vasculotóxica - Hemorraginas agem sobre os vasos capilares destruindo inicialmente a membrana basal e causando sua ruptura - Pode gerar hemorragias em pulmões, cérebro e rins Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Patogenia: Outras Ações - Choque, com ou sem causa definida: - Hipovolemia por perda de sangue ou plasma no membro edemaciado - Ativação de substâncias hipotensoras - Edema pulmonar - CIVD Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Quadro Clínico: Variam com a quantidade de veneno aplicada dor intensa no local, que pode ser o único sintoma - edema indurado, acompanhado de calor e rubor, na região atingida (em geral de caráter progressivo) - Equimoses e sangramentos no ponto da picada são freqüentes - Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis - Grande quantidade de veneno inoculada: - Epistaxe - gengivorragias - sangramento de lesões recentes que raramente são de grande repercussão clínica - Infartamento ganglionar e bolhas podem aparecer na evolução, assim como, alguns dias após, abcessos ou necrose de partes moles. Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Quadro Clínico: - Complicações Locais Síndrome compartimental (dor intensa, parestesia, diminuição da temperatura do segmento distal, cianose e déficit motor) - necrose (lesão vascular, trombose arterial, síndrome compartimental, uso de torniquete e por efeito de infecção bacteriana) - gangrena (risco maior nas picadas em extremidades podendo decorrer de isquemia, infecção ou ambos, necessita de tratamento cirúrgico) - infecção secundária, abscesso Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Quadro Clínico: Complicações Sistêmicas - Choque raro e aparece nos casos graves - Liberação de substâncias vasoativas - Seqüestro de líquido pelo edema - Perda sanguínea pelas hemorragias Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Quadro Clínico: Complicações Sistêmicas - Insuficiência Renal Aguda - ação direta do veneno sobre os rins - isquemia renal secundária à deposição de microtrombos nos capilares - desidratação ou hipotensão arterial - choque Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis - - - Exames: Hemograma: geralmente leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda Uréia e Creatinina: detecção da insuficiência renal aguda VHS elevada nas primeiras horas do acidente Plaquetopenia de intensidade variável Exame urinário: pode haver proteinúria, hematúria e leucocitúria Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Classificação do Acidente: Ausente ou Ausente discreto Normal ou alterado Evidente Ausente Normal ou alterado Intenso Presente Normal ou alterado Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Tratamento: Internar paciente Colocá-lo em repouso e na posição de drenagem postural - Membro atingido elevado - Hidratação: com diurese entre 30 a 40 ml/hora no adulto, e 1 a 2 ml/kg/hora na criança - Soro específico: A dose deve ser a mesma para adultos e crianças - Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis Tratamento - Pré-medicação: 10 a 15 minutos antes da soroterapia: prometazina: 0,5 mg/kg EV ou IM (máximo 25 mg) - cimetidina: 10 mg/kg (máximo de 300 mg) ou ranitidina: 3 mg/kg (máximo de 100 mg) EV lentamente - Hidrocortisona: 10 mg/kg EV (máximo 1.000 mg) - Administração: Garantir bom acesso venoso, diluir o soro ½ a ½ em SG 5% e adm EV: em etapas de 2, 4 e 8 gotas/min por 5min, cada uma, e 32 gotas/min até acabar Ofidismo – Bothrops e Bothriopsis - Deixar preparado: laringoscópio com lâminas e tubos traqueais adequados para o peso e idade - frasco de SF e/ou solução de Ringer lactato - frasco de solução aquosa de adrenalina (1:1000) – dose de 0,3-0,5ml no adulto e 0,01ml/Kg na criança - e de aminofilina (10 ml = 240 mg) – dose de 4mg/Kg/dose de 6/6h Ofidismo - Crotalus FOSFOLIPASE A2 Patogenia: CROTOXINA CROTAPOTINA Ação Miotóxica - Lesão direta das fibras musculares gerando lesões subsarcolêmicas, com edema mitocondrial - Rabdomiólise Ofidismo - Crotalus Patogenia: CROTOXINA Ação Neurotóxica - Ação pré-sináptica inibindo a liberação de acetilcolina bloqueio neuromuscular - Outras toxinas como a convulxina e a giroxina contribuem para: convulsões, perturbações circulatórias e respiratórias Ofidismo - Crotalus Patogenia: Ação Nefrotóxica Ação direta no veneno nos rins - Ação indireta: obstrução tubular por cilindros de mioglobina e lesão tóxica direta pelos miopigmentos - Outros fatores: desidratação, hipotensão arterial, acidose metabólica e choque podem contribuir para lesão renal - Ofidismo - Crotalus Patogenia: Ação Hematológica VHS varia inversamente ao tempo de coagulação - Leucocitose >15000/mm3 e desvio escalonado com predomínio de segmentados - Manifestações hemorrágicas discretas por consumo do fibrinogênio - Plaquetas normais ou discretamente diminuídas - Ofidismo - Crotalus - - Quadro Clínico Sem dor local ou de pequena intensidade Parestesia local ou regional, que pode persistir por tempo variável edema discreto ou eritema no ponto da picada Ofidismo - Crotalus Quadro Clínico: Gerais: mal-estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos, sonolência, inquietação e secura da boca podem aparecer precocemente - Neurológicas: nas primeiras horas após a picada: fácies miastênica (fácies neurotóxica de Rosenfeld: ptose palpebral, flacidez muscular da face, alteração do diâmetro pupilar, oftalmoplegia, visão turva e/ou diplopia) - Ofidismo - Crotalus Quadro Clínico: Outras menos comuns: paralisia velopalatina, com dificuldade à deglutição, diminuição do reflexo do vômito, alterações do paladar e olfato - Musculares: mialgias generalizadas podem aparecer precocemente - Mioglobinúria - Coagulação:incoagulabilidade sangüínea ou aumento do Tempo de Coagulação, em cerca de 40% dos pacientes, observando-se raramente gengivorragia - Ofidismo - Crotalus Ofidismo - Crotalus Quadro Clínico: Complicações Sistêmicas - Insuficiência renal aguda, com necrose tubular geralmente de instalação nas primeiras 48 horas - Menos freqüente: Insuficiência respiratória aguda, fasciculações e paralisia de grupos musculares Ofidismo - Crotalus Exames - CK (aumento precoce e pico máximo nas primeiras 24h após o acidente) LDH (aumento lento e gradual do LDH - para diagnóstico tardio) Hemograma pode ter leucocitose, com neutrofilia e desvio à esquerda, às vezes granulações tóxicas Fase oligúrica da IRA: elevação da uréia, creatinina, ácido úrico, fósforo, potássio e hipocalcemia Sedimento urinário pode ter proteinúria discreta quando não há IRA - Ofidismo - Crotalus Classificação do Acidente: ausente ou tardia discreta ou evidente ausente ou discreta ausente ausente normal ou alterado discreta Pouco evidente ausente normal ou alterado presente ou ausente normal ou alterado ausente evidente intensa presente Ofidismo - Crotalus - Tratamento: Cuidados idênticos ao botrópico Induzir diurese osmótica com solução de manitol a 20% (5 ml/kg na criança e 100 ml no adulto) - Caso persista a oligúria, indica-se o uso de diuréticos de alça tipo furosemida por via intravenosa (1 mg/kg/dose na criança e 40mg/dose no adulto) - O pH urinário deve ser mantido acima de 6,5 pois a urina ácida potencializa a precipitação intratubular de mioglobina - administração parenteral de bicarbonato de sódio, monitorizada por controle gasométrico Ofidismo - Lachesis Quadro Clínico - Atividade proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica - Dor viva, edema, calor e rubor, que podem progredir para todo o membro - Vesículas e bolhas de conteúdo seroso ou sero- hemorrágico nas primeiras horas após o acidente - Síndrome vagal: hipotensão arterial, tonturas, bradicardia, cólicas abdominais, diarréia e escurecimento da visão Ofidismo - Micrurus Quadro Clínico Ação Neurotóxica - Pós-sináptica: competem pelos receptores com a Ach na junção neuromuscular - Pré-sináptica: inibem a liberação de Ach, impedindo a deflagração do potencial de ação Ofidismo - Micrurus Quadro Clínico dormência no local - dor discreta - erupção escarlatiforme - Posteriormente às manifestações locais: ptose palpebral, diplopia, oftalmoplegia (fácies miastênica ou neurotóxica), progredindo para sialorréia, dispnéia e parada respiratória. - Por fim.... Obrigado!!