UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL ANÁLISE DA PEC N.º 474-A ACADÊMICO: FERNANDO LUIZ GOMES DE MATTOS ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ARAÚJO LEONETTI FLORIANÓPOLIS 2003 FERNANDO LUIZ GOMES DE MATTOS IMPOSTO ÚNICO FEDERAL ANÁLISE DA PEC N.º 474-A Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ARAÚJO LEONETTI FLORIANÓPOLIS 2003 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO A presente monografia final, intitulada Imposto Único Federal - Análise da PEC 474-A, elaborada por Fernando Luiz Gomes de Mattos e aprovada pela banca examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve a aprovação com nota xx,xx (xis inteiros e xis décimos), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no art. 9° da Portaria n° 1.886/94/MEC, regulamentado na UFSC pela Resolução n° 003/95/CEPE. Florianópolis (SC), 17 de fevereiro de 2003. ___________________________________ Dr. Carlos Araújo Leonetti (Professor Orientador) ___________________________________ Dr. Humberto Pereira Vecchio (Membro da Banca) ___________________________________ Bel. Antonio Masayuki Massuyama (Membro da Banca) Nada é tão poderoso quanto uma idéia cuja hora chegou. Vitor Hugo AGRADECIMENTOS Aos meus pais Fernando e Elizabeth, pela demonstração de amor incondicional. Ao meu filho Pedro, pela oportunidade de vivenciar o outro pólo deste sentimento. A Carla, pela amizade sincera, carinho e compreensão permanentes. RESUMO O presente trabalho analisa a Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), em tramitação no Congresso Nacional, a qual introduz no sistema tributário nacional a figura do imposto único federal e da contribuição social única para financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações e transações financeiras. Inicialmente são estudadas as bases do sistema tributário nacional vigente, no que tange à repartição de competências tributárias e de receitas tributárias entre os três níveis de governo. Após, apresenta-se uma descrição pormenorizada, artigo por artigo, das mudanças no texto constitucional, previstas pela PEC 474-A. A seguir, procede-se uma análise de todos os argumentos contrários à PEC 474-A, que puderam ser identificados na literatura especializada, com destaque para a regressividade e cumulatividade do novo imposto, o incentivo à verticalização das cadeias produtivas, a indução à importação, o risco de exportação de tributos e o estímulo à desintermediação bancária, eventualmente provocadas pela adoção do imposto único federal. Por fim, analisam os dois principais argumentos favoráveis à PEC 474-A: sua compatibilidade com a nova realidade da era da informação e seu grande potencial de redução dos custos operacionais tributários. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 11 1.1 Repartição de competências tributárias 12 1.2 Repartição de receitas tributárias 17 1.3 Resultados da arrecadação e análise da carga tributária efetiva 21 1.4 Análise crítica do sistema tributário nacional vigente 28 2 A PROPOSTA DO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL 36 2.1 O mito do imposto único 36 2.2 Adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária 38 2.3 A experiência brasileira 39 2.4 Noções gerais sobre a PEC 474-A 44 3 53 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PEC 474-A 3.1 Ineditismo da proposta, em escala mundial 53 3.2 Incompatibilidade com os processos de globalização e harmonização tributária 55 3.3 Regressividade e injustiça fiscal 56 3.4. Cumulatividade e oneração da produção 59 3.5 Incentivo à verticalização 63 3.6 Indução à importação 64 3.7 Exportação de tributos 66 3.8 Estímulo à desintermediação bancária 66 3.9 Esvaziamento da política fiscal 68 3.10 Inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico 70 3.11 Rigidez prejudicial à tomada de medidas emergenciais 71 3.12 Benefício tributário para os proprietários 73 4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PEC 474-A 76 4.1 Compatibilidade com a nova realidade da era da informação 76 4.2 Redução dos custos operacionais tributários 79 CONSIDERAÇÕES FINAIS 82 INTRODUÇÃO Poucas matérias no Brasil são tratadas de forma tão superficial, tão epidérmica e tão contraditória quanto reforma tributária e matéria tributária. Geralmente, o que se entende como reforma tributária é algum pedaço de idéia sobre matéria tributária que está na cabeça de alguém, faltando algum sentido de consistência, de harmonia, de algo que não tem fórmula estabelecida em lugar algum do mundo. Não existe um sistema tributário que seja bom e adequado para qualquer país do mundo. Esta é a opinião de Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita Federal, em palestra proferida na Federação das Indústrias de Brasília, em 07 de agosto de 2001. O presente trabalho tem como tema a reforma tributária, e se propõe a analisar a Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), que atualmente tramita no Congresso Nacional. A PEC 474-A foi formulada com o objetivo de introduzir no sistema tributário nacional a figura do imposto único federal e da contribuição social única para financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações e transações financeiras. De acordo com essa proposta, o novo imposto e a nova contribuição sobre movimentações e transações bancárias substituirão todos os atuais impostos federais de caráter arrecadatório, bem como as contribuições sociais para o financiamento da seguridade social, atualmente cobradas dos empregadores. Ao final do presente estudo, espera-se que seja possível identificar se a PEC 474-A é apenas mais um “pedaço de idéia sobre matéria tributária, sem consistência ou harmonia”, conforme os dizeres de Everardo Maciel, ou se esta proposta efetivamente constitui um projeto viável e consistente de reforma tributária, capaz de reduzir ou quase eliminar a sonegação e a evasão, universalizar a base tributária nacional, reduzir os elevados custos administrativos e eliminar os custos de conformidade vinculados às chamadas obrigações acessórias do sistema tributário nacional. O conhecimento da realidade é essencial para a análise de qualquer proposta que vise modificá-la. Por esta razão, as bases do vigente sistema tributário nacional são analisadas logo no primeiro capítulo. Com esta finalidade, apresenta-se um estudo descritivo das regras constitucionais sobre a repartição de competências tributárias, sobre a composição da carga tributária líquida por nível de governo e sobre as regras constitucionais relativas à repartição de receitas tributárias. Ao final deste capítulo inicial, apresenta-se uma análise crítica do sistema tributário nacional vigente, no tocante à distribuição de bases tributárias e de receitas tributárias entre os três níveis de governo, à diversidade de órgãos responsáveis pela administração tributária e à distribuição de competências para realização de gastos públicos. O segundo capítulo busca descrever, com riqueza de detalhes, a proposta de criação do imposto único federal, contida na PEC 474-A. Inicialmente são abordados alguns temas estritamente teóricos, tais como o mito do imposto único, as idéias sobre a adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária e a rica experiência brasileira neste campo. Finaliza-se o capítulo com uma descrição pormenorizada, artigo por artigo, das mudanças no texto constitucional, preconizadas pela PEC 474-A. No terceiro capítulo, procede-se uma análise de todos os argumentos contrários à PEC 474-A, que puderam ser identificados na literatura especializada, com destaque para: a) ineditismo da proposta, em escala mundial; b) incompatibilidade da proposta com os processos de globalização e de harmonização tributária; c) regressividade e cumulatividade do novo imposto; d) incentivo à verticalização, indução à importação, exportação de tributos e estímulo à desintermediação bancária, provocadas pela adoção do imposto único federal; e) esvaziamento da política fiscal; f) inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico e rigidez do novo modelo tributário, prejudicial à tomada de medidas emergenciais; g) benefício tributário para os proprietários. O quarto capítulo é dedicado à análise dos dois principais argumentos favoráveis à PEC 474-A: a) a compatibilidade do modelo tributário proposto com a nova realidade da era da informação; b) o grande potencial de redução dos custos operacionais tributários, capaz de reduzir significativamente os custos privados e públicos relacionados com o fenômeno tributário, sem reduzir o montante da arrecadação tributária federal. 1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL O pacto federativo constitui uma das cláusulas pétreas da vigente Constituição brasileira. Isso equivale a dizer que a Federação não pode ser abolida, nem mesmo por meio de Emenda Constitucional, uma vez que o legislador constituinte elevou a forma federativa de Estado à condição de elemento indispensável para a estabilidade da nação. A Constituição Federal estabelece a autonomia política, administrativa e financeira dos entes federativos. A concessão destas três autonomias pressupõe a atribuição de competências tributárias privativas para os três níveis de governo (União, Estados/Distrito Federal e Municípios), a instituição de princípios tributários e de limitações ao poder de tributar, bem como a adoção de regras sobre a repartição de receitas tributárias. O conjunto de regras constitucionais que atribuem competências tributárias aos diversos entes federativos, estabelecem princípios tributários, limitam o poder de tributar, e dispõem sobre repartição de receitas tributárias constituem a base do Sistema Tributário Nacional. Sobre o tema, ensina Sacha Calmon Navarro Coelho: Podemos estudar a Constituição Tributária em três grupos temáticos: a) o da repartição das competências tributárias entre a União, os Estados e os Municípios; b) o dos princípios tributários e das limitações ao poder de tributar; c) o da partilha direta e indireta do produto da arrecadação dos impostos entre as pessoas políticas da Federação (participação de uns na arrecadação de outros). Nestes três grupos estarão inseridos, induvidosamente, os regramentos constitucionais [...].1[1] Ao longo do presente estudo, maior atenção será dispensada às questões relativas à repartição das competências tributárias e à repartição das receitas tributárias, temas diretamente afetados pela Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A). Os princípios constitucionais tributários e as limitações ao poder de tributar somente serão considerados no momento em que se proceder à análise dos argumentos contrários e favoráveis à PEC 474-A. 1.1 Repartição de competências tributárias No Brasil, cada nível de governo tem o direito de instituir os impostos e contribuições que lhe são constitucionalmente atribuídos e que pertençam à sua competência tributária privativa.2[2] A Constituição Federal define claramente as competências tributárias de cada esfera de governo não havendo, em princípio, possibilidade de sobreposição de competências em relação aos impostos e à maioria das contribuições.3[3] 1[1] COÊLHO, Sacha C. N.. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46. Constituição Federal, arts. 149, 153, 155 e 156. 3[3] A única exceção a esta regra encontra-se no art. 154, II da Constituição Federal, que admite a instituição, pela União, de impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, na iminência ou no caso de guerra externa. Em outras palavras, a invasão de competência de Estados ou Municípios, por parte da União, é permitida em casos de guerra externa ou sua iminência. 2[2] Por outro lado, é comum às três esferas de governo a competência para instituir taxas (pelo exercício do poder de polícia e pela utilização de serviços públicos), contribuição de melhoria e contribuição para custeio da previdência e assistência social de seus servidores.4[4] Compete à União, com exclusividade, o direito de instituir empréstimos compulsórios, bem como o de instituir outros impostos, expressamente não compreendidos em sua competência tributária, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela Constituição.5[5] Sacha Calmon Navarro Coelho assim descreve a estrutura normativa brasileira em matéria tributária: Temos então, como ápice do sistema tributário, a Constituição. A partir dela, de cima para baixo, os entes normativos extraem os seus respectivos fundamentos de validez. O sistema é piramidal. União, Estados e Municípios recebem diretamente da Constituição as suas competências e as limitações a tais competências e exercitam-nas mediante a emissão de leis ordinárias (a União, em certas circunstâncias, mediante leis complementares tópicas). Todos, porém, devem obedecer às normas gerais veiculadas pelo Código Tributário Nacional e leis complementares subseqüentes. As leis complementares da Constituição condicionam as leis federais, estaduais e municipais nas matérias versadas pelas normas gerais.6[6] Uma das principais singularidades da Constituição brasileira é a atribuição de significativa parcela de competência tributária para o nível local de governo, representados pelos Municípios. Sobre o assunto, comenta Andréa Teixeira Lemgruber: A atribuição de competências tributárias privativas para o nível local de governo representados pelos municípios (pois esse possui status de ente federativo, à semelhança dos Estados e da União) e a expressiva participação desses governos nas receitas públicas fazem do Brasil uma das mais abertas e 4[4] 5[5] 6[6] Constituição Federal, arts. 145 e 149, parágrafo único. Constituição Federal, arts. 148 e 154, I COÊLHO, Sacha C. N. Op. cit., p. 378. descentralizadas federações do mundo, sobretudo se comparado com outros países em desenvolvimento.7[7] No mesmo sentido, ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho: A Constituição Federal inclui no pacto federativo os Municípios e o Distrito Federal, petrificando a fórmula de maneira inusitada, porquanto o federalismo, em sua formação clássica, envolve apenas a União dos Estados-Membros (federalismo dual). Entre nós o Município ostenta dignidade constitucional, mormente em matéria tributária. Cada Estado Federal tem feições próprias. Uma das nossas acabou de ser exposta no que tange aos partícipes do pacto federal8[8]. Como se vê, a Constituição brasileira atribui de forma clara as competências tributárias aos diversos entes federativos. Por outro lado, a responsabilidade pelos gastos públicos entre as três esferas governamentais não se encontra perfeitamente delineada. Sobre o assunto, afirma Andréa Teixeira Lemgruber: [...] a responsabilidade pelos gastos públicos entre as esferas governamentais não se encontra bem definida no texto constitucional. Isso porque a descentralização de receitas ocorrida nas últimas décadas, e em especial na Reforma Constitucional de 1988, não possuiu a necessária contrapartida no que se refere ao disciplinamento dos gastos públicos. Há subjacente uma questão quanto à repartição das despesas públicas, enquanto está perfeitamente definida, em nível constitucional, as receitas tributárias e suas competências ao nível de fatos economicamente tributáveis.9[9] Percebe-se, portanto, que a consolidação do modelo descentralizado de governo ainda carece, no Brasil, de um importante ajuste, representado pela definição mais precisa das responsabilidades cada ente federativo na realização das despesas públicas. 1.1.1 Competências tributárias da União (Governo Federal) Competem à União os impostos sobre Importação (II), Exportação (IE); Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR); Produtos Industrializados (IPI); 7[7] LEMGRUBER, Andréa T. Federalismo fiscal no Brasil: evolução e experiências recentes. Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/EstTributarios/PalestrasCIAT/1997/Portugues/federalismo.htm>. Acesso em 03 nov. 2002. 8[8] COÊLHO, Sacha C. N. Op. cit., p. 59. 9[9] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF); Propriedade Territorial Rural (ITR) e sobre Grandes Fortunas (IGF).10[10] Esse último ainda não se encontra instituído, embora sua instituição esteja prevista pela Constituição. A União pode, também, instituir outros impostos, expressamente não compreendidos em sua competência tributária, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela Constituição.11[11] Além dos impostos acima relacionados, a União tem competência exclusiva para instituir empréstimos compulsórios, contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas.12[12] As contribuições sociais destinadas à seguridade social podem ser cobradas do empregador ou empresa, do empregado e demais segurados da previdência social e sobre a receita de concursos de prognósticos. As contribuições sociais cobradas do empregador ou empresa podem ter as seguintes bases de cálculo: folha de pagamentos, lucro e receita ou faturamento.13[13] Convém frisar que as contribuições sociais são receitas vinculadas, isto é, sua arrecadação só pode ser direcionada às áreas de saúde, previdência e assistência social. O mesmo se verifica em relação às contribuições de intervenção no domínio econômico, cuja arrecadação deve ser aplicada exclusivamente para as finalidade que motivaram sua criação. As principais contribuições sociais instituídas pela União são as seguintes: Contribuição Previdenciária sobre a Folha de Pagamentos dos Empregados; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre o faturamento das empresas (COFINS); Programa de Integração Social (PIS); Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), Contribuição Social para o Salário-Educação e Contribuições para o Sistema "S" (SESI, SESC, SENAI, SENAC, SENAR, SEBRAE etc.). Dentre as contribuições de intervenção no domínio econômico, destaca-se a contribuição incidente sobre a 10[10] Constituição Federal, art. 153. Constituição Federal, art. 154. 12[12] Constituição Federal, arts. 148 e 149. 13[13] Constituição Federal, art. 195. 11[11] importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível.14[14] 1.1.2 Competências tributárias do Estados e Distrito Federal (Governos Intermediários) Os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituir impostos sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS); Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Transmissão Causa Mortis de Bens Imóveis e Doação (ITCD) de qualquer bem ou direito.15[15] Os Estados e o Distrito Federal também podem instituir contribuição para o custeio da previdência social de seus funcionários.16[16] 1.1.3 Competências tributárias dos Municípios (Governos Locais) Competem aos Municípios os impostos incidentes sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI).17[17] Os Municípios também podem instituir contribuição para o custeio da previdência social de seus funcionários.18[18] A Tabela 1, apresentada a seguir, sintetiza as competências tributárias por categoria de tributo e por nível de governo (tabela restrita aos impostos e contribuições sociais). TABELA 1 - REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS CATEGORIA GOVERNO Comércio Exterior União TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO Imposto sobre Importação - II Imposto sobre Exportação - IE União Imposto sobre a Renda – IR Imposto Territorial Rural - ITR Patrimônio e Renda Estados Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA Municípios Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU União Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI 14[14] A CIDE - Combustíveis foi instituída pela Lei nº 10.336, de 19.12.2001 e regulamentada pelo Decreto nº 4.066, de 27.12.2001 e pela Instrução Normativa SRF nº 107, de 28.12.2001. 15[15] Constituição Federal, art. 155. 16[16] Constituição Federal, art. 149, parágrafo único. 17[17] Constituição Federal, art. 156. 18[18] Constituição Federal, art. 149, parágrafo único. Produção e Circulação Contribuições Sociais Imposto sobre Operações Financeiras - IOF Estados Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS Municípios Imposto sobre Serviços - ISS Imposto sobre Transmissão Inter Vivos - ITBI Sobre Folha de Pagamentos - Empregado/ Empregador Financiamento da Seguridade Social - COFINS União Programa de Integração Social - PIS Patrimônio do Servidor Público - PASEP Movimentação Financeira - CPMF Lucro Líquido – CSLL Previdenciária do Servidor Público Estados e Previdenciária do Servidor Público Municípios 1.2 Repartição de receitas tributárias O mecanismo de repartição de receitas tributárias ou de transferências intergovernamentais tem por objetivo básico corrigir os desequilíbrios verticais e horizontais em matéria tributária, existentes em qualquer federação. Desequilíbrios verticais referem-se a descompassos entre a capacidade de tributar e as responsabilidades por gastos públicos dos diversos níveis de governo. Tais desequilíbrios decorrem do fato de que alguns tributos são melhor administrados em nível central, enquanto que algumas despesas são melhor administradas em nível local. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, "de um modo geral, a política de gastos é melhor desenhada e controlada pelos governos locais, pois estão mais próximos dos cidadãos e de suas necessidades básicas"19[19]. Por sua vez, os desequilíbrios horizontais referem-se a governos situados no mesmo nível de hierarquia, refletindo as diferenças inter-regionais de renda. Dessa forma, regiões mais ricas e com uma base econômica mais desenvolvida deverão ter maior arrecadação, a qual será parcialmente repassada para regiões com menor potencial econômico. Um estudo recente, publicado pela Secretaria da Receita Federal, identifica com precisão a natureza destes dois conflitos básicos em matéria de tributação: 19[19] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. Esses conflitos podem ser classificados em verticais e horizontais. Os verticais seriam aqueles que ocorrem entre o governo e os contribuintes: o primeiro, em geral, busca a manutenção ou o aumento da carga tributária, enquanto os últimos lutam pela minimização de seu ônus tributário. Os horizontais podem ocorrer tanto dentro do governo como no âmbito da sociedade (contribuintes): o conflito horizontal governamental seria aquele que envolve a disputa da repartição da carga tributária pelas diversas esferas e unidades de governo – caso típico de países federativos –, ao passo que o conflito horizontal social ocorre devido à divisão do peso da carga tributária entre os diversos grupos de contribuintes (setores econômicos, regiões geográficas, pequenas e grandes empresas, trabalhadores e capitalistas, etc.) 20[20]. O Brasil, em função de sua grande extensão territorial e diversidade regional, possui sérios desequilíbrios verticais e horizontais. No entanto, o mecanismo de partilha tributária realiza as transferências necessárias ao maior equilíbrio de receitas e despesas na federação. Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as constitucionais (que são automaticamente realizadas após a arrecadação dos recursos) e as não-constitucionais (que dependem de convênios ou vontade política entre governos). As transferências tributárias constitucionais entre a União, Estados e Municípios podem ser classificadas em transferências diretas (repasse de parte da arrecadação para determinado governo) ou transferências indiretas (mediante a formação de fundos especiais). No entanto, independentemente do tipo, as transferências sempre ocorrem do governo de maior nível para os de menores níveis, quais sejam: da União para Estados; da União para Municípios; ou de Estados para Municípios. 1.2.1 Transferências constitucionais diretas As transferências diretas são as seguintes: a) Pertencem aos Estados e aos Municípios o total da arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte, sobre rendimentos pagos a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; 20[20] SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Condicionantes e perspectivas da tributação no Brasil. Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/EstTributarios/TopicosEspeciais/Condicionantes.htm>. Acesso em 04 nov. 2002. b) Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto Territorial Rural, relativo aos imóveis neles situados; c) Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores licenciados em seus territórios; d) Pertencem aos Municípios 25% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (3/4, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações realizadas em seus territórios e até 1/4 de acordo com a Lei Estadual); e) O IOF - Ouro (ativo financeiro) será transferido no montante de 30% para o estado de origem e no montante de 70% para o município de origem. Observe-se que este tributo é instituído e cobrado pela União. A Tabela 2, apresentada a seguir, sintetiza as transferências tributárias diretas, por nível de governo arrecadador e receptor. TABELA 2 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DIRETAS Governo Arrecadador Governo Receptor Imposto Repasse União Estados Produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; 100% União Municípios Produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; 100% União Estados Produto da arrecadação do imposto que a União vier a instituir, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição;. 20% União Estados Municípios Operações Financeiras sobre o Ouro (ativo financeiro) 30% 70% União Municípios Territorial Rural 50% Estados Municípios Circulação de Mercadorias e Serviços 25% Estados Municípios Propriedade de Veículos Automotores 50% 1.2.2 Transferências constitucionais indiretas Os fundos mediante os quais se realizam as transferências indiretas tem como base a arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e/ou do Imposto sobre a Renda (IR). São eles: a) Fundo de Compensação de Exportações (FPEx): constituído por 10% da arrecadação total do IPI. É distribuído aos Estados. Sua distribuição é proporcional ao valor das exportações de produtos industrializados, sendo a participação individual limitada a 20% do total do fundo; b) Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE): 21,5% da arrecadação do IPI e do IR, distribuídos de acordo com a população e a superfície e inversamente proporcional à renda per capita da unidade federativa; c) Fundo de Participação dos Municípios (FPM): composto por 22,5% da arrecadação do IPI e do IR, com uma distribuição proporcional à população de cada unidade, sendo que 10% do fundo são reservados para os Municípios das Capitais; d) Fundos Regionais: para o financiamento de projetos na região Norte e Centro-Oeste - 1,2% da arrecadação total do IPI e do IR, respectivamente. Para o financiamento da região Nordeste - 1,8% da mesma base. A crescente descentralização de receitas ocorrida nas últimas décadas pode ser verificada a partir da evolução dos percentuais dos fundos de participação. Entre 1969 e 1975, esses percentuais eram de 5% tanto para o FPE como para o FPM. Esses índices tiveram tendência ascendente em todo o período subseqüente, atingindo 14% (FPE) e 17% (FPM) antes da Constituição de 88, que os elevou para 21,5% e 22,5%, respectivamente. A Tabela 3, apresentada a seguir, sintetiza as transferências tributárias indiretas, entre os diversos níveis de governo. TABELA 3 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS INDIRETAS Tributo Federal Partilhado Fundo IR IPI Participação dos Estados e DF 21,5 21,5 Participação dos Municípios 22,5 22,5 Compensação das Exportações - 10,0 Financiamento da Região Norte 0,6 0,6 Financiamento da Região Nordeste 1,8 1,8 Financiamento da Região Centro-Oeste 0,6 0,6 TOTAL 47,0 57,0 Como se vê, as transferências indiretas destinam 47% e 57% do IR e do IPI, respectivamente, aos governos subnacionais. O Fundo de Participação dos Estados destina 85% de seus recursos às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% às Regiões Sul e Sudeste. O Fundo de Participação dos Municípios fornece 10% de seus recursos aos Municípios de Capitais de Estados, 86,4% aos Municípios de Interior e 3,6% aos Municípios com mais de 156 mil habitantes. Ademais, cada Estado ou Município recebe as dotações em função direta de sua área geográfica e de sua população e em função inversa de sua renda per capita. A participação de cada região no FPE é a seguinte: Norte (25,37%), Nordeste (52,46%), Centro-Oeste (7,17%), Sul (6,52%) e Sudeste (8,48%). No caso do FPM, a distribuição é dada da seguinte forma: Norte (8,52%), Nordeste (35,30%), Centro-Oeste (7,46%), Sul (17,54%) e Sudeste (31,19%). 1.3 Resultados da arrecadação e análise da carga tributária efetiva 1.3.1 Arrecadação tributária por nível de governo A análise da composição da carga tributária bruta brasileira, no período compreendido entre 1997 e 2001, consta da Tabela 4. TABELA 4 - CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA - 1997 a 2001 ( R$ MILHÕES DE MOEDA CORRENTE ) continua ANO (PIB) 1997 1998 1999 2000 2001 (870.743) (913.735) (960.858) (1.086.700) (1.184.000) % % % % % (R$) (R$) (R$) (R$) (R$) PIB PIB PIB PIB PIB 171.08 19,6 186.56 20,4 215.91 22,4 247.27 22,7 279.58 23,6 UNIÃO 2 5 1 2 5 7 6 5 1 1 Orçamento 101.31 64.752 7,44 74.542 8,16 84.787 8,82 90.448 8,32 8,56 Fiscal 6 - IR 38.676 4,44 47.724 5,22 55.215 5,75 59.696 5,49 68.803 5,81 IRPF 2.644 0,30 2.826 0,31 3.048 0,32 3.383 0,31 3.724 0,31 IRPJ 12.222 1,40 12.058 1,32 12.842 1,34 16.634 1,53 16.232 1,37 IRRF 23.810 2,73 32.840 3,59 39.325 4,09 39.679 3,65 48.847 4,13 - IPI 16.605 1,91 16.097 1,76 16.275 1,69 18.689 1,72 19.317 1,63 - IOF 3.768 0,43 3.521 0,39 4.844 0,50 3.096 0,28 3.559 0,30 - II / IPI-V / IE 5.108 0,59 6.504 0,71 7.860 0,82 8.443 0,78 9.104 0,77 - ITR 242 0,03 206 0,02 243 0,03 231 0,02 191 0,02 - IPMF 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 0,00 0,1 0,00 - Taxas 353 0,04 490 0,05 350 0,04 292 0,03 342 0,03 10,0 106.82 11,1 131.74 12,1 149.65 12,6 Orç. Seguridade 87.072 89.395 9,78 0 1 2 4 2 7 4 - Contr. 44.148 5,07 46.641 5,10 47.425 4,94 55.715 5,13 61.060 5,16 Previdenc. - COFINS 18.325 2,10 17.664 1,93 30.875 3,21 38.494 3,54 45.436 3,84 - CPMF 6.910 0,79 8.113 0,89 7.949 0,83 14.395 1,32 17.157 1,45 - CSLL 7.214 0,83 6.542 0,72 6.767 0,70 8.716 0,80 8.985 0,76 - PIS, PASEP 7.264 0,83 7.122 0,78 9.491 0,99 9.531 0,88 11.148 0,94 Cont.Seg.Ser.Púb 2.595 0,30 2.483 0,27 3.151 0,33 3.619 0,33 3.813 0,32 . - Outras (1) 616 0,07 830 0,09 1.163 0,12 1.273 0,12 2.058 0,17 Demais 19.258 2,21 22.624 2,48 24.308 2,53 25.084 2,31 28.609 2,42 - FGTS 12.925 1,48 16.782 1,84 17.408 1,81 18.709 1,72 21.074 1,78 - Contrib. 916 0,11 935 0,10 1.250 0,13 939 0,09 1.176 0,10 Econôm. - Salário2.775 0,32 2.460 0,27 2.353 0,24 2.791 0,26 3.123 0,26 Educação - Sistema "S" (2) 2.641 0,30 2.448 0,27 3.297 0,34 2.646 0,24 3.235 0,27 TABELA 4 - CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA - 1997 a 2001 ( R$ MILHÕES DE MOEDA CORRENTE ) conclusão ANO 1997 1998 1999 2000 2001 (PIB) (870.743) (913.735) (960.858) (1.086.700) (1.184.000) % % % % % (R$) (R$) (R$) (R$) (R$) PIB PIB PIB PIB PIB ESTADOS 68.930 7,92 71.142 7,79 78.516 8,17 94.678 8,71 109.03 9 94.267 6.287 339 1.659 6.112 375 18.244 6.786 5.367 981 3.426 - ICMS 59.575 6,84 60.886 6,66 67.885 7,07 82.279 7,57 - IPVA 3.841 0,44 4.451 0,49 4.481 0,47 5.294 0,49 - ITCD 266 0,03 318 0,03 301 0,03 329 0,03 - Taxas 1.347 0,15 1.398 0,15 1.353 0,14 1.569 0,14 - Previd. Estadual 3.559 0,41 3.780 0,41 4.025 0,42 4.886 0,45 - Outros 341 0,04 309 0,03 471 0,05 322 0,03 MUNICÍPIOS 12.801 1,47 14.049 1,54 14.484 1,51 16.063 1,48 - ISS 5.067 0,58 5.521 0,60 5.401 0,56 5.923 0,55 - IPTU 3.955 0,45 4.238 0,46 4.514 0,47 4.519 0,42 - ITBI 820 0,09 793 0,09 715 0,07 950 0,09 - Taxas 2.547 0,29 2.580 0,28 2.748 0,29 3.239 0,30 - Previd. 369 0,04 774 0,08 1.025 0,11 1.055 0,10 1.253 Municipal - Outros (3) 43 0,00 143 0,02 81 0,01 377 0,03 432 252.81 29,0 271.75 29,7 308.91 32,1 358.01 32,9 406.86 TOTAL 3 3 2 4 5 5 7 5 5 9,21 7,96 0,53 0,03 0,14 0,43 0,03 1,54 0,57 0,45 0,08 0,29 0,11 0,04 34,3 6 FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL NOTAS: (1) Inclui: Contr. sobre a Receita dos Concursos de Prognósticos, Contr. para Custeio de Pensões Militares, Contr. FUNDESP, Contr. FUNPEN e outras. (2) Contribuição aos seguintes órgãos: SENAR, SENAI, SESI, SENAC, SESC, INCRA, SDR, SEST, SENAT, SEBRAE, Fundo Aeroviário e Ensino Prof. Marítimo (DPC); (3) Inclui: IVVC e Contribuições de Melhoria. A análise destes dados revela que, em 2001, a União arrecadou 23,61% do PIB ou R$ 279,6 bilhões, o que correspondeu a 68,7% da carga tributária total. Deste volume, apenas cerca de 36% referem-se ao orçamento fiscal, sendo que os demais 64% corresponderam ao orçamento da seguridade. Dentre as receitas da União, destacam-se o Imposto de Renda (incidente sobre pessoas físicas e jurídicas) e a Contribuição sobre Folha de Pagamentos, que representaram 24,6% e 21,8% da arrecadação federal, respectivamente. Em terceiro lugar encontra-se a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), representando 16,2% das receitas da União. Os dados da Tabela 4 revelam, também, uma forte tendência ascendente do orçamento da seguridade nos últimos anos, especialmente das receitas incidentes sobre o faturamento das empresas. A explicação para esse fato pode ser encontrada nas modificações realizadas pela Constituição de 1988, que determinou uma maior descentralização de receitas a Estados e Municípios, sem repassar os respectivos encargos. Em decorrência, a União passou a privilegiar as receitas que não são repassadas aos governos subnacionais (como as contribuições, por exemplo) em detrimento daquelas que são compartilhadas com Estados e Municípios. Os Estados são responsáveis pela arrecadação de 27% da carga tributária total, principalmente em decorrência de possuírem sob sua competência a administração do ICMS, o imposto de maior arrecadação do País. O ICMS responde por cerca de 86% da arrecadação dos Estados e 23% das receitas totais dos três níveis de governo. Os Municípios, por sua vez, arrecadam menos de 5% da arrecadação total. O principal imposto do nível local de governo é o ISS, participando com 37% da arrecadação municipal. A partir dos dados da Tabela acima, pode-se elaborar o Gráfico I (ver página seguinte), no qual são consolidados os resultados da arrecadação tributária (carga tributária bruta), por nível de governo, para o período compreendido entre 1997 e 2001. GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO RELATIVA NA ARRECADAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA - 1997 a 2001 1.3.2 Carga tributária líquida por nível de governo O mecanismo de transferências de receitas tem por objetivo promover um equilíbrio financeiro nas distintas esferas de governo, assim como possibilitar ações intergovernamentais conjuntas. Por meio deste mecanismo, procura-se prover os governos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) de recursos adicionais aos de suas competências tributárias, de modo a possibilitar sua manutenção e o provimento dos serviços públicos a eles atribuídos. As transferências intergovernamentais, embora não constituam fonte primária de receita, alteram a receita disponível (carga tributária líquida) do tesouro nacional e dos governos subnacionais. Conforme a natureza jurídica, as transferências podem ser classificadas como constitucionais ou voluntárias. As transferências constitucionais são aquelas expressamente previstas na Constituição Federal, que obrigam alguns entes federativos (União e Estados) a efetuar repasses parciais de determinados tributos. As transferências voluntárias são os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios em decorrência da celebração de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares cuja finalidade seja a realização de obras e/ou serviços de interesse comum às três esferas de Governo21[21]. A demonstração do montante das transferências constitucionais das receitas tributárias, entre os três níveis de governo, no período compreendido entre 1997 e 2001, consta da Tabela 5. A Tabela 6, por sua vez, apresenta uma análise da composição da carga tributária líquida de cada esfera de governo, após as transferências constitucionais. A análise da composição final da carga tributária mostra que, na prática, há uma significativa transferência de receitas da União para os Estados e para os Municípios. Verifica-se, mediante o uso da Tabela 5, que pelo próprio desenho do mecanismo de transferências constitucionais, toda a arrecadação disponível da União vem de suas receitas próprias. Os Estados, por sua vez, arrecadam cerca de 79% de suas 21[21] Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000), entende-se por transferência voluntária "a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde." Neste trabalho, somente as transferências constitucionais serão consideradas para fins de se determinar a receita disponível em cada esfera de governo. As transferências voluntárias, por não estarem diretamente relacionadas à receita tributária e em razão de seu caráter discricionário, não são computadas na obtenção da receita tributária disponível. receitas disponíveis, enquanto que, para os Municípios, esta relação é de 31%, conforme ilustrado na Tabela 6. TABELA 5 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS - 1997 a 2001 - R$ MILHÕES 1997 (R$) 1998 % (R$) 1999 % ARREC. UNIÃO PRÓPRIA 171.082 67,7 186.561 68,7 TOTAL TRANSF. P/ (15.064) 6,0 (14.288) 5,3 ESTADOS TRANSF. P/ (11.262) 4,5 (11.393) 4,2 MUNICÍPIOS RECEITA = 144.755 57,3 160.880 59,2 DISPONÍVEL ARREC. ESTADOS PRÓPRIA 68.930 27,3 71.142 26,2 TOTAL TRANSF. P/ (16.814) 6,7 (17.447) 6,4 MUNICÍPIOS TRANSF. DA + 15.064 6,0 14.288 5,3 UNIÃO RECEITA = 67.180 26,6 67.983 25,0 DISPONÍVEL ARREC. MUNICÍPIOS PRÓPRIA 12.801 5,1 14.049 5,2 TOTAL TRANSF. DA + 11.262 4,5 11.393 4,2 UNIÃO TRANSF. DE + 16.814 6,7 17.447 6,4 ESTADOS RECEITA = 40.878 16,2 42.889 15,8 DISPONÍVEL TOTAL 252.813 100,0 271.752 100,0 FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL NOTA: Consideradas apenas as transferências constitucionais. (R$) 2000 % (R$) 2001 % (R$) % 215.915 69,9 247.276 69,1 279.581 68,7 (17.010) 5,5 (19.397) 5,4 (21.977) 5,4 (13.223) 4,3 (14.387) 4,0 (16.165) 4,0 185.682 60,1 213.491 59,6 241.439 59,3 78.516 25,4 94.678 26,4 109.039 26,8 (19.212) 6,2 (23.217) 6,5 (23.217) 5,7 17.010 5,5 19.397 5,4 21.977 5,4 76.314 24,7 90.859 25,4 107.800 26,5 14.484 4,7 16.063 4,5 18.244 4,5 13.223 4,3 14.387 4,0 16.165 4,0 19.212 6,2 23.217 6,5 23.217 5,7 46.919 15,2 53.667 15,0 57.626 14,2 308.915 100,0 358.017 100,0 406.865 100,0 TABELA 6 - COMPOSIÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA LÍQUIDA APÓS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS - 1997 a 2001 1997 1998 1999 2000 2001 VALOR VALOR VALOR VALOR % % % % (R$) (R$) (R$) (R$) U N I à 0 RECEITA DISPONÍVEL ARRECADAÇÃO PRÓPRIA TRANSF. DE ESTADOS (R$) % 144.755 100,0 160.880 100,0 185.682 100,0 213.491 100,0 241.439 100,0 144.755 100,0 160.880 100,0 185.682 100,0 213.491 100,0 241.439 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 TRANSF. DE MUNICÍPIOS RECEITA E DISPONÍVEL S T A ARRECADAÇÃO D PRÓPRIA O TRANSF. DA S UNIÃO TRANSF. DE MUNICÍPIOS M RECEITA U DISPONÍVEL N I C ARRECADAÇÃO Í PRÓPRIA P TRANSF. DA I UNIÃO O TRANSF. DE S ESTADOS TOTAL 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 67.180 100,0 67.983 100,0 76.314 100,0 90.859 100,0 107.800 100,0 52.116 77,6 53.695 79,0 59.305 77,7 71.461 78,7 85.822 79,6 15.064 22,4 14.288 21,0 17.010 22,3 19.397 21,3 21.977 20,4 0 0 0 0 0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 40.878 100,0 42.889 100,0 46.919 100,0 53.667 100,0 57.626 100,0 12.801 31,3 14.049 32,8 14.484 30,9 16.063 29,9 18.244 31,7 11.262 27,6 11.393 26,6 13.223 28,2 14.387 26,8 16.165 28,1 16.814 41,1 17.447 40,7 19.212 40,9 23.217 43,3 23.217 40,3 252.813 - - - 271.752 - - - 308.915 - - - 358.017 - - - 406.865 - - - FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL 1.4 Análise crítica do sistema tributário nacional vigente 1.4.1 Distribuição de bases tributárias entre os três níveis de governo Uma vez apresentada a repartição de competências tributárias segundo a vigente Constituição Federal, pode-se realizar uma análise sobre os critérios utilizados para distribuição das bases tributárias entre os diversos níveis de governo. A teoria econômica sugere alguns critérios básicos que servem para orientar a atribuição de receitas entre os diversos níveis governamentais. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, o objetivo básico destes critérios é o de "se buscar os maiores níveis possíveis de eqüidade e de eficiência, entendidos, respectivamente, como a adequação entre receitas e gastos e a minimização do custo de arrecadação dos tributos".22[22] 22[22] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. De uma forma geral, sugere-se que sejam administrados centralizadamente (ou seja, pela União), os seguintes impostos: a) impostos progressivos com finalidade redistributiva; b) impostos com objetivos de estabilização ou de caráter regulatório da atividade econômica; c) impostos que incidam sobre bases distribuídas bastante irregularmente pelo território nacional ou sobre fatores extremamente móveis. Por outro lado, podem ser administrados pelos níveis de governo subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) os impostos incidentes sobre fatores imóveis e os impostos sobre consumo geral ou sobre bens específicos (tipo excise tax). Analisando a realidade do nosso Sistema Tributário, à luz da teoria econômica, pondera Andréa Teixeira Lemgruber: A prática brasileira de atribuição de receitas não diverge muito em relação à teoria econômica. O imposto sobre a renda, as contribuições e os impostos regulatórios (sistema financeiro IOF - e comércio exterior - II e IE) estão sob competência federal. Os estados arrecadam o imposto geral sobre consumo e os municípios arrecadam impostos sobre serviços e sobre parte do patrimônio - imóveis urbanos. O Imposto sobre Propriedade Territorial Rural - ITR, incidente sobre um fator de natureza imóvel, que tradicionalmente tem sido cobrado pelos governos locais, no Brasil a competência para a sua instituição e cobrança foi atribuída à União. A razão pela qual esse imposto encontra-se sob administração central é a de usá-lo como instrumento de incentivo à utilização produtiva da terra e para fins de reforma agrária. Outra característica importante do Brasil que foge à tradição internacional é o fato de existirem dois impostos sobre produção e circulação, do tipo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cada um sendo administrado por um nível distinto de governo. O IPI e o ICMS encontram-se sob competências federal e estadual, respectivamente. Em verdade, as bases desses dois impostos são muito semelhantes, bem como seus métodos de apuração, o que permitiria uma consolidação de modo a obter maior racionalidade econômica e menor custo administrativo, tanto para os fiscos como para o contribuinte. Nesse sentido, é natural a dificuldade política que surge em relação a qualquer proposta que vise a alterar a atual estrutura tributária da federação, envolvendo o ICMS. De fato, a arrecadação desse imposto é hoje imprescindível para o equilíbrio das finanças estaduais.23[23] Como se vê, o Brasil possui a característica única de possuir dois impostos sobre o consumo e a circulação (IPI e ICMS), do tipo valor agregado, com bases que às vezes se sobrepõem. Tais impostos são administrados por diferentes níveis de governo. Tal constatação também pode ser parcialmente estendida ao ISS, que muitas vezes se confunde com o ICMS. Convém ressaltar que o ICMS, que representa cerca de 28% da carga tributária, nas últimas tem adquirido objetivos extrafiscais de extrema relevância, especialmente no que tange à atração de investimentos. Em relação a este tema, a quase totalidade das propostas tradicionais de reforma tributária preconiza a consolidação dos três impostos em uma única base, possivelmente administrada pelo governo federal, mas cuja arrecadação deveria ser transferida para os demais governos, na mesma proporção das suas atuais receitas atuais com esses impostos. Sobre o assunto, comenta Andréa Teixeira Lemgruber: Na prática, o Governo Federal enviou para o Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 175 (PEC 175) que, dentre outras coisas, propõe a extinção do IPI e a criação do ICMS federal em seu lugar. Assim, existiria uma única base de consumo (a do atual ICMS) e sobre ela incidiriam duas alíquotas: uma de competência federal e, a outra, estadual. Essa modificação visa apenas a um caráter qualitativo do sistema tributário nacional, buscando ser neutra em termos de receitas arrecadadas. Além disso, a alíquota do imposto (ou seja, a soma das alíquotas federal e estadual) deve ser uniforme por mercadoria ou serviço em todo o País, o que visaria a diminuir a atual prática de competição tributária entre os Estados.24[24] Esta autora, no mesmo trabalho, comenta que "uma estrutura mais racional de tributação sobre o consumo seria bastante desejável para a facilitação da harmonização tributária entre o Brasil e seus principais parceiros de comércio, especialmente os do Mercosul".25[25] 1.4.2 23[23] Repartição das receitas tributárias LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. 25[25] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. 24[24] O Brasil, em função da adoção do sistema federativo, de sua grande extensão territorial e de sua intensa diversidade regional, apresenta sérios desequilíbrios verticais e horizontais em matéria tributária. Conforme anteriormente mencionado, o mecanismo de partilha tributária procura realizar as transferências necessárias ao equilíbrio de receitas e despesas dos entes federativos. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, "o mecanismo de transferências de receitas tributárias adotado pelo Brasil procura corrigir tanto os desequilíbrios verticais quanto os horizontais, sendo instrumento básico de redistribuição de renda inter-regional".26[26] Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as constitucionais (que são realizadas automaticamente após a arrecadação dos recursos) e as nãoconstitucionais (que dependem de convênios ou vontade política entre governos). De um modo em geral, os Estados e Municípios mais pobres são extremamente dependentes das transferências federais, pois sua arrecadação própria é insuficiente para financiar seus gastos. Entretanto, na opinião de Andréa Teixeira Lemgruber, há dois problemas básicos nesse mecanismo: O primeiro diz respeito ao baixo incentivo dado aos Municípios de realizarem esforço próprio de arrecadação, pois os critérios de partilha não consideram o desempenho tributário como um dos fatores que determinam o montante de recursos intergovernamentais a ser recebido. O segundo relaciona-se ao fato de que, ultimamente, tem havido um grande movimento em prol da criação de novos Municípios no Brasil, justamente em decorrência do fato de que qualquer governo local já tem assegurada sua fonte básica de receitas, aquela proveniente de transferências intergovernamentais. A vantagem de se criar representação política independente do esforço arrecadatório é bastante atraente e gerou, na última década, substancial aumento no número de Municípios brasileiros.27[27] Vale a pena mencionar que o número de municípios existentes antes da Constituição de 88 era de 4.112. Atualmente, esse número é superior a 5.500 municípios, o que representa um crescimento da ordem de 35% em menos de 15 anos. 1.4.3 Diversidade de órgãos responsáveis pela administração tributária 26[26] 27[27] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. Uma característica marcante do federalismo tributário brasileiro é a multiplicidade de órgãos arrecadadores. Grande parcela deste fenômeno decorre de normas constitucionais, que distribuíram competências tributárias entre os três níveis de governo. Por esta razão, coexistem no Brasil mais de 5500 administrações tributárias autônomas, sendo 27 no nível intermediário de governo (Estados e Distrito Federal) e a grande maioria no nível de governo local (Municípios). Por sua vez, a esfera federal também apresenta multiplicidade de administrações tributárias, não por imposição constitucional, mas por vontade política do Poder Executivo. Andréa Teixeira Lemgruber assim descrevendo o atual quadro da administração tributária brasileira, na esfera federal: Em nível federal, as duas principais administrações tributárias são a Secretaria da Receita Federal (SRF) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A SRF, órgão pertencente à estrutura do Ministério da Fazenda, acumula as funções de fiscalização e arrecadação de todos os impostos federais (inclusive aduaneiros), além de parte substancial das contribuições sociais (COFINS, PIS, PASEP, CSLL e CPMF). É responsável por cerca de 41% da arrecadação nacional e ainda desempenha as funções de assessoramento na elaboração da política tributária federal. Por sua vez, o INSS é vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social e administra, basicamente, a Contribuição sobre Folha de Salários (empregados e empregadores) e sobre o trabalho autônomo. Realiza, adicionalmente, as tarefas de administração do sistema de previdência pública do País, inclusive dos pagamentos de aposentadorias e pensões. Sua arrecadação atinge 20% da carga tributária brasileira.28[28] No nível intermediário de governo, coexistem 26 fiscos estaduais e 1 fisco distrital, responsáveis pela administração dos tributos de sua competência. Vale lembrar que os Estados e o Distrito Federal têm competência para administrar o imposto de maior arrecadação do País (ICMS), que ostenta uma das bases tributárias mais dinâmicas da economia (circulação de mercadorias e serviços). Por esta razão, na opinião de Andréa Teixeira Lemgruber, os Estados e o Distrito Federal "praticamente não exploram os demais impostos, fazendo com que o 28[28] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. ICMS seja responsável, em média, por 95% da arrecadação estadual".29[29] A mesma autora ressalta que, nos últimos anos, este imposto tem sido utilizado como um dos principais instrumentos de atração de investimentos estrangeiros, gerando o fenômeno denominado de "guerra fiscal", ou seja, uma intensa competição tributária entre os Estados da federação. Convém ressaltar que todos os dispositivos legais que versem sobre isenções ou incentivos fiscais relativos ao ICMS devem ser aprovados por unanimidade pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão integrado pelos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal. Sobre este assunto, comenta Everardo Maciel: O CONFAZ faz legislação da maneira mais esdrúxula que alguém pode imaginar, porque não faz legislação para cobrar imposto, mas para dar isenção. Um colega meu, francês, disse que ficou surpreso pelo fato de, no Brasil, pessoas da administração tributária se reunirem para verificar não como será cobrado o imposto, mas como será concedida a isenção. Portanto, o contrário. Só que a isenção, quando necessária, exige um regime de unanimidade. Esse regime de unanimidade é típico dos conselhos de segurança. O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem um regime de unanimidade, que é o regime do não fazer.30[30] No nível local de governo, existem mais de 5.500 administrações municipais, responsáveis por apenas 5% da arrecadação brasileira. Muitas dessas administrações tributárias, localizadas em Municípios de baixíssimo potencial econômico, até hoje sequer instituíram todos os impostos de sua competência. De se ressaltar, por oportuno, que os governos municipais, pelo fato de estarem mais próximos do cidadão, são os que mais arrecadam taxas, em função de prestação de serviços públicos. Ao analisar o desafio brasileiro de conviver com inúmeras administrações tributárias, pondera Andréa Teixeira Lemgruber: uma das principais críticas feitas sobre a estrutura federativa brasileira diz respeito à baixa coordenação entre as esferas de governo. De um modo em geral, todos os órgãos arrecadadores 29[29] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. MACIEL, Everardo. Reforma tributária e federalismo no Brasil. Palestra proferida em 07 de agosto de 2001, na Federação das Indústrias de Brasília. Transcrição disponível in ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. A verdade sobre o imposto único. São Paulo: LCTE, 2003, p. 180. 30[30] atuam sobre a mesma capacidade contributiva do cidadão. Esse último, geralmente deve prestar informações, recolher tributos e acompanhar modificações de legislação dos três níveis governamentais. No entanto, [..] há muito espaço para se aprimorar mecanismos de cooperação e de troca de informações entre esses órgãos arrecadadores, de modo a obter uma administração tributária mais ágil e eficiente. Tradicionalmente o Brasil ainda não desenvolveu um sistema padronizado de livros e documentos fiscais, datas de pagamento ou cadastro. A complexidade da legislação e a multiplicidade de fiscos tornou-se fator que onera substancialmente o custo dos contribuintes, especialmente dos pequenos, transformando-se em um motivo indutor de evasão fiscal. A falta de uma base de dados integrada entre os fiscos tem significado multiplicidade de esforço por parte dos governos e, muitas vezes, privilegia os contribuintes mal intencionados. De modo em geral, não há fiscalização conjunta e nem a existência da "prova emprestada", onde um auto de infração devidamente lançado por um governo possa automaticamente servir em prol de outro governo.31[31] Importante destacar que o Governo Federal, em 1997, procurou enfrentar este problema por meio da implantação do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES). Trata-se de um sistema que possibilita o pagamento de vários impostos e contribuições federais (administrados pela SRF e pelo INSS), estaduais e municipais, por meio de um único documento de arrecadação, de forma extremamente simplificada para o contribuinte (simples aplicação de uma alíquota sobre a receita bruta da empresa). A adesão de Estados e Municípios ao SIMPLES é voluntária, ou seja, ocorre por opção do governo subnacional, mediante assinatura de convênio. 1.4.4 Distribuição de competências para realização de gastos públicos A Constituição do Brasil, além de atribuir competências aos entes federativos para instituição de tributos, também define as competências para realização de gastos entre os três níveis governamentais. Contudo, ao contrário do que ocorre na atribuição das receitas tributárias, não há uma definição muito clara em relação à realização de despesas, tendo em vista a existência de competências comuns e concorrentes, cujos limites não se encontram perfeitamente especificados. Dentre as atribuições típicas do governo federal, pode-se mencionar a defesa nacional, as relações internacionais, a emissão de moeda, a manutenção do correio aéreo 31[31] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. e do serviço postal, a regulamentação do comércio interestadual, das telecomunicações, das jazidas, das atividades nucleares e da seguridade social, além das definições das diretrizes e bases para a educação nacional. A competência dos Municípios refere-se às atividades de interesse local, tais como transporte público municipal, educação elementar, atendimento à saúde, controle e planejamento do uso do solo urbano e preservação do patrimônio histórico-cultural. Dentre as atribuições que são consideradas comuns aos três níveis de governo pode-se mencionar o cuidado com a saúde e a assistência pública, a proteção do meio ambiente, a promoção de programas de moradia, o saneamento básico e a integração social. A Constituição permite, também, a existência de competência concorrente entre União e Estados, envolvendo atividades de legislação sobre direitos tributário, financeiro e econômico, orçamento, polícia civil e defensoria pública, dentre outras. Ainda com relação à política brasileira de gastos públicos, deve-se ressaltar sua extrema rigidez, tendo em vista o grande volume de receitas vinculadas. A Constituição Federal, além de fixar as transferências intergovernamentais, estabelece a vinculação completa da arrecadação das contribuições à Seguridade Social e prevê percentuais mínimos de investimento na educação.32[32] Além disso, existem inúmeros fundos que se destinam a financiar despesas específicas de determinados órgãos ou setores e que também são constituídos a partir de receitas vinculadas. Sobre o assunto, convém transcrever algumas conclusões extraídas de recente estudo realizado pela Secretaria da Receita Federal: A vinculação de receitas atualmente existente no Brasil retira diversos graus de liberdade e prejudica a realização da política econômica. A fixação do gasto, que existe para assegurar patamar mínimo de destinação de receitas para determinada rubrica, acaba por impedir, em decorrência, que as rubricas orçamentárias não-vinculadas recebam verbas em montante adequado.33[33] 32[32] Estes percentuais são de 18% da receita de impostos da União e de 25% da receita de impostos dos Estados e Municípios (Constituição Federal, art. 212). 33[33] SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Op. cit. 2 A PROPOSTA DO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL 2.1 O mito do imposto único É muito antiga a procura do homem por um sistema de tributação mais simples, baseado em uma única base tributável, cuja arrecadação fosse suficiente para financiar integralmente o funcionamento do Estado. No século XVIII, os fisiocratas34[34] defenderam a taxação da terra como única fonte de obtenção de receitas públicas. No século XX, após a Segunda Guerra Mundial, a França discutiu superficialmente a adoção de um imposto único sobre o capital. Dentre os defensores desta nova modalidade de tributo, destacou-se o economista Maurice Allais, Prêmio Nobel de Economia de 1987. Ultimamente, contudo, Allais abandonou a idéia de imposto único, recomendando expressamente à União Européia a adoção de um sistema tributário baseado não apenas em uma, mas em três bases tributáveis: o capital, a renda e o consumo (pelo critério do valor agregado).35[35] Procurando investigar as causas do surgimento do mito do imposto único, Paulo Eduardo Rangel afirma que: As utopias do encargo fiscal único encerrariam, talvez, um componente psicológico regressivo, o desejo de fuga das complexidades da vida social e de retorno a uma simplicidade pastoral, o devaneio de uma vida desprovida de constrangimentos fiscais. [...] sua força deriva, sobretudo, de uma pulsão libertária profundamente arraigada no coração dos homens, de uma disposição anárquica, de uma aversão à opressão, muito consistentes com o individualismo exacerbado, típico de nossa época. 34[34] A palavra "fisiocrata" vem de "fisiocracia", que significa "reino da natureza". Os fisiocratas se opuseram aos mercantilistas, para os quais uma nação poderia se desenvolver apenas por meio do acúmulo de metais preciosos. e estímulos diretos ao comércio. Na visão dos fisiocratas, para alcançar o desenvolvimento era necessário o investimento em produção. Não na produção industrial (ou comercial), mas na produção agrícola, pois somente nessa era possível a geração e ampliação excedente. Para detalhes sobre o pensamento dos fisiocratas, ver CHAGAS, Henrique. O liberalismo e o neoliberalismo a partir dos fisiocratas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999. 35[35] RANGEL, Paulo E. Imposto único federal (PEC n.º 474-A, de 2001). Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2002, p. 8. Avulta uma percepção de incômodo em relação ao poder de intervenção fiscal do Estado na vida privada dos cidadãos. A complexidade crescente dos sistemas fiscais faz multiplicar as instâncias de controle. Faz adensar as redes captadoras de informação. Faz proliferar os rituais de exercício da cidadania fiscal que passam a consumir mais tempo e mais energia dos cidadãos contribuintes, tornando-se sufocantes e alimentando, neles, mais do que a aversão ao imposto, o rancor contra os aparelhos burocráticos fiscalizadores. [...] Esse empenho de energia, a contragosto, em mesquinhas atividades-meio a serviço da instrumentalidade fiscal, desperdiçada no acúmulo de papéis, documentos, provas, cuidados, prazos, truques, cálculos, planejamentos, socorrendose em auxiliares, contadores, advogados, consultores, gera notável desconforto e coloca o contribuinte, a cada momento, no limiar da inadimplência, da evasão, da delinqüência e da revolta fiscal. A idéia da exação única sempre acenou com uma promessa de alívio substancial desse desconforto, creditado à simplicidade e homogeneidade da contribuição única. [...] A simplicidade e transparência de um imposto universal são armas da cidadania contra aqueles agentes anti-sociais que, sempre à caça de privilégios fiscais, parasitam e saqueiam a comunidade em proveito próprio. Sistemas fiscais caóticos são viveiros do comportamento parasitário. [...] Vê-se claramente, então, como a reivindicação de um sistema tributário leve, simples, automático, universal, nãodeclaratório, módico, eqüitativo, dificilmente fraudável, assentase sobre sólidos fundamentos da psicologia fiscal. Esses são os bons fundamentos da legitimidade do imposto, que asseguram o consentimento, pressuposto subjetivo indispensável de uma institucionalidade fiscal eficaz".36[36] Marcos Cintra de Albuquerque, de forma bastante didática, analisa as vantagens de decorrentes da instituição de um imposto único: O imposto único [...] traz inúmeras vantagens de ordem tributária. A fiscalização torna-se mais simples; os critérios de taxação ficam mais transparentes; os custos por parte do poder público, e também os custos do setor privado vinculados às exigências tributárias, tornam-se mais leves. A simplificação [...] é evidente quando toda a arrecadação se concentra em um único tributo, incidente sobre uma única base.37[37] 36[36] 37[37] 86. RANGEL, Paulo E. Op. cit.., pp. 9-10. ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. A verdade sobre o imposto único. São Paulo: LCTE, 2003, p. 2.2 Adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária A idéia de utilização das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária teve origem no momento em que a moeda escritural passou a ter supremacia sobre a moeda manual. Nas últimas décadas, a intensa informatização das operações bancárias propiciou as condições necessárias para a adoção das movimentações bancárias como base de incidência tributária. Importantes países, tais como Estados Unidos e Canadá, vêm realizando estudos sérios visando a adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária.38[38] No decorrer da última década, Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e Austrália foram países pioneiros na instituição de tributos sobre movimentações financeiras.39[39] Até o momento, a experiência brasileira tem sido, reconhecidamente, a mais bem sucedida em todo o mundo.40[40] Convém frisar que a tributação das movimentações financeiras tem sido saudada como o tributo do futuro. Estes especialistas, contudo, advertem que sua implantação não está disponível, imediata e simultaneamente, para todos os países.41[41] Desenvolvendo melhor este tema, Marcos Cintra de Albuquerque pondera que a instituição de um tributo sobre movimentações financeiras requer a reunião de duas condições básicas para sua efetiva operacionalização: A primeira é a existência de um sistema bancário altamente informatizado, com um sistema nacional de compensação de cheques e documentos. A segunda é a predisposição cultural da sociedade de não usar moeda manual, substituindo-a pelas mais variadas formas de moeda escritural.42[42] Paulo Eduardo Rangel assim avalia o mérito da tributação sobre as movimentações financeiras: 38[38] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. p. 85. RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 13. 40[40] Recente trabalho publicado pela Secretaria da Receita Federal revela que "[...] o Fundo Monetário Internacional, organismo que publicamente tem se posicionado contra a implementação de impostos do tipo débito bancário, [...] reconhece que a experiência brasileira teve bons resultados. Na opinião dos autores, o sucesso brasileiro deveu-se ao fato de a CPMF não ter sido introduzida em um momento de crise, de o sistema bancário brasileiro ser significantemente sofisticado, de não haver tradição de se mover ativos financeiros para fora do País e pela relativa baixa alíquota adotada no Brasil". Para maiores detalhes, ver SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. CPMF - Mitos e verdades sob as óticas econômica e administrativa. Disponível em: <www.receita.fazenda. gov.br/EstTributarios/TopicosEspeciais/CPMFMitos.htm>. Acesso em 07 nov. 2002. 41[41] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 13. 42[42] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. p. 85. 39[39] Permanece o desafio de suavizar a pressão tributária mediante sua distribuição mais eqüitativa, o desafio de prevenir a evasão e incorporar o mundo da informalidade, sem fazer apelo a uma solução, irreal, de agigantamento dos aparelhos fiscalizadores. Nesse quadro de impasse, a tributação mais intensiva das movimentações financeiras surge como um caminho plausível de reforma tributária, cuja base difere pouco das bases consumo e receita bruta atualmente predominantes no país, oferecendo vantagens de custo baixo, simplicidade, suavidade, alcance universal e dificuldade de evasão. [...] A sociedade de massas não comporta mais aquele imposto cujo pagamento era um ato consciente de adesão ritual ao Contrato Social. Prevalece, hoje, a preferência pelo "imposto anestésico". O bom senso recomenda, então, edificar fórmulas indiretas e automáticas de tributar proporcionalmente a todos, sem exceção, preferencialmente sem apelo a valores e à consciência ética. A movimentação financeira é a base que satisfaz este desafio.43[43] 2.3 A experiência brasileira O Brasil ocupa lugar de destaque na experimentação da adoção das movimentações bancárias como base de incidência tributária. Sobre o tema, assim se manifesta Paulo Eduardo Rangel: A tributação das movimentações financeiras é ainda um tema infreqüente na literatura especializada. Atualmente, o Brasil é detentor da primazia na mais rica, ampla e bem-sucedida experimentação no campo dessa peculiar técnica tributária. Nessa matéria não há socorro disponível em inglês, francês, alemão, japonês ou italiano. Por sua vez, somos o único referencial de nossas próprias reflexões, e a experiência brasileira é a referência básica para os estudiosos estrangeiros.44[44] No país, a primeira referência à instituição de um imposto único sobre movimentações financeiras ocorreu em janeiro de 1990, com a publicação, na Folha de São Paulo, do artigo intitulado "Por uma revolução tributária", de autoria do professor Marcos Cintra.45[45] Segundo o próprio autor, este artigo "significou uma descontinuidade nos debates sobre reforma tributária. O texto introduziu no Brasil o Imposto Único sobre 43[43] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 6. RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 3. 45[45] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Tributação no Brasil e o imposto único. São Paulo: Makron Books, 1994, p. 85-89. 44[44] Transações, idéia de natureza revolucionária, que deu início a uma polêmica que empolgou a opinião pública e oxigenou o debate técnico sobre o assunto" 46[46]. O referido artigo demonstrou que, no início dos anos 90, os debates sobre reforma tributária restringiam-se aos temas do combate à sonegação, da tributação dos ganhos de capital e da redução de incentivos fiscais. As propostas visavam, tão somente, elevar o montante das receitas tributárias, visando equacionar a questão do déficit público, um dos maiores responsáveis pelo quadro de hiperinflação vigente naquela época. Este primeiro texto de Marcos Cintra teve o mérito de incorporar à discussão sobre reforma tributária novos e relevantes temas, tais como a eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos de conformidade47[47], seus custos de administração e seu padrão de incidência. A idéia lançada pelo professor Marcos Cintra polarizou-se em duas vertentes. A primeira delas era composta por especialistas que defendiam uma estrutura tributária simples e imune à sonegação. A segunda, integrada por estudiosos que, somente aceitavam o imposto sobre transações financeiras como "um imposto a mais", defendendo a manutenção do sistema tributário complexo e burocratizado, até hoje vigente. Um ano após a publicação do artigo original do professor Marcos Cintra, Roberto Campos publicou, também na Folha de São Paulo, o artigo intitulado "Exógenos e papirófilos", no qual descreveu as principais características destas duas correntes de opinião. Segundo Roberto Campos, os "exógenos" são aqueles que: [...] propõem que os diferentes fatos geradores - renda, consumo, produção e utilização de mão-de-obra - sejam substituídos por um único imposto sobre transações financeiras, através do sistema bancário. Esse imposto seria exógeno, automático e insonegável. Exógeno, porque não dependeria de declaração do contribuinte. Automático, por ser cobrado pela simples utilização do serviço bancário. Insonegável, porque numa economia moderna não se pode prescindir dos bancos, que 46[46] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit., 2003, p. 81. Os custos de conformidade à tributação (compliance costs of taxation) correspondem ao "custo dos recursos necessários ao cumprimento das determinações legais tributárias pelos contribuintes", conforme definição apresentada por BERTOLUCCI, Aldo V. Uma contribuição ao estudo da incidência dos custos de conformidade às leis e disposições tributárias: um panorama mundial e pesquisa dos custos das companhias de capital aberto no Brasil. Dissertação de Mestrado, FEA/USP, 2001, p. 18. 47[47] são supermercados serviços.48[48] financeiros que oferecem variados Por sua vez, os "papirófilos" são aqueles que: Esquecidos de que vivem na idade eletrônica, adoram a burocracia documental. São as declarações de renda, do patrimônio, as notas fiscais da produção ou consumo, os recibos de prestação de serviços, as contribuições sobre a folha de pagamentos. Há um "delirium tremens" burocrático. [...] Exigem-se 33 livros de escrituração, dos quais oito contábeis, nove fiscais, três trabalhistas, além de 24 declarações tributárias. Há mais de 25 obrigações básicas trabalhistas e previdenciárias.49[49] O debate sobre o imposto único, lançado por Marcos Cintra, não ficou restrito ao meio acadêmico. No Congresso Nacional, começaram a surgir propostas de revisão constitucional, nas quais o sistema tributário estaria baseado num imposto sobre transações bancárias. Dentre estas propostas, merecem destaque as proposições apresentadas pelos deputados Roberto Campos e Luís Roberto Pontes.50[50] Enquanto o Parlamento discutia propostas de reforma tributária baseadas exclusivamente na implantação de um imposto sobre valor agregado (IVA) unificado, o deputado Marcos Cintra foi concebendo sucessivas fórmulas visando a implantação do imposto sobre movimentações financeiras. A primeira destas propostas foi a emenda n.º 47 à proposta de emenda constitucional n.º 175/95 (PEC 175/95). Nesta ocasião, o deputado Marcos Cintra propunha a substituição gradativa de todos os tributos federais pelo imposto sobre movimentações bancárias. Este processo de substituição ocorreria ao longo de três anos, durante os quais os valores pagos a título de imposto sobre movimentações financeiras (IMF) poderia ser compensado com débitos relativos aos demais impostos e contribuições federais. Progressivamente, ocorreria a redução das alíquotas dos demais tributos, até sua completa extinção. Este mecanismo de compensação, por se mostrar extremamente prudente, até os dias de hoje arregimenta simpatizantes, entre os quais se deve destacar o 48[48] ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit., 2003, p. 83. ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit., 2003, p. 83. 50[50] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 7. 49[49] Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, que recentemente se pronunciou sobre o tema: Uma solução - não é minha, mas perfilho a mesma tese - seria pela via da compensação. Não é porque a CPMF foi compensada por outros tributos que eu maximizo sua capacidade de fiscalização, eliminando qualquer tipo de restrição que alguém possa oferecer ? [...] Pode compensar com outro imposto de outra natureza. E ela funciona, Eu imagino que a maneira de redução seja pela via da compensação. Para ser sincero, na idéia original do projeto de prorrogação da CPMF, seria proposta - com toda a pressão, na última hora o Governo decidiu retirar essa tese - a criação de um imposto sobre movimentação financeira em caráter permanente, compensável com qualquer tributo ou contribuição federal. Entendeu-se que, dada a importância da prorrogação da CPMF, a introdução de um tema que pudesse gerar polêmica poderia resultar em atraso na tramitação. Essa foi a fundamentação, o princípio sedutor para evitar que se adotasse essa posição, que defendo há muito tempo.51[51] Como se vê, esta proposta esteve muito próxima de ser efetivada implantada em nosso país, somente tendo sido barrada por questões de ordem política, conforme relato fidedigno apresentado pelo Secretário da Receita Federal. A segunda fórmula concebida pelo deputado Marcos Cintra foi a proposta de emenda constitucional n.º 183/99 (PEC 183/99), a qual previa um imposto sobre movimentações financeiras acrescido de um adicional, sob a forma de contribuição sobre movimentações financeiras, cuja arrecadação seria destinada ao financiamento da seguridade social. Além destes tributos incidentes sobre movimentações financeiras, existiriam impostos especiais incidentes sobre o consumo de bebidas, cigarros, automóveis, telecomunicações, energia e combustíveis, bem como um imposto de renda marginal, incidente apenas sobre altos rendimentos auferidos por pessoas físicas. O imposto de renda das pessoas jurídicas seria extinto. Ao contrário da anterior, esta proposta de reforma tributária não teve grande receptividade no Congresso Nacional, tendo sido rapidamente esquecida. A terceira fórmula imaginada pelo professor Marcos Cintra mostrou-se bastante "conservadora" e pouco ambiciosa. A referida proposta previa apenas a adoção 51[51] MACIEL, Everardo. Reforma tributária e federalismo no Brasil. Palestra proferida em 07 de agosto de 2001, na Federação das Indústrias de Brasília. Transcrição disponível in ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit., 2003, p. 189. da contribuição social única sobre movimentações financeiras, substituindo todas as contribuições sociais cobradas das empresas, destinadas ao financiamento da seguridade social. Com esta estratégia, o professor Marcos Cintra visava desonerar os encargos sociais das empresas, fomentando a geração de empregos e incentivando a formalização dos contratos de trabalho, com reflexos diretos na arrecadação da Previdência Social (tendo em vista a manutenção da contribuição previdenciária devida pelos empregados). Esta fórmula, até o momento, não chegou a ser apresentada no Congresso Nacional, sob a forma de proposta de emenda constitucional. Por fim, a quarta fórmula de implantação do imposto sobre movimentações financeiras concebida pelo professor Marcos Cintra encontra-se materializada na proposta de emenda constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A/2001), objeto principal de estudo do presente trabalho. Trata-se da proposta mais ousada já formulada pelo deputado Marcos Cintra. A PEC 474-A/2001 prevê a substituição imediata de todos os impostos federais de caráter arrecadatório e da maioria das contribuições sociais federais, pela incidência, não única, mas predominante, sobre a base das movimentações financeiras. Ao longo do presente capítulo, a PEC 474-A será detalhadamente analisada, com a descrição minuciosa de todos os seus artigos. Nos dois capítulos seguintes, serão analisados todos os argumentos contrários e favoráveis à sua implantação, até o momento levantados pelos estudiosos da reforma tributária no Brasil. 2.4 Noções gerais sobre a PEC 474-A A proposta de emenda constitucional n.º 474-A de 2001 (PEC 474-A), tem o objetivo de introduzir, no sistema tributário nacional, a figura do imposto único federal e da contribuição social única para financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações e transações financeiras. De acordo com essa proposta, o novo imposto e a nova contribuição sobre movimentações e transações bancárias substituirão todos os atuais impostos federais de caráter arrecadatório, bem como as contribuições sociais para o financiamento da seguridade social, atualmente cobradas dos empregadores. Para alcançar este fim, a PEC 474-A propõe alterações profundas na redação dos arts. 150, 153, 158, 159, 195 e 240 da Constituição Federal, promove adaptações na redação dos arts. 27, 29, 37, 49, 95, e 128 do texto constitucional e acrescenta os arts. 84 e 85 ao texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 2.4.1 Alterações propostas no art. 150 da Constituição Federal A PEC 474-A altera a redação do art. 150, III, "b" e § 1º da Constituição Federal e acrescenta os §§ 8º e 9º ao referido artigo.52[52] A nova redação do art. 150, III, "b" amplia o alcance do princípio da anterioridade tributária. Atualmente, a Constituição Federal veda aos entes tributantes a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (princípio da anterioridade em relação ao exercício financeiro). Com a redação proposta pela PEC 474-A, os entes tributante não poderão cobrar tributos "no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou, e antes de decorridos cento e oitenta dias da data da publicação". Ainda com relação ao princípio da anterioridade, a PEC 474-A promove adaptações na redação do art. 150, § 1º, tendo em vista a extinção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) e do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), atualmente excluídos da observância do princípio da anterioridade tributária. Segundo a PEC 474-A, continuarão excluídos do princípio da anterioridade os impostos sobre o comércio exterior (imposto de importação e imposto de exportação), bem como os impostos extraordinários de guerra (previstos no art. 154, II da Constituição Federal). 52[52] Redação proposta pela PEC 474-A: "Art. 150 [...] III [...] b- no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou, e antes de decorridos cento e oitenta dias da data da publicação. [...] §1 º As vedações expressas no inciso III, “b”, não se aplicam aos impostos previstos nos artigos 153, I e II, e 154, II. [...] § 8 º As vedações expressas no inciso VI, “b” a “d”, não se aplicam ao imposto previsto no artigo 153, III. § 9 º A instituição de outros tributos, além dos discriminados nesta Constituição, bem como a majoração dos tributos existentes além do limite máximo previsto no art. 153, § 3º, “a”, ficam condicionadas à aprovação prévia por referendo, ressalvados os dispositivos constitucionais em contrário." As majorações do novo imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira deverão observar o princípio da anterioridade em relação ao exercício financeiro e da anterioridade em relação ao centésimo octogésimo dia de publicação da lei majoradora. O § 8º do art. 150, acrescido pela PEC 474-A, exclui, em relação ao novo imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, as imunidades dos templos de qualquer culto, dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais de trabalhadores e das instituições de educação e assistência social. Remanesce, apenas, a imunidade recíproca entre diversos entes federativos. Por fim, o § 9º do art. 150, também acrescido pela PEC 474-A, visa dificultar a instituição de novos impostos bem como a majoração da alíquota do imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, além dos limites fixados em lei complementar (conforme redação proposta para o art. 153, § 3º, "a"). Para que tais mudanças legislativas possam ocorrer, torna-se necessária a aprovação prévia por referendo (ressalvadas as disposições constitucionais em contrário). 2.4.2 Alterações propostas no art. 153 da Constituição Federal A PEC 474-A altera a redação do art. 153, III, e §§ 1º, 2º e 3º da Constituição Federal, além de revogar os incisos IV a VII e os §§ 4º e 5º do referido artigo.53[53] 53[53] Redação proposta pela PEC 474-A: "Art. 153 [...] III - imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira; [...] § 1 º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei complementar, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I e II; § 2 º O imposto previsto no inciso III será informado pelos critérios da generalidade e da universalidade, podendo ser progressivo, na forma da lei, em função dos somatórios agregados periodicamente, por titular pessoa física, das movimentações ou transmissões a ele sujeitas; § 3 º Lei complementar especificará, no que se refere ao imposto previsto no inciso III, bem como à contribuição que o acompanha, referida no art. 195, I : a) as alíquotas máximas; Com a redação proposta pela PEC 474-A, serão extintos os seguintes impostos de competência federal: imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza; imposto sobre produtos industrializados; imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; imposto sobre a propriedade territorial rural e imposto sobre grandes fortunas. No lugar destes impostos, é criado o imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e b) c) d) e) f) g) h) i) j) k) a forma como, respeitadas as normas de tratados internacionais de livre comércio de que o Brasil seja signatário, serão implementados os princípios da desoneração tributária das exportações de bens e serviços e do idêntico tratamento do produto ou serviço importado ao seu similar nacional; os bens de primeira necessidade cuja venda, no varejo, possa ser beneficiada com desoneração tributária, implementada segundo metodologia idêntica à da hipótese de exportação de que trata a alínea anterior; as movimentações e transações envolvendo aplicações financeiras e mobiliárias, inclusive em ouro como ativo financeiro, submetidas ao princípio do diferimento da tributação, excluídas da incidência desses tributos durante todo o tempo em que os recursos correspondentes não retornarem, dos circuitos dos mercados financeiros e de capitais, para consumo ou investimento em ativos não financeiros ou mobiliários; o limiar, aproximadamente equivalente ao valor da renda líquida média anteriormente sujeita ao revogado imposto sobre a renda das pessoas físicas, abaixo do qual a incidência desses tributos, sobre os rendimentos do trabalho assalariado, será assumida previamente pelo empregador, mediante adição ao salário liquido pago, creditado ou posto à disposição; as restrições preventivas à evasão tributária, dentre as quais a forma obrigatoriamente nominal e não endossável de toda e qualquer ordem de pagamento ou titulo de crédito, bem como as sanções eficazes para dissuadir sua burla; as alíquotas acrescidas, incidentes sobre saques e depósitos de numerário junto ao sistema bancário, com o intuito de estimular a prática de transações sujeitas às alíquotas normais; a divisão da incidência entre os débitos e os créditos bancários; as restrições à validade do adimplemento de obrigações jurídicas onerosas, se não for comprovada a liquidação por intermédio de contas correntes à vista, de titularidade dos respectivos intervenientes envolvidos, em instituições do sistema bancário nacional, com a retenção dos tributos devidos; o procedimento unificado de arrecadação simultânea de ambos os tributos, mediante aplicação de alíquota total igual à soma das alíquotas singulares de cada um deles, com repasse direto, imediato e automático, pelas instituições ou órgãos responsáveis pela arrecadação, aos respectivos destinatários, na proporção exata das alíquotas relativas ao imposto e à contribuição social; as salvaguardas impeditivas de que a parcela da arrecadação, prevista na alínea precedente, representativa da contribuição social descrita no art. 195, I, possa ser desviada para empregos alheios à sua finalidade intrínseca, não estando sujeita às vinculações, estranhas à sua natureza, dos arts. 198, § 2º e 212, nem à partilha de que tratam os arts. 158 e 159. direitos de natureza financeira. A nova redação do § 1º do art. 153 atribui ao Poder Executivo a competência para alterar as alíquotas do imposto de importação e do imposto de exportação, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei complementar. Atualmente, tais condições e limites são estabelecidos por meio de lei ordinária. O § 2º do art. 153, com a redação dada pela PEC 474-A, estabelece que o imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira será informado pelos critérios da generalidade e da universalidade, podendo ser progressivo para as pessoas físicas, na forma da lei.54[54] Por fim, o § 3º do art. 153, com a redação proposta pela PEC 474-A, atribui à lei complementar a tarefa de regular diversas questões relativas ao novo imposto, tais como: alíquotas máximas; formas de promover a desoneração tributária das exportações de bens e serviços e de assegurar ao produto ou serviço importado tratamento idêntico ou similar ao que será dado ao seu similar nacional; formas de desoneração tributária de bens de primeira necessidade; formas de exclusão da tributação das movimentações e transações envolvendo aplicações financeiras e mobiliárias, inclusive em ouro como ativo financeiro; formas de restrições preventivas à evasão tributária (dentre as quais a forma obrigatoriamente nominal e não endossável de toda e qualquer ordem de pagamento ou titulo de crédito); divisão da incidência entre os débitos e os créditos bancários; procedimento unificado de arrecadação simultânea do imposto e da contribuição sobre movimentações financeiras. 2.4.3 Alterações propostas nos arts. 157 e 158 da Constituição Federal A PEC 474-A revoga o inciso I do art. 157 e os incisos I e II do art. 158 da Constituição Federal. Tais incisos regulam a repartição de receitas tributárias relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e ao imposto sobre produtos industrializados, em favor de Estados, Distrito Federal e Municípios (transferências constitucionais diretas). 54[54] Os critérios da generalidade e da universalidade traduzem o desejo de tornar o referido imposto geral (incidente sobre toda e qualquer movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira) e universal (pago por todos). A progressividade, em relação às pessoas físicas, refere-se à possibilidade (mas não obrigatoriedade) de se adotar alíquotas diferenciadas em função dos montantes periódicos de movimentações financeiras sujeitas à incidência deste imposto. Para maiores detalhes sobre estes conceitos, ver COÊLHO, Sacha C. N.. Op. cit. , p. 312. Com a redação proposta pela PEC 474-A, as regras sobre a repartição de receitas tributárias relativas ao imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, restringem-se ao art. 159 da Constituição Federal (transferências constitucionais indiretas). 2.4.4 Alterações propostas no art. 159 da Constituição Federal A PEC 474-A propõe alterações na redação art. 159, I, “a”, “b”, “c”, “d” e §§ 2º e 3º da Constituição Federal, além de revogar o § 1º do referido artigo.55[55] A redação proposta para o art. 159, I da Constituição Federal determina a distribuição pela União, em favor de Estados, Distrito Federal e Municípios, de 44% do valor arrecadado referente ao imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. Os critérios de distribuição estabelecidos pela PEC 474-A são os seguintes: 20% do valor arrecadado para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; 20% do valor arrecadado para o Fundo de Participação dos Municípios; 3% do valor arrecadado para os Fundos Regionais de Financiamento do Setor Produtivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste; e 1% do valor arrecadado para o Fundo de Compensação de Exportações. Os §§ 2º e 3º do art. 159 preservam as regras atuais relativas à distribuição, 55[55] Redação proposta pela PEC 474-A: "Art. 159 [...] I – do produto da arrecadação do imposto previsto no artigo 153, III, quarenta e quatro por cento na seguinte forma: a-) vinte por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; b-) vinte por cento ao Fundo de Participação dos Municípios; c-) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à região, na forma que a lei estabelecer; d-) um por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados. [...] § 2º A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do montante a que se refere o disposto no item “d” do inciso I, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido. § 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do item “d” do inciso I, observados os critérios estabelecidos no art. 158. entre as unidades federadas, dos valores provenientes do Fundo de Compensação de Exportações. As alterações propostas na redação destes parágrafos constituem simples adaptações do texto constitucional, tendo em vista a instituição do imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. A revogação do § 1º do art. 159 é uma decorrência lógica da extinção do imposto de renda e proventos de qualquer natureza. 2.4.5 Alterações propostas no art. 195 da Constituição Federal A PEC 474-A altera a redação do art. 195, I, e §§ 4º e 9º da Constituição Federal, além de revogar o § 7º do referido artigo.56[56] Com a redação proposta pela PEC 474-A, serão extintas as seguintes contribuições sociais, atualmente exigidas pela União: Contribuição Previdenciária sobre a Folha de Pagamentos dos Empregados; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre o faturamento das empresas (COFINS); Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF); Contribuição Social para o Salário-Educação e Contribuição para o Sistema "S" (SESI, SESC, SENAI, SENAC etc.). No lugar de todas estas contribuições, será criada a contribuição social sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. Conforme a PEC 474-A, a referida contribuição será cobrada mediante aplicação de 56[56] Redação proposta pela PEC 474-A: "Art. 195. [...] I – sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, acompanhando, mediante aplicação de alíquota adicional, a exigência do imposto previsto no art. 153, III, na forma da lei e respeitados os requisitos de que trata o art. 153, § 3º ; [...] § 4º As finalidades de custeio, supridas pela contribuição prevista no inciso I deste artigo, abrangem também, na forma da lei: a- o programa do seguro desemprego previsto no artigo 7º, inciso II, e o abono de que trata o § 3º do art. 239; b- os gastos projetados, com o ensino fundamental público, anteriormente financiados pela extinta contribuição do salário-educação; c- as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical. § 9º A contribuição social prevista no inciso I não será exigida dos segurados que contribuam sob a modalidade prevista no inciso II deste artigo.“ alíquota adicional ao imposto único sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. Conforme § 4º, "a" do art. 195, com a redação dada pela PEC 474-A, a arrecadação proveniente desta nova contribuição social também deverá custear o programa do seguro desemprego e o abono salarial anual (art. 239 da CF), atualmente financiados pelas Contribuições para o PIS e para o PASEP. Além disso, conforme redação proposta para as alíneas "b" e "c" deste § 4º, a nova contribuição social também deverá custear o ensino fundamental público (atualmente financiado pela contribuição do salário-educação) e as entidades privadas de serviço social e formação profissional (atualmente financiadas pela contribuição para o sistema "S"). O § 9º deste artigo esclarece que os segurados que contribuam para a previdência sob a modalidade do inciso II (contribuição previdenciária do trabalhador ou segurado), estarão dispensados do pagamento da contribuição social sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. Não obstante a previsão da PEC 474-A de que a nova contribuição social também deverá custear o programa do seguro desemprego e o abono salarial anual (art. 239 da CF), convém observar que as Contribuições para o PIS e para o PASEP não serão extintas. A PEC 474-A não prevê qualquer alteração no art. 239 da Constituição Federal, que atualmente prevê a cobrança destas duas contribuições. Sobre este tema, é suficientemente esclarecedora a observação do deputado Marcos Cintra, co-autor da PEC 474-A: Cabe lembrar que a proposta do IUF é eliminar todos os tributos arrecadatórios. Esses impostos representam mais de 70% da atual arrecadação federal. Obrigações extra-fiscais como o FGTS, o Pis/Pasep, tributos sobre o comércio exterior, a seguridade do servidor público e a contribuição social do empregado, permanecerão inalterados.(grifado).57[57] 2.4.6 Demais alterações constitucionais propostas na PEC 474-A 57[57] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 132. A PEC 474-A também propõe a revogação do § 5º do art. 212 e do art. 240, da Constituição Federal e acrescenta os arts. 84 e 85 ao texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A revogação do § 5º do art. 212 da Constituição Federal é uma decorrência lógica da extinção da contribuição social do salário educação.58[58] Por sua vez, a revogação do art. 240 da Constituição Federal decorre da extinção da contribuição para o Sistema "S".59[59] O acréscimo do art. 84 ao texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) tem o objetivo de extinguir a atual Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), atualmente prevista nos arts. 74, 75 e 80, I do próprio ADCT. Por fim, o art. 85 do ADCT, acrescido pela PEC 474-A, atribui a uma lei complementar a difícil tarefa de dispor sobre 60[60]: a) os fundos, programas e projetos alimentados com recursos, benefícios ou renúncias, decorrentes dos tributos extintos. Exemplos de fundos, programas e projetos que deverão ser regulamentados por lei complementar: Zona Franca de Manaus - ZFM, Zonas de Processamento de Exportações - ZPEs, Fundo de Recuperação Econômica 58[58] Redação atual do art. 212 da Constituição Federal: "[...] § 5º O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei." 59[59] Redação atual do art. 240 da Constituição Federal: "Art. 240. Ficam ressalvados do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical." 60[60] Redação proposta pela PEC 474-A: "Art. 85. Lei complementar disporá sobre a forma como: I - os fundos, programas e projetos alimentados com recursos, benefícios ou renúncias, decorrentes dos tributos extintos juntamente com a entrada em vigor do imposto e da contribuição previstos, respectivamente, no art. 153, III e 195, I, da Constituição Federal, terão suas fontes de financiamento substituídas ou sofrerão solução de continuidade; II - serão ajustados e compatibilizados, sem prejuízo para o interesse público, os direitos e obrigações pendentes, decorrentes das legislações relativas aos tributos extintos, em virtude da nova ordem tributária instaurada com a entrada em vigor dos tributos referidos no inciso anterior deste artigo; III - será assegurada, a cada ente político beneficiário de partilhas constitucionais de receitas federais, sem interrupção, o fluxo e o volume de recursos não inferiores ao que se tiver verificado no último exercício financeiro anterior ao da entrada em vigor dos tributos referidos no inciso I deste artigo." do Espírito Santo - FUNRES, Fundo de Investimentos do Nordeste - FINOR, Fundo de Investimentos da Amazônia - FINAM; b) ajustes e compatibilização, preservado o interesse público, de direitos e obrigações pendentes, relativas aos tributos extintos. A lei complementar em apreço deverá dispor, por exemplo, sobre os seguintes temas: saldos de prejuízos fiscais compensáveis (imposto de renda das pessoas jurídicas); saldos credores de IPI etc. c) forma de assegurar que cada ente político beneficiário de partilhas constitucionais de receitas federais não sofra redução no fluxo e volume de recursos transferidos, em relação ao que se verificar no último exercício financeiro de vigência do atual sistema tributário. 3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PEC 474-A A apresentação a PEC 474-A reacendeu os debates sobre a instituição do imposto único sobre movimentações financeiras no Brasil. A denominação de "imposto único federal" é meramente simbólica, uma vez que a proposta não introduz qualquer alteração na competência tributária dos entes federativos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios). Além disso, a configuração proposta para o Sistema Tributário Nacional preserva diversos tributos federais de natureza não arrecadatória, tais como impostos sobre o comércio exterior, taxas e contribuições de melhoria federais, contribuições de intervenção no domínio econômico etc. As críticas mais contundentes contra a PEC 474-A partem de alguns setores isolados da burocracia estatal, com destaque para os servidores públicos do Fisco Federal. A seguir, busca-se apresentar, de forma sistematizada, as principais críticas formuladas ao projeto de instituição do imposto único federal sobre movimentações financeiras: 3.1 Ineditismo da proposta, em escala mundial Sobre o assunto, assim se manifesta Maria Lúcia Fattorelli Carneiro, Presidente da Delegacia Sindical de Belo Horizonte, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical): Todos os países desenvolvidos do mundo moderno baseiam seus Sistemas Tributários em um Imposto de Renda universal e progressivo, que invariavelmente constitui-se na principal fonte de receitas tributárias desses Países, seguido de um Imposto sobre o Consumo, de base de incidência ampla e natureza não cumulativa, além dos Impostos sobre Patrimônio, que visam alcançar o produto das rendas que não provêm diretamente do fator trabalho. Esse é o arcabouço básico em que se fundam os sistemas tributários desses Países. Seria então o Brasil uma economia atípica, desconectada da realidade econômica que impera no mundo capitalista ?61[61] No mesmo sentido, se pronuncia Fátima Gondim, dirigente nacional do Unafisco Sindical: A primeira vice-presidente do Unafisco Sindical, Fátima Gondim, lembra que os países da Europa, desde o início do século passado, desistiram da idéia de ter um IU pela incapacidade de conseguir uma base única, segura e capaz de dar sustentação ao Estado. "Pelo contrário, hoje percebe-se que tem de diversificar as bases de arrecadação, para garantir ao sistema maior segurança e confiabilidade - caso haja alguma crise, haverá outras opções para se evitar o colapso". Para ela, colocar todo o financiamento do estado na mão do sistema financeiro poderia debilitar de forma comprometedora a manutenção da arrecadação e mesmo do Estado nacional.62[62] Analisando esta questão, assim se manifesta Paulo Euclides Rangel: Viu-se, nesses anos de discussões sobre a reforma tributária, o desfile dos chavões (sic), utilizados de parte a parte, ao sabor da conveniência, idéias feitas do tipo "imposto bom é imposto 61[61] CARNEIRO, Maria L. F. A falácia dos impostos não declaratórios. Disponível em: <http://www. unafiscobh.com.br/impunico.html>. Acesso em 12 nov. 2002. 62[62] ROCHA, Daniella. Um abacaxi único. Revista Conexão. Brasília, ano III, nº. 19, pp. 18-22, julho de 2002. velho", "imposto único, imposto iníquo, [...] e, até mesmo, esta curiosa expressão de passividade e de baixa auto-estima, segundo a qual "imposto novo, se funcionasse, já existiria em países mais avançados" [...] A alegação, falaciosa, de que "se o imposto sobre movimentações financeiras fosse bom, já teria sido adotado nos países desenvolvidos", peca exatamente por este pormenor, a saber, que o tributo sobre transações só é economicamente viável, só é competitivo como técnica de arrecadação, num país dotado de tecnologia da informação, aplicada à operação bancária, avançada e distribuída e que consinta em delegar a arrecadação das receitas públicas ao sistema bancário. É este requisito, presente no Brasil, que impede os países desenvolvidos de adotar essa modalidade tributária que desperta, neles, crescente curiosidade.63[63] Por fim, convém transcrever os argumentos constantes da própria PEC 474A, com o objetivo de justificar o pioneirismo brasileiro na implantação deste imposto: O Brasil tornou-se, reconhecidamente, um dos países mais avançados do mundo em tecnologia bancária implantada e em generalização do uso de contas bancárias. Na maioria dos países mais ricos e desenvolvidos, detentores de moedas nacionais tradicionais, fortes e estáveis, prevalece um apego cultural das populações pela moeda manual, pelo dinheiro sonante, pela poupança “debaixo do colchão”, que constitui entrave, lá nesses países, à adoção de um imposto eletrônico sobre transações bancárias. Outra vantagem brasileira está em nossa experiência, perfeitamente consolidada e bem sucedida, da rede arrecadadora bancária de tributos. Em contraste, na maioria dos países desenvolvidos, subsiste um forte apego cultural à prerrogativa tradicional de o Estado recolher seus tributos por meio de seu próprio aparato coletor. Isso explica porque um imposto “ovode-colombo” como nosso IMF ainda não existe em países avançados, ressalvada a tímida experiência australiana. O Brasil é neste momento o País do mundo que está mais perfeitamente preparado e equipado para instituir um IMF eletrônico de vasto alcance, capaz de suprir integralmente as necessidades de financiamento do Estado, dando uma lição, ao mundo, de futurismo tributário. Não se trata mais de uma utopia, pois a experiência da CPMF está consagrada.64[64] Marcos Cintra, autor da PEC 474-A, apresenta estudos da Febraban e pesquisas realizadas pela empresa McKinsey & Company e pela Fundação Getúlio 63[63] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., pp. 13 e 28. BRASIL. Justificação da Proposta de Emenda à Constituição n.º 474-A, de 27 de dezembro de 2001. Aperfeiçoa o Sistema Tributário Nacional e o financiamento da Seguridade Social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=42062>. Acesso em 12 nov. 2002. 64[64] Vargas, visando comprovar que o Brasil é líder mundial em automação bancária. Em defesa de seu ponto de vista, o referido autor também faz referência ao início do funcionamento do Sistema de Pagamentos Brasileiros, ocorrido em abril de 2002, no qual a compensação bancária passou a ser feita em tempo real.65[65] 3.2 Incompatibilidade com os processos de globalização e de harmonização tributária Paulo Euclides Rangel assim descreve esta crítica à PEC 474-A: Uma variante mais tecnicamente persuasiva do que aquela falácia acomodatícia, de que "se o imposto sobre movimentações funcionasse de verdade, já teria sido adotado no estrangeiro", é o libelo de sua suposta incompatibilidade com a harmonização tributária. Alega-se que a globalização estaria engendrando uma tendência de harmonização crescentes dos sistemas tributários, sobretudo no que se refere à tributação dos fatores dotados de maior mobilidade, como o capital imaterial e o trabalho altamente qualificado.66[66] Este mesmo autor se encarrega de enfrentar estes argumentos: Sobressai, no bojo desse estranho raciocínio, um impasse lógico, uma petição de princípio, de que seus enunciadores não se estão dando conta, e que convém esclarecer. É como se, apanhados no contrapé da globalização, os sistemas tributários nacionais devessem petrificar-se e renunciar a qualquer inovação. Como se a harmonização tributária tivesse conquistado o status de critério prioritário para a adoção de qualquer medida tributária. A tributação das movimentações financeiras, saudada por muitos especialistas como tributo do futuro, estaria impedida de ganhar este futuro, já que sua implantação não estaria disponível, imediata e simultaneamente, para todos os países. [...] Salta à vista o exagero fantasioso dessa linha de raciocínio. Está claro que os vetores da globalização e da harmonização tributária subsistem, são reconhecidos, mas não impõem veto ou anátema sobre particularidades tributárias reputadas 67[67] convenientes por nações soberanas. O autor da PEC 474-A, Marcos Cintra, assim se pronuncia sobre esta questão: 65[65] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 85. RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 13. 67[67] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 14. 66[66] [..] não procede a suposição de que o Imposto Único seria de tal forma dissonante, em relação ao sistema de parceiros, a ponto de comprometer aproximações comerciais e políticas de formação de blocos regionais. Como já vimos, o Imposto Único aparentase aos conhecidos tributos sobre faturamento que se encontram por toda a parte e sua estranheza é apenas aparente. Por fim é preciso convir que a obsessão pela harmonização, vista como homogeneização, é um pouco mitológica. Na realidade os sistemas tributários dos diversos países são profundamente heterogêneos por motivos tradicionais, culturais, políticos, econômicos e geográficos, sem que isso impeça o comércio extramuros de expandir-se celeremente.68[68] 3.3 Regressividade e injustiça fiscal Com relação à característica de regressividade do imposto sobre movimentações financeiras, assim se posiciona o orgão de classe dos Auditores Fiscais da Receita Federal: A adoção do imposto único também significa renúncia da progressividade, reforçando a lógica de tributar igualmente os desiguais e perpetuando o princípio da injustiça fiscal, duramente combatido pelo Unafisco. A PEC em tramitação tem uma explicação simplista para a questão: os menos favorecidos seriam beneficiados já que movimentam menos dinheiro. Na opinião de Liduína Ribeiro, trata-se de um entendimento rasteiro. "E o que eles vão pagar de impostos embutidos no preço dos produtos e serviços?", questiona. A cumulatividade e regressividade do sistema cairiam como uma bomba sobre a produção e circulação de mercadorias. A pequena progressividade que existe hoje com o Imposto de Renda desapareceria de vez. "Seria altamente regressivo e mais injusto do que já é", lamenta o petista Ricardo Berzoini. Para Fátima Gondim, se o atual sistema tributário já é perverso, o IU vai cristalizar e agravar a perversidade. "É inadmissível qualquer alteração no sistema tributário que não seja para dar um choque de progressividade".69[69] Apreciando esta delicada questão, assim se manifesta Marcos Cintra: Embora a estrutura do Imposto Único não seja adequada à exigência de eqüidade vertical, trata-se de um imposto suficientemente flexível para poder ser dotado de uma razoável progressividade, se assim for desejado, mediante isenção de operações de valor menor que determinado piso em determinado período, ou até mesmo mediante tabela de alíquotas 68[68] 69[69] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 100. ROCHA, Daniella. Op. cit., pp. 20-21. diferenciadas por faixa de valores. Embora essa possibilidade não conte com nossa simpatia, é facilmente exeqüível. Todas as pesquisas conhecidas sobre distribuição da carga tributária brasileira por segmentos de poder aquisitivo revelam o perfil extremamente regressivo de nosso sistema tributário. De nada adianta ter imposto de renda supostamente progressivo se ele só atinge rendimentos do trabalho assalariado das classes médias do segmento formal e não consegue alcançar outras manifestações de renda. O Imposto Único, ao atingir inexoravelmente, pelo filtro das movimentações financeiras, toda as manifestações de renda, acaba sendo efetivamente mais eqüitativo e mais progressivo do que nosso tortuoso imposto de renda. Quanto ao imposto que se incorpora aos preços, simulações relatadas atestam que, sob condições de competição imperfeita, isto é, sob condições reais, o Imposto Único não é mais regressivo e induz menos distorções alocativas do que os sistemas usuais de tributação do consumo. Insistimos em desmentir o preconceito que imputa ao Imposto Único vícios regressivos, os quais, na verdade, são moderados sob o Imposto Único e são efetivamente mais graves sob o sistema vigente.70[70] Maria da Conceição Tavares, em artigo publicado na Folha de São Paulo, demonstrou que o imposto sobre transações financeiras é, na verdade, um tributo proporcional ou ligeiramente progressivo. Por meio de simulações matemáticas, a autora determinou a incidência final deste imposto por faixa de renda, concluindo que o peso da tributação do IMF recai predominantemente sobre os segmentos de renda mensal superior a 20 salários mínimos, que apresenta renda mensal média de 38,7 salários mínimos. O referido segmento é responsável por 63,5% da arrecadação, embora represente apenas 3,4% da população e responda por 29,2% da renda total do país. Com base nos resultados de suas simulações, a autora afirmou: [...] o argumento de que o imposto penalizaria basicamente a classe média não se justifica. Este é um imposto que penaliza sobretudo as pessoas que fazem da circulação financeira de suas aplicações uma fonte extra e muitas vezes considerável de renda. [...] Não só os setores de maiores rendimentos pagam relativamente mais impostos, como também pagam em uma proporção bastante superior às diferenças entre seu rendimento médio e os dos demais grupos. [...] sendo um dos vetores dinâmicos do reestruturação e globalização da economia, financeiras constituem uma das poucas bases arrecadação futura na qual é possível ancorar 70[70] ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. p. 97. processo de as transações potenciais de o aumento da receita pública sem castigar (ou punir) os setores produtivos e os segmentos sociais mais carentes.71[71] Ressalte-se que as simulações de Maria da Conceição Tavares referiam-se apenas ao efeito do IPMF (depois CPMF) sobre os rendimentos das pessoas físicas. Vale dizer que, as conclusões obtidas a partir destas simulações foram confirmadas pela análise de dados reais de arrecadação da CPMF, conforme recentes estudos publicados pela Receita Federal.72[72] Paulo Euclides Rangel apresenta as seguintes considerações sobre este tema: O decantado efeito redistributivo do sistema tributário tem-se revelado decepcionante na maioria dos países. Pareceria mais sensato admitir que, havendo vontade política redistributiva, seriam as alocações orçamentárias, não o sistema tributário, o instrumento mais eficaz. O tributo enfrenta, como crítica mais repetitiva, a de que seria regressivo. Mas não é isso que cabe discutir, e, sim, se essa regressividade não seria talvez bem menor e muito menos nefasta do que a regressividade dos tributos que se propõe substituir. [...] em estudos recentemente divulgados pela Receita Federal [...] verificou-se empiricamente que, ao contrário do que se imaginava, as contribuições cumulativas incidentes sobre o faturamento, o PIS/PASEP, exibem presença, no consumo, quase uniforme e proporcionalmente distribuída em toda as faixas de poder aquisitivo, enquanto o IPI, imposto sobre o valor adicionado, seletivo, rico em isenções e alíquotas diferenciadas, apresenta, no entanto, uma progressividade quase imperceptível, assim como o ICMS. [...] O imposto de renda brasileiro, por sua vez, é falsamente progressivo, porque sua base é muito restrita e muito irregular, e, também, porque a progressividade da tabela de incidência é bastante mitigada e não se estende ao produto do capital. Predomina a informalidade e a evasão. Rentistas, empresários e profissionais autônomos são nitidamente favorecidos em relação aos trabalhadores assalariados. O imposto tecnicamente mais justo acaba sendo, no Brasil, extremamente iníquo. Constitui, como já comentado, incômoda assombração apenas para um 71[71] TAVARES, Maria da Conceição. Imposto sobre circulação financeira. Folha de São Paulo, 24 set. 1995. In: ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. pp. 94-95. 72[72] SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. CPMF- Mitos e Verdades sob as Óticas Econômica e Administrativa. Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/EstTributarios/TopicosEspeciais/CPMFMitos.htm>. Acesso em 12 nov. 2002. segmento restrito da classe média assalariada. A escolha de uma base abrangente, regular, uniforme, difícil de ocultar, por si só já reduz a regressividade do sistema. A substituição do imposto de renda pelo tributo proposto implicaria, de imediato, a expansão do universo contributivo, de cerca de 6 milhões de contribuintes pagantes do IRPF, para os cerca de 38 milhões de contribuintes da CPMF.73[73] 3.4. Cumulatividade e oneração da produção A característica de cumulatividade do imposto sobre movimentações financeiras tem sido alvo de muitas críticas, por parte daqueles que se opõe à adoção do imposto único federal no Brasil. Estas críticas assumem duas vertentes: a) possibilidade de se produzir grandes incidências tributárias nos produtos e serviços de cadeia de produção/comercialização muito longa, em razão da adoção deste imposto cumulativo; b) introdução de grandes distorções nos preços relativos da economia, capazes de comprometer o processo de desenvolvimento econômico. Estas duas questões, apesar de interrelacionadas, serão tratadas separadamente. A primeira crítica consiste na afirmação de que a cumulatividade do imposto sobre movimentações financeiras poderia gerar grandes impactos nos preços finais ao consumidor, no caso de cadeias de produção e comercialização muito longas (com múltiplos estágios). Sobre o assunto, assim se manifesta Marcos Cintra: Um equívoco comum na avaliação de IMFs advém da presunção de que tributos cumulativos reúnem elevadas cargas tributárias geradas por "longas" cadeias de produção. As cadeias de produção jamais podem ser descritas como "curtas" ou "longas": são sempre infinitas. Na realidade, qualquer produto ou serviço implica a contribuição de todos os demais setores da economia para sua produção. Trata-se de um processo circular e que necessariamente utiliza insumos de outros setores, e assim sucessivamente. Portanto, a cadeia de produção é sempre infinita. O que determina a carga de impostos de um tributo cumulativo é a relação entre insumos e valor agregado em cada estágio no processo de produção. Por exemplo, se um dado setor de produção compra insumos de um determinado valor e agrega valor em montante equivalente, a cumulatividade carregada das etapas anteriores acha-se totalmente embutida no valor dos insumos adquiridos. O valor agregado nesta etapa de produção 73[73] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., pp. 22-23. não sofre qualquer efeito cumulativo nesta mesma etapa, passando a fazê-lo apenas na medida em que a produção se transforma em insumo na etapa posterior de produção.74[74] Marcos Cintra, nesse mesmo estudo, realiza uma simulação matemática, supondo uma taxa de agregação de 100% do valor dos insumos adquiridos, em cada etapa de produção. Os dados obtidos demonstraram que os efeitos da cumulatividade tributária se exaurem rapidamente, pois o imposto carregado das etapas anteriores de produção segue uma progressão aritmética decrescente, cuja razão é dada pela taxa de agregação de valor em cada etapa produtiva. Em termos práticos, o autor apresenta o seguinte exemplo: supondo-se que o valor final de um determinado produto seja de R$ 100,00 e considerando-se a incidência do IMF de 1% no débito e no crédito bancário, verifica-se que o valor total do imposto acumulado no preço este produto é de apenas R$ 3,86 (ou 3,86% do preço final). Em outras palavras, a carga tributária total é inferior a duas vezes o valor da incidência nominal do imposto, em uma única etapa de produção (2% sobre o preço final, divididos em 1% no débito e 1% no crédito bancário). Na quinta etapa anterior à venda final do produto, o efeito da cumulatividade no preço final do produto é de apenas R$ 0,05, ou seja 0,05% sobre o preço final. Este estudo demonstra que os efeitos da acumulação de tributos são bem menores do que fazem crer os oponentes do imposto único sobre movimentações financeiras. A segunda crítica refere-se às grandes distorções nos preços relativos da economia, causados pelos impostos cumulativos, quando comparados aos impostos sobre o valor agregado. Muitos teóricos defendem os impostos sobre valor agregado, afirmando que estes possuem a vantagem de introduzir menos alterações nos preços relativos dos insumos do que os tributos cumulativos. No tocante aos efeitos alocativos do sistema tributário, Marcos Cintra afirma que: [...] para minimizar distorções, o ideal seria o uso de tributos que não causassem qualquer modificação nas decisões econômicas tomadas em situação de ausência de impostos. Em outras palavras, um sistema tributário ideal minimizaria o dead-weigh tax loss ("peso morto" dos impostos).Contudo, sabe-se que apenas um imposto sobre a vida, ou seja, um tributo de valor 74[74] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 43. fixo per capita atingiria tal desiderato. Sendo, porém, uma alternativa inaceitável nas sociedades modernas, resta a tentativa de minimizar perdas de eficiência. E, nesse sentido, uma regra básica seria o uso de tributos capazes de mostrar altas alíquotas médias, porém baixas alíquotas marginais. Como as decisões econômicas são tomadas sempre na margem, o uso de tributos com essas características seria mais desejável que tributos que demonstrassem taxas médias e marginais constantes (como os IVAs), ou então alíquotas marginais superiores às médias (como o Imposto de Renda progressivo). [...] Os tributos cumulativos incidem sobre o valor total da produção, ao passo que os IVAs incidem apenas sobre os salários, lucros, juros e aluguéis de cada estágio do processo produtivo. Conseqüentemente, para uma dada meta de arrecadação, os IVAs precisam de alíquotas mais elevadas que os impostos cumulativos. [...] Vê-se assim que, ao necessitar de alíquotas marginais mais baixas para uma dada meta de arrecadação, o tributo sobre movimentação financeira pode ser menos distorcivo do que os tributos sobre valor agregado, que exigem alíquotas marginais significativamente mais elevadas. Desfazendo as certezas que cercam as afirmações sobre os males da cumulatividade e os acertos dos tributos sobre valor agregado.75[75] Outro argumento favorável ao imposto sobre movimentações financeiras parte do professor Scheinkmann, para quem os fatores que deprimem a produtividade da economia de um país são a sonegação e o crescimento da economia informal. Para ele, se um determinado sistema tributário permite altas taxas de sonegação e de elisão, a produtividade deixa de guardar correlação com a eficiência gerencial e com os investimentos realizados em tecnologia. Afinal, uma empresa com baixos custos de produção pode não ser "competitiva" em comparação a outra empresa com custos de produção mais elevados, mas que opere na informalidade ou que sonegue grande parte dos tributos devidos. Em resumo, somente seria correto supor que os impostos sobre valor agregado seriam melhores do que os impostos cumulativos, em termos de distorções 75[75] ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. pp. 40-41. Para maiores detalhes sobre este tema, Marcos Cintra indica a obra de ECKSTEINS, O. Public Finance. New Jersey: Prentice Hall, 1964, p. 73.A título de curiosidade, registre-se que o "imposto sobre a vida" (imposto per capita), que o autor considera inaplicável nas sociedades modernas, foi seriamente analisado pelo Inglaterra, na década de 1980, durante a gestão da primeira-ministra Margareth Tatcher, conforme relato de ROSAL, João M. L. e FERREIRA, Pedro C. Imposto inflacionário e opções de financiamento do setor público em um modelo de ciclos reais de negócios para o Brasil. p.1. Disponível em <http://www.fgv.br/epge/home/PisDownload/320.pdf>. causados nos preços relativos da economia, caso se verificassem os seguintes pressupostos: a) mercado concorrencial perfeito; b) ausência de sonegação; c) alíquotas uniformes do IVA para todos os produtos e serviços existentes nesta economia. No Brasil, não se verifica nenhum destes pressupostos. Em muito poucos setores existe concorrência perfeita. A complexidade do sistema tributário e as elevadas alíquotas dos impostos induzem ao surgimento de elevadas taxas de sonegação e de informalidade. Além disso, verifica-se no Brasil grande variação de alíquotas entre diferentes produtos e serviços e até mesmo para um mesmo produto, em diferentes Estados, tendo em vista a condição sui generis de possuirmos um IVA administrado por entes federativos sub-nacionais (o ICMS). Em razão destes fatos, Marcos Cintra conclui que "não é a cumulatividade que compromete a competitividade nacional, ma sim um sistema tributário indutor da sonegação. Como em geral acontece com o uso dos tributos declaratórios".76[76] Para ele, tal fato demonstra a grande vantagem para a economia brasileira, decorrente da instituição do imposto único sobre movimentações financeiras. 3.5 Incentivo à verticalização Os teóricos contrários à PEC 474-A afirmam que a adoção do imposto único sobre movimentações financeiras poderia causar graves distorções na estrutura produtiva do país, em razão do forte incentivo à verticalização das cadeias produtivas, gerando ineficiência na alocação de recursos e reduzindo a competitividade das empresas brasileiras. Em resposta a esta crítica, Marcos Cintra procura demonstrar que o sistema tributário vigente é muito mais indutor de verticalização das cadeias produtivas do que o sistema proposto pela PEC 474-A: A presença do imposto único na composição dos preços finais varia obviamente na razão direta do número de etapas produtivas e inversamente ao valor adicionado em cada uma dessas etapas. Demonstra-se, no entanto, que essa característica opera menos intensamente no universo do imposto único do que no mundo dos tributos atualmente existentes. 76[76] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 35. O incentivo à verticalização [...] num sistema de imposto único com alíquotas suaves é menor do que com a pesada carga cumulativa hoje verificada. Basta verificar que apenas o PISCofins tem hoje uma alíquota de 3,65% "por dentro", que significa uma alíquota efetiva de 3,79%. [...] consideradas as baixas alíquotas marginais do sistema, dificilmente esse processo irá além do que seria previsível por motivos estritamente ligados a economias de escala e a outros tipos de externalidades. Cumpre lembrar que a verticalização, além do que se justificaria em ambiente neutro, implica custos, contra os quais a economia tributária teria de ser comparada.77[77] 3.6 Indução à importação Alguns críticos da PEC 474-A afirmam que os produtos importados, que passam por apenas uma ou duas etapas até chegar ao consumidor, incorporariam valor de Imposto Único menor do que aquele que seria incorporado ao preço dos produtos similares nacionais. Em resposta a este argumento, Marcos Cintra pondera que: [...] em qualquer caso, a carga final do Imposto Único seria bastante suave, de sorte a só influenciar na decisão em casos extremamente competitivos, e, de outro lado, quando necessário, o efeito pode ser contrabalançado por medidas de política aduaneira, inclusive mediante a imposição de impostos (sic) compensatórios da importação, previstos nos estatutos internacionais que regem o comércio mundial.78[78] Deve-se considerar, porém, que o fenômeno em análise também se verifica segundo as regras do vigente sistema tributário nacional, uma vez que a carga tributária relativa aos tributos cumulativos não onera os produtos importados, onerando apenas os produtos nacionais. Vale dizer que a carga tributária atual incidente sobre a produção nacional é muito superior à proposta pela PEC 474-A, tendo em vista a diversidade de tributos cumulativos atualmente existentes, tais como Pis, Cofins, CPMF e até mesmo o Imposto de Renda, no caso de empresas optantes pelo Simples ou pelo Lucro 77[77] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 98. ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. p. 99. Ressalte-se que a Organização Mundial do Comércio somente permite a aplicação de direitos compensatórios (e não de impostos compensatórios), por parte do país importador, com o objetivo de neutralizar subsídios diretos ou indiretos, concedidos pelo país exportador. Na situação descrita pelo autor (falta de competitividade da indústria nacional, provocada pelo próprio sistema tributário do país importador), somente seria possível a aplicação temporária de salvaguardas, pelo período máximo de 4 anos. Sobre o assunto, ver as seguintes páginas do site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: <http://www.mdic.gov.br/comext/decom/ subsidios.html> e <http://www.mdic.gov.br/comext/decom/salvaguardas.html> . 78[78] Presumido.79[79] Não obstante este fato, verifica-se que a balança comercial brasileira, em 2002, deverá apresentar um superávit da ordem de 12 bilhões de dólares. Este fato demonstra que os atuais níveis de proteção tarifária (imposto de importação) e o atual quadro de desvalorização da moeda nacional revelam-se suficientes para neutralizar o efeito de indução às importações, provocado pela adoção de tributos cumulativos. Caso seja aprovada a PEC 474-A, a tendência é de redução do efeito indutor das importações, uma vez que a alíquota prevista para o imposto sobre movimentações financeiras será muito inferior à soma das alíquotas dos tributos cumulativos atualmente existentes. Mencione-se, por fim, a existência de um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados propondo a criação de uma contribuição social de intervenção no domínio econômico (CIDE), denominada Contribuição de Equalização Tributária (CET), com o objetivo de impor aos produtos importados tributação equivalente á produção nacional. A aprovação deste projeto de lei poderá representar a solução definitiva do problema de indução às importações, tanto sob o atual sistema tributário, quanto sob o sistema proposto pela PEC 474-A.80[80] Convém ressaltar que a PEC 474-A mantém a competência federal para cobrança de contribuições sociais de intervenção no domínio econômico. Assim, a CET, se aprovada, poderá conviver com o imposto único federal sobre movimentações financeiras 3.7 Exportação de tributos Alguns teóricos consideram que o imposto sobre movimentações financeiras 79[79] Embora as grandes empresas sejam obrigadas à apuração do lucro real, a grande maioria dos seus fornecedores são optantes pelo lucro presumido ou pelo Simples. Assim sendo, pode-se afirmar que todos os setores produtivos nacionais são onerados pela incidência cumulativa do Imposto de Renda. Ressalte-se, por oportuno, que mais de 90% das empresas brasileiras apuram o imposto de renda pelo lucro presumido ou pelo Simples. 80[80] Trata-se do PL n.º 190/2001, de autoria do Deputado Federal Marcos Cintra. Em princípio, a instituição de um tributo desta natureza não contraria qualquer acordo no âmbito da OMC, desde que seu efeito seja apenas o de equalizar a incidência tributária sobre os produtos nacional e importado. A cláusula do "tratamento nacional" assegura apenas o tratamento igualitário entre o produto de origem estrangeira e o produto de origem nacional, não podendo ser invocado com o objetivo de assegurar uma vantagem tributária em favor do produto importado. Sobre o assunto, ver o site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: <http://www.mdic.gov. br>. é um tributo que desfavorece as exportações, pelo fato de ser cumulativo, o que dificulta grandemente sua exclusão dos preços de venda para o mercado internacional. Sobre o assunto, comenta Marcos Cintra, de forma bastante sintética: É certo que a desoneração na exportação é mais fácil no regime dos impostos sobre valor agregado, mas também é factível no regime do Imposto Único, embora mais trabalhoso. Teria de ser calculada mediante acompanhamento empírico das cadeias produtivas ou com exploração de matrizes de insumo-produto e operacionalizada mediante crédito de imposto, rebates, devoluções ou subsídios equivalentes, não muito diferente do que já se pratica hoje [...] É falso que o Imposto Único encerre um inerente viés antiexportador. O que prejudica a exportação não é a existência do imposto; é o descuido em desonerá-lo da exportação.81[81] Convém destacar que atualmente somente se efetua a desoneração do Pis e da Cofins na exportação, por meio da concessão de créditos presumidos de IPI. Esta modalidade de desoneração de tributos não poderá mais ser utilizada, tendo em vista a extinção do imposto sobre produtos industrializados. A PEC 474-A atribui à lei complementar a tarefa regular a forma como, respeitadas as normas de tratados internacionais de livre comércio de que o Brasil seja parte, se realizará a desoneração tributária das exportações de bens e serviços. Aparentemente, a solução mais indicada consiste em a União efetuar um depósito bancário, em favor do exportador, no exato montante do imposto sobre movimentações financeiras embutido no preço final do produto exportado. O referido montante deverá ser apurado por meio da análise das matrizes de insumo-produto, para os principais gêneros de produtos integrantes da nossa pauta de exportação. 3.8 Estímulo à desintermediação bancária Críticos da PEC 474-A afirmam que a implantação do imposto sobre movimentações financeiras poderia estimular a monetização da economia. Em outras palavras, o imposto único federal poderia representar um fator de estímulo à desintermediação bancária (uso da moeda manual e fuga dos cheques), com sérias conseqüências para a economia do país. Visando sustentar sua argumentação, grande parte destes críticos utiliza 81[81] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. 2003. pp. 99-100. conclusões extraídas de dois estudos do Banco Central, publicados em 2001, acerca dos efeitos da CPMF sobre a intermediação financeira.82[82] Os referidos estudos procuraram demonstrar que a CPMF, com alíquota de 0,38% sobre os débitos, é causadora de desintermediação financeira no Brasil. De acordo com os técnicos do Banco Central, a CPMF corrói sua própria base de arrecadação, tendo sido responsável pelos seguintes fenômenos: a) redução no número de cheques utilizado na economia (monetização da economia); b) deslocamento das aplicações financeiras dos depósitos a prazo para fundos de investimentos; c) elevação do spread bancário. Analisando este tema, de uma forma abrangente, Marcos Cintra afirma que: O IUF não estimula a monetização da economia, pois o custo de transação com moeda manual é superior à economia de impostos obtida. É mais seguro, e muito mais barato, continuar a utilizar os bancos do que carregar e fazer pagamentos com papelmoeda.83[83] Especificamente em relação ao estudo publicado pelo Banco Central, pondera Cintra: [...] o estudo do Banco Central mostra surpreendente fragilidade conceitual e estatística. [...] Atribuir a queda no número de cheques emitidos à incidência da CPMF é no mínimo risível. Esta é uma tendência permanente e pode ser constatada mesmo em períodos nos quais as alíquotas da CPMF permaneceram estáveis. [...] Ademais, a argumentação do Bacen é equivocada. A CPMF, ao onerar a transação bancária, poderia estimular o uso da moeda manual e a remonetização da economia. Além dessas hipóteses não terem sido comprovadas [...], o fenômeno não é corretamente medido pelo cálculo do número de cheques emitidos, e sim pelo valor dos cheques emitidos. [...] Como se vê, as tentativas do Bacen de criticar a CPMF estão equivocadas do ponto de vista conceitual, o que repercute, evidentemente, em seus resultados econométricos. De fato, os modelos apresentados no trabalho do Bacen são 82[82] ALBUQUERQUE, P. H. Os impactos econômicos da CPMF: teoria e evidência. Trabalhos para discussão n.º 23. Banco Central do Brasil, 2001. KOYAMA, S. M. e NAKANE, M. I. Os efeitos da CPMF sobre a intermediação financeira. Trabalhos para discussão n.º 23. Banco Central do Brasil, 2001. 83[83] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. 2003. p. 100. estatisticamente precários. Além de especificação equivocada de modelos (usando número e não valor dos cheques como variável dependente nas regressões), os resultados mostram-se estatisticamente pouco significantes. A maior parte dos coeficientes estimados não é significativamente diferente de zero. Os mesmos problemas acham-se presentes no restante do trabalho em apreço: coeficientes sem validade estatística e modelos conceituais equivocados.84[84] Convém ressaltar que esta análise do Professor Marcos Cintra encontra respaldo em um estudo publicado pela Receita Federal, que refutou cabalmente a crítica de desintermediação financeira supostamente provocada pela CPMF, ao demonstrar a fragilidade das conclusões apresentadas pelo Banco Central: [...] a crítica da desintermediação financeira pode ser facilmente refutada, pois os agentes não deixaram de realizar transações financeiras em decorrência da CPMF e o sistema bancário brasileiro continua operando normalmente. [...] o modelo desconsidera as verdadeiras variáveis causadoras da diminuição do uso dos cheques. [...] o próprio Sistema de Pagamentos Brasileiro estimulará ainda mais as transações digitais em tempo real, o que significa que a política do Bacen também busca desincentivar esse instrumento não adaptado à economia digital - o cheque. 85[85] 3.9 Esvaziamento da política fiscal Estudiosos contrários ao imposto único federal consideram que a adoção deste modelo significaria o completo esvaziamento da capacidade de o Governo Federal exercer política fiscal. Por política fiscal deve-se entender o "ajustamento de alíquotas de impostos ou das despesas governamentais, com o objetivo de afetar a demanda agregada".86[86] Na realidade, esta crítica perde muito de seu significado na medida em que se constata o pequeno emprego da política fiscal pelo Governo Federal, nos últimos anos. O alto grau de endividamento interno traz consigo a necessidade de obtenção de superávits primários crescentes, fazendo com que toda e qualquer ação sobre a demanda agregada não se faça por meio da política fiscal, mas sim por meio da política monetária, que envolve o controle dos meios de pagamento, a variação das taxas de 84[84] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. 2003. pp. 53-54. SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. CPMF - Mitos e verdades sob as óticas econômica e administrativa. 2001. Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br>. Acesso em 26/12/2002. 86[86] WONNACOTT, Paul e WONNACOTT, Ronald. Economia. São Paulo: McGraw-Hill, 1982, p. 691. 85[85] reservas compulsórias das instituições financeiras e, principalmente, a variação da taxa básica de juros da economia. Deve ficar claro que a proposta de criação do imposto único federal é totalmente neutra em relação à capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da despesa pública. Ao contrário de outros diplomas legais recentemente aprovados, tais como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a PEC 474-A não traz qualquer repercussão sobre a autonomia dos Poderes Legislativo e Executivo na definição do montante e na distribuição setorial das despesas públicas. A aprovação da PEC 474-A, de fato, significaria uma sensível redução da capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da receita pública, tendo em vista a proposta extinção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) e do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Deve ficar claro, porém, que nenhum destes tributos foi concebido como autêntico instrumento de política fiscal. O IOF, na verdade, funciona primordialmente como instrumento de política monetária, na medida em que seu efeito mais evidente é o de elevar a taxa de juros para o consumidor final. O IPI, por sua vez, combina metas arrecadatórias com objetivos sociais nas áreas de saúde pública e segurança, conforme demonstra a elevada incidência deste tributo sobre fumo e bebidas. A redução da possibilidade do Governo Federal de utilizar o sistema tributário nacional para perseguir objetivos extrafiscais deve ser considerada um mérito, e não um defeito da PEC 474-A. Trata-se, na verdade, do resgate da função arrecadatória dos impostos, que vem se perdendo no Brasil, ao longo dos últimos anos. Sobre o assunto, convém analisar a opinião de Marcos Cintra: Visões românticas enxergam na cobrança de tributos a expressão do espírito cívico do cidadão cônscio de seus direitos e deveres. Humanitários passaram a acreditar que a única maneira de redistribuir riqueza e renda é através da cobrança punitiva de impostos dos mais eficientes e mais poderosos. Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na isenção deles, o caminho para estimular o desenvolvimento econômico. Ecologistas e sanitaristas usam o sistema tributário como forma de proteção do meio ambiente e de punição para infratores de suas regras conservacionistas. Planejadores urbanos e regionais utilizam-nos como mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente desejáveis. Agricultores querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios. Em suma, todos procuram no sistema tributário a solução para seus problemas. Como afirmou Everardo Maciel, "isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis". Infelizmente, dada essa multiplicidade de objetivos e a indeterminação inevitável advinda da existência de maior número de objetivos do que de instrumentos, o sistema tributário acabou perdendo eficácia em sua função essencial: a de arrecadar recursos para financiar as atividades públicas. [...] Infelizmente a visão extrafiscal vem se impondo com tal intensidade sobre os objetivos fiscais que o sistema tributário tornou-se ininteligível e pouco funcional em sua função principal. A multiplicidade de objetivos a serem atingidos pelo sistema tributário nacional tornou-o altamente complexo, burocratizado, caro, ineficiente, [...] e fortemente indutor das mais variadas formas de evasão.87[87] 3.10 Inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico Estudiosos contrários ao imposto sobre movimentações financeiras argumentam que a adoção deste sistema significaria o completo esvaziamento do instrumento fiscal de intervenção econômica. Sobre o assunto, esclarece Marcos Cintra, de maneira bastante sintética: É certo que o sistema proposto implica o abandono do instrumento fiscal de intervenção econômica, de sorte que as políticas de preço, de rendas, políticas conjunturais e anticíclicas dependerão em maior grau da utilização de instrumentos nãofiscais, monetários, creditícios, de regulação das relações de consumo e do poder econômico e ainda das políticas de subsídios diretos, que são mais transparentes, mais sujeitas ao controle social, do que os obscuros benefícios tributários.88[88] De uma forma mais elaborada e consistente, Paulo Euclides Rangel demonstra que a proposta de criação do "imposto único federal", conforme consta da PEC 474-A, não inviabiliza a tributação interventiva por parte do Governo Federal: O estudo dos sistemas tributários comparados aponta, entre outras soluções bastante comuns, a tendência de sobretaxar itens de consumo classificáveis como luxo, vício, consumo 87[87] 88[88] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 89. ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 101. legalmente restrito como pornografia e armamentos, artefatos poluidores, combustíveis não-renováveis, jóias e objetos de arte, bens duráveis. [...] Uma vez adotado o imposto único federal, a correlativa extinção, proposta, do IPI [...] acarretaria substancial barateamento dos preços dos bens referidos, o que poderia, circunstancialmente, considerar-se indesejável. São situações exemplificativas em que o formulador de políticas públicas poderia lastimar a inaptidão do tributo sobre movimentações financeiras a servir como instrumento interventivo. Cumpre, aqui, voltar a sublinhar as ricas potencialidades do instrumental jurídico tributário, com sede no art. 149 da Constituição Federal, que os proponentes cuidaram de preservar. A CIDE, contribuição de intervenção no domínio econômico, ali parametrizada com grande flexibilidade, podendo inclusive prover-se de fatos geradores idênticos aos de outros tributos, existentes ou extintos, é a solução perfeita para suprir estas lacunas. É um tributo pouco explorado e recentemente redescoberto. Já temos agora, em pleno funcionamento, o precedente da CIDE dos combustíveis. Conviria instituir uma análoga CIDE dos cigarros. É óbvio que a desoneração tributária dos cigarros seria desastrosa para as políticas públicas na área da Saúde, além de promover significativa amputação das receitas públicas. As estatísticas atuais mostram uma correlação deficitária entre o aporte tributário dos cigarros e a despesa pública imputável ao tratamento de doenças causadas pelo consumo de cigarros. A CIDE poderia ser facilmente calibrada para cobrir este déficit. Ela tem a vantagem de ser tributo finalístico, vinculado a afetações determinadas, o que lhe confere eficácia interventiva muito mais precisa do que a dos impostos sobre a produção e o consumo. A CIDE seria o instrumento adequado para substituir, com superioridade, a falta que se poderia lastimar do IPI seletivo, cuja abolição está sendo proposta. A principal vantagem é que a CIDE não tem vocação arrecadatória e pode modular-se, com sintonia fina, para tingir finalidades interventivas bem delimitadas. 89[89] 3.11 Rigidez prejudicial à tomada de medidas emergenciais Uma crítica freqüente á adoção do imposto único federal refere-se à suposta rigidez deste imposto, o qual poderia inviabilizar a tomada de medidas emergenciais. 89[89] RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 20. Em resposta a esta crítica, assim se pronuncia Marcos Cintra90[90]: [...] não pretendemos abolir o instrumento tributário na política aduaneira e na regulação dos mercados financeiros. Em alguns países, os impostos sobre o comércio exterior chamam-se direitos aduaneiros, e a administração aduaneira é separada da administração dos impostos internos. Não será abolida a taxação do comércio exterior. Quanto ao constrangimento à ação governamental representada pelo condicionamento de majoração de alíquotas de tributos à atuação do Congresso, trata-se de proteção necessária ao cidadão-contribuinte, elemento básico da civilização democrática. Isso não exclui nem prejudica atuações urgentes ou emergenciais. Ou, se prejudica, será por razões de natureza política, alheias à modelagem tributária, que é o estrito objeto da reforma proposta.91[91] Convém destacar que, no vigente sistema tributário nacional, os únicos impostos que não estão sujeitos ao princípio da anterioridade são o imposto de importação (II), o imposto de exportação (IE), o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), além dos impostos extraordinários de guerra (art. 154, II da Constituição Federal). Segundo a PEC 474-A, que institui o imposto único federal, serão extintos o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Contudo, continuarão existindo e permanecerão excluídos do princípio da anterioridade os impostos sobre o comércio exterior (imposto de importação e imposto de exportação) bem como os impostos extraordinários de guerra (previstos no art. 154, II da Constituição Federal). Registre-se, por oportuno, que o IPI e o IOF não são impostos basicamente arrecadatórios. Conforme mencionado anteriormente, o IOF tem sido utilizado principalmente como instrumento de política monetária, na medida em que seu efeito mais evidente é o de elevar a taxa de juros para o consumidor final. O IPI, por sua vez, combina metas arrecadatórias com objetivos sociais nas áreas de saúde pública e segurança, conforme demonstra a elevada incidência deste tributo sobre fumo e bebidas. 90[90] 91[91] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. pp. 101-102. ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 102. Como se vê, a crítica relativa à suposta "rigidez" do imposto único federal, em última análise se resume numa crítica à indiscutível redução da capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da receita pública, na hipótese de aprovação da PEC 474-A. Com relação a este tema, já demonstramos que a redução da possibilidade de o Governo Federal utilizar o sistema tributário nacional para perseguir objetivos extrafiscais representa, na verdade, um necessário resgate da função arrecadatória dos impostos, razão pela qual deve ser encarada como um mérito, e não como um defeito da PEC 474-A. Por fim, convém repetir que a proposta de criação do imposto único federal é totalmente neutra em relação à capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da despesa pública. Em outras palavras, a adoção do imposto único federal não teria qualquer repercussão sobre a autonomia dos Poderes Legislativo e Executivo na definição do montante e na distribuição setorial das despesas públicas. 3.12 Benefício tributário para os proprietários Outro ponto freqüentemente mencionado pelos críticos da PEC 474-A refere-se à fato de que o imposto único sobre movimentações financeiras representaria uma tributação exclusiva sobre as bases renda e consumo, deixando por completo de tributar a base propriedade. Na visão destes críticos, os proprietários sofreriam menor incidência deste imposto do que aqueles que não possuem poupança ou cuja poupança estivessem concentradas no mercado financeiro. De acordo com esta visão, para elidir este imposto, bastaria que os proprietários evitassem movimentações financeiras, praticando permutas. Marcos Cintra enfrenta esta crítica com três argumentos bastante contundentes: Retrucamos que, primeiro, o universo das permutas ou do escambo é limitado e difícil de operar. [...] Segundo, que a tributação da propriedade é declinante no mundo inteiro. Terceiro, não desconhecemos que ela é muito menor no Brasil do que as médias internacionais, isto porque é uma modalidade tributária custosa, pouco produtiva e difícil de administrar. 92[92] Na realidade, esta crítica se torna inteiramente sem sentido, se observamos 92[92] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 102. que dentre todos os tributos que seriam substituídos pelo imposto único federal, o único incidente sobre a base-propriedade é o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR). Trata-se de um imposto sem a mínima vocação arrecadatória, responsável por apenas 0,5% dos valores administrados pela Secretaria da Receita Federal. Ressalte-se que a arrecadação do ITR, que já era extremamente baixa, apresenta clara tendência declinante nos últimos anos. Para comprovar este fato, basta verificar que entre os anos de 1999 e 2001 a arrecadação desde imposto passou de 243 milhões de reais para apenas 191 milhões de reais, o que representa uma redução nominal superior a 21% no período. Apenas a título de comparação, registre-se que, neste mesmo período, a arrecadação federal total passou de 185 bilhões de reais para 241 bilhões de reais, o que representa um crescimento nominal superior a 30% no período. Estes números comprovam que a tributação da propriedade rural somente se justifica para fins de satisfazer a opinião pública interna e preservar a imagem internacional do Brasil, país que ostenta impressionantes índices de concentração de renda e grande número de trabalhadores sem terra. Cientes desta realidade, os defensores do imposto único federal não são taxativos em relação à extinção do ITR, não obstante sua baixíssima produtividade em termos de arrecadação. Sobre o tema, assim se pronuncia Paulo Rangel: A extinção do ITR, imposto territorial rural, também não seria indispensável para o modelo, uma vez que o ITR teria vocação predominantemente regulatória, com arrecadação irrisória. Também aí a proposta satisfaz um intuito simplificador, considerando que a inépcia histórica dessa complicada modalidade tributária, no Brasil, justificaria descartá-la de vez, assim cultivando, inclusive, coerência com a feição nãodeclaratória do modelo pretendido. [...] Mas fica estranho, no contexto dos sistemas tributários comparados, que o Brasil de devote a tributar a propriedade urbana e se omita em tributar a propriedade territorial rural, inclusive para reprimir a especulação com terras estocadas como reserva de valor. A eliminação final de qualquer modalidade de tributação da terra, no Brasil, poderia revelar-se nefasta para a imagem internacional de um país apontado como campeão de desigualdades de renda e riqueza, de baixa exploração do potencial agrícola e com um quadro agudo de conflagração no campo.93[93] 4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PEC 474-A 4.1 Compatibilidade com a nova realidade da era da informação Os últimos anos do século XX serviram de cenário para o surgimento e consolidação do que se convencionou chamar de era da informação, a qual contrasta fortemente com a era industrial, que a antecedeu. A era da informação se caracteriza por diversos fatores convergentes: a) o extraordinário desenvolvimento das tecnologias de informação e processamento de 93[93] RANGEL, Paulo E. Imposto único federal (PEC n.º 474-A, de 2001). Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2002, pp. 21-22. dados; b) a expansão da participação dos serviços no produto nacional; c) a globalização; d) o enfraquecimento do poder das administrações públicas nacionais. Esta nova realidade decorrente da era da informação provocou mudanças profundas na vida das pessoas, das empresas e dos órgãos de Estado. No que tange à administração pública, a atividade de tributação foi um dos setores mais fortemente atingidos durante a transição da era industrial para a era da informação. O explosivo desenvolvimento das tecnologias da informação e de processamento de dados produz repercussões profundas sobre os processos de apuração e fiscalização de impostos. Discorrendo sobre o impacto da revolução tecnológica sobre o fenômeno tributário, assim se manifesta Marcos Cintra: A era da informação alterou em profundidade a função de produção agregada das economias modernas. [...] A oferta e o controle das informações tornaram-se insumos fundamentais no processo decisório das empresas modernas, explicitando de forma dramática a precariedade dos mecanismos declaratórios e semi-artesanais utilizados nos sistemas tributários convencionais, que haviam surgido no ambiente tecnológico e organizacional imediatamente posterior à revolução industrial. [...] a revolução da informática passou a oferecer um instrumento imprescindível de coleta e análise da enorme massa de dados e informações necessária para o processo de controle, acompanhamento e arrecadação de impostos. [...] a era da informática [...] torna-se fator determinante na concepção de novos modelos de exação de tributos, principalmente na configuração de novas bases impositivas, como a movimentação financeira, os fluxos eletrônicos, os impulsos telefônicos, as ondas elétricas e outras bases intangíveis que antes dificilmente eram alcançadas pelos tributos convencionais.94[94] Marcos Cintra também analisa o impacto sobre o sistema tributário provocado pelo crescimento da participação do setor de serviços na economia nacional: A expansão da participação dos serviços no produto nacional reduziu significativamente a eficácia das regras de controle e dos mecanismos de arrecadação de tributos vigentes anteriormente. A produção tornou-se intangível e desmaterializada, o que vem tornando mais ineficaz a continuidade dos mecanismos convencionais de apuração e 94[94] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. Apresentação, pp. XIII e XIV. fiscalização de impostos. De fato, um serviço intangível circulando via Internet [...] tornou-se, hoje, inalcançável para as autoridades tributárias, que são mantidas completamente à margem desse tipo de intercâmbio. [...] Mas, em algum momento, a transferência a título de pagamento ou os resultados decorrentes da utilização do produto ou serviço terão forçosamente de situar-se em território tributário determinado, que constitui a base de operação normal da empresa [...]. Nesse momento, o imposto sobre transações financeiras faz todo o sentido, uma vez que incide sobre a movimentação bancária desse agente. 95[95] Outro fenômeno modificador do vigente paradigma tributário é a globalização, fato complexo, que implica profundas alterações na vida econômica, social e política da humanidade. Sobre o tema, discorre José Eduardo Faria: A globalização tem sido responsável pela relativização de alguns importantes conceitos, princípios e categorias - como soberania, legalidade, hierarquia das leis, direitos subjetivos, igualdade formal, cidadania, equilíbrio de poderes, segurança e certeza - fortemente atingidas por mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais em grande parte ocorridas à margem das estruturas jurídicas, dos mecanismos judiciais, das engrenagens institucionais, dos procedimentos democráticos e da capacidade de regulação, controle, gestão, direção, planejamento e adjudicação dos Estados nacionais.96[96] Como se vê, a globalização está intimamente relacionada com o enfraquecimento do poder das administrações públicas nacionais, especialmente na área tributária. Refletindo sobre este tema, afirma Marcos Cintra: O sistema tributário tradicional pressupõe que o contribuinte, pessoa jurídica (e o mesmo princípio se aplica à pessoa física), seja uma empresa nuclear produtora de bens tangíveis, com uma ou poucas instalações físicas concentradas em um único Estado nacional (ou território fiscal), e cercada por empresas fornecedoras e compradoras com as mesmas características. [...] A situação torna-se radicalmente diferente com a organização e as estratégias operacionais das empresas organizadas em redes descentralizadas, espalhadas por vários Estados-nações, e produtoras de bens tangíveis e, crescentemente, de serviços, que por sua natureza são intangíveis e de grande mobilidade e portabilidade através de meios eletrônicos. 95[95] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. Apresentação, pp. XIII e XIV. 96[96] FARIA, J. E. O direito na economia globalizada.. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 7. [...] Exemplo deste questionamento do paradigma tributário convencional pode ser encontrado na crescente incapacidade dos Estados nacionais lidarem com os problemas gerados pelos "paraísos fiscais", pelos métodos cada vez mais sofisticados de "lavagem de dinheiro", e pelos incontroláveis fluxos de recursos internacionais (preços de transferência) entre empresas de um mesmo conglomerado global. [...] Ao mesmo tempo, a prática da sonegação e da fuga para a economia informal, fenômeno em rápida expansão em todo o mundo, reduz ainda mais a capacidade de exação tributária dos governos. [...] A deterioração e a perda de eficácia operacional dos tributos convencionais motivou a revista The Economist a publicar matéria antevendo a "morte do imposto de renda" e a crescente incapacidade dos governos nacionais de garantirem a operacionalidade de seus sistemas tributários tradicionais, fortemente abalada pela crescente sofisticação e diversificação dos métodos de planejamento tributário por parte das empresas, e dos mecanismos de "tax competition" utilizados pelos governos nacionais.97[97] 4.2 Redução dos custos operacionais tributários A área de estudo relacionada com os custos operacionais tributários é relativamente recente em todo o mundo. Segundo Aldo Bertolucci98[98], o surgimento deste ramo de estudo se deu no Brasil, na conferência da International Fiscal Association, realizada no Rio de Janeiro, em 1988, em palestra proferida pelo professor Cedric Sandford, da Universidade de Bath, na Inglaterra. Discorrendo sobre este tema, pondera Marcos Cintra: Segundo o professor Cedric Sandford, os custos administrativos e operacionais dos impostos foram negligenciados por políticos, administradores tributários e economistas, e isto ainda é verdade em muitos países. Estes custos deveriam ser levados em consideração nas políticas tributárias tanto quanto os conceitos de eqüidade, neutralidade e economia na administração. [...] o professor Cedric Sandford mencionou as razões pelas quais os governos passaram a se interessar pelos custos operacionais tributários: 1. os custos de conformidade e administrativos são altos e reduzem a competitividade nacional; 97[97] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. Apresentação, pp. XVI-XVIII. BERTOLUCCI, Aldo V. Uma contribuição ao estudo da incidência dos custos de conformidade às leis e disposições tributárias: um panorama mundial e pesquisa dos custos das companhias de capital aberto no Brasil. Dissertação de mestrado, FEA/USP, 2001. 98[98] 2. os custos de conformidade têm efeitos redistributivos indesejáveis, são altamente regressivos e oneram severamente as pequenas empresas; 3. altos custos de conformidade geram ressentimentos e estimulam a evasão; 4. os altos custos gerados com a criação dos IVAs em vários países geraram protestos e insatisfação por parte das pequenas empresas; 5. importância da desregulamentação para desonerar as pequenas empresas; 6. necessidade de passar a considerar o contribuinte como cliente e a tratá-lo de forma mais amigável; no início dos anos 80 alguns governos reduziram suas 7. despesas administrativas, transferindo-as aos contribuintes e aumentando os custos de conformidade deles, verificando que o custo para o país tornou-se maior99[99]. Segundo Aldo Bertolucci, o custo total dos tributos engloba três espécies de custos: a) custo dos tributos propriamente ditos (carga tributária); b) custos causados pelas distorções e pela perda de eficácia alocativa e distributiva da economia, introduzidos pelos tributos; c) custos operacionais tributários dos agentes públicos e privados, em função do fenômeno tributário. Com base nessa classificação, torna-se intuitiva a subdivisão dos custos operacionais tributários, em duas subespécies: a) os custos de conformidade, referentes ao consumo de recursos por parte do contribuintes, visando o cumprimento das obrigações tributárias acessórias impostas pelo Fisco; b) os custos de administração, referentes aos gastos dos três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), diretamente relacionados com o fenômeno tributário. Em 2001, Aldo Bertolucci realizou estudo visando quantificar os custos de conformidade (custos de aquiescência) incorridos pelas companhias abertas brasileiras, em decorrência do atendimento das obrigações acessórias tributárias impostas pela legislação. Segundo este autor: [...] os custos de conformidade à tributação (compliance costs of taxation) correspondem ao custo dos recursos necessários ao cumprimento das determinações legais tributárias pelos contribuintes. Declarações relativas a impostos, informações ao Fisco federal, estadual e municipal, inclusões e exclusões realizadas por determinações das normas tributárias, 99[99] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003, pp. 25-26. atendimento a fiscalizações, alterações da legislação, autuações e processos administrativos e judiciais representam uma pequena parcela dos custos totais dos tributos, por tratar-se apenas de custos monetários suportados pelas empresas no atendimento de suas obrigações tributárias. A eles devem se somar [...] os custos temporais e psicológicos impostos ao contribuinte.100[100] Marcos Cintra assim interpreta os resultados obtidos por meio deste estudo: Os resultados da pesquisa são dramáticos. O valor total dos custos de conformidade das companhias abertas atinge 0,32% da receita bruta, em média, nas empresas pesquisadas. [...] Tomando-se como base de cálculo os custos de conformidade das empresas abertas de menor porte, eles chegam a 5,82% do PIB, como pode ser visto na tabela a seguir. [...] As empresas abertas são empresas de grande porte, e, portanto, os resultados obtidos por Aldo Bertolucci com certeza subestimam os custos de conformidade para as empresas brasileiras em sua totalidade, dada a regressividade da incidência dos custos tributários relativamente ao volume de faturamento das empresas. [...] o segmento das empresas de capital aberto está no topo da pirâmide e certamente representa menos de 1% das empresas brasileiras. Conclui-se, assim, que para a esmagadora maioria das empresas brasileiras os custos de conformidade deverão ser superiores aos 5,82% equivalentes das empresas abertas de menor porte.101[101] Conforme visto anteriormente, os custos operacionais tributários não se referem apenas os custos de conformidade, mas também abrangem os custos da administração pública, relativos aos três poderes da União. No Brasil, se desconhecem estudos visando apurar o exato montante dos custos tributários administrativos. Por esta razão, a única alternativa consiste em estimar o montante destes gastos, com base em estudos realizados em outros países. Adotando este procedimento, Marcos Cintra estimou em 2% do PIB o montante dos custos administrativos, elevando para mais de 7% do PIB o total dos custos operacionais tributários (públicos e privados): Para se calcular o custo operacional total do sistema tributário brasileiro devem ser somados aos custos de conformidade os custos administrativos do setor público, que nos países unitários, de estrutura administrativa mais simples, guardam relação que varia de 1:2 até 1:4 com os custos privados. No Brasil, país federativo, e portanto de estrutura administrativa pública mais 100[100] BERTOLUCCI, Aldo V. Op. cit., p.18. 101[101] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 27. complexa e com maior descentralização tributária, a relação pode ser estimada, conservadoramente, em 1:3. É fácil concluir, portanto, que os custos operacionais tributários no Brasil atingem, para 99% das empresas brasileiras, patamares equivalentes a no mínimo 7% do PIB, ainda que tais estimativas devam ser interpretadas com cautela, dada a inexistência de estudos empíricos sobre o tema.102[102] O imposto único federal traz consigo um inegável potencial de redução dos custos operacionais tributários. Este é, sem dúvida a grande virtude potencial da PEC 474-A: a possibilidade de reduzir os custos privados e públicos, no valor equivalente a 7% do PIB, sem reduzir o montante da arrecadação tributária federal. . CONSIDERAÇÕES FINAIS 1. No Brasil, a primeira referência à instituição de um imposto único sobre movimentações financeiras ocorreu em janeiro de 1990, com a publicação do artigo intitulado "Por uma revolução tributária", do professor Marcos Cintra. Este artigo teve o mérito de incorporar à discussão sobre reforma tributária novos e relevantes temas, tais como a eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos de conformidade, seus custos de administração e seu padrão de incidência. 2. A primeira proposta legislativa de Marcos Cintra, visando à adoção do imposto único, foi a emenda n.º 47 à PEC 175/95. Esta emenda propunha a substituição gradativa de todos os tributos federais pelo imposto sobre movimentações bancárias. Ao longo de três anos, os valores pagos a título de imposto sobre movimentações financeiras (IMF) poderiam ser compensados com débitos relativos aos demais impostos e contribuições federais. Progressivamente, ocorreria a redução das alíquotas dos demais tributos, até sua completa extinção. Esta proposta esteve muito próxima de ser implantada em nosso país, somente tendo sido barrada por questões de ordem política, conforme relato apresentado por Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita 102[102] ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 29. Federal, em palestra proferida na Federação das Indústrias de Brasília, em 07 de agosto de 2001. 3. A segunda proposta legislativa de Marcos Cintra sobre a matéria foi a PEC 183/99, que previa um imposto sobre movimentações financeiras acrescido de um adicional, sob a forma de contribuição sobre movimentações financeiras, cuja arrecadação seria destinada ao financiamento da seguridade social. Existiriam, ainda, impostos especiais sobre o consumo de bebidas, cigarros, automóveis, telecomunicações, energia e combustíveis, bem como um imposto de renda marginal, incidente apenas sobre altos rendimentos auferidos por pessoas físicas. O imposto de renda das pessoas jurídicas seria extinto. Esta proposta de reforma tributária não teve grande receptividade no Congresso Nacional, tendo sido rapidamente esquecida. 4. Posteriormente, Marcos Cintra formulou uma terceira proposta, menos ambiciosa, que previa apenas a adoção da contribuição social única sobre movimentações financeiras, substituindo todas as contribuições sociais cobradas das empresas, destinadas ao financiamento da seguridade social. Esta estratégia, visava desonerar os encargos sociais das empresas, fomentando a geração de empregos e incentivando a formalização dos contratos de trabalho, com reflexos diretos na arrecadação da Previdência Social (tendo em vista a manutenção da contribuição previdenciária devida pelos empregados). Esta fórmula, até o momento, não foi submetida à apreciação do Congresso Nacional. 5. A quarta fórmula de implantação do imposto sobre movimentações financeiras concebida por Marcos Cintra encontra-se materializada na proposta de emenda constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), objeto de estudo do presente trabalho. Trata-se da proposta mais ousada já formulada pelo deputado Marcos Cintra, prevendo a substituição imediata de todos os impostos federais de caráter arrecadatório e da maioria das contribuições sociais federais, pela incidência não única, mas predominante, sobre a base das movimentações financeiras. 6. O fato de a maioria dos países desenvolvidos basearem seus sistemas tributários na tributação da renda, do consumo e do patrimônio não implica reconhecer que este seja o modelo ideal de sistema tributário e, muito menos, que esta seja a única solução possível. A alegação simplista de que "se o imposto sobre movimentações financeiras fosse bom, já teria sido adotado nos países desenvolvidos", além de traduzir um inegável sentimento de submissão à ordem internacional, ignora o fato de que o tributo sobre transações só é economicamente viável num país como o Brasil, dotado de avançada tecnologia da informação aplicada à operação bancária e com larga tradição em delegar a arrecadação das receitas públicas ao sistema bancário. 7. A adoção do imposto sobre movimentações financeiras não inviabiliza políticas de aproximações comerciais e de formação de blocos regionais. O novo tributo é muito semelhante aos tributos sobre faturamento, utilizados por diversos países. A harmonização (homogeneização) tributária é apenas um mito. Na prática, os sistemas tributários dos diversos países são e continuarão sendo profundamente heterogêneos, por motivos tradicionais, culturais, políticos, econômicos e geográficos. Tal fato não impede que o comércio internacional continue se expandindo. 8. Com relação à suposta regressividade do imposto sobre movimentações financeiras, simulações matemáticas comprovam que em condições reais (competição imperfeita), a regressividade do imposto único é muito menor do que a regressividade dos tributos sobre a produção e o consumo, que se pretende eliminar. De nada adianta ter imposto de renda supostamente progressivo se ele só atinge rendimentos do trabalho assalariado das classes médias assalariadas do segmento formal e não consegue alcançar outras manifestações de renda (rentistas, empresários e profissionais autônomos). O decantado efeito redistributivo do sistema tributário tem-se revelado decepcionante na maioria dos países. É muito mais sensato e transparente exercer política redistributiva por meio de alocações orçamentárias do que por meio do sistema tributário. 9. A característica de cumulatividade do imposto sobre movimentações financeiras, não provoca grandes incidências tributárias nos produtos e serviços de cadeia de produção/comercialização muito longa. Simulações matemáticas demonstram que o fator que determina a carga de impostos de um tributo cumulativo não é a extensão da cadeia produtiva, mas sim o montante de agregação de valor em cada estágio no processo produtivo. Estudos demonstram que, em termos de distorções causados nos preços relativos da economia, os impostos sobre valor agregado somente são melhores do que os impostos cumulativos caso se verifiquem os seguintes pressupostos: a) concorrência perfeita; b) ausência de sonegação; c) alíquotas uniformes do IVA para todos os produtos e serviços. Na ausência destes pressupostos, o imposto único é muito menos distorcivo do que o atual sistema tributário Não é a cumulatividade que compromete a competitividade nacional, ma sim um sistema tributário indutor da sonegação. Tal fato demonstra a grande vantagem para a economia brasileira, decorrente da instituição do imposto único sobre movimentações financeiras. 10. O sistema tributário vigente é muito mais indutor de verticalização das cadeias produtivas do que o sistema proposto pela PEC 474-A. O incentivo à verticalização num sistema de imposto único com alíquotas suaves é menor do que com a pesada carga cumulativa hoje verificada. 11. Não procede a crítica de que o imposto único federal seja fortemente indutor de importações, pelo fato de que a incidência dos impostos cumulativos onera menos os produtos importados do que os produtos nacionais. Na verdade, este fenômeno é muito mais grave segundo as regras do vigente sistema tributário nacional. Caso seja aprovada a PEC 474-A, a tendência é de redução do efeito indutor das importações, uma vez que a alíquota prevista para o imposto sobre movimentações financeiras será muito inferior à soma das alíquotas dos tributos cumulativos atualmente existentes (Pis, Cofins, CPMF e Imposto de Renda, no caso de empresas optantes pelo Simples ou pelo Lucro Presumido). Além disso, existe projeto de lei em tramitação no Congresso propondo a criação de uma CIDE (Contribuição de Equalização Tributária), com o objetivo de impor aos produtos importados tributação equivalente á produção nacional. 12. É falso afirmar que o imposto único encerre um inerente viés antiexportador. É certo que a desoneração na exportação é mais fácil no regime dos impostos sobre valor agregado, mas também é factível no regime do imposto único, embora mais trabalhoso. O montante a ser desonerado teria de ser calculado mediante acompanhamento empírico das cadeias produtivas ou com exploração de matrizes de insumo-produto e operacionalizada mediante crédito de imposto, devoluções ou subsídios equivalentes, não muito diferente do que hoje se pratica em relação ao Pis e à Cofins. O que prejudica a exportação não é a existência do imposto; é o descuido em desonerá-lo da exportação. 13. A adoção do imposto único não estimularia a monetização da economia, pois o custo de transação com moeda manual seria muito superior à economia de impostos obtida. Sempre será mais seguro, e muito mais barato, continuar a utilizar os bancos do que carregar e fazer pagamentos com papel-moeda. 14. A aprovação da PEC 474-A implicaria uma sensível redução da capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da receita pública, mas não traria qualquer repercussão sobre a autonomia dos Poderes Legislativo e Executivo na definição do montante e na distribuição setorial das despesas públicas. Na verdade, a redução da possibilidade de o Governo Federal utilizar o sistema tributário nacional para perseguir objetivos extrafiscais deve ser considerada um mérito, e não um defeito da PEC 474-A. Trata-se, na verdade, do resgate da função arrecadatória dos impostos, que vem se perdendo no Brasil, ao longo dos últimos anos. 15. Não se deve lamentar a inaptidão do imposto sobre movimentações financeiras para servir como instrumento interventivo na economia. Sob a ótica do sistema tributário proposto pela PEC 474-A, a CIDE seria o instrumento adequado para substituir, com superioridade, os atuais impostos de caráter interventivo, tais como o IPI. A principal vantagem é que a CIDE não tem vocação arrecadatória e pode modularse, com sintonia fina, para tingir finalidades interventivas bem delimitadas. 16. Não procede a crítica de que a suposta rigidez do imposto único federal poderia inviabilizar a tomada de medidas emergenciais. Segundo a PEC 474-A, continuarão existindo e permanecerão excluídos do princípio da anterioridade os impostos sobre o comércio exterior (imposto de importação e imposto de exportação) bem como os impostos extraordinários de guerra, previstos no art. 154, II da Constituição Federal. 17. Carece de fundamento a alegação de que o imposto único sobre movimentações financeiras representaria uma tributação exclusiva sobre as bases renda e consumo, deixando por completo de tributar a base propriedade. Na verdade, dentre todos os tributos que seriam substituídos pelo imposto único federal, o único incidente sobre a base-propriedade é o ITR, imposto sem a mínima vocação arrecadatória. Importante considerar, também, que a tributação da propriedade é declinante no mundo inteiro e que ela é muito menor no Brasil do que as médias internacionais, por se tratar de modalidade tributária custosa, pouco produtiva e difícil de administrar. De qualquer forma, os defensores do imposto único federal não são taxativos em relação à extinção do ITR, não obstante sua baixíssima produtividade em termos de arrecadação. Se este for o único problema constatado na PEC 474-A, uma simples emenda modificativa poderá manter a existência deste tributo. 18. O sistema tributário proposto pela PEC 474-A é inteiramente compatível com a atual era da informação, caracterizada pelos seguintes fatores convergentes: a) extraordinário desenvolvimento das tecnologias de informação e processamento de dados; b) expansão da participação dos serviços no produto nacional; c) globalização; d) enfraquecimento do poder das administrações públicas nacionais. A intensificação destas mudanças compromete seriamente o funcionamento dos sistemas tributários nacionais, ao mesmo tempo em que favorece a adoção de um sistema tributário baseado predominantemente na tributação das movimentações financeiras. 19. A questão dos custos administrativos e operacionais tributários, apesar de negligenciada em todos os países, deve ser levada em consideração na formulação de políticas tributárias, tanto quanto os conceitos de eqüidade, neutralidade e economia na administração. Na verdade, o custo total dos tributos engloba três parcelas: a) custo dos tributos propriamente ditos (carga tributária); b) custos causados pelas distorções e pela perda de eficácia alocativa e distributiva da economia, introduzidos pelos tributos; c) custos operacionais tributários dos agentes públicos e privados, em função do fenômeno tributário. Estudos demonstram que, no Brasil, o total dos custos operacionais tributários (públicos e privados) é da ordem de 7% do PIB. O imposto único federal traz consigo um inegável potencial de redução destes custos operacionais tributários, públicos e privados, sem reduzir o montante da arrecadação tributária federal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. A verdade sobre o imposto único. São Paulo: LCTE, 2003. ALBUQUERQUE, Pedro H. Os impactos econômicos da CPMF: teoria e evidência. Trabalhos para discussão n.º 23. Banco Central do Brasil, 2001. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 5. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. BERTOLUCCI, Aldo V. Uma contribuição ao estudo da incidência dos custos de conformidade às leis e disposições tributárias: um panorama mundial e pesquisa dos custos das companhias de capital aberto no Brasil. Dissertação de Mestrado, FEA/USP, 2001. BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. BRASIL. 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