CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO ECONÔMICO NEOLIBERAL CURITIBA 2008 CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO ECONÔMICO NEOLIBERAL CURITIBA 2008 LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO ECONÔMICO NEOLIBERAL Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Oliveira CURITIBA 2008 Prof. Dr. Francisco Cardozo LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO ECONÔMICO NEOLIBERAL Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores: Presidente: _____________________________________________________ Professor Doutor Francisco Cardozo Oliveira Membros: _____________________________________________________ Professora Doutora Rosalice Fidalgo Pinheiro _____________________________________________________ Professor Doutor Walter Tadahiro Shima Curitiba, de de 2008. Dedico esta dissertação às pessoas que fizeram vida em minha vida: Luis Carlo B Loyola, Jocely M. Thomazoni Loyola e Rafael Luis Giacomin; aos professores do mestrado em especial ao Professor Dr. Francisco Cardozo Oliveira. AGRADECIMENTOS Agradeço a meus pais por terem me apoiado em todos os momentos difíceis em minha vida. Agradeço-os ainda por todo apoio e suporte que me deram para tornar quem sou. Agradeço a Rafael Luis Giacomin pelo amor e apoio que esteve me proporcionando durante a elaboração deste trabalho. Agradeço ao professor, orientador e amigo, Francisco Cardozo Oliveira, pela constante disponibilidade e pelas preciosas palavras na elaboração desta dissertação. Aos membros da banca, Professora Dra. Rosalice Fidalgo e Professor Dr. Walter Tadahiro Shima, por terem aceitado o convite, proporcionando discussões e sugestões que servirão para crescimento, aprendizado e incentivo à pesquisa. Aos professores do Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, pela oportunidade de crescimento, aprendizado, realização profissional e pessoal. A meu irmão, e todos os meus amigos que sempre estiveram presentes me aconselhando e incentivando com carinho e dedicação. “Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende." (Leonardo da Vinci) SUMÁRIO RESUMO........................................................................................................................ 9 ABSTRACT........................................................................................................... 10 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11 13 1 O NEOLIBERALISMO: Visão Geral ............................................................. 1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO NEOLIBERALISMO: DO LIBERALISMO AO ESTADO SOCIAL ..................................................... 13 1.1.1 O Caso do Feudalismo e Estado Absolutista ........................................... 13 1.1.2 Estado Absolutista e Liberalismo ............................................................. 15 1.1.3 A Crítica ao Modelo Liberal Clássico ....................................................... 22 1.1.4 A Intervenção do Estado na Economia e os Reflexos na regulação do Contrato e do Direito de Propriedade ....................................................... 27 1.2 O MODELO NEOLIBERAL: fundamentos e difusão ................................... 34 1.2.1Os Fundamentos do Modelo Econômico Neoliberal ................................. 34 1.2.2 A Ascensão do Neoliberalismo no Mundo ............................................... 45 1.2.3 A Ascensão do Neoliberalismo no Brasil ................................................. 60 2 PARADIGMAS DA GESTÃO EMPRESARIAL ............................................ 71 2.1 UM PANORÂMA GERAL DAS ONDAS E ERAS DA GESTÃO EMRPESARIAL......................................................................................... 71 2.2 A SEGUNDA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL .................................. 79 2.2.1 Era da Produção em Massa ..................................................................... 79 2.2.2 Era da Eficiência ...................................................................................... 85 2.3 A TERCEIRA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL .................................. 88 2.3.1 Era da Qualidade ..................................................................................... 89 2.3.2 Era da Competitividade ............................................................................ 95 2.3.3 Era do Capital Humano ............................................................................ 99 3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ............................................................. 111 3.1 HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ........................... 111 3.2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE EMPRESARIAL NO DIREITO BRASILEIRO 114 ................... 3.2.1 A Funcionalização dos Institutos Jurídicos no Direito Privado ................. 114 3.2.2 A Função Social da Propriedade ............................................................. 119 3.2.2.1 Fundamentos teóricos da função social da propriedade ...................... 119 3.2.2.2 A mutação no conceito de propriedade ................................................ 131 3.2.2.3 A função social da propriedade na Constituição Brasileira .................. 138 3.2.3 Função Social do Contrato ....................................................................... 143 3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL ............................. 154 3.4.1 O Conceito de Empresa .......................................................................... 154 3.4.2 A Função Social da Empresa ................................................................... 162 4 A FUNCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO EMPRESARIAL NA ECONOMIA NEOLIBERAL ............................................................................................... 175 4.1 A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO EMPRESARIAL E A ADMINISTRAÇÃO ............................................................................................................................. 4.1.1 O Administrador ou Órgão Administração ............................................... 175 175 4.1.2 A Administração e a Função Social ......................................................... 181 4.1.3 A Atuação dos Stakeholders .................................................................... 185 4.2 A SUSTENTABILIDADE DA EMPRESA: a efetividade da função social.... 191 4.2.1 A Função Social da Empresa e o Conceito de Sustentabilidade.............. 191 4.2.2 Responsabilidade Social: uma fuga da função social .............................. 199 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 214 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 219 RESUMO A função social da empresa é um tema relevante não só no meio jurídico, mas também no meio político e no econômico. Analisar a função social na gestão empresarial em um modelo de mercado neoliberal é de extrema importância. O Estado social destacou doutrinariamente a função social, porém é no neoliberalismo que ela tem maior efetividade. O neoliberalismo surge mundialmente no pós-guerra; no Brasil aparece nos anos 90. O neoliberalismo, juntamente com a globalização, impôs uma maior concorrência às empresas. Houve um acirramento da competi;\ao empresarial. Esta modificação no ambiente externo fez com que as empresas se adaptassem sua gestão. Levando tais constatações em conta, o presente trabalho analisa as tendências atuais dos modelos de gestão empresarial. Percebe-se que de uma gestão voltada à produtividade interna do trabalhador modificou-se para uma gestão focada tanto nos fatores internos quanto nos fatores externos à empresa. A forma de gestão que confere maior importância aos fatores externos à empresa é a teoria dos stakeholders. Estes são considerados os agentes que influenciam e são influenciados pelas decisões da empresa. Sustenta que na tomada de decisão a empresa deve então tomar cuidado com o impacto da atividade econômica por ele exercida nos mais diversos aspectos. No campo jurídico analisa-se se este modelo atende a função social da empresa. A função social da empresa consiste no dever – poder de a sociedade empresária ao explorar a atividade econômica, fazê-la de um modo que a sociedade aceite. Assim, explorar uma atividade que não atenda a alguma necessidade social, ou seja, contra o interesse social estaria a empresa descumprindo a função social. A ordem econômica constitucional impõe a sustentabilidade da atividade empresarial. Se no exercício dessa atividade seja desatendida a sustentabilidade, pelo uso excessivo de recursos, estará certamente a empresa descumprindo a função social. Deste modo, o administrador, como órgão social que executa as decisões da assembléia, bem como os sócios, ao tomarem suas decisões deve levar em consideração a função da empresa, sob pena de descumprir um princípio constitucional. Assim, o administrador deve observar a opinião dos stakeholders para que a empresa exerça a sua atividade do modo que a sociedade espera. O principal meio que a administração encontrou para esclarecer à sociedade que está cumprindo a função social foi a responsabilidade social. No entanto, a responsabilidade social difere da função social, esta consiste no dever de exercer a atividade de acordo com o ordenamento jurídico e valores sociais, aquela impõe um novo dever a empresa propor um projeto perante a sociedade, ou seja, devolver algo a mais à sociedade. Palavras- chave: função social; neoliberalismo; gestão empresarial; responsabilidade social. ABSTRACT The social function of the company is an excellent subject not only in the legal way, but also in the politician and the economics. To analyze the social function in the enterprise management in a model of neoliberal market has an extreme importance. The Social State emphasized the social function doctrinal; however it is in the neoliberalism that it has greater effectiveness. The neoliberalism appears world-wide in the postwar period; in Brazil it is come into view in 90 years. The neoliberalism, together with the globalization, imposed a bigger competition to the companies. With the modification in the external environment, the companies had been forced to adapt the management to this new market. In the present work analyzes the current trends of the models of enterprise management. The management in the beginning was focus to the internal productivity of the worker, but modified in such a way for a examine not only the internal factors but also the external factors to the company. The management that confers greater importance to the external factors to the company is the theory of stakeholders. These are considered the agents who influence and are influenced by the decisions of the company. The management must supports that the decision of the company has to consider the impact of the economic activity for exerted it in the most diverse aspects. In the legal field it is analyzed if this model takes care of the social function of the company. The social function of the company consists of the duty of the enterprise, when exploring the economic activity, to make it in settlement with the law. Thus, to explore an activity that does not take care of some social necessity that is against the social interest would be the company disregarding the social function. The constitutional economic order imposes the support of the enterprise activity. If the activity to be inattentive the support, as the extreme use of resources, the enterprise will be certainly disrespecting the social function. In this way, the administrator, while social agency that executes the decisions of the assembly, as well as the partners, when taking its decisions must lead in consideration the function of the company, duly warned to disregard a constitutional principle. Thus, the administrator must observe the opinion of stakeholders so that the company exerts its activity in the way that the society waits. The main one half that the administration found to clarify to the society that is fulfilling the function social was the social responsibility. However, the social responsibility differs from the social function, this consists of the duty to exert the activity in accordance with the legal system and social values, the first one imposes a new duty to the company to consider a project to make a superior society. Keywords: social function; neoliberalism; management; social responsability. 13 INTRODUÇÃO A empresa tem sido assinalada como o núcleo da sociedade pós-moderna. O aumento da importância da empresa para a sociedade tem incentivado maior apreciação sobre as condições em que pode exercer a atividade econômica. O fundamento do sistema capitalista neoliberal consiste na regulação do mercado e, concomitantemente, propiciar distribuição de riqueza e justiça social. A Constituição, ao mesmo tempo em que garante a livre iniciativa, a liberdade de concorrência e a propriedade privada, assegura o direito à vida digna, a propriedade funcionalizada e a proteção do consumidor. Haveria, portanto, um aparente antagonismo entre esses princípios constitucionais. A dicotomia entre valores neoliberais e sociais também está latente nas empresas, seja na busca da lucratividade, seja no auxílio da promoção da justiça social e distribuição equitativa de riqueza. A sociedade pós-industrial vive uma crise geral nos níveis sociais, econômico, político-ideológico e, acima de tudo, ecológico. A denominada sociedade de mercado, mantida pelo modelo de desenvolvimento neoliberal, concretizou avanços tecnológicos e produtivos sob um alto custo social. Diante dos problemas sociais, a sociedade começou a questionar a legitimidade da apropriação dos lucros. Um dos fundamentos da legitimação da apropriação dos bens de produção do sistema capitalista tem sido a função social. Por isso, passa a ser importante o estudo da efetividade da função social no momento atual. O Direito tem procurado absorver as transformações sociais, seja mediante modificações no ordenamento jurídico, seja por meio de cláusulas abertas. O Direito e a Economia também vêm interagindo cada dia mais. A empresa, assim como a propriedade e o contrato, se apresenta tanto como fato econômico, político e jurídico. Assim, as modificações no campo econômico vêm afetando a forma de gerenciamento empresarial que, por sua vez, afeta a distribuição de renda e o comportamento dos indivíduos perante a sociedade. O Direito também influencia o desenvolvimento empresarial, seja limitando, seja incentivando a atividade empresarial. Assim, inseridas em um mercado de competição mais acirrada, fruto do neoliberalismo e da globalização, as empresas têm buscado se destacar pelo cumprimento ou não da função social. No entanto, como slogan, a empresa tem se utilizado da expressão “socialmente responsável”, o que é bem diferente da função social. A responsabilidade social é um modelo de gestão empresarial que tem procurado estabelecer um programa social para desenvolver a sociedade. Já a função social é poder-dever de a empresa exercer a atividade em consonância com o ordenamento jurídico. O Direito, como captador das realidades e das transformações sociais, deverá acompanhar tais mudanças ocorridas nas relações empresariais contemporâneas, tendo em vista permitir que as empresas reflitam sobre a atuação no meio social. Desta forma, analisar se a questão da função social das empresas está sendo levada em consideração na gestão empresarial neoliberal torna-se imprescindível. Para dar conta da análise da efetividade da função social na gestão empresarial estruturou-se o trabalho em quatro capítulos. O primeiro capítulo aborda o modelo econômico neoliberal. Primeiramente foi realizado um apanhado dos momentos históricos antecessores, o liberalismo e o Estado social. Na seqüência, analisaram-se os fundamentos econômicos do neoliberalismo, em Friedman e Hayek, bem como a sua adoção mundial, com enfoque na América Latina e no Brasil. No segundo capítulo foram analisados os principais paradigmas da gestão empresarial e em especial os modelos pós-modernos da gestão empresarial. Para essa análise foi dividida em cinco eras da gestão empresarial: era da produção em massa, era da eficiência, era da qualidade, era da competitividade e era do conhecimento humano. No terceiro capítulo passou-se ao estudo da legitimação da empresa jurídica, a função social. Neste capítulo iniciou-se com o estudo do histórico da concepção da função social, desde a Igreja Católica até o momento atual. Posteriormente, analisaram-se os fundamentos infraconstitucionais e constitucionais da função social da empresa; para, posteriormente, ser analisada a concepção de empresa e sua função social. Por fim, o último capítulo aborda a função dos administradores, suas responsabilidades e a relação com a função social. Para então analisar os fundamentos da tomada de decisão das empresas e a teoria que tem predominado a teoria dos stakeholders. Para então analisar um dos principais fins e modos de exteriorização da função social, a sustentabilidade da atividade econômica. Encerrase o capítulo no estudo da responsabilidade social, com o intuito de diferenciá-la da função social. 1 O MODELO ECONÔMICO DO NEOLIBERALISMO 1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO NEOLIBERALISMO 1.1.1 O Caso do Feudalismo e o Estado Absolutista A sociedade medieval era composta por quatro grupos sociais com diferentes papeis econômicos: os artesãos organizados em corporações, os senhores feudais e a nobreza proprietários de terras e os servos da gleba. Como não havia um Estado unificado e forte, as responsabilidades sociais ficavam a cargo da Igreja e da Nobreza. O desenvolvimento da atividade comercial dentro das cidades, no século XIII, possibilitou a ascensão burguesa, que resultou na decadência política e econômica do sistema feudal. Os servos foram libertados do regime feudal, o que lhes permitiu oferecer a força de trabalho nas cidades ou adquirir terras1. O Estado absolutista surge da crise do feudalismo, tendo forte apoio dos burgueses e do clero. A classe de comerciante cada vez mais forte requeria uma proteção estatal, uma vez que não estavam protegidos por nenhum senhor feudal, pois os mercados extrapolavam os limites dos feudos. Dessa forma, para proteger os cidadãos, a classe de artesãos e os comerciantes surgem os Estados absolutistas, que predominaram do século XIV até o início do século XVIII. O Estado absolutista apoiou fortemente a exploração comercial e a indústria nascente. Com o Estado absolutista substituí-se o modelo de produção feudal por uma produção manufatureira, voltada essencialmente ao mercado. A demarcação dos campos e a posse das terras pelos nobres fizeram inúmeros camponeses migrarem para as cidades, formando o chamado exército de reserva. O abrandamento das políticas absolutistas e das restrições impostas pelo 1 “A propriedade medieval caracteriza-se pela quebra do processo unitário. Sobre o mesmo bem, há a concorrência de proprietários. A dissociação revela-se através do domínio eminente + domínio útil. O primeiro concede o direito de utilização econômica do bem e recebe, em troca, serviços ou rendas”. GOMES, Orlando. Direitos Reais. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 101-102. mercantilismo possibilitou a expansão comercial e acumulação de riqueza nas mãos da burguesia2. O Estado absolutista também se caracterizou pela criação de impostos, armamento e criação dos exércitos nacionais, os quais propiciaram as conquistas ultramarinas (colonialismo), e se fundou no protecionismo econômico. O absolutismo, portanto, significou adaptação às transformações econômicas e sociais que vinham se desenvolvendo com o fim do feudalismo e o nascimento do capitalismo. O Estado absolutista adotou como política econômica o mercantilismo, o qual consistiu no acúmulo de metais preciosos por parte dos Estados por meio de um comércio internacional protecionista. Deste modo, o Estado deveria intervir na economia para garantir o bem-estar dos cidadãos, o desenvolvimento da economia nacional e o estímulo às exportações. A política econômica mercantilista se mostrou importante para a consecução da Revolução Industrial, pois contribuiu com os recursos necessários para o desenvolvimento das atividades industriais e a consolidação do capitalismo. Nesse período iniciou a acumulação primitiva do capital exposta por Marx. No entanto, a alta carga tributária e alto privilégio da nobreza fizeram com que a sociedade começasse a reagir. Constata-se que a partir do século XV, o absolutismo e o mercantilismo não mais atendiam às necessidades das novas forças produtivas. O Iluminismo foi o primeiro movimento a combater o absolutismo e o mercantilismo, no sentido de que ambos atrasavam o progresso social. Os limites do poder político estatal estariam, segundo Montesquieu e Locke, nos direitos naturais e nas leis fundamentais de governo, que nem mesmo os reis poderiam extrapolar “sob o risco de se transformarem em tiranos”3. O Iluminismo, a reforma religiosa, o humanismo e o renascimento consagraram os valores desejados pela burguesia, tendo papel fundamental para a 2 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A constitucionalização do direito de propriedade privada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 29. 3 LAGE, Ana Cristina P. Liberalismo. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_liberalismo.html>. Acesso em: 15 jul. 2007. ascensão desta classe social ao poder. Tais movimentos influenciaram na conformação do liberalismo, pois possibilitaram o rompimento com a visão da providência divina, que retirava a liberdade e a visão do homem como sujeito de desenvolvimento. Em 1789, tais ideais, culminaram na Revolução Francesa, a qual buscou diminuir o poder do rei, eliminar os resquícios do sistema feudal e, principalmente, fortalecer o poder da burguesia. A monarquia e os privilégios hereditários dos nobres senhores de terra foram abolidos. Os negócios do Estado passaram a ser geridos pelos burgueses, consagrando as condições necessárias ao desenvolvimento do capitalismo. 1.1.2 Liberalismo A Revolução Francesa, em 1789, representou a primeira grande vitória da burguesia no sentido de ocupar o poder político e assim organizar o Estado de modo a favorecer os seus interesses. A burguesia francesa conseguiu canalizar a insatisfação das camadas populares, utilizando-a em proveito próprio para concretizar as propostas liberais, tanto que foi na França que se estabeleceu a base do pensamento liberal, por intermédio dos fisiocratas4. Assim, consagrando os ideais da Revolução Francesa, o liberalismo surge ao longo século XVIII como doutrina econômica e política que se opõe ao Estado absolutista e ao mercantilismo. Para os postulantes da escola fisiocrata, a única fonte geradora de riqueza era a terra. Sendo assim, o direito de propriedade passa a assumir estrema relevância teórica, por constituir a base da geração de riqueza de toda a sociedade. O liberalismo se coloca contra o Estado absolutista. Para os liberais, o melhor modelo estatal seria aquele que menos governasse5. O modelo liberal sustentava 4 Somente no final do século XVII e início do século XVIII surge o liberalismo econômico como doutrina orgânica composta de princípios e leis fundamentais. Ele parte do pressuposto de que a liberdade econômica é o motor da prosperidade, que a propriedade privada tem existência por lei natural, que o papel do Estado é intitular a posse dos homens, as regulamentações são insensatas porque impedem o proprietário de determinar o destino de suas posses. In: HOLANDA, Francisco Uribam Xavier de. Do Liberalismo ao neoliberalismo. Porto Alegre: Epicurus, 1998. p. 18. 5 HOLANDA, op. cit., p. 15. que o Estado deveria intervir o mínimo na economia, ou seja, apenas o suficiente para garantir o livre mercado e o direito à propriedade. Como características do Estado liberal, Eliseu FIGUEIRA aponta: separação de poderes, princípio da legalidade, separação entre Estado e economia, personalidade jurídica, capacidade de agir, direito subjetivo, negócio jurídico, ordenamento normativo completo e fechado6. O Estado liberal também se fundou no Estado de Direito. Este se caracterizava, segundo Pietro BARCELLONA, por se fundar em leis abstratas e genéricas e na tripartição de poderes7. O principal fundamento do liberalismo é a liberdade, que, segundo Francisco Uriban de HOLANDA, pode ser concebida como “ausência de coerção sobre os indivíduos, ausência de oposição às satisfações pessoais, ao gosto e à procura individuais”8. Os liberais defendiam que a economia, assim como qualquer outra ciência, é regida por leis naturais e imutáveis, cabendo ao indivíduo descobri-las para melhor atuar segundo os mecanismos da ordem natural. A liberdade deve imperar sob pena de qualquer intervenção causar uma disfunção no sistema econômico, por interferir nas leis naturais, diminuindo a prosperidade da nação. Dessa afirmação, pode-se retirar que qualquer intervenção estatal que não obedecesse às leis naturais ocasionaria problemas econômicos e sociais. Por isso, o Estado como titular do poder de coerção é o encarregado de manter a paz interna e externa. Portanto, a atuação estatal é extremamente restrita. O liberalismo sustenta que cabe à iniciativa privada prover, com exclusividade, serviços e eventualmente bens na área da educação, da saúde, do trabalho, da seguridade social, de infra-estrutura, do meio ambiente etc. À iniciativa privada é assegurada o direito de atuar em todos os setores da economia. O Estado deve abster-se, não só de prover serviços e bens nessas áreas, como até mesmo de regulamentar (legislar, normatizar) tais áreas9. O indivíduo é livre para tomar as suas decisões. A liberdade de escolha fundamenta a harmonia do mercado. Nesse entendimento, também vai advogar 6 FIGUEIRA, Eliseu. Renovação do sistema de direito privado. Lisboa: Caminho, 1989. p. 20. BARCELLONA, Pietro. Diritto Privato e societá moderna. Napoli: Jovene, 1996. p. 83. 8 HOLANDA, op.cit., p. 30. 9 CHAVES, Eduardo O C. Em defesa do Liberalismo. Publicado em: 2/05/2004. Disponível em: <http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm>. Acesso em: 10 fev. 2008. 7 Adam Smith “na idéia que as ações individuais movidas exclusivamente pelo interesse próprio seriam guiadas infalívelmente por uma 'mão invisível' no sentido da realização do bem comum”10. Por isso, qualquer intervenção no mercado retiraria a capacidade de auto-regulação da economia. O mercado para os liberais significa “o conjunto de relações sociais onde se efetuam as trocas de mercadorias. É um sistema econômico onde as quantidades produzidas e preços praticados dependem da confrontação da oferta com a procura”.11 O mercado é o melhor regulador da atividade econômica, devendo o Estado abster-se de intervir na economia, tanto na produção de produtos quanto na distribuição de riquezas. No campo político, o liberalismo aceita a pluralidade de pensamento, tendo que estabelecer as regras para a ascensão pacífica ao poder, cujo mecanismo escolhido foi o sufrágio universal12, uma vez abolida a monarquia. A Revolução Francesa consagrou os ideais liberais nas codificações. Estas materializaram a máxima da racionalidade no campo jurídico, que passa a se configurar como um campo fechado e completo. A influência dos códigos logo se espalhou por toda Europa. Na França, muito mais do que uma lei, tornou-se algo próximo da própria Constituição, visto como estatuto fundamental para toda a sociedade13. O liberalismo impôs aos Estados os direitos de primeira geração, que se referem à não-intervenção do Estado na esfera privada, também conhecido como “direitos negativos”. Eduardo CHAVES traz a idéia de que “o indivíduo é tão mais livre quanto menos ele é impedido de realizar seus desejos e objetivos por fatores externos a ele”14. O direito à liberdade só é limitado pelo velho provérbio “a liberdade de um termina onde começa a do outro”. No liberalismo há uma nítida divisão da esfera pública e da esfera privada de direitos. 10 Liberalismo. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/ liberal/index.html>. Acesso em: 04 jul. 2007. 11 HOLANDA, op.cit., p. 35. 12 Liberalismo. ENCICLOPÉDIA BRITÂNNICA DO BRASIL LTDA. Sitio Leituras Cotidianas. Disponível em: <http://br.geocities.com/mcrost00/20040710a_liberalismo.htm>. Acesso em: 30 mar. 2008. 13 PERLINGIERI, Pietro. La Personalitá Umana nell´ordenamento Giuridico. Camerino: Jovene, 1972. p. 38-39. 14 CHAVES, Eduardo O C. Em defesa do Liberalismo. Publicado em: 2/05/2004. Disponível em: <http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm>. Acesso em: 10 fev. 2008. A segurança jurídica e a completude do sistema trouxeram o enclausuramento do direito. O direito tornou-se petrificado, isto é, indiferente às modificações nas relações sociais. Há uma forte valorização do direito subjetivo, sendo este definido por ROUBIER, como “um querer individual soberano e independente, segundo a Escola Histórica”15. Aos cidadãos era garantido o direito de exercício absoluto de tais direitos. O direito de propriedade sofreu grandes modificações. Na Idade Média , a propriedade pertencia ao senhor feudal, contudo o domínio estava reservado ao camponês. Já quanto à propriedade liberal, todos os direitos subjetivos eram do proprietário e poderiam ser exercidos de forma absoluta e perpétua. Essa nova concepção atendia a todos os anseios capitalistas para o crescimento da produção de bens. Assim, a propriedade sofre profundas modificações, de um direito intransferível, rural e nobre, passa a possibilitar a transferência de direitos mediante contrato, como qualquer outra mercadoria. O direito de propriedade, na Idade Moderna, não está somente voltado à produção agrícola, pois dele nascem as indústrias, as quais consistem na produção de bens materiais mediante o emprego de máquinas e de mão-de-obra em um local determinado. Assim, os bens imóveis passam a ser mais importantes do que os bens móveis em nível econômico para a sociedade16. A propriedade privada liberal foi positivada no Código Civil Francês e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que consagrou o direito à propriedade como inviolável e sagrado. Ou seja, conferiu-se à propriedade o mesmo status do direito à vida e à liberdade. Por isso, Pietro BARCELLONA afirma que o centro da sociedade moderna era a propriedade privada absoluta e passível de escambo, isto é, de ser trocada independente da classe social do proprietário17. O período liberal colocou em destaque os contratos, pois consiste na principal forma de transferência da propriedade18. Os contratos, no direito liberal, se fundavam no dogma da vontade, isto é, uma vez manifestadas as vontades livres, 15 ROUBIER, Paul. Droits subjectifs et Situations Juridiques. Paris: Dallos, 1963. p. 70 apud LOPES, op. cit., p. 55. 16 Ibidem, p. 29. 17 BARCELLONA, Diritto..., p. 251. 18 ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução: Ana Coimbra e M. Juário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p. 41. conclui-se o contrato. O dogma da autonomia da vontade envolve a liberdade de contratar com quem quiser, da forma que quiser e com o conteúdo consentido pelas partes formando lei19, conhecido como princípio da pacta sunt servanda. O homem é livre por sua própria natureza, assim não pode se obrigar se não for por sua própria vontade20. Com isso, não havia muitos limites ao contrato no liberalismo, pois era vedada qualquer ingerência estatal. Como bem assevera Rosalice F. PINHEIRO: “a vontade não seria soberana se sua eficácia estivesse subordinada a qualquer formalismo”21. A vontade livre de vícios gerava obrigações com força de lei entre as partes e não poderia mais ser modificada (princípio da pacta sunt servanda). O segundo elemento seria a igualdade formal, garantida pelas codificações. Os homens, para os liberais, eram naturalmente iguais, por isso qualquer tratamento diferenciado quebraria esta presunção. A igualdade seria assegura pela lei. Os diplomas legais liberais seriam completos, coerentes e trariam unidade ao ordenamento jurídico. O contrato liberal era impessoal, pois não levava em consideração a qualidade das partes, era imodificável, regido pela pacta sunt servanda, não previa eventuais modificações futuras e era consensual, pois para ser fechado necessitava da manifestação da livre vontade de ambas as partes22. Esse modelo de contrato foi positivado no Código Civil Francês de 1804, que dispunha sobre a autonomia da vontade, trazia a igualdade, a liberdade contratual e pacta sunt servanda. Os únicos limites à formação dos contratos estariam na ordem pública e nos bons costumes23. Esta teoria contratual conseguiu atender à avidez da classe burguesa em adquirir bens das velhas classes detentoras da propriedade24. No Código Civil Alemão, em 1886, o contrato passou a ser analisado como espécie do gênero negócio jurídico, e esta estrutura inspirou o Código Civil brasileiro de 1916 e 2002. 19 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo Regime das Relações Contratuais. São Paulo: RT, 2003. p. 48. 20 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso de direito nas relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.144. 21 Ibidem, p. 145. 22 KUHN, Adriana Menezes Simão. O tempo e a catividade nos contratos: elementos para uma abordagem sistêmica dos contratos. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Crise nos Contratos e a Nova Teoria Contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 455 - 482, p. 464-465. 23 Ibidem, p.29. 24 Ibidem, p. 46. A Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, constituiu outra grande vitória da ascensão burguesa e se consolidou pela política e doutrina econômica liberal. Teve por principal característica as constantes modificações tecnológicas, num primeiro momento marcado pela máquina a vapor, num segundo momento pela fundição do ferro e energia elétrica e hoje pela informática e pela nanotecnologia. As primeiras estruturas empresariais começaram a surgir no final da Idade Média, de trabalhos artesanais. Posteriormente, no Estado absolutista, as empresas passam a se desenvolver em manufaturas; e com a Primeira Revolução Industrial começam a ser introduzidas as primeiras máquinas no processo de produção. Por isso, a empresa, no início da Primeira Revolução Industrial, ainda era incipiente. Isso se deve ao fato de que, na época, a empresa era criada e desenvolvida entre familiares e, no processo produtivo, se utilizava de pequenas máquinas. Ressalta-se que no direito liberal não havia nenhum conceito de empresa. Waldírio BULGARELLI sustenta que o Código Comercial Francês de 1807, apesar de adotar a teoria dos atos de comércio, definia, no artigo 632, a empresa por meio de um contrato de empresa, ou seja, fornecedora de serviços. Ressalta o doutrinador que permaneceu grande “indiferença da doutrina comercialista em relação ao conceito de empresa, prolongou-se além do século XIX, somente sendo igualada pela ignorância da jurisprudência”25. Um conceito mais expressivo de empresa só veio a surgir com a doutrina alemã que comentava o Código Comercial Alemão de 1897, o qual trouxe a figura do empresário como objeto do Direito Empresarial. A doutrina comercial alemã, com principal expoente GIESEKE, trouxe um conceito de empresa sob os vieses do empresário e do estabelecimento: um conjunto de bens organizados que se qualifica juridicamente de patrimônio separado; se afirma que a empresa se manifesta ora como empresário (empresa em sentido subjetivo), ora como conjunto de bens de diversa natureza (empresa no sentido objetivo) ou como comunidade de trabalho (empresa, no sentido trabalhista), afirmando que os dois primeiros aspectos se condicionam mutuamente26. 25 26 BULGARELLI, Waldírio. Tratado de Direito Empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 63. GIESEK apud BULGARELLI, Tratado…, p. 67. Há na doutrina alemã tantos conceitos jurídicos de empresa quanto a disciplina legal possa regulamentar. “A empresa é comunidade de trabalho, para o Direito Trabalhista; é organização de elementos pessoais e reais de diversa natureza para o Direito Civil e Mercantil, e inclusive para este se chega a afirmar que a empresa é a atividade econômica de produção e distribuição de bens ou de serviços (identificando, pois, instrumento, com a atividade ou finalidade econômica) [...]”27. Mundialmente adota-se o conceito de empresa como organização dos fatores de produção, se conhece a adoção diferenciada de acordo com o ramo de direito a ser disciplinada e se adota a percepção de que a empresa é constituída por perfis28. Observa Waldírio BULGARELLI que o conceito de empresa apenas se tornou relevante após 1944, pela tomada de consciência da importância deste ente na sociedade, decorrente, principalmente, da modificação trazida pelo Código Civil Italiano, que apresentou como objeto do direito empresarial a empresa29. A economia, no entanto, permaneceu muito mais preocupada com a realidade social do que o Direito, tanto que acabou por definir a empresa antecipadamente30. Para os economistas liberais, a empresa consiste na organização dos fatores de produção com finalidade de lucro. Com a forte dicotomia entre público e privado, no direito liberal, a empresa era vista como um instituto meramente privado. Tanto que para suprir a necessidade de regrar as atividades das indústrias nascentes, não previstas no Código Civil Francês, foi aprovado o Código Comercial Francês, para preencher o vazio do ordenamento jurídico sobre o assunto. A economia liberal precisava do Direito para assegurar condições para prosperar. Segundo Ana Frazão de Azevedo LOPES, o Estado Liberal não se restringiu a garantir condições de proteção ao mercado, mas também o estimulou31. Ressalta a autora que “o projeto revolucionário consubstanciado no Estado liberal de direito, acabou sendo reduzido à mera supressão das desigualdades 27 BULGARELLI, Tratado…, p. 67. Ibidem, p. 68. 29 Ibidem, p. 63. 30 LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e Propriedade: Função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 72. 31 Ibidem, p. 75. 28 estamentais do regime feudal, mas não à consagração das liberdades individuais para todos”32. Constata-se assim que todas as pretensões sociais e econômicas da classe burguesa foram inseridas nos códigos modernos. Este sistema jurídico legitimou a estruturação da sociedade liberal e, principalmente, a consolidação do capitalismo. No entanto, como resultado tem-se o aumento das desigualdades sociais e econômicas, ao invés da igualdade proposta pela legislação33. 1.1.3 A Crítica ao Modelo Liberal Clássico A apropriação dos bens de produção desde o inicio dos século XVIII já vinha sendo criticada, antes com o socialistas utópicos alemães e russos. Mas, foi com Marx que a discussão ganhou mais destaque social. Max Weber foi o primeiro autor a tornar evidentes as contradições da sociedade liberal34. O modelo liberal apenas conseguiu assegurar uma sociedade igual e livre no plano jurídico-formal sem garantir a igualdade material; assim como tornou evidente que a liberdade e a igualdade eram muitas vezes valores conflitantes. As críticas tornaram-se mais severas com os socialistas. Segundo Marx, a partir da concepção de propriedade liberal que nasce a contradição capitalista: A nova organização social baseava-se nesse duplo conceito de liberdade: liberdade do trabalho –assalariamento– e livre uso da propriedade dos meios de produção – capital35. Observando as contradições sociais surgidas Pós-Revolução Francesa, Karl Marx viu o papel determinante do trabalho e seu valor econômico para a acumulação da riqueza. Karl Marx analisava as relações de produção como se fosse a estrutura da sociedade. Confere às demais instituições sociais a qualidade de superestrutura, 32 Ibidem, p. 42. FILGUEIRA, op. cit., p. 20. 34 LOPES, op. cit., p. 74. 35 Liberalismo. Disponível em: < http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/ 4verb/liberal/index.html>. Acesso em: 04 jul. 2007. 33 entendidas como um produto secundário da estrutura econômica que se modificará sempre que aquela se modifique36. A idéia principal das obras de Marx se fundamenta no fato de a história humana ser caracterizada pela luta de classes. “A história de toda a sociedade é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de ofício e companheiro, numa palavra opressores e oprimidos se encontram sempre em constante oposição, travaram uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que acabava sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela ruína das diversas classes em luta”37. O motor de desenvolvimento da sociedade está na luta de classes. Por isso, para Marx, ao efetuar uma análise da sociedade, dever-se-ia analisar as relações sociais e de produção, e não o modo de pensar dos homens. O sistema capitalista, para Marx, é o que melhor demonstra a realidade dialética da sociedade. Os proprietários dos bens de produção teriam adquirido o capital necessário para ter a propriedade por meio da exploração da mão-de-obra assalariada. O enriquecimento e aumento de poder da classe burguesa se deram pela mais-valia, isto é, da apropriação de parcela da mão-de-obra, O trabalhador transfere ao capitalista parte dos frutos do seu labor, que foi empregado na forma e no ritmo exigido dentro do chão de fábrica. Assim, o capital provém de uma força coletiva, por isso, deveria ser coletivo. O trabalho alheio, portanto, contribuiu grandemente para a origem da propriedade dos meios de produção, na acumulação primitiva do capital. Com a apropriação da produtividade dos trabalhadores houve o desenvolvimento da propriedade privada, que não era só a de bens de consumo, mas também a de produção, e o aumento das desigualdades sociais.38 A propriedade liberal era um direito natural, uno, indivisível e individual, sagrado perpétuo e indisponível, sendo um fim em si mesma39. Por isso, os frutos apropriados no processo de produção só poderiam pertencer ao capitalista. Os socialistas criticaram fortemente a propriedade liberal, principalmente pela concepção materialista de Friedrich Engels e Karl Marx. Para Engels, a origem da 36 LOPES, op. cit., p. 90. MARX, Karl. Manifesto..., p. 161. 38 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In: ____. Manuscritos econômicos filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 50 e ss. 39 MARX, Karl. O Capital. v.1 e 2. 37 propriedade estaria no desenvolvimento da sociedade e do trabalho. “A produtividade aumenta sem cessar, proporcionando o desenvolvimento da propriedade privada, das trocas, das diferenças e das riquezas, do emprego da força de trabalho alheio gerado com base no antagonismo de classe”40. Marx percebeu que o capitalismo transformava o trabalhador em uma mercadoria qualquer, cujas necessidades se limitariam às de subsistência. O salário recebido pelo trabalhador não era equivalente ao que ele havia produzido; haveria um excedente que seria apropriado pelo dono do capital. O enriquecimento e aumento de poder da classe burguesa se deram pela mais-valia, isto é, da apropriação de parcela da mão-de-obra. O trabalhador transfere ao capitalista parte dos frutos do seu labor, que foi empregado na forma e no ritmo exigido dentro do chão de fábrica. Assim, o capital provém de uma força coletiva, por isso, deveria ser coletivo41. Segundo Karl MARX, para subir ao poder, a classe burguesa precisava negar a exploração dos trabalhadores, a qual seria realizada pelo discurso político e pela igualdade formal. A exploração é mostrada como natural pelo discurso formulado pela nova classe dominante42. Com o advento da Revolução Industrial consolidou-se a força econômica da burguesia e também se iniciou uma nova classe social, a dos trabalhadores, desprovida dos meios de produção e dona apenas da própria força de trabalho. Essa diferenciação de classes entre capitalistas e proletários é que constitui uma das principais conseqüências do capitalismo, segundo Eric HOBSBAWN: As transformações levadas a efeito pela Revolução Industrial inglesa foram muito mais sociais do que técnicas, tendo em vista que é nessa fase que se consubstancia a diferença crescente entre ricos e pobres43. Para Karl MARX, o modo de produção capitalista visa ao aumento da maisvalia relativa, ou seja, diminuir o valor da força de trabalho mediante a redução do 40 ENGELS; Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Tradução Leandro Konders. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização, 1980. p. 179. 41 MARX, Karl. O Capital. v. I. São Paulo: Civilização Brasileira, 1980. p. 94. 42 LATOUCHE, Serge. Análise Econômica e Materialismo Histórico. Tradução Ana Maria Kirschner Montenegro. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 43-44. 43 HOBSBAWN, Eric J. As origens da Revolução Industrial. São Paulo: Global, 1979, p. 31. tempo necessário para a produção. Fundamentalmente, tem sido isso que visa a gestão empresarial. Na obra “O Capital”, Karl MARX analisa o modo de produção capitalista e vê na cooperação dos trabalhadores a essência da produção44. Aí residiria a contradição marxista: os bens de produção são apropriados por uma pessoa (propriedade privada), porém, para produzir frutos, necessita da utilização coletiva dos meios de produção. O trabalhador aplica sua força na produção, mas não detém o controle sobre dela. O controle e a direção da produção são exercidos pelo proprietário dos bens de produção. A primeira contradição estaria nas forças e nas relações de produção; a segunda na crescente miséria provocada pelo sistema de produção. Para Raymond ARON, a contradição marxista estava justamente no “fato de que o crescimento dos meios de produção, em vez de se traduzir pela elevação do nível de vida pelos trabalhadores, leva a um duplo processo de proletarização e pauperização”45. Nesse sentido, o custo para aquisição de novos equipamentos também barateará, diminuindo o valor do capital constante. Contudo, tal queda não anula o aumento na composição orgânica. Deve-se ressaltar que na lucratividade, Marx incluía a depreciação das máquinas e dos equipamentos, de modo que o tempo de vida útil da máquina fosse compensado com o aumento da jornada e do ritmo de trabalho.Os críticos da teoria marxista rebatem justamente este ponto. Para eles, a composição orgânica não se altera e, conseqüentemente, a taxa de lucro não decresce. No entanto, em nada alteraria o resultado, pois para os capitalistas, o importante seria a taxa de retorno do capital investido e não o tempo de substituição do capital constante. As crises podem ser desencadeadas dentro da complexidade da produção por diversos fatores, dentre eles, o choque de petróleo, que decorreu de um abrupto aumento em uma matéria-prima essencial para o funcionamento do sistema capitalista. Atualmente, as maiores causas de crises econômicas estão inseridas no 44 Karl MARX define cooperação como “a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos”. In: O Capital..., p. 370. 45 ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. Tradução Sérgio Bath. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 196. sistema financeiro, principalmente em razão do abalo do crédito, o qual foi abordado no volume 3 do Capital. Neste volume, Karl MARX demonstra que a empresa vende a mercadoria, contudo o dinheiro recebido por esta ou por qualquer cidadão não necessariamente levará à compra de outra mercadoria. Esta pode ser poupada, gerando uma crise de superprodução, característica do capitalismo. Portanto, as crises capitalistas são geradas dentro do próprio sistema de acumulação. Uma crise força muitas unidades produtivas a serem inutilizadas, ou ainda, o baixo investimento em novas tecnologias, nesse período, torna muitas empresas defasadas, menos produtivas em relação a concorrentes. Destarte, é relevante hoje compreender a necessidade de substituição dos bens de produção devido à velocidade das modificações tecnológicas: Assim, as crises são períodos em que o sistema capitalista é reorganizado e reformulado para restaurar a taxa de lucro a um nível no qual ocorrerão investimentos. Nem todos os capitalistas se beneficiam igualmente deste processo. As empresas mais débeis e menos eficientes e aquelas com um maquinário muito ultrapassado serão levadas à falência. Os capitais mais fortes e mais eficientes sobreviverão, e emergirão da recessão mais fortes. Eles são capazes de comprar terras e instrumentos de produção a melhores preços, e a forçar modificações trabalhistas no processo de trabalho que 46 aumentarão a taxa de mais-valia . A busca incessante pela inovação e tecnologia visava não só à obtenção de novos mercados, mas também a um aumento da quantidade de capital empregado por trabalhador. Com o neoliberalismo, houve uma modificação no plano econômico e social, de modo que o avanço tecnológico globalizou o sistema de produção, modificando-o profundamente. Aliados às críticas socialistas, as mutações econômicas, políticas e sociais durante os séculos XVIII e XIX demonstraram a incapacidade dos métodos liberais em enfrentar os problemas sociais surgidos, principalmente após a publicação do Manifesto Comunista, que evidenciou a desigualdade social e as baixas condições de trabalho e de vida. Os trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos e a se utilizar das greves para reivindicar melhores condições de trabalho. A economia capitalista passou a apresentar crises cíclicas e, para solucionálas, o Estado passa a intervir cada vez mais na economia. Países como EUA, 46 Idem. Alemanha e França, já no final do século XIX, adotaram políticas protecionistas para defender suas indústrias dos concorrentes e políticas sociais para garantir condições mínimas a seus cidadãos. 1.1.4 A Intervenção do Estado na Economia e os Reflexos na regulação do Contrato e do Direito de Propriedade A crise dos fundamentos liberais se iniciou, em 1870, principalmente pela crítica socialista e pelas desigualdades sociais. No entanto, em 1929, com a superprodução e a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, o modelo liberal clássico deixa de ser adotado até mesmo nos Estados Unidos. Para diminuir as tensões sociais, houve a necessidade da intervenção do Estado na economia, que teve como pressuposto teórico o pensamento de John Maynard Keynes, na obra “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, escrita em 1936. Keynes argumentava que não existiam forças auto-reguladoras na economia, o que exigia um Estado intervencionista a fim de retirar a economia da recessão e promover o desenvolvimento. A partir desse momento, surge um novo Estado, o qual apresenta três dimensões: a dimensão econômica, representada por um governo intervencionista ao modo keynesiano; a dimensão social, expressa no Estado do Bem-estar Social, que visava à adoção de políticas sociais voltadas para as necessidades de consumo coletivo; e a dimensão administrativa, representada pelo modelo burocrático weberiano de administração. O Welfare-state constitui um modelo de Estado que intervém fortemente no mercado, devido à constatação de grandes diferenças sociais. Por isso, este modelo de Estado vai interferir fortemente na economia buscando o pleno emprego e a melhoria das condições sociais, visando reconhecer direitos subjetivos sociais47. O Estado do Bem-estar Social pretendia a democratização do capitalismo a partir de quatro pontos: a desmercadorização da força do trabalho, o reforço da solidariedade, a redistribuição efetiva de renda e o pleno emprego; atuava em todos 47 BARCELLONA, Diritto…, p. 106-107. os campos da sociedade promovendo políticas econômicas, sociais e setoriais, buscando alcançar a igualdade material. No plano econômico, substitui o padrão ouro pelo dólar, permitindo um aumento da emissão de moeda, sendo a economia controlada preponderantemente por políticas fiscais. No plano da política social, caberia ao Estado fornecer educação, saúde, saneamento, previdência social, seguro desemprego. No plano setorial, o diferencial estaria dado por fortes investimentos em infra-estrutura e pela criação de serviços públicos estatais. As políticas keynesianas visavam “estimular o acesso à riqueza através do crédito dirigido à acumulação produtiva, com o desiderato de manter o pleno emprego, elevando em termos reais, os salários e demais remunerações do trabalho. A regulamentação financeira foi a norma entre os países”48. A idéia era a de que maior investimento do Estado na sociedade e política fiscal ativa garantiriam a elevação do consumo e de empregos na economia. Essa atuação econômica demonstrava que o equilíbrio automático da economia capitalista não existia, ou seja, a “mão invisível” não era a solução para os desequilíbrios, pois a economia atingia o equilíbrio com muito desemprego. Sustentou que o nível de emprego em uma economia estava relacionado com a proporção da renda que é efetivamente gasta no consumo: a demanda efetiva. Keynes admitiu a existência da poupança ou entesouramento que impossibilitava a existência da auto-regulação do mercado. Ao deixar de adquirir imediatamente uma mercadoria, o número de atividades cai e, conseqüentemente, também a renda. O fator responsável pela alteração no volume de emprego é a procura por mão-deobra. A demanda insuficiente de bens e serviços causa o desemprego. Para diminuí-lo deve haver um grande investimento na economia, e a única forma de fazer isso efetivamente é pela intervenção do governo. Somente por uma intervenção governamental se alcançaria o pleno emprego e se elevaria a demanda. As crises na economia capitalista resultaram de aumentos ou reduções na propensão a investir e a consumir e ao nível de entesouramento ou liquidez. O governo pode então intervir na economia mediante aumento dos gastos públicos, 48 BELLUZZO, Luis Gonzaga. Finança global e ciclos de expansão. In: FIORI, José Luiz. Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 87 – 118. p. 101. seja produzindo diretamente certos bens e serviços, seja incentivando o setor privado a produzi-los. A teoria keynesiana visava desencorajar o entesouramento e incentivar despesas produtivas, mediante a redução das taxas de juros e o aumento dos investimentos públicos. As políticas sociais passaram a ser financiadas pelo Estado, a partir das receitas tributárias, que visavam garantir a produção e o consumo de massa. Na visão keynesiana, a geração da demanda é o problema central na economia. Todos os cidadãos teriam direito ao conjunto de bens e serviços ofertados direta ou indiretamente pelo Estado, garantindo um padrão mínimo de existência. Ao Estado caberia também a intervenção no mercado para prevenir e reprimir o abuso de poder econômico, o qual se deu com a criação das primeiras legislações de defesa da concorrência. Portanto, o Estado deveria tutelar outros interesses que não só os direitos subjetivos. As modificações no Estado e na política econômica refletiram no Direito, impondo modificações no direito de propriedade, nos contratos e na empresa. Nesse sentido escreve Paulo NALIN: O caos do contrato é retrato fiel da saturação do sistema fechado do código, tendo aquele instituto desbordado de seus limites restritos para atingir segmentos mais particulares e comprometidos com a atual ordem constitucional. Assim, Ricardo Luis Lorenzetti, após discorrer sobre a necessidade social de dogmatização dos fundamentos sociais, por meio dos códigos, de leis, precedentes, leis divinas, ou qualquer outro meio legitimo de convencimento que ostente certa magnitude de poder e sanção, afirma que o processo da resistematização passa pela eleição de um novo patamar, sugerindo um sistema lastrado em ‘normas fundamentas’, que seriam encontradas nas 49 fontes superiores[...]. Em verdade, a crise se refere ao momento de transformação, crise ou morte ou decadência de uma concepção de direito. Nasce a concepção social de contrato e de propriedade. A crise contratual decorre da intensificação e massificação da produção, permitindo a elaboração de contratos de massa e a despersonalização das relações. Há uma nova teoria dos contratos fundados na busca da igualdade material e uma forte intervenção estatal nas relações privadas. 49 NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno- em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 88. “O rápido desenvolvimento da sociedade industrial logo mostrou as limitações da autonomia da vontade como princípio de recondução imprescindível no direito dos contratos”50. No Estado Social há maior interferência nas relações econômicas, o que limitou a incidência de algumas cláusulas contratuais, alargou a responsabilidade e modificou profundamente a autonomia privada. Quanto às modificações sofridas pelo contrato desde o Estado do Bem-estar Social, Daniel CUNHA faz a seguinte síntese: Na sociedade contemporânea o contrato admite feições que outrora não possuía; adaptou-se, pois, às exigências de uma era informatizada, marcada pelo fluxo intensivo de informações, rapidez e massificação das relações econômicas, uma era de incertezas que produziu uma série de reações no direito, caracterizado pela ampliação da atuação estatal (dirigismo contratual), pela maior ingerência às limitações de vontade enquanto conformadora do conteúdo contratual e pela proteção das partes mais fracas das relações contratuais51. Diante dos abusos identificados nos contratos, há uma redefinição das características contratuais. A igualdade passa a ser não só formal, mas também material, defende-se a máxima “tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. Constata-se que em algumas relações contratuais pode existir um pólo mais fraco. A autonomia da vontade foi a primeira a ser modificada, principalmente quanto ao princípio da pacta sunt servanda, que passa a ser revista pelo princípio rebus sic stantibus, possibilitando a revisão dos contratos. Há também a limitação da exteriorização da vontade contratual devendo o indivíduo ser plenamente capaz e sua vontade ser livre. Admite-se a incapacidade para firmar contratos, erros e vícios de vontade. Diante de insuficiências subjetivas tem-se a cláusula geral da boa-fé. Ainda, quanto à vontade das partes, há limites, não só quanto à liberdade de contratar, mas também quanto à liberdade contratual. Antes bastava que as cláusulas contratuais não fossem contrárias à lei e aos bons costumes, agora o direito passa a trazer novas restrições, como a proibição de 50 KUHN, op. cit., p. 467. CUNHA, Daniel Cica. A nova força obrigatória dos contratos. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Crise nos Contratos e a Nova Teoria Contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 247 – 284. p. 259260. 51 cláusulas abusivas. Tal restrição veio principalmente com a massificação dos contratos, típica dos contratos de consumo. Assim como os contratos, a propriedade liberal tornou-se incompatível diante da complexidade das relações sociais. A ausência de limites aos direitos subjetivos era incompatível com a coexistência social e com a sociabilidade. Então, no século XIX, passou a inserir-se no ordenamento jurídico uma série de exceções aos direitos subjetivos: “A inserção de limitações no direito de propriedade e livre iniciativa em nome do interesse púbico, o reconhecimento gradual da teoria do abuso de direitos, principalmente pelo uso de um direito para prejudicar alguém”52. A propriedade, portanto, passa a ser funcionalizada. Como conseqüência das desigualdades sociais presentes no início dos anos 1920, há uma forte tendência mundial de relativização dos direitos de propriedade. Inicia-se a incidência da solidarização do exercício dos direitos de propriedade. O direito subjetivo deixa de ser visto como absoluto e passa a também estar condicionado e limitado. As primeiras formas a sancionar uma má utilização dos direitos subjetivos foram fundadas na teoria do abuso de direito, além de outras sanções legais, como multas, ou até mesmo a desapropriação, trazidas pelo próprio ordenamento jurídico. Assim, o exercício do direito de propriedade deve atender a função social, ou seja, ser harmonizado com o interesse social do instituto. Porém, o direito de propriedade ainda estava preso aos dogmas liberais, ainda que passasse a admitir algumas limitações legais ao direito de propriedade. O Estado social continua pautado em leis, mas agora são leis que identificam um sujeito de direito concreto. Verificou-se que as codificações não conseguiam mais atender a todas as modificações e complexidades sociais do século XX. Ao Estado coube a edição de inúmeras leis esparsas para regrar as novas relações jurídicas surgidas. Contudo, para garantir a unidade no sistema jurídico foram elaboradas as Constituições sociais. Estas trouxeram ao ordenamento jurídico os direitos de segunda geração, ou seja, a possibilidade de inúmeras intervenções estatais e garantias aos cidadãos. 52 LOPES, op. cit., p. 82. O desenvolvimento da economia capitalista e a formação de inúmeros monopólios e concentrações empresariais, no final do século XIX, constituíram outro fundamento para o questionamento dos princípios liberais, pois freqüentemente se mostravam contraditórios. A realidade econômica apresentava a propriedade e a renda altamente concentradas, em que poucos detinham condições para adquirir bens, conforme expõe Francisco U. HOLANDA: As indústrias monopolistas produziam em grande escala, e logo atingiram uma produção maior do que a capacidade de consumo. Por outro lado, o controle dos preços, de forma que lhes proporcionassem grandes lucros, se deparavam com incapacidade de consumo por parte da população, devido ao seu baixo poder aquisitivo53. A economia mercantil, na qual predominava o agente econômico individual, passa a ser formada pela empresa de regulação monopolista54. As empresas sofreram grandes modificações na sua estrutura, principalmente em decorrência das inovações tecnológicas, proporcionadas pelo final da Segunda Revolução Industrial. Inicia-se o desenvolvimento de uma administração científica e do modelo de gestão democrática, que proporcionou maior eficiência no processo de produção. As diferenças sociais foram aumentando, requisitou-se, então, a intervenção do Estado para assegurar aos cidadãos condições mínimas de existência. O uso da propriedade empresarial, dos bens de produção, passou a ser o principal alvo de críticas. De modo que a exploração excessiva da mão-de-obra e o trabalho infantil passaram a ser proibidos. A atividade empresarial, assim como a propriedade, deixa de ser absoluta, os empreendedores não vão mais poder exercer de maneira egoísta a atividade empresarial, de forma que se inicia a discussão da função social. A partir da relevância que a empresa veio assumindo perante a sociedade passou a ser submetida à função social. A empresa possui a função de produzir e circular riqueza, bens e serviços, numa economia de mercado massificada, de forma que, hoje, se deslocou do titular do âmbito estrito de direitos subjetivos para um poder-dever, “fazendo presente a sua responsabilidade para os que se relacionam com a empresa, no que se tentou dar conteúdo as formulações mais genéricas da 53 54 HOLANDA, op. cit., p. 39. FILGUEIRA, op. cit., p. 23. função social”55. A função social da empresa compreende que a atividade econômica a ser explorada pela empresa se harmonize com o fim que a sociedade espera. O Estado do Bem-estar Social admitiu a noção de função social da empresa, a qual foi positivada primeiramente nas Constituições Alemã e Mexicana. No Brasil trouxe reflexos desde a Constituição de 1934, porém o termo só integrou a Constituição de 1967. Para Ricardo Luiz LORENZETTI, o Estado do Bem-estar Social via as normas jurídicas e os institutos jurídicos do contrato e do direito de propriedade como um meio para desenvolver os objetivos e as direções políticas.56Por isso, a ingerência do Estado na economia passou a ser vista como excessiva. O excesso de regulação e intervenção advindo do Estado Social trazia ineficiências econômicas. Na gestão empresarial, os seguintes fatores impulsionaram o fim do modelo do Estado do Bem-estar Social e representam a Terceira Revolução Industrial: o esgotamento do padrão fordista de produção, modificando a reestruturação industrial para o toyotismo; o enfraquecimento dos sindicatos; e a diminuição do número de trabalhadores nas empresas, que passam a ser cada vez maiores57. Na gestão da administração pública, o modelo burocrático mostra-se ineficiente para administrar um Estado grande e complexo em um cenário de intensas transformações decorrentes do rápido desenvolvimento tecnológico, do processo de globalização e do fenômeno da democratização das sociedades, que refletirá na inserção de novos atores políticos e sociais. Na dimensão econômico-social, as maiores objeções tinham como alvo o assistencialismo aos pobres, sob o fundamento de que tais políticas inibiriam qualquer medida econômica para modificar tal situação; além disso, o Estado se tornara incapaz de atender às pressões sociais expressas pelas demandas por melhores serviços em educação, saúde, segurança, lazer, dentre outros. A alta carga tributária, conjugada com inflação, diminuição do nível de crescimento econômico e as crises do choque do petróleo da década de 1970, constituem fatores que também levaram à queda do modelo do Estado do Bem-estar Social. 55 BULGARELLI, Tratado..., p. 68. LORENZETTI, Ricardo Luiz. Tratado de los contratos: parte geral. Buenos Aires: RubinzalCulzone, 2004, p. 27. 57 BARCELLONA, Diritto..., p. 148 – 152. 56 Como conseqüência desses fatores, surge o Estado Neoliberal e, com ele, a Administração Gerencial, que teve maior impulso na Inglaterra e nos EUA, nos governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, respectivamente. O modelo Neoliberal reflete o esgotamento do Estado nas suas dimensões econômica, social e administrativa. 1. 2 O MODELO NEOLIBERAL: fundamentos e difusão. 1.2.1 Os Fundamentos do Modelo Econômico Neoliberal Com a ampliação da expectativa de vida, os custos do Estado social aumentaram, as empresas já estavam no limite da carga tributária, de forma que alguns benefícios sociais passaram a ser contestados pela sociedade. A sociedade tinha a sensação de que pagava impostos para manter uma classe de funcionários ociosos que aproveitaram as vantagens recebidas para organizar a subversão social e assistência aos pobres. O perigo de déficits fiscais fez com que o modelo de Estado fosse criticado. Somado às pressões sociais, o Estado do Bem-estar Social encontrava-se desgastado pelos defeitos da burocratização e a desestabilização econômica ocasionada pelos choques do petróleo em 1973 e 1979, que provocaram uma inflação prolongada e um baixo crescimento mundial. O modelo de natureza neoliberal, também chamado de monetarista, aparece como remédio para a crise desencadeada. A principal causa atribuída à crise do Estado Social para os neoliberais teria sido o excesso de intervencionismo Estatal e, principalmente, o intervencionismo sindical. Os sindicatos retiram a liberdade do mercado, elevam o preço da mão-deobra e estimulam maiores gastos sociais. Essas intervenções diminuíram a possibilidade de lucros das empresas e desencadearam a inflação. O neoliberalismo constitui uma reação política e teórica contra qualquer tipo de Estado intervencionista, pois o intervencionismo, segundo José COBLIN, consiste em “um mal absoluto”58. Os principais expoentes da teoria foram Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, este da Escola Austríaca, aquele da Escola de Chicago. Os defensores do neoliberalismo sustentam que este é o único modelo econômico que 58 COBLIN, José. O neoliberalismo: ideologia dominante na virada do século. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 19. possibilita o desenvolvimento econômico e social de um país, pois permite maior competitividade, incentiva o desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, o fim da inflação. Perry ANDERSON demonstra que a proposta neoliberal, já no seu início, visava “manter o Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária [e o equilíbrio fiscal] deveriam ser as metas supremas de qualquer governo” 59 . Como solução, era necessário restabelecer a taxa natural de desemprego e a contenção de gastos sociais, voltando a ter um equilíbrio nas contas governamentais, além de efetuar reformas fiscais para incentivar a atividade econômica, ou seja, diminuir impostos sobre rendas mais altas. O neoliberalismo propõe uma retirada do Estado da economia, pois parte da mesma premissa do liberalismo: a liberdade de mercado. Porém, não adota integralmente o modelo liberal, por isso o prefixo “neo”. Defende um mercado livre e competitivo, mas aceita um controle e regulação do Estado na economia. Conforme Luciana DOUDEMENT: O Neoliberalismo difere do Liberalismo no que se refere à participação do Estado que entende dever ser de forma indireta na economia, através da execução de políticas econômicas que garantam estabilidade do sistema econômico. Mas no geral a corrente neoliberal afirma que é possível adaptar o pensamento liberal às novas necessidades do capitalismo por defender o livre mercado, a livre concorrência e a manutenção das liberdades individuais. Em contrapartida o neoliberalismo defende que os governos não devam ser assistencialistas, a sociedade é que deve ser suficientemente capaz de resolver seus próprios problemas, aos governos cabem garantir a lei comum, equilibrar e incentivar iniciativas da sociedade60. 59 ANDERSON, Perry. O Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (org.). Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p.9 – 23. p. 11. 60 DOUDEMENT, Luciana. O neoliberalismo e a globalização e seus reflexos sobre o direito constitucional. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/uniceuma/ lucianadoudement/neoliberalismo.htm>. Acesso em: 14 abr. 2008 O modelo reconhece que o mercado não se auto-regula, mas as falhas criadas pelo intervencionismo estatal no Estado Social foram excessivas. Cabe ao Estado regular o mercado e corrigir as suas falhas, as quais causarão a iniqüidade na distribuição dos lucros e na incidência de custos maiores sobre os setores mais necessitados. O papel do governo deve ser limitado, exercendo poderes e funções que, segundo FRIEDMAN: mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedade; sirva de meios para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades para evitar o monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a familiar na autoridade do irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança; em tal governo teria, evidentemente, importantes funções a desempenhar61. A ciência econômica, na teoria neoliberal, é baseada na praxiologia. Observase a ação humana em todas as suas relações com o mundo exterior62. Todos os dias os indivíduos fazem escolhas, cada indivíduo possui uma escala de valores para realizá-las, sendo que esta pode ser modificada ao longo da vida. Desse modo, não há uma absolutividade para avaliar as atitudes. As ações são tomadas com base no subjetivo individual. A economia para os neoliberais é uma ciência das ações humanas. Os neoliberais defendem que o único sistema capaz de organiza-se com a divisão do trabalho é o capitalismo, assim como a existência da democracia. O ser humano, na visão neoliberal, é um ser provido de necessidades e desejos, que se manifesta pelo desconforto pelas escolhas. Para agir, ele deve estar submetido a pelo menos uma das três condições: “desconforto; capacidade de imaginar uma situação melhor; e a crença de que sua ação possa resolver ou amenizar o desconforto”63.Pode-se dizer que a ação humana é consciente, pois é dotada de propósitos específicos64. 61 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo, Abril Cultural, 1984. p. 39. HOLANDA, op. cit., p. 56. 63 Ibidem, p. 52. 64 Ibidem, p. 53. 62 O neoliberalismo também está fundado no indivíduo, inserido em sociedade, sendo esta um mero somatório de indivíduos. A sociedade para os neoliberais é “resultado do comportamento consciente e dotado de propósitos que possibilitam a cooperação social e a cooperação para alcançar objetivos específicos e individuais”65. Nenhum contrato foi realizado entre os indivíduos, a cooperação social ocorre pela consciência humana de que a divisão do trabalho e a combinação de esforços para uma qualidade de vida melhor são meios de alcançar seus interesses. Nesse sentido escreve Francisco U. HOLANDA: O indivíduo vive e age em sociedade. No entanto, a sociedade em si não existe, a não ser através das ações individuais somente no sentido de que o ser humano nasce em um ambiente organizado é que, para os neoliberais, se pode aceitar de forma lógica e histórica a concepção de que a sociedade antecede o indivíduo. A sociedade é o grande meio para atingir todos os 66 fins . No entanto, a concepção de indivíduo não é apenas de seres humanos, mas também de diversas organizações que compõem a sociedade: empresas, entidade de classe, Estado, bancos etc. Por isso, José Eduardo FARIA entende que a sociedade neoliberal é “formada de múltiplos grupos, organismos e coletividades com seus interesses específicos,(...) sob a forma de bancos comerciais, bancos de investimento, fundos de pensão, companhias seguradoras, conglomerados empresariais, centrais sindicais (...) etc”67. O autor ressalta que até mesmo: a vida familiar, tende a ser dar, cada vez mais, no âmbito das organizações; entre outros motivos porque, com o fenômeno da globalização os novos processos de gestão, racionalização e atuação adotados de pelas empresas, não resultam necessariamente na geração de tempo livre de trabalho, como possibilidades concretas para lazer e para expansão das capacidades intelectuais e espirituais dos indivíduos. Pelo contrário, na medida em que as grandes corporações dispõem de uma rede de micro e pequenas empresas familiares em sua volta, ou seja, de um conjunto de unidades produtivas que não podem funcionar isoladamente e que estão em relações tanto horizontais quanto verticais a uma matriz industrial, esses processos abriram caminho para a generalização do trabalho em domicílio, o que transformou o espaço doméstico em um enorme contingente de famílias num verdadeiro campo de trabalho onde a produção econômica e a 65 Ibidem, p. 54. Ibidem, p. 54-55. 67 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 66 167. reprodução social se cruzam e intercruzam até a ponto de se tornarem indiferenciadas. Acarretando, como, progressiva descentralização das atividades produtivas, esse fenômeno vai tornando mais complexa e 68 intrincada a distinção entre tempo vital e tempo de trabalho . Friedrich Hayek e Robert Nozick defendem que não há justiça social69, nem solidariedade social, o que pode haver é apenas “um diálogo construtivo entre os indivíduos desde que houvesse um fim comum e motivados por um interesse próprio”70. Os neoliberais consideram que o foco da economia estaria na conciliação da interdependência das organizações. O mercado é a forma de conciliar as ações organizacionais, pois é o local para onde convergem todas as ações. O mercado é o eixo de poder da sociedade neoliberal, assim como Estado no modelo intervencionista71. Se todas as vontades forem livres, o mercado ordenará por si só o sistema social72. A liberdade é compatibilizada com a propriedade privada dos meios de produção e com a divisão do trabalho. O neoliberalismo se apóia na existência de um Estado de Direito, pois este garante a ordem na sociedade e no mercado. O Estado deve impor claramente quais serão as hipóteses de utilização de coerção para que os indivíduos se adaptem às regras estabelecidas73. “Os neoliberais reconhecem que o Estado de Direito produz desigualdade econômica. Todavia, tal desigualdade não é criada intencionalmente com objetivo de atingir este ou aquele indivíduo em 74 particular” .Por isso, os neoliberais apóiam a existência de políticas sociais para amenizar as desigualdades, garantindo a todos meios mínimos de subsistência75, desde que não interfira na liberdade econômica. Em geral, políticas assistencialistas são bem vistas por esta doutrina. Para não recair nas mesmas críticas do Estado Social, este auxílio estatal deve ser provido de leis formais, para que a sociedade saiba quem são os indivíduos a serem beneficiados. No entanto, caso o governo 68 Ibidem, p. 171. Outra intervenção a ser feita era na própria sociedade o sentido de garantir o mínimo necessário aos indivíduos, mas ressalta que este mínimo essencial nada tem a ver com justiça social. Assim, revelase que defender as liberdades individuais de maneira intransigente não é viável diante das distorções que podem aparecer. In: LOPES, op. cit., p. 219. 70 Idem. 71 FARIA, José Eduardo. O Direito...., p. 178. 72 HOLANDA, op. cit., p. 58. 73 Ibidem, p. 63. 74 Ibidem, p. 64. 75 Nesse sentido é a política da renda mínima de Milton FRIEDMAN. 69 faça uma interferência no mercado poderá abranger a liberdade deste e, conseqüentemente, assumindo o fracasso de protegê-lo. Ainda que privilegiem o livre mercado, os neoliberais apóiam certo grau de regulação do mercado, para garantir a sobrevivência do modelo, pois não seguem a visão liberal de autoregulação. O Estado pode intervir desde que seja para garantir a concorrência. O problema reside na definição das formas autorizadas de intervenção. Friedrich Hayek escreve apenas que a intervenção deveria produzir mais benefícios ao mercado que prejuízos. Hayek não define exatamente intervenções a favor e contra a concorrência; ainda, vai contra a idéia da concorrência como um sistema em que o mérito individual sempre deveria prevalecer.76 O Estado neoliberal deve reduzir os gastos sociais. A aposentadoria, os serviços de saúde, a educação e a previdência social precisam ser assumidos por empresas privadas. No Chile o setor privado já assumiu grande parte dos serviços sociais, imitando o sistema americano, abandonando o Estado do Bem-estar Social77. O objetivo da política econômica deve ser a defesa da moeda, assegurando estabilidade de preços, o cumprimento dos contratos que cumpram a função social e a livre concorrência, que será alcançada pela desregulamentação do mercado de trabalho, principalmente pela flexibilização de direitos. Internacionalmente se dá pela liberalização do mercado financeiro e do livre fluxo de capitais. A expansão das comunicações trouxe uma maior agilidade da movimentação do capital, de forma que o capital financeiro passou a preponderar neste período, apoiado pelos Estados que diminuíram as barreiras à movimentação financeira. Dessa maneira, cabe definir a principal forma preponderante de riqueza no modelo neoliberal. A microeconomia entende por capital financeiro, “todas as parcelas de capital de uma empresa que se encontram em estado de liquidez, isto é, podem ser transformados em qualquer ativo físico de maneira imediata”78. Para a macroeconomia, “é todo capital empregado nos mercado de títulos e todo aquele movimentado pelos bancos e instituições financeiras em geral”79. 76 HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Liberal, 1990. p. 110. COUBLIN, op. cit., p. 60. 78 CAPITAL FINANCEIRO. In: SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1999. p. 80. 79 Idem. 77 Na economia de mercado é o sistema de preço que revela as modificações na oferta e procura de um determinado produto, informando aos produtores o que produzir e quanto produzir. O controle do mercado e os respectivos assuntos econômicos estão nas mãos dos empresários, que são obrigados a seguir as preferências dos consumidores, as quais se refletirão nos preços das mercadorias. A empresa deve ficar atenta às tendências do mercado, pois se não estiver, certamente entrará em falência. O mercado regulado pelos consumidores buscará a qualidade, a eficiência e o menor preço80. O que produz insegurança na economia de mercado é o fato de os consumidores preferirem as mercadorias com qualidade e as mais baratas, aproveitando as oportunidades que aparecem. Portanto, a insegurança é também um dos fatores que incentiva a melhoria do bem-estar material. No entanto, no neoliberalismo, o mercado não fica somente na regulação dos preços, por meio das preferências dos consumidores, reconhece a existência de grandes empresas, com forte poder de mercado, o que inibe a crença da autoregulação do mercado liberal. Tanto que impõe como tarefa do Estado disciplinar o mercado, não para asfixiá-lo, mas para garantir a sua sobrevivência. Tal controle se dará por meio do combate ao abuso da livre concorrência, seja por legislações antitrustes, seja por incentivos a pequenas empresas, ou seja, ainda, pelo controle dos preços, que são mecanismos de equilíbrio do mercado. O Estado deve garantir a estabilidade financeira e monetária para obter o ajuste natural de preços. Na economia neoliberal reconhece-se que a livre competição não pode ocorrer nos setores cujos recursos são escassos. Nestes, toda concorrência é limitada, pois os indivíduos não conseguem atuar em todos os setores do mercado. No entanto, mesmo com a regulação pública da atividade econômica, constata-se o surgimento de monopólios e oligopólios privados, organizados em trustes e cartéis, “o poder de mercado de cada empresa já não tem como fundamento sua eventual eficiência técnica ou gerencial, mas o poder econômico que acumulou anteriormente”81. Assim, na prática, o mercado não é mais um local de concorrência e alocação eficiente de recursos, mas um local de domínio das empresas de maior poder econômico. 80 81 HOLANDA, op. cit., p. 60. SOUZA, Nilson Araújo de. O colapso do Neoliberalismo. São Paulo: Global, 1995. p. 21. O Estado, para os neoliberais, seria um instrumento de coerção, devendo apenas utilizar da intervenção para evitar que as pessoas excedam seus direitos e lesionem o bom funcionamento da economia de mercado. Ao mesmo tempo em que deve o Estado proteger a vida e a propriedade dos indivíduos, pois estes são a base do funcionamento do mercado82. Por isso, o modelo neoliberal envolve a concepção de um Estado Democrático de Direito. A propriedade no neoliberalismo, assim como ocorria no liberalismo, é um dos pilares do modelo. Porém, o neoliberalismo procura evitar os abusos e as conseqüências ocorridas devido às concepções liberais. A função social no neoliberalismo ganha maior ênfase e efetividade, pois há uma preocupação com o bem-estar social, dada a descrença na “mão invisível”. A propriedade permanece funcionalizada e apresenta inúmeras limitações legais ao seu uso, que no período liberal não eram admitidos. A propriedade deixa de ser conceituada a partir de direitos subjetivos para ser conceituada como uma situação jurídica. O neoliberalismo modificou sim a propriedade, mas a modificação está também na forma de propriedade predominante. No período liberal, predominava a propriedade imobiliária. No Estado do Bem-estar Social, a propriedade predominante era a móvel, materializada em bens de consumo. Já no neoliberalismo, a propriedade que resguarda maior valor é a propriedade móvel imaterial, ou seja, a propriedade intelectual e financeira. O contrato apresenta como características a autonomia privada, a liberdade de contratar, a boa-fé e igualdade material. O contrato passa a ser visto como “um processo dinâmico, complexo, de cooperação e confiança, sem as quais o comércio não se desenvolve”83. Cabe ao contrato seguir os ditames constitucionais, conferir justiça e utilidade, não só para as partes envolvidas, mas também para toda a sociedade. Há uma visão socializada do contrato, no sentido de que este deve atender ao interesse social, isto é, deve cumprir a função social esperada. Há um forte predomínio da busca do equilíbrio contratual e seus efeitos perante as partes e terceiros. A crise das instituições permanece. Especificamente sobre a crise do contrato, assevera Claudia Lima MARQUES, que o fundamento da nova crise 82 83 HOLANDA, op. cit., p. 63. CUNHA, Daniel, Op. Cit., p. 263. contratual na França está na multiplicação das cláusulas gerais “no direito privado e no que denomina hipertrofia da cláusula geral da boa-fé, em face das decisões contraditórias dos magistrados naquele país, no que se refere aos contratos”84. Claudia Lima MARQUES explica bem o novo ambiente contratual: Em outras palavras, o uso de um meio virtual, ou a entrada em uma cultura visual leva a uma perda de significado ou de eficiência da boa-fé, que guiou o direito privado e, em especial, o consumidor no século XX. Para alcançar a mesma eficácia nos tempos pós-modernos, pareceu-me necessário evoluir para o uso de um paradigma mais visual (de aparência), de menos fidelidades (fides), de menos eticidade (valoração-bona) e sim de mais socialidade (qualquer forma de declaração vincula o profissional organizador da cadeia de fornecimento) e de coletiva repersonalização (realizar expectativas legitimas de todo um grupo difuso de consumidores virtuais), a confiança, o modelo mãe da boa-fé. Esta tese pode ser defendida em matéria de contratos, civis, comerciais e de consumo, hoje, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e suas noções basilares de função social dos contratos, boa-fé objetiva, bons costumes e combate ao abuso dos contratos paritários.[...]85 A autora entende que deve ser revisada a noção de confiança e esta deve passar a ser mais valorizada, pois a pós-modernidade está pautada na desconfiança entre as partes. Esta pós-modernidade, segundo Carlos Adalberto GHESI, seria o direito a ser diferente, a busca pela igualdade material reconstruída por ações positivas pelo Estado86. Isso porque a primeira crise contratual, após o fim da modernidade, foi solucionada pelo princípio da confiança. Trata-se de um “princípio repersonalizante (boa-fé objetiva é visualizar o alter, o outro, seus direitos e expectativas legítimas do contrato)”87. A segunda crise veio com as modificações da sociedade contemporânea, após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, na pósmodernidade, a riqueza passou a ser bens móveis imateriais, produção em larga escala e grande informatização, caracterizada pelo Estado neoliberal, com a globalização e a privatização de serviços públicos, a qual foi aprofundada principalmente após o atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque, que 84 MARQUES, Claudia Lima. A chamada crise do contrato e o modelo de direito privado brasileiro: crise de confiança ou de conhecimento do contrato? In: __ (Coord.). A nova crise do contrato: estudos sobre uma nova teoria contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 17 – 86. p. 19. 85 Ibidem, p. 21. 86 GHESI, Carlo Alberto. La pos modernidad jurídica. Buenos Aires: Gowa, 1995, p. 33 apud MARQUES, Contratos..., p. 57. 87 MARQUES, A chamada..., p. 23. afetou a confiança e, por conseqüência, o direito e os contratos88. Erik JAYME, citado por Claudia Lima MARQUES, aponta quatro fatores da pós-modernidade que a influenciou diretamente: O pluralismo (de agentes, sujeitos de direito, de fontes e de vínculos no mesmo contrato, a criar a necessária nova visão complexa e plural de um dialogo das fontes e de um conjunto contratual e de feixe de deveres em cada relação de consumo), a comunicação (a destacar a importância dos deveres de informação, de transparência ou disclousure perante o consumidor e a nova visão do contrato como informação, como perenização dos direitos e deveres acertados, como formalidade informativa), a narração (a procura de uma nova legitimação na própria forma de legislar, narrando objetivos na própria lei [...], revalorizando a interpretação teleológica, revelando os objetivos do legislador e abrindo espaços, a conceitos indeterminados e cláusulas gerais, para a concretização pelo interprete, cada vez mais com uma posição ativa na criação da resposta justa e útil) e, por fim, o retorno dos sentimentos (o lado negativo, irracional, emotivo e subjetivista do direito pós-moderno, que traz insegurança e uma complexidade ímpar de teorias, métodos, caminhos e opiniões a seguir e que resume o imponderável - para alguns, inaceitável-subjetivismo 89 fragmentário de nossos tempos) . A crise é mais do social e cultural que do próprio direito. Portanto, para Claudia Lima MARQUES a nova concepção de contrato é social, não basta apenas o momento da manifestação da vontade, mas os efeitos do contrato perante a sociedade; também as condições econômicas e sociais dos agentes envolvidos ganham relevância90. O desafio na conceituação do contrato pós-moderno está justamente em conciliar os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana com o livre mercado91. O reflexo da globalização dos contratos resultou na mundialização das regras contratuais. Os instrumentos contratuais devem servir para facilitar e agilizar as trocas internacionais. As regras que favoreçam as trocas devem ser incentivadas, principalmente pelos maiores blocos econômicos firmados sem eliminar particularidades nacionais nem questões culturais92. Há uma crise também no sistema produtivo. A lógica produtiva de um sistema que privilegia o mercado certamente defende a venda dos produtos aos 88 Ibidem, p. 25. JAYME, Erik apud MARQUES, A chamada..., p. 28. 90 Ibidem, p. 28-29. 91 Ibidem, p. 253. 92 LORENZETTI, Tratado ..., p. 28. 89 compradores que pagarem mais, independente da satisfação do mercado interno. A motivação da produção está no lucro, conforme assevera José COBLIN: O que interessa é produzir para fazer dinheiro, não para satisfazer as necessidades do povo. [...] Toda a economia deve se submeter à política das exportações. Assim a primeira exigência é ser competitivo. Para ser competitivo precisa vender mais barato. As empresas pressionam o governo e os trabalhadores para que aceitem salários mais baixos e redução de impostos. Quem vai pagar os impostos são os consumidores93. Essa crise vem sendo enfrentada a partir de constantes reestruturações das empresas, na busca de tornar a produção mais flexível para se adaptar às novas exigências do mercado. No liberalismo, adotava-se o modelo fordista de produção, que não se preocupava com exigências do mercado. No entanto, como hoje não pode mais ser realizada dessa forma, busca-se o enxugamento do processo produtivo, maior valorização e exploração do capital humano, assim como a qualidade e a venda simultânea dos produtos. Ao invés de uma produção integral do produto, utiliza-se a terceirização, diminuindo a estrutura produtiva e de pessoal. Hoje os trabalhadores não se restringem a realizar uma única atividade em um determinado tempo, controlado pelo cartão ponto, devem buscar sempre maior conhecimento e aprimoramento do produto e do mercado em que trabalham, e isso, somado ao desempenho de múltiplas funções. A diferenciação dos produtos em um mercado mundial, provocada pela onda do neoliberalismo e da globalização, fez com que as marcas e demais propriedades industriais passassem a ter uma maior importância na sociedade. Há emprego mais pesado de maquinaria de alta tecnologia, de modo que se exigem trabalhadores mais instruídos, que possam reprogramá-las a qualquer modificação do produto. O modelo possui hegemonia mundial viabilizada, principalmente, pelas sucessivas transformações tecnológicas dos países de Primeiro Mundo, “responsáveis pelo deslocamento do eixo de competição que girava em torno das 93 COBLIN, op.cit., p. 23. matérias primas estratégicas; hoje, todavia, concentra-se em torno de novos processos e escalas mundiais de produção”94. O neoliberalismo é considerado uma doutrina econômica que visa adaptar os princípios do liberalismo clássico às condições do mundo moderno. Isto é, continua a ter como valor máximo a subordinação de toda a economia ao mercado. Evaristo MORAES FILHO e outros doutrinadores sustentam que jamais existiu neoliberalismo e sim um retorno do liberalismo clássico do século XVIII95. Em certa medida estão corretos, pois a visão doutrinária do neoliberalismo jamais foi implementada na sua totalidade.96 Justamente por isso, há grande dificuldade de definir o neoliberalismo, pois cada país adotou algumas premissas do modelo. 1.2.2 A Ascensão do Neoliberalismo no Mundo Apesar de todos os pressupostos teóricos encontrados em Ludwig Von Mises, Milton Friedman e Friedrich Hayek, o neoliberalismo foi adotado parcialmente, de diversas formas em todo o mundo. Segundo Ana Frazão LOPES, o avanço da globalização constituiu o principal fator para que o neoliberalismo fosse difundido97. O neoliberalismo foi aplicado primeiramente na América do Sul, no Chile, no início da década de 1970. Contudo, o modelo mais próximo ao idealizado pela doutrina de Hayek e Friedman concretizou-se na Inglaterra, em 1979, no governo de Margaret Thatcher. Posteriormente, em 1981, for adotado pelos Estados Unidos, no governo de Ronald Reagan. Em seguida, por Helmut Kohl na Alemanha e outros países do norte europeu. O modelo inglês, adotado por Margareth Thatcher, propôs a contração da emissão de divisas, a elevação das taxas de juros, a diminuição de impostos das faixas de maior rentabilidade, a abolição dos controles sobre fluxos financeiros, a repressão às greves, a redução dos gastos públicos, a elevação da taxa de 94 ANDERSON, op. cit., p. 100. Nesse sentido: CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e seqüela. São Paulo: LTr, 1997. p. 23; SODRÉ, Nélson Werneck. A Farsa do Neoliberalismo. p. 21 a 27; MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 1995, prefácio. 96 FERNANDES, Luis. Neoliberalismo e reestruturação capitalista. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 54 – 63. p. 54. 95 97 LOPES, op. cit., p. 214. desemprego e a realização de privatizações98. A privatização no modelo inglês iniciou com habitação pública, seguida pelas indústrias básicas (petróleo, água, luz, aço e gás); trouxe para o final dos anos 90, grandes índices de desemprego, aumentando o número de pobres no país; tanto que o sucessor, Tony Blair, em 1997, implementou políticas de cunho keynesiano, chamadas de Terceira Via. Nos Estados Unidos a implantação do modelo econômico se deu para fazer frente ao modelo econômico da URSS, principalmente pela via da competição militar-armamentista. Houve uma reforma interna sem a preocupação com uma política orçamentária, já que esta deveria servir aos interesses da política antisoviética, que redundou em vultosos gastos militares, implicando brutal aumento do déficit público. Cada país adotou alguns princípios do modelo; por exemplo, os Estados Unidos continuaram a defender as pequenas empresas e os subsídios agrícolas e impuseram forte combate aos monopólios. O neoliberalismo na Europa ocidental não cortou abruptamente os gastos sociais. Na proposta do modelo foi dada maior ênfase à reforma tributária e à disciplina orçamentária. A América Latina adotou o neoliberalismo seguindo a cartilha do Consenso de Washington, com exceção do Chile que já o havia implantado, no início da década de 1970, com o governo de Augusto Pinochet. Nesse país, segundo Perry ANDERSON99, se deu o primeiro ciclo neoliberal do mundo, por meio da “desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos e privatização de bens públicos.”100 Nos demais países latinoamericanos, o modelo se implementou a partir de meados da década de 1980; o modelo foi seguido pela Bolívia, México, Argentina, Venezuela e Peru. Até a década de 1980 a América Latina vinha adotando o controle de importações e incentivo às exportações a partir de políticas cambiais, as quais aumentaram as exportações. Porém essa política gerou forte inflação e estagnação econômica. A recessão ainda foi agravada com a crise da dívida pública, devido a 98 CREMONESE, Dejalma. Neoliberalismo: o capitalismo globalizado. Ijuí/RS, 2001, p. 9. Disponível em: <http://ipd.unijui.tche.br/ipdcidadania/artigo5.html>. Acesso em: 23 out. 2004. 99 ANDERSON, op. cit., p. 19. 100 Idem. sucessivos déficits públicos, os quais eram cobertos principalmente com divisas externas. 101 Os países em desenvolvimento passaram a ter forte pressão de que o seu crescimento dependia da conciliação de suas políticas com as políticas adotadas pelo Primeiro Mundo. Para isso precisariam implementar toda a cartilha trazida pelo Consenso de Washington. As propostas denominadas Consenso de Washington, segundo José Luis FIORI, consistiram em um “conjunto de políticas e reformas propostas pelos organismos multilaterais na renegociação da dívida externa dos países em desenvolvimento”102; segundo Nilson Araújo de SOUZA, “foi uma tentativa de responder a dupla necessidade do capitalismo moderno: ter uma ideologia positiva, legitimadora do sistema, e ao mesmo tempo justificadora da nova ação de seus monopólios no conjunto do mundo”103. O Consenso de Washington consistiu, segundo Maria Conceição TAVARES e José Luis FIORI, em uma “seqüência de ações recomendáveis no âmbito de políticas de estabilização e de ajuste”.104 Para os países que viessem a adotar o modelo neoliberal, o Consenso propunha uma agenda com as seguintes providências: elaborar maior disciplina fiscal, realizar uma reforma tributária, priorizar o pagamento da dívida externa, adotar um regime cambial fixo, proceder à abertura dos mercados, autorizar o investimento direto estrangeiro, realizar a privatização dos serviços públicos e empresas públicas, desregulamentar as relações de trabalho e conferir maior proteção à propriedade intelectual. Juntamente estariam como objetivos a manutenção de uma economia estável, que garantisse os direitos de propriedade e as leis, reconhecesse incentivos privados em relação às ações sociais e aos benefícios, adotasse políticas macroeconômicas e financeiras que tornem o débito sustentável.105 101 SERRANO, Franklin; MEDEIROS, Carlos A. Padrões Monetários Internacionais e Crescimento. In: FIORI, José Luis (org.). Estados e Moedas: no desenvolvimento das nações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p.119 – 153. p. 145. 102 FIORI, José Luis. De volta a questão da riqueza das nações. In: ___. (org.) Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 11 – 48. p. 36. 103 SOUZA, op. cit., p. 18. 104 TAVARES, Maria Conceição; FIORI, José Luis. (Des)Ajuste Global e Modernização Conservadora. São Paulo: Paz e Terra, 1993. p. 75. 105 Idem. Tais políticas visavam à estabilização da economia, que seria alcançada “quando o padrão de financiamento e de gestão do setor público ganhasse autonomia suficiente para absorver as flutuações do balanço de pagamentos sem solapar o equilíbrio fiscal”106, o que implica não desvalorizar a moeda e não aumentar o endividamento público. Assim há princípios universais de uma boa administração econômica que devem ser aplicados nos países que seguem o Consenso de Washington. O Consenso impunha fortemente uma “política de estabilização, com reformas estruturais enfocadas na desregulamentação dos mercados, nas privatizações do setor púbico e na redução do Estado”107. Em síntese, segundo José Luis FIORI, o modelo transmitia a seguinte mensagem aos mercados emergentes: “O crescimento das regiões atrasadas exigia adesão ao livre comércio, estabilização e homogeneização dos preços, pela via dos mercados desregulados, globalizados e competitivos”108. Como condição prévia para as reformas neoliberais estavam a estabilização econômica e os ajustes ficais109. Por isso, foram adotadas as mais diversas políticas econômicas. Alguns adotaram mais fortemente a política monetária, outros deram mais ênfase à política fiscal110. A maioria dos países adotou uma política monetária ativa na tentativa de combater a inflação e realizar o ajuste do balanço de pagamentos com taxas de câmbio flutuante.111 Na prática foram implementados quatro vertentes de ajustes na América Latina, segundo Wilson CANO: 1) Política fiscal: cortes radicais nos gastos correntes (notadamente em salários, gastos sociais e subsídios diversos) e no investimento público houve poucas alterações na parte tributária; 2) Política monetária: contenção drástica da expansão dos meios de pagamento, do crédito interno, e elevação das taxas de juros reais: 106 Ibidem, p. 77. Ibidem, p. 133. 108 FIORI, op. cit., p. 37. 109 TAVARES; FIORI, op. cit., p.77. 110 Ibidem, p. 135. 111 Ibidem, p. 25. 107 3) Política salarial: contenção dos reajustamentos e queda do salário. 4) Política cambial e de comércio exterior: desvalorização do câmbio, incentivo as exportações e restrições as importações. Não é difícil entender o sentido de cada política: a 1ª, 2ª e 3ª atuariam na redução do consumo e do investimento (público e privado), o que significa também redução de parte da demanda por importações; a 2ª e a 3ª teriam efeitos sobre a contenção inflacionária; a 3ª geraria efeito específico de redução de custos e de melhoria da relação câmbio/salários; e a 4ª atuaria na reversão do déficit comercial112. A partir de 1990 a maior parte dos países latinos-americanos empregou os ajustes estipulados. O receituário trazia a promessa não só de estabilidade, como também de crescimento. Visava igualmente restringir créditos e salários e ajuste fiscal para diminuir o déficit público. A reforma tributária buscou a simplificação da cobrança de tributos e também da diminuição das tarifas de importação e exportação. No entanto, houve uma elevação considerável das alíquotas e na arrecadação tributária. A reforma do Estado implicou fim dos monopólios públicos, descentralização fiscal e de serviços, desregulamentações, eliminação de órgãos públicos etc. A abertura comercial, principalmente do mercado financeiro, apontada ponto central do Consenso, era inevitável diante da globalização, que impõe uma produção mais eficiente, competitiva e produtiva. O neoliberalismo, com a premissa de um mercado livre, juntamente com o avanço tecnológico, acentuou ainda mais a globalização, isto é, a mundialização do comércio. Esse processo, que segundo a maioria das doutrinas já havia sido iniciado com as conquistas ibéricas, hoje influencia e é influenciada pelo modelo econômico neoliberal. De acordo com Maria Conceição TAVARES e José Luiz FIORI,“a vitória desse projeto expressou, ao mesmo tempo em que estimulou, um processo de trans-nacionalização dos grandes grupos econômicos nacionais e seu fortalecimento no interior do bloco dominante, além de exprimir, também, a fragilidade financeira do 112 CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (Des)ordem Internacional. 3. ed. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1994. p. 298. Estado e a subordinação crescente da economia brasileira aos fluxos internacionais de capitais”113. Em contrapartida a esse comércio mundial, desde o final dos anos 80, consolidaram-se os blocos econômicos como mecanismo de proteção às empresas pertencentes aos países integrantes, abrindo apenas suas fronteiras aos membros regionais; a maioria manteve restrições alfandegárias e protecionismo em relação aos demais países. O que demonstra uma não-aplicabilidade mundial da abertura irrestrita do comércio mundial. Wilson CANO argumenta que a saída para as crises do modelo são sempre medidas de desaceleração da economia que causam agravamento das questões sociais114. A política cambial, nos países latino-americanos, em geral era fundada nas âncoras cambiais, além de altas taxas de juros, que atraíram apenas capital estrangeiro de curto prazo. Ao mesmo tempo os governos emitiam inúmeros títulos da dívida púbica mobiliária para regular os mercados financeiros e cambiais abertos115. Na verdade, a política cambial estava voltada à valorização da moeda e não objetivava alavancar as exportações. A liberalização do mercado permitiria uma maior concorrência com os produtos nacionais, evitando o aumento de preços. O aumento dos juros privado não teve por objetivo conter a moeda, mas atrair capital estrangeiro. Porém, alguns países mantiveram algumas proteções, principalmente nos setores agrícolas116. Os países da América Latina, pressionados pelos bancos internacionais, que detinham boa parte do crédito de sua dívida pública, tiveram que adotar fortes políticas de ajuste do balanço de pagamentos, como políticas macroeconômicas recessivas e políticas cambiais ativas, além de obter elevados superávits para pagar os juros da dívida externa; como contrapartida disso, está a necessidade de adotar políticas fiscais constantemente117. Houve grande pressão pela modernização do setor financeiro, mediante a reformulação das instituições financeiras internas, suas funções e procedimentos, 113 TAVARES; FIORI, op. cit., p. 76. CANO, op. cit., p. 316. 115 TAVARES; FIORI, op. cit., p. 78. 116 CANO, op. cit., p. 300 - 301. 117 TAVARES; FIORI, op. cit., p. 76. 114 para agilizar as transações. Permitiu-se a entrada de bancos internacionais e maior fiscalização e controle das bolsas de valores e de mercados. No entanto, a entrada de capital financeiro mundial só ocorreu na segunda onda de expansão dos mercados financeiros globalizados, no início dos anos 90, a qual se inicia quando os capitais financeiros buscam maior rentabilidade, ainda que assumam maior risco118. Conforme expõe BELLUZZO, “a internacionalização financeira, em vez da maior eficiência na alocação de recursos, levou, isso sim, à valorização das moedas locais, à especulação com ativos reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao sobreinvestimento”.119 A América Latina na década de 1990 vai buscar financiamento no fluxo de capitais externos, aumentando ainda mais a dívida externa. Com a facilidade das transações mundiais, há a criação de uma nova classe controladora da sociedade, cuja formação se deu com a consolidação dos grandes grupos econômicos nacionais, produtivos e financeiros. Hoje o capitalismo está na fase do capital financeiro, que possibilitou uma dinâmica maior do modo de produção, de modo que aqueles que comandam concretamente esse processo são os que dominam, controlam e são proprietários de multinacionais e de instituições financeiras. O chão de fábrica foi demolido pelo neoliberalismo, isto é, se tornaram obsoletos, tanto o paradigma fordista como o taylorista de produção, ou seja, a fabricação de produtos homogêneos e em etapas isoladas foi substituída por outro, baseado na velocidade do desenvolvimento da informática e das técnicas industriais, que propiciou estruturas produtivas flexíveis, diferenciadas e integras e introduziu novos padrões de eficiência, em termos de organização, administração e qualificação de recursos humanos120. O Japão foi o pioneiro a propor o modelo Toyota de produção, que minimizou o tempo de estoque e priorizou a qualidade dos produtos, permitindo um aumento no comércio internacional do país121. Com estes modelos, segundo TAVARES e FIORI, o “trabalho deixou de ser considerado um 118 BELLUZZO, op. cit., p. 109. Idem. 120 FARIA, José Eduardo. Democracia e governabilidade: os direitos humanos à luz da globalização econômica. In: PINHEIRO, José Ernane; et al, (org.). Ética, justiça e direito: Reflexões sobre a reforma do judiciário. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 5 – 39. p. 31 e 32. 121 TAVARES; FIORI, op. cit., p. 29. 119 simples fator de produção para tornar-se a principal força organizadora de produção no interior do planeta” 122. Com as modificações realizadas na produção japonesa e o crescimento dos Tigres Asiáticos, os Estados Unidos e a Europa se viram obrigados a modificar a sua forma de produção. Os Estados Unidos passaram a adotar um sistema semelhante de gestão empresarial conhecido como Just in time. Na Itália, as empresas construíram grandes alianças e procuraram não perder o dinamismo da pequena empresa. Ao contrário dos países latino-americanos, países como Inglaterra, Estados Unidos e Japão investiram expressivamente em inovação tecnológica. Tanto que a aposta desses países deu certo, a propriedade predominante hoje é a propriedade intelectual, é ela que hoje gera lucros. Por isso, a gestão empresarial está voltada à gestão do conhecimento. Hoje, na terceira Revolução Industrial, as empresas se caracterizam pela grande velocidade nas modificações tecnológicas, menor estrutura física e maior flexibilidade. Como resultado desse processo estabeleceu-se uma expressiva quantidade de empresas informais e de serviços com grande flexibilidade e dinamismo. O mercado financeiro é o ambiente de maior concorrência mundial, a disputa pela atração de capital internacional levou muitos países a elevarem a suas taxas de juros, inibindo investimos internos privados. Investimentos rentáveis e com grande liquidez é o que procura o capitalista atual. Tal modificação criou uma “classe financeira” (bancos). Essa preponderância apenas demonstra a autonomização do capital a juros, referido por Marx123. Os bancos a partir da década de 1980 passam a atuar de forma globalizada e incentivados pelas altas taxas de juros praticadas pelos países, principalmente os Estados Unidos. Em contrapartida, retira-se deles a possibilidade de regulação e operação consensual dos países capitalistas. No entanto, os bancos se tornaram necessários para conferir o suporte financeiro para a reestruturação tecnológica e financeira das empresas. 122 123 Ibidem, p. 44. BELLUZZO, op.cit., p. 91. Para obter lucros especulativos, os bancos apóiam os ajustes do balanço de pagamento pela taxa de câmbio flutuante adotados pelo governo, pois só assim no médio e longo prazo se estabilizaria o balanço de pagamento, inclusive com uma distribuição equitativa entre devedores e credores. O efeito de todas essas medidas causou elevação nos juros para atração do capital externo e o câmbio valorizado estimulou as importações, ancorando os preços internos, o que ocasionou um déficit no balanço das transações correntes, as exportações cresceram muito menos que as importações. 124 Para Wilson CANO, é impossível que a sustentabilidade do modelo tenha como principal determinante o fluxo de capital externo, que é influenciado por um crescimento permanente e crescente.125 O crescimento da economia também possibilita um aumento nas importações, a que inviabiliza a continuidade de crescimento em médio prazo. A política de juros elevados para conter a inflação aumenta os custos financeiros, que irão inibir investimentos produtivos, o que altera os preços na economia e fortalece a especulação126. A tendência será o aumento inflacionário ou a diminuição da acumulação privada. Assim, as políticas de combate à inflação tiveram resultados opostos ao esperado. Os juros elevados e a desvalorização cambial aumentaram os custos dos produtos e os preços, o abrupto aumento da dívida pública superou os efeitos da contenção monetária, a correção monetária apenas trazia expectativas de inflação futura. Houve um grande débito fiscal pela tomada de empréstimos para investimento no setor público e oferecimento de subsídios. Por isso, era necessária uma reordenação financeira dos países junto aos devedores, que conferiam a diminuição do Estado no setor privado, privatizações, desregulamentação e abertura comercial.127 A adoção do modelo de mercado está se convertendo hoje em decepção e desencanto, ao se constatar, na prática, as enormes limitações, não somente para distribuir equitativamente os lucros que geram, mas também para produzi-los. A fidelidade ao modelo não garante os melhores êxitos econômicos na conjuntura atual. 124 CANO, op. cit., p. 304 - 305. Ibidem, p. 318. 126 Ibidem, p. 319. 127 Ibidem, p. 299. 125 Os neoliberais não previram que a desregulamentação financeira proporcionou condições mais propícias às especulações do que a produção. A partir dos anos 80, o comércio de mercadorias reais diminuiu e aumentou o comércio especulativo128. A situação paradoxal, na qual se produz cada vez mais e se lucra cada vez mais, enquanto o desemprego daqueles que não produzem e a pobreza daqueles que não consomem aumenta, resulta desta combinação de políticas neoliberais. “O capitalismo, como o símbolo mais proeminente da modernidade contemporânea, acumula miséria e pobreza.” 129 Por conta disso, elevaram-se os gastos sociais devido ao aumento do desemprego e ao aumento dos aposentados, que proporcionou um aumento dos gastos com pensões130. Os gastos sociais em 1993, nos países da OCDE, eram mais altos que os de 1979131, no Estado do Bem-estar Social. Com um quadro social que apresenta cada vez mais desigualdades sociais e altas taxas de desemprego, alguns estudiosos entendem que em breve iniciará o pós-neoliberalismo. A crítica à economia neoliberal reside na pobreza e na desigualdade que ela gera. Aliás, estas recaem inclusive nas metas do modelo, pois o aumento da taxa de desemprego anularia o poder dos sindicatos que interferiam artificialmente no mercado. No entanto, foi justamente o contrário que ocorreu. Houve a estagnação dos salários e o aumento do desemprego, assim como as desigualdades sociais tiveram grande aumento. Os neoliberais rebatem tais críticas fundamentando que a pobreza afeta apenas as pessoas que não conseguem cuidar de si, pois não há desemprego involuntário. Nesse sentido, Atílio A. BORON constata que: “o mercado demonstrou 128 ANDERSON, op. cit., p. 16. HIRANO, Sedi & CHOI, Dae Won. Globalização e Regionalização: América Latina e a Nova Ordem Mundial. In MOROSIN, Marília Costa (org.) Universidade no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 79 apud SIMÃO, Hebert Covre Lino. Globalização, Neoliberalismo e Direito. Agora Jurídica. Disponível: <http://www.fes.br/revistas/agora_juridica/ojs/files/2005/AGJ-2005-2.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2008. 130 ANDERSON, op. cit., p. 16. 131 THERBORN, Goran. A Crise do Futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 39 – 62, p. 46. 129 ser completamente inútil para resolver estes problemas e não porque funcione mal, mas porque sua missão não é de fazer justiça, mas a de produzir lucros.” 132 Por isso, a justiça social é desacreditada pelos teóricos, qualquer tentativa torna-se inócua porque novas desigualdades fatalmente ressurgirão. A desigualdade é um estimulante que faz com que os mais talentosos desejem destacar-se e ascender, ajudando dessa forma o progresso geral da sociedade. Tornar iguais os desiguais é contraproducente e conduz à estagnação. Como êxito do modelo aponta-se o combate às hiperinflações dos anos 70, o enfraquecimento dos sindicatos, a estagnação dos salários, o aumento da massa trabalhadora ociosa, que possibilitou a recuperação dos lucros empresariais. Entretanto, os países cresceram a taxas menores que as esperadas, não alcançando as taxas da década de 1950 e 1960. No entanto, com as constantes ameaças da inflação, há uma crise de legitimidade do neoliberalismo no plano internacional e um esgotamento de suas políticas. Os governos estão percebendo que apenas manter uma política econômica que torne os países economicamente estáveis para um maior investimento privado não está sendo suficiente. O mercado, mais uma vez, não está conseguindo por si só oferecer boas condições de vida a população. Ao contrário, ainda que o nível de produção de riqueza tenha crescido no último século, a distribuição desta riqueza foi mantida se não concentrada a menos de 5% da população mundial. Nesse sentido escreveu Philip BLOND, na obra “o fracasso do neoliberalismo”: Mas, a verdadeira história do sucesso do neoliberalismo não é a disseminação dos bens para todos, mas sim a enorme e desproporcional parcela de prosperidade obtida pelos muito ricos. Nos Estados Unidos, entre 1979 e 2004, o grupo formado por 1% dos mais ricos da população experimentou uma elevação de 78% da sua fatia da renda nacional, enquanto 80% da população amargou uma redução média da sua parcela de renda da ordem de 15%. Isto representa uma transferência de riqueza da grande maioria para uma minúscula minoria de cerca de US$ 664 bilhões. 132 BÓRON, Atílio A. Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 204. [...] Os índices de crescimento na América Latina e na África, que costumavam ser maiores do que os das outras nações em desenvolvimento, caíram mais de 60% depois que os países dessas regiões abraçaram o neoliberalismo patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional na década de 1980. Atualmente essas economias encontram-se praticamente paralisadas133. Os Estados já estão passando a adotar um maior número de políticas sociais. Não se preocupam apenas em manter a economia estável. A população já não apóia mais a privatização das empresas, mas, ao contrário, que estas tenham investimentos governamentais. Nessa linha é o pensamento de SOUZA: “os excedentes gerados na empresa pública objetivam não o enriquecimento individual, mas o investimento em mais progresso econômico e mais bem-estar social”134. Discute-se a possibilidade de estar iniciando o pós-neoliberalismo há algum tempo: vive-se a contradição entre a força das transformações regressivas produzidas por ele e suas conseqüências sociais negativas, com claros reflexos numa crise ideológica de legitimidade135. Emir SADER defende a possibilidade implementar um modelo alternativo ao neoliberalismo. O neoliberalismo seria muito mais um ideal teórico do que uma implantação concreta. "Estas [dialéticas teóricas], sem aquela [experiência prática], se resumem ao acúmulo de circunstâncias, que se esgotam em si mesmas. A prática teórica, sem desembocar em experiências concretas, se esgota na impotência"136. No entanto, como ressalta SADER137, os mecanismos de mercado propostos pelo modelo estão bastante sólidos nos discursos e nas políticas dos países, porém há um 133 esgotamento ideológico. A economia de mercado mundial vem Tradução livre de: “But the real story of neo-liberal success is not the extension of assets to all, but the huge and disproportionate share of wealth attained by the very rich. In the United States, between 1979 and 2004 the wealthiest 1 percent saw an increase in their share of national income of 78 percent, whereas 80 percent of the population saw an overall decrease in their income share by 15 percent. That's a wealth transfer from the large majority to a tiny minority of some $664 billion. (…) the growth rates of Latin America and Africa, which had been higher than other developing nations, dropped by over 60 percent after they embraced IMF-sponsored neo-liberalism in the 1980's, and have now ground to a halt. In: BLOND, Philip. The Failure of Neoliberalism. Herald Tribune. Lancaster, England, 22/01/2008. Disponível em: <http://www.iht.com/articles/2008/01/22/opinion/edblond.php>. Acesso em: 02 mar. 2008. 134 SOUZA, op. cit., p. 73. 135 FERNANDES, op. cit., p. 55. 136 SADER, Emir. Perspectivas. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.102. 137 Ibidem, p. 103. “condicionando e cooptando governos”, forças sociais e intelectuais. No entanto, Emir Sader não se arrisca, assim como fez Atílio Bóron, a propor um modelo econômico sucessor, apenas sugere medidas de transição. A alternativa ainda está em aberto. Essa, no entanto, não é a visão de pensadores como Anthony GIDDENS, que sustentam que há países que não estão adotando nem um socialismo, nem o neoliberalismo puro, mas uma “terceira via”. Para alguns, a terceira via seria apenas uma “construção ideológica-marqueteira para designar um caminho intermediário entre as tendências estatizantes da velha social-democracia e o liberalismo puro e duro” 138. Tal sistema teria sido adotado pelo governo de Tony Blair, na Inglaterra, e que obteve como resultado a saída de três milhões de pessoas da pobreza ao longo de dez anos de prosperidade, com uma taxa de desemprego de 25%, estabeleceu um salário mínimo, não permitindo mais que o mercado fixe livremente os salários, assim como o governo volta a investir em serviços públicos139. Para Luiz FERNANDES, a mudança ocorrerá sob a forma de duas grandes tendências divergentes: Uma tendência que pode ser definida como alguma coisa na direção interna dos ethos comunitário-finalístico. As grandes transformações nas estruturas produtivas, tanto no plano nacional quanto internacional; a crise econômica, entendida em termos de paralisação dos crescimentos, abertura política e a crise interna do Estado, incluída aí a ineficiência do funcionamento dos seus aparelhos. Tudo isso tem levado a arena dos interesses que já não podem ser resolvidas pelo uso da força, legitimada como se o objeto fosse outro, nem pela conciliação. Em que os negociadores entram em acordo para expulsar as perdas para terceiros. Se por um lado estas disputas deslegitimam a ordem social anterior, por outro lado elas legitimam a transformação. Nessa direção pode ser que estamos caminhando para formação de um ethos pluralistas, que venha a alterar o padrão básico de integração social, sem ameaçar a coesividade da sociedade brasileira e reduzindo a 138 GIDDENS, Anthony; BORGES, Maria Luiza X. de A. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 15. 139 FERNANDES, op. cit., p. 55. desigualdade e a exclusão, que tende a ser cada vez menos socialmente toleradas140. Atílio BÓRON entende ser: “prematuro dizer que já entramos numa fase pósneoliberal, creio, sim, que é importante não perder de vista os sintomas de esgotamento que apresenta a experiência neoliberal e os obstáculos objetivos com que ela tem tropeçado no mundo desenvolvido e nos países de periferia”. 141 Demonstra o citado autor, que pensar que o capitalismo é eterno é uma idéia maliciosa, que visa principalmente à conformação da sociedade. Entende que o capitalismo, por ser um modo de produção, um dia também estará fadado à superveniência de outro.142 Atílio BÓRON afirma que “o que a classe financeira dominante procura é uma nova legitimação do capitalismo, fazendo como se fosse o último modo de produção da história”.143 Por isso, com o fim do neoliberalismo, Atílio BÓRON vê a volta das idéias socialistas, ou, pelo menos, um retorno da preocupação social, e não mais um Estado que se preocupa em manter as condições para o bom funcionamento do mercado. “Hoje, mais do que nunca, é importante desenhar uma estratégia de longa duração pela luta do socialismo”.144 O pós-neoliberalismo não será necessariamente o socialismo, nem uma nova etapa do capitalismo. Pode-se dizer que o pós-neoliberalismo, segundo Goran THERNBORN: será uma situação política e social em que os desafios e as tarefas da justiça social, os direitos sociais e econômicos de todos os seres humanos, os problemas planetários do meio ambiente e a questão da arquitetura do ambiente social estarão no centro do discurso político. Dado que o neoliberalismo como tal é uma superestrutura do capitalismo, o pós145 neoliberalismo deverá ser outra nova situação política e ideológica. Ao contrário de Bóron, Emir SADER146 não vê como alternativa ao neoliberalismo, o socialismo. Para fundamentar seu posicionamento, escreve que "[...] diante da maior crise social que o capitalismo viveu desde a década de 1930, 140 Idem. BÓRON, op. cit., p. 185. 142 Idem. 143 Ibidem, p. 186. 144 Ibidem, p.189. 145 THERBORN, op. cit., p. 182. 146 SADER, Perspectivas…, p. 110. 141 nunca a esquerda foi tão fraca.[...] Tanto os sindicatos quanto os partidos de esquerda ou se descaracterizaram ou se enfraqueceram substancialmente. Assim, existe um abismo entre o que o marxismo chama de 'condições objetivas' e 'subjetivas'". Por isso, para ele há um período de transição, a que denominou pósneoliberalismo. Emir SADER define o pós-neoliberalismo como um período de transição, mas admite que este possa ter uma duração longa; afirma o autor: Nesse período se desenvolveriam novas formas de socialização na reorganização da economia, de cooperação social, na construção de múltiplas formas de afirmação das identidades culturais, na multiplicação das formas de integração e de solidariedade internacionais. Este período se daria como transição entre o capitalismo, na sua forma neoliberal, e as sociedades pós-capitalistas. Ao longo desse período se construiriam as novas formas de subjetividade, os novos sujeitos sociais, que dirigiriam essas novas sociedades pós-capitalistas. Formas de relações mercantis seriam combinadas com formas socializadas de relações econômicas, sociais e culturais, gerando assim um período contraditório, de disputa entre as forças favoráveis à restauração da hegemonia capitalista e aquelas que 147 lutam por sociedades socialistas . Como medidas para caracterizar o ambiente de transição, Emir SADER sugere o cancelamento da dívida dos países periféricos, já que o pagamento da mesma impossibilita qualquer investimento social e estrutural na economia do país devedor. Outras medidas sugeridas seriam o imposto sobre grandes fortunas e maiores tarifas e controle sobre grandes transações financeiras, este último inibiria o capital especulativo. Também aconselha a inibir gastos militares excessivos. Além disso, sugere um melhor controle do comércio mundial, impondo um maior equilíbrio nas transações entre países. Para o plano político, requer uma efetiva implantação da Democracia, sem que esta seja apenas uma fachada e arena de combate para diferenças sociais148. No entanto, para ser possível a concretização do pós-neoliberalismo o imperialismo americano deve enfraquecer-se. Afirma-se que o imperialismo econômico continua em vigor; porém, economicamente pode-se dizer que ele perdeu bastante espaço, principalmente para a China. A sociedade civil, bem como o chamado terceiro setor, deve ser capaz de perceber a sua força e propor mudanças ao modelo neoliberal, defende que o pensamento de esquerda não têm 147 148 Ibidem, p. 89. Ibidem, p. 45. força para impor uma nova ideologia, principalmente com a desilusão que a população já teve com essa via149. Entende que, assim como o mercado está globalizado, a luta por valores sociais, democracia e justiça social reclama também uma mobilização mundial. Emir SADER sustenta que "numa economia mais internacionalizada do que antes, com os mecanismos de dependência externa mais fortes, dificilmente seria possível sair da 'financeirização' de sua economia e construir um modelo pósneoliberal, sem mecanismos consolidados de integração regional. Assim, devem correr juntos um refortalecimento dos Estados nacionais e a construção de processos de integração supranacional".150 O neoliberalismo ainda para a maioria dos autores permanece forte, mas para Atílio BÓRON, “o pós-neoliberalismo já tem mostras de surgimento em alguns países”151, e exemplifica que nos países do sudeste asiático pode-se ver claramente que a adoção da agenda do Consenso de Washington foi menor, no entanto, são bem mais dinâmicas no capitalismo do que aquelas mais fortemente influenciadas pela ortodoxia do Consenso de Washington,152 principalmente, a China, Índia e Vietnã. Desde o fracasso, a principal conseqüência está na agenda reformista elaborada pelo Consenso de Washington. A crítica ao Consenso de Washington é se trata de medidas gerais, sem considerar as particularidades dos países, como se fosse um remédio milagroso em que aqueles que o seguissem se tornariam países desenvolvidos. O contexto dos países e suas necessidades não foram levadas em consideração. Portanto, não corresponde à realidade empírica de como o desenvolvimento realmente ocorre. Apenas descreve como o avanço econômico apareceria, mais do que prescrevendo como chegar lá na prática. Em resumo, a agenda do Consenso de Washington é inatingível e inapropriada. 1.2.3 A Ascensão do Neoliberalismo no Brasil 149 Ibidem, p. 47. Idem. 151 BÓRON, op. cit., p.187. 152 Idem. 150 A política econômica neoliberal começou a ser amplamente adotada no governo de Fernando Collor de Mello, no início da década de 1990, sendo intensificada no governo de Fernando Henrique Cardoso. Luis FILGUEIRAS entende que o “processo, de implantação e evolução do projeto neoliberal, passou por, pelo menos, três momentos distintos”: 1) iniciado na da década de 1990, bastante turbulento, de ruptura com o Modelo de Substituição de Importações e a implantação das primeiras ações concretas de natureza neoliberal (Governo Collor); 2) a fase de ampliação e consolidação da nova ordem econômico-social neoliberal (primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC); e, 3) a fase de aperfeiçoamento e ajuste do novo modelo, na qual se amplia e consolida-se a hegemonia do capital financeiro no interior do bloco dominante (segundo Governo FHC e Governo Lula)153. Até meados da década de 1980 predominaram políticas desenvolvimentistas, isto é, a substituição das importações. Esta política resultou em grande crescimento na dívida externa e uma alta taxa de inflação; o Estado se apresentava financeiramente “falido”154. A dificuldade do ajuste monetário e financeiro e a complexidade da transição brasileira, do modelo de substituição de importações para uma economia de mercado, decorriam da força política da indústria nacional e da heterogeneidade pela qual estava fundada155. De 1985 a 1990 programaram-se políticas econômicas para tentar estabilizar a inflação, acabar com o regime autoritário, e também se iniciou a reforma estatal. No final da década de 1980 formou-se um grande consenso sobre as políticas de ajuste e as reformas propugnadas no Consenso de Washington. Inúmeros planos econômicos (Cruzado - 1986; Bresser-1987 e Verão-1989) tentaram em vão combater a inflação galopante. A partir de 1988 o governo retoma a renegociação da dívida externa e passa a implementar algumas reformas liberalizantes internas, que se aproximam das recomendações do Banco Mundial e do FMI156. 153 FILGUEIRAS, Luiz. Projeto político e modelo econômico neoliberal no Brasil: implantação, evolução, estrutura e dinâmica. Disponível em: < http://www.desempregozero.org.br/ensaios/ projeto_politico _e_modelo_economico_neoliberal.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008. 154 TAVARES; FIORI, op.cit., p. 149. 155 Ibidem, p. 145. 156 Ibidem, p. 150-152. No entanto, as políticas implementadas não contiveram o aumento da inflação, porém, serviram para criar um consenso entre as elites políticas, de que o Brasil não vivia apenas uma crise econômica conjuntural. O Brasil estava extremamente atrasado tecnologicamente; o mundo vivia a Terceira Revolução Industrial, enquanto o país estava na segunda. Com essas justificativas, o Brasil começou a adotar as medidas propostas pelo Consenso de Washington. O país abriu amplamente o seu comércio, desregulamentou o fluxo financeiro, privatizou serviços públicos, realizou uma ampla reforma administrativa, econômica e previdenciária. Segundo Maria Conceição TAVARES e José Luis FIORI, a agenda do Consenso adotado pelo Brasil consistiu: A Reforma administrativa, patrimonial e fiscal do Estado; renegociação da dívida externa; abertura comercial; liberação de preços; desregulamentação salarial; e, sobretudo, prioridade absoluta para o mercado como orientação e caminho para nova integração econômica internacional e modernidade institucional157. A Reforma do Estado foi iniciada com a promulgação da Constituição de 1988. No campo administrativo procurou-se realizar a transição de um modelo burocrático passou-se a adotar o modelo gerencial. No campo patrimonial foi concretizada pelas privatizações dos serviços públicos, intensificadas no governo de Fernando Henrique. A reforma fiscal foi iniciada com Fernando Collor, mediante inúmeros cortes nos gastos públicos e reestruturação da dívida. A reforma fiscal do Estado teve por marco a Lei Complementar n.º 101/2001, que impôs planejamento e limite aos gastos e endividamento do setor público. O governo Fernando Collor já havia se preparado politicamente para receber as reformas neoliberais. Nesse governo, o Brasil passou a adotar o cronograma completo do Consenso de Washington de estabilização e reformas institucionais. Collor iniciou o programa de diminuição da dívida interna, corte de gastos públicos e aumento da receita fiscal, deu um importante passo abrindo a economia brasileira, retirando boa parte do protecionismo sobre as indústrias nacionais. 157 TAVARES; FIORI, op. cit., p. 153. Houve, portanto, uma ruptura com o modelo econômico e político da década de 1980. No plano político econômico deixou-se de ter uma preocupação somente de estabilização, mas também uma preocupação de longo prazo. Trata-se de uma política econômica que não visava apenas estagnar a inflação, mas também promover reformas estruturais na economia. Inicia-se em 1991 um processo de ajuste fiscal e de estabilização, necessitando uma desvalorização da taxa cambial, para possibilitar um superávit comercial, constituição de reservas internacionais e a renegociação da dívida externa158. Para diminuir o crédito interno e permitir a apropriação do superávit primário e entrada de capitais, foram emitidos títulos da dívida púbica com juros elevados. Para a aquisição desses títulos, os bancos exigiram a indexação ao dólar, que estava fortemente valorizado pela âncora cambial e juros elevados159. Aumentou grandemente a dívida púbica e a privada e continuou a ser alto o gasto público. A abertura comercial concretizou-se pela diminuição de barreiras tarifárias, e de um controle quantitativo e administrativo sobre as importações, bem como o esgotamento da política de substituição das importações. A barreira tarifária média em 1989 era de 30,5%, em 1990 a barreira era de 32,2%, chegando em 1995, a 13%160. O maior passo foi a abolição da reserva de mercado de informática. As modificações políticas realizadas durante o governo Collor sofreram grande resistência populacional, sendo uma das principais causas que levaram ao processo de impeachment do então presidente. Havia descontentamento em todos os setores da sociedade; as empresas, pelo fim da política de substituição das importações, a classe trabalhadora, porque se encontrava temerosa com a diminuição de políticas sociais. Esta situação é bem exposta por Luiz FILGUEIRAS: A demora do projeto neoliberal se impor, no interior das classes dominantes, foi devido à complexidade da estrutura produtiva do país. Nesse âmbito, a contradição fundamental se referia, sobretudo, ao processo de abertura comercial - que atingia de forma bastante diferenciada os diversos ramos de produção industrial e agro-industrial-, em particular, a 158 Ibidem, p. 100. TAVARES, Maria Conceição. Império, Território e Dinheiro. In: FIORI, José Luis. Estados e Moedas. Petrópolis; Vozes, 2000, p. 479. 160 GENNARI, Adilson. Globalização, neoliberalismo e superpopulação no Brasil nos anos 1990. 11p, p. 4-5. Disponível em: < http://www.fclar.unesp.br/eco/amg-pesq.pdf> Acesso em: 02 abr. 2008. 159 disputa se dava em torno do ritmo e amplitude que a abertura deveria assumir. Essa contradição se expressou, conjunturalmente, na seguinte disjuntiva: a abertura deveria ser utilizada como instrumento de combate à inflação (como de fato ocorreu) ou, alternativamente, deveria se constituir, através de uma política industrial ativa, num instrumento de modernização e aumento da competitividade da estrutura produtiva do país (como pleiteava, 161 majoritariamente, o empresariado industrial) . Com o impeachment assumiu a chefia do Poder Executivo o vice-presidente Itamar Franco que continuou a adotar a agenda neoliberal, preparando inicialmente o terreno econômico, sob a justificativa de acabar com a inflação; foram realizados cortes de subsídios e revistas inúmeras isenções fiscais; cortes nos gastos públicos; houve maior êxito na renegociação da dívida externa com os bancos privados e ampliação da liberalização financeira. Fernando Henrique Cardoso, como Ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco, promoveu um novo plano econômico, buscando estabilizar a moeda. O plano real até o presente momento tem tido êxito nesta meta. Desse modo, conquistou a confiança e o apoio popular para adotar as reformas do Estado, de burocrática para gerencial, a reforma previdenciária, tributária, trabalhista, orçamentária etc. Para respaldar as políticas econômicas foi elaborado um rigoroso ajuste no balanço de pagamentos e executadas as reformas institucionais recomendadas pelo Consenso de Washington. No governo de Itamar Franco foi realizada uma reforma tributária emergencial, ampliou-se o controle de emissão de novas dívidas públicas por parte dos Estados-membros e se renegociaram as dívidas vencidas destes, bem como se renegociou a dívida externa brasileira com FMI. Itamar Franco continuou com a abertura comercial e aprovou a lei de propriedade intelectual. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o processo de liberalização da economia intensificou-se. A política econômica era voltada ao mercado externo, e com câmbio fixo, também indexado ao salário. Assim, a economia dependia fundamentalmente do fluxo de capital financeiro internacional. 161 FILGUEIRAS, Luis. Projeto político e modelo econômico neoliberal no Brasil: implantação, evolução, estrutura e dinâmica. Disponível em: < http://www.desempregozero.org.br/ensaios/ projeto_politico _e_modelo_economico_neoliberal.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008. A política monetária continuou a ser marcada pela restrição da emissão do papel moeda, a elevação das taxas de juros, a privatização dos bancos estatais e a entrada de bancos internacionais no mercado financeiro. A idéia de que os serviços públicos estariam defasados e a impossibilidade do Estado de mantê-los, devido aos constantes cortes nos gastos públicos, possibilitou a legitimação das privatizações perante a sociedade. A desestatização dos serviços públicos de telecomunicação, energia elétrica, minério e águas, nada mais são do que concretização do neoliberalismo. A privatização desses serviços públicos determina a retirada do Estado da execução dessas atividades econômicas que podem ser desempenhadas de maneira mais eficiente pelo setor privado, cabendo ao Estado apenas a sua regulação. Dessa forma, na perspectiva política, cabe ao Estado apenas o papel de coordenador estratégico de um grande esforço de compatibilização do mercado para manter a competitividade e a inserção no mercado mundial, ao mesmo tempo em que deve se preocupar com a justiça social e a democracia. As crises de 1991-1992 fizeram com que, em 1997, surgissem novas diretrizes do Consenso, motivadas principalmente da inefetividade da política fiscal e monetária aplicadas em um ambiente de recessão e inflação. 162 As críticas ao Consenso de Washington começaram a surgir em 1993, pelo próprio BIRD, mas as principais críticas foram realizadas pelo Banco Mundial em 1996 e 1997, por meio dos documentos de Revisão do Consenso de Washington e o Pós-consenso de Washington. Essas instituições internacionais chegaram à conclusão de que as reformas macroeconômicas do modelo eram “necessárias mas não suficientes”163 para que os países se desenvolvessem. Um adendo ao consenso foi elaborado sobre quatro pilares: 1) reformas liberais não garantem crescimento em longo prazo; 2) o Estado, ainda com a globalização, continua a ser a peça-chave para a estabilização da economia; 3) o Estado deve ser o coordenador do desenvolvimento estratégico; 4) a democracia é objetivo ético-político a ser alcançado, para obter um crescimento mais equitativo164. Esse novo consenso, segundo Maria Conceição TAVARES e José Luis FIORI: 162 TAVARES; FIORI, op. cit., p. 162. FIORI, op. cit., p. 39. 164 TAVARES ; FIORI, op. cit., p. 167-168. 163 reconhece na intervenção estatal um elemento decisivo de sua estratégia e quando vê na reforma do Estado um processo indiscutível de acumulação, encarada como capacidade técnica e política de coordenar a construção, juntamente com o setor privado, do novo modelo de desenvolvimento. [...] Sabem que é indispensável reduzir a sua atividade empresarial e sanear financeiramente o universo produtivo restante, a ser administrado na eficiência e em seus próprios recursos. “Sabem da necessidade de eliminar o gigantismo do Estado e concentrar a ação do Estado em núcleo de funções estratégicas”.165 A crise mundial de 1998/1999 testou a confiabilidade do modelo. O temor de que o Brasil entrasse em profunda crise econômica e financeira, como ocorreu com os países do Sudeste Asiático e a Rússia, poderia acabar com toda a estabilidade financeira da América Latina. Somente com a crise muito próxima de trazer seus efeitos ao país que o FMI emprestou 41 bilhões de dólares para respaldar o país com reservas em moeda americana e controlar a crise que estava por vir. Não se deve esquecer que o Congresso americano contribuiu com 20 bilhões de dólares166. Mesmo com a quantia emprestada, o Brasil teve que adotar outras medidas, como a flexibilização cambial, tendo vista que já não possuía mais reservas para manter a paridade da moeda. O arrocho cambial teve grande contribuição na elevação da dívida pública brasileira, porém era o meio de estabilidade da inflação. A política cambial foi interrompida abruptamente em 1999, com uma forte desvalorização cambial. A desvalorização acarretou em um grande crescimento da dívida pública privada nesse período, decorrente da desindexação do dólar. A dívida externa teve que ser renegociada, o que travou o processo de crescimento, bloqueando grande parte da capacidade de investimentos do setor público, para pagamento da dívida pública. Assim, para possibilitar mínimos investimentos e o pagamento da dívida, foram progressivamente aumentando os impostos167. 165 TAVARES, FIORI, op. cit, p. 173. COUBLIN, op. cit., p. 60. 167 Nesse sentido Luiz FILGUEIRAS, op. cit., p. 26: “A carga tributária cresceu, sistematicamente, a partir do segundo Governo FHC (1999-2002), passando de 25% para 37%, como contra-face necessária da política fiscal adotada após a crise cambial de janeiro de 1999, de obtenção de elevados superávits fiscais primários para o pagamento da dívida pública. Do total da arrecadação, 27% do seu valor vem dos salários, 49% do consumo e apenas 16% dos rendimentos do capital e outras rendas e 3% de impostos sobre a propriedade e herança”. 166 A grande dependência de investimento estrangeiro causada pela abertura comercial é o que caracteriza o sistema de mercado brasileiro. O problema é que este modelo gera competitividade entre países por investidores e, para atraí-los, o Brasil impôs a segunda maior taxa de juros do mundo. O capital estrangeiro vai a busca de aplicações com maior rentabilidade possível e com liquidez de curto prazo168. Há uma concorrência “intercapitalista” entre os blocos de capitais, internacionalizando a competição por novos mercados. As empresas nacionais também modificaram as suas estratégias, tenderam à especialização produtiva e a adotar medidas mais conservadoras, reduzindo os investimentos. As empresas nacionais, para se protegerem da concorrência externa, passaram a reduzir custos e terceirizar serviços. Abandonaram linhas de produtos que não eram tão rentáveis, racionalizaram a produção por meio da reengenharia, com o baixo preço do dólar importaram maquinarias e equipamentos, procuraram parcerias, fusões e aquisições com outras companhias. O governo Lula prosseguiu com as reformas liberais. Inclusive continuou com a mesma política econômica: reduzidas metas de inflação junto a taxas de juros elevadas, câmbio flutuante e metas de superávit primário. Já no segundo ano de governo, em 2004, foi realizada a reforma da Previdência Social. Esta não tenha sido privatizada, como a chilena, porém se passou a estimular a previdência privada. A reforma da seguridade social brasileira manteve o sistema público compulsório, porém com um teto de dez salários mínimos ao invés de 20 salários mínimos. Possibilitou que o trabalhador que queira ganhar mais na aposentadoria, faça um plano de previdência privada. Este é facultativo, faz apenas quem quer complementar renda na aposentadoria.169 Assim, buscou-se enfraquecer o sistema previdenciário, tanto como um instrumento de distribuição de renda quanto instrumento lucrativo do poderoso lobby do capital financeiro. As aposentadorias dos servidores, ainda que não financiadas pelo INSS, mas pelo Tesouro Nacional de cada ente federativo, também passou por alterações. No entanto, ainda há a previsão constitucional de um plano de previdência complementar para os servidores públicos, contudo ainda não foi regulamentado. 168 FIORI, Moedas..., p. 82. AMARO, Meirane Nunes. O Processo de Reformulação da Previdência Brasileira. Revista Informação legislativa. Brasília, a. 37, n. 148, p. 54, out/dez. 2000. 169 A próxima reforma é a reforma trabalhista. No entanto, o governo vem perdendo apoio popular para realizar tal reforma. Verifica-se que ao mesmo tempo tramitam no Congresso projetos que ampliam e projetos que reduzem direitos trabalhistas. Toma-se como exemplo o que aconteceu com a licença gestante. Havia um projeto de lei que tentava diminuir ou até mesmo suprimir o direito, enquanto outro ampliava a licença maternidade para seis meses. Por fim, venceu o projeto que possibilitava a ampliação da licença gestante.170 Assim, como a reforma previdenciária foi justificada por questões de ordem financeira, a reforma trabalhista tenta se justificar pelo Mercosul. Para que este bloco econômico progrida e se torne efetivamente um mercado comum, necessita que as empresas nele atuantes se mantenham competitivas, ou seja, a legislação dos países integrantes deve ser equivalentes171. O principal vértice da proposta de reforma trabalhista consiste na possibilidade da negociabilidade dos direitos dos trabalhadores, que hoje são inegociáveis se em prejuízo para o trabalhador. Cabe ainda mencionar que a força sindical do país está bastante fragilizada. Essa a pouco passou por uma reforma, que ainda está em discussão no Congresso Nacional. A proposta implica enrijecer a estrutura, pulverizar a criação de novas unidades e inclusive de retirar a contribuição compulsória (imposto sindical). A retirada do imposto sindical não foi aprovada pelo senadores e deputados. O Estado brasileiro não se pode dizer de todo liberal, pois paralelamente às privatizações e reformas nas instituições, permaneceram os investimentos e programas sociais. Nesse aspecto, no governo Fernando Henrique surgem os programas sociais como bolsa escola, que visava incentivar e possibilitar a freqüência de crianças carentes nas escolas, e auxilio gás, que possibilitava a cada família adquirir um bujão de gás por mês. Saúde, educação e segurança continuaram com o poder público. Com o governo Lula o programa foi ampliado para o bolsa família. Também teve início o programa fome zero. Tais programas são criticados por serem assistencialistas, ou seja, apenas “dá o peixe, mas não ensina a pescar”. 172 170 FILGUEIRAS, Projeto..., p. 49. Ibidem, p. 41. 172 Ibidem, p. 21. 171 Ainda, foi implementado o polêmico programa de cotas sociais que visa possibilitar que as minorias étnicas do povo brasileiro tenham acesso à universidade, bem como a reserva de vagas em concursos públicos. Outra reforma em discussão é a reforma tributária. Esta visa principalmente à simplificação dos tributos e o fim da “guerra fiscal” entre os entes federativos. As contribuições sociais tenderão a ser unificadas e serão desvinculadas, em parte, de programas sociais. As propostas até hoje presentes no Congresso Nacional visam acabar com a contribuição previdenciária sobre a folha de salários, o repasse do seguro de acidentes de trabalho para as empresas privadas, o fim do PIS-PASEP e o enfraquecimento do Fundo de Amparo ao Trabalhador, dentre outras medidas. Visa atingir ganhos do trabalhador e não do governo propriamente173. Por fim, uma reforma que já foi iniciada, mas que terá ainda outras fases é a reforma política, que, até então, visa estender a fidelidade partidária de todos os níveis federais, bem como um forte controle aos gastos e às contribuições de campanha. Está ainda em discussão o tipo de financiamento das campanhas, inclusive tramita uma proposta de o poder público passar a financiá-las. Tentou-se estabelecer barreiras à criação partidária, no entanto tal tópico da reforma foi declarado inconstitucional. Em 2006, passou a ser proibido a troca de partidos de agentes políticos eleitos. Em 2008, tem sido discutida a vedação de candidaturas de pessoas que estejam respondendo por crimes contra a administração pública. O governo Lula instituiu as Parcerias Público-Privadas, que possibilitam ainda maior acesso da iniciativa privada na execução de serviços públicos antes inviáveis pelos contratos de concessão comum, em que a concessionária apenas podia contar com as tarifas pagas pelo usuário. Nas Parcerias Público-Privadas, além dessas tarifas, a concessionária pode contar com contraprestações públicas.174 O Estado brasileiro está longe de ser um Estado liberal puro, porém, pode-se afirmar que vem adotando políticas de cunho muito mais liberal que social. As políticas sociais visam mais ao assistencialismo do que à resolução de questões crônicas como distribuição de renda e acesso às oportunidades. 173 FRIEDMANN, Renato. Reforma Tributária: Meio Caminho Andado. Interlegis. Publicado 29/10/2004. Disponível em: <http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/20020208060029/200401 23095453/20040127164655/20040116095046/>. Acesso: 12 abr. 2008. 174 FILGUEIRAS, op. cit., p. 49. O Estado brasileiro está se voltando mais à abertura de mercados à iniciativa privada, ao controle dos gastos públicos, à arrecadação de impostos, à segurança pública e à regulamentação de determinados setores, ao mesmo tempo em que promove políticas públicas sociais. Contudo, os gastos com políticas sociais pouco ultrapassam da casa dos 15% do PIB. Esta era uma das promessas da privatização, que o país se centralizaria apenas em investir em infra-estrutura, educação e saúde, promessa esta que não foi alcançada. A falta de investimentos em infra-estrutura estrangula o crescimento da atividade econômica, não é sem razão que está presente a ameaça de novos apagões ou filas intermináveis nos portos e aeroportos do país. Soma-se, ainda, uma falta de política para incentivo à pesquisas de tecnologia de ponta, de modo a tornar o Brasil novamente competitivo com os setores financeiramente mais rentáveis no mundo. Cabe citar o exemplo de Marcio POCHMANN: Entre 1990 e 2006, por exemplo, o peso da empresa privada nacional no interior das grandes empresas em operação no país caiu 15%. Se aliada à participação do Estado na economia, constata-se que o capital transnacional, que era representado por menos de uma empresa a cada grupo de três grandes empresas no Brasil em 1990, aproximou-se de quase 175 a metade na primeira metade da década de 2000 . A vinda de empresas estrangeiras ao Brasil, com o fim da política de substituição das importações, não trouxe grande crescimento ao país. A vinda do capital estrangeiro não é de todo prejudicial; porém, deve-se reconhecer a necessidade de um retorno do Estado para diminuir as mazelas da política neoliberal. Esta não está trazendo resultados positivos ao setor produtivo, apenas ao capital financeiro, e empobrecendo cada vez mais a sociedade. Por isso, Marcio POCHMAN entende que se deve “preparar o país para a reorganização de sua economia nesse período pós-neoliberal. A prevalência de uma economia mista pressupõe a reinvenção do mercado, capaz de possibilitar a 175 POCHMANN, Marcio. Economia Pós-neoliberal. Valor econômico. São Paulo, 04/10/2007. Disponível em: <http://ces.fgvsp.br/index.cfm?fuseaction=noticia&IDnoticia=93671&IDidioma=1>. Acesso em: 12 abr. 2008. ampliação do setor privado (nacional e transnacional) com a revisão do papel do Estado”176. E, ainda, ressalta que o “país precisa contar com a implantação de uma nova rodada de geração de empresas estatais. Nas décadas de 1950 e 1960, o país demonstrou maturidade política, tanto para privatizar o que seria função do setor privado (setor automobilístico), como para fortalecer com recursos públicos o que deveria ser estratégico ao desenvolvimento nacional (elétrico, petróleo, telefonia, entre outros)177. O Estado deve então voltar a desenvolver setores produtivos, não diretamente, mas indiretamente, principalmente, por meio de investimentos nos setores de infra-estrutura nacional, para que possa continuar a crescer e incentivar a atividade econômica dentro do país. Demonstração recente de que o Estado caminha nesse sentido é o Programa de Aceleração do Crescimento, que teve início em 2007 e conta com cinco pilares: 1) investimento em infra-estrutura, organizado em logística, energia e infra-estrutura social e urbana; 2) estímulo ao crédito e ao financiamento, principalmente o de longo prazo, pela Caixa Econômica Federal e BNDES; 3) melhoria do ambiente de investimento, mediante o aperfeiçoamento do marco regulatório; 4) desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário, por meio de uma série de medidas de desoneração tributária, combinadas com ações de modernização e agilização da administração tributária; e, 5) medidas fiscais de longo prazo, via contenção do crescimento do gasto com pessoal do governo e aperfeiçoamento na gestão do orçamento fiscal e na administração da previdência social. O Brasil deve incentivar a competitividade empresarial. As empresas precisam acompanhar os novos modelos de gestão e aproveitar os incentivos à exportação, além de uma política de produção e proteção social que serão alcançadas por uma reforma estatal. O paradigma tecnológico requer uma melhor formação do ser humano; não bastam políticas de caráter assistencial. Ao Brasil cabe não só apresentar políticas assistenciais, mas também políticas que desenvolvam a capacidade humana, ou seja, iniciando pela educação e terminando pelo incentivo ao empreendedorismo. 176 177 Ibidem Ibidem. 2 PARADIGMAS DA GESTÃO EMPRESARIAL 2.1 UM PANORAMA GERAL DAS ONDAS E ERAS DA GESTÃO EMPRESARIAL O capitalismo possui duas preocupações centrais: o acúmulo de capital e as condições de legitimidade para esse acúmulo. A gestão empresarial tem um importante papel tanto na busca da maximização dos lucros quanto na justificação dos lucros. Cabe à gestão elaborar modelos que ao mesmo tempo aumentem o lucro, mas que obedeça a um mínimo ético. Deve a gestão mostrar que a obtenção do lucro é desejável e digna de ser auferida pelos empreendedores. Dessa forma, não é possível pensar que as formas de gestão são fruto da busca incansável ao lucro, de exigências sociais e da justificação do próprio capitalismo. As teorias e práticas gerenciais existem desde 3000 a.C., contudo começaram a surgir a partir da Primeira Revolução Industrial no século XVIII e XIX. Desde o século XIX, a administração de empresas busca resolver os problemas e desafios enfrentados pelas empresas. A mecanização, a automação, a produção e o consumo em massa forçaram as empresas a crescerem de tal forma que os padrões tradicionais, em que tudo era controlado pessoalmente, não se sustentassem mais. O controle passou para as mãos dos especialistas em administração. Alfred CHANDLER JUNIOR analisa a estrutura das organizações, ou seja, o desenho que a organização tomou para integrar seus recursos, com base em estratégias e modificações da produção178. Dela surgiu a Teoria das Organizações, a qual é o fundamento da ciência administrativa, “pois dela derivam outros conceitos 178 CHANDLER JUNIOR apud LODI, João Bosco. História da administração. 6. Ed. São Paulo: Pioneira, 1997. p. 1. que orientam a estratégia, a estrutura, os processos e as funções gerenciais de qualquer organização”179. Assim, o modelo de gestão constitui um “conjunto de conceitos e práticas que, orientadas por uma filosofia central, permitem a uma organização operacionalizar as suas atividades no seu âmbito interno ou externo”180. O principal fator de adaptação estrutural da organização, como bem demonstrou Marx, é o mercado, mais do que as próprias legislações antitrustes, trabalhistas, previdenciárias, tributárias e da atuação governamental, seja como agente interventor ou não181. A manufatura, modelo de produção que deu origem ao capitalismo, é definida por Marx como a especialização do trabalhador em realizar uma tarefa específica, viabilizada pela divisão do trabalho decorrente da segmentação da estrutura produtiva182. A divisão do trabalho gera uma interdependência entre os trabalhadores, pois é necessária a cooperação de um conjunto de trabalhadores especializados em diferentes tarefas para produzir o produto183. A primeira forma de produção surgida na Revolução Industrial foi denominada por Marx maquinofatura. Além da cooperação de trabalhadores, utiliza também grandes maquinários. Os instrumentos de trabalho vão ocupar um lugar central na produção, pois muitas vezes substituirão algumas tarefas antes exercidas por trabalhadores. Esta exigiu dos trabalhadores uma menor habilidade, podendo empregar mão-de-obra com menor qualificação, como crianças e mulheres184. O trabalho humano passa a ser mero controle e manuseio de máquinas. A descoberta de novas técnicas de produção utilizada no sistema fabril era extremamente cara. O alto custo das ferramentas e máquinas levava os capitalistas a utilizá-las intensamente, a fim de obter um retorno maior e mais rápido do capital. Tal procedimento era viabilizado pelo emprego de mão-de-obra numerosa e barata, incluindo mulheres e crianças submetidas a uma jornada de trabalho de mais de 16 179 PEREIRA, Heitor José. Os novos modelos de gestão: análise e algumas práticas em empresas brasileiras. São Paulo: EAESP-FGV, 1995, 300 f. Tese de doutorado. Tese de Doutorado em Administração. p. 6. 180 Ibidem, p. 7. 181 LODI, op. cit., p. 2. 182 MARX, Karl. O Capital..., p. 412. 183 Idem. 184 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Scriba, s/d. p. 19. horas por dia. O uso da maquinaria foi relevante no aumento do exército industrial de reserva. A intensa utilização de maquinaria se justifica na busca do aumento da maisvalia absoluta, do sobretrabalho. As máquinas não são aplicadas no intuito de diminuir os esforços, mas para diminuir o custo de produção das mercadorias e aumentar o tempo de apropriação do trabalho alheio. A maquinaria é mais uma forma de apropriação da mais valia.185 O processo de produção, com a maquinaria, transformou o trabalho a partir de diferentes modos de organização e da gestão empresarial. As mudanças tecnológicas e o aparecimento de novas formas de produção são ínsitos ao próprio capitalismo186. A concorrência de empresas que produzem o mesmo produto possibilitou a ampliação e o desenvolvimento de novos produtos pela inovação constante. Para MARX: A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e toda essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. 187 Para Marx é pressuposto da existência da burguesia a transformação constante dos meios de produção, portanto as relações de produção. É justamente, essa busca constante de modificação da produção que caracteriza o capitalismo em relação aos precedentes, que buscavam não alterar o modo de produção188. MARX já abordava sobre a adoção de novas tecnologias no processo de produção. O aumento da utilização da maquinaria na produção, Marx constatou que existe uma tendência geral às empresas desenvolverem taxas de lucro 185 MARX, O Capital..., p. 424. idem. 187 MARX; ENGELS, op. cit., p. 12. 188 Ibidem, p. 164. 186 decrescentes189. O fundamento de o sistema capitalista obter taxas decrescentes de lucro estaria no aumento da produtividade do trabalho. Esta seria obtida mediante um aumento do capital constante, isto é, o capital fixo (máquinas e equipamentos) e as matérias-primas por proletário em relação ao capital variável. O trabalhador, para Marx, é a fonte da mais-valia: assim, em regra, quanto maior a composição orgânica (relação máquina por trabalhador) menor será a taxa de lucro, pois a taxa de exploração é calculada em relação ao capital variável. No entanto, Marx, no volume III do Capital, confessa que não é isso que ocorre na realidade, com o aumento do capital constante não se diminui o lucro. Afirma Marx que a taxa de lucro é calculada com base no capital total (constante e variável). Pode o lucro ser mantido com um aumento da produtividade do trabalhador durante a jornada de trabalho. O tempo necessário de trabalho é diminuído e o tempo de apropriação é elevado, nesse sentido MARX: Como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva capitalista, tem por fim baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia na qual o operário trabalha para si mesmo e, com isso, prolongar a outra parte da jornada de 190 trabalho que ele dá gratuitamente ao capitalista . A produtividade do trabalho aumenta devido à utilização da maquinaria. Possibilita-se a produção de um maior número de produtos em um menor tempo, porém há a necessidade de um menor número de trabalhadores a ser explorado no desempenho da função, por isso a taxa de lucro cai. O trabalho real incorporado na mercadoria constitui o valor individual da mercadoria, que, conforme Alex CALINICOS, “pode diferir do valor de mercado, o qual é determinado pelas condições médias de produção naquela indústria”191. No entanto, se um empresário introduz uma nova técnica de produção que leva a um aumento na produtividade dos trabalhadores, “valor individual de suas mercadorias ficará abaixo do valor social ou de mercado, porque elas foram produzidas mais eficientemente do que é normal naquele setor”192. Isso permitirá que o empresário 189 CALINICOS, Alex. Introdução ao Capital de Karl Marx. Revista Espaço Acadêmico, a. IV, n 38, jul. 2004, Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/038/38tc_callinicos.htm>. Acesso em: 23 abr. 2008 190 MARX, Karl. O Capital..., p. 427. 191 CALINICOS, op. cit. 192 Idem. possa diminuir os preços em relação ao valor social e ainda manter um lucro maior. Assevera-se que “essa situação não permanecerá indefinidamente”193. A tendência será que outros empresários também venham a adotar a tecnologia, que se tornará o novo padrão da indústria, o valor social será o mesmo do obtido pelo empresário que trouxe a inovação. O capitalista, no entanto, investe em tecnologia, pois em curto prazo detém resultados positivos194. No curto prazo ocorre uma diminuição no custo da produção, obtendo maior lucro na venda dos produtos. Entretanto, a verdadeira razão do decréscimo está no longo prazo, pois, caso o capitalista não modernize suas instalações, como já afirmado, estará em prejuízo em relação aos seus concorrentes. Nesse sentido é o que expôs Alex CALINICOS: nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método de produção, não importa o quão produtivo ele possa ser e o quanto ele possa aumentar a taxa de mais-valia, supondo que ele reduz a taxa de lucro. Contudo cada novo método de produção barateia as mercadorias. Portanto o capitalista vende-as originalmente por um valor maior que os seus preços de produção, ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre seus custos de produção e os preços de mercado das mesmas mercadorias produzidas com custos de produção mais elevados. Ele pode fazer isso, [...] porque seu método de produção está acima da média social. Mas a concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se uma queda na taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção, e finalmente atinge um equilíbrio com o resto - o qual ocorre, portanto, totalmente independente da 195 vontade do capitalista . Assim, os efeitos da inovação no processo produtivo, para Karl MARX, têm efeitos negativos no longo prazo: Por exemplo, a crescente composição orgânica de capital significa que um número menor de trabalhadores pode produzir certa quantidade de mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir com a demissão dos trabalhadores excedentes - isso pode ter sido mesmo o seu objetivo ao introduzir a nova técnica de produção. O resultado é que a acumulação de capital implica na constante expulsão de trabalhadores da produção. Está criada o que Marx chama de ‘superpopulação relativa’. Não é, como Malthus e seus seguidores postulavam, que existem mais pessoas do que alimentos para mantê-los vivos. Ao invés disso, existem mais pessoas do que o capitalismo necessita, e então esse excedente é privado dos salários de que os trabalhadores dependem para a sua existência. 193 Idem. Idem. 195 Idem. 194 Conseqüentemente a economia capitalista gera um ‘exército industrial de reserva’ de trabalhadores desempregados, o que cumpre um papel crucial no processo de acumulação. Os desempregados não proporcionam somente uma reserva de trabalhadores que podem ser lançados a novos ramos ou células de produção. Eles também ajudam a impedir que os 196 salários aumentem demais . Segundo Karl MARX, é na utilização das máquinas que estaria à raiz das crises econômicas, pois a maior produtividade do trabalho é limitada pela própria forma de produção capitalista. "A crescente incompatibilidade entre o desenvolvimento produtivo da sociedade e as relações de produção existentes até então, se expressa em contradições mais amargas, crises, espasmos"197. O exército de reserva evita um aumento dos salários, conseqüentemente, inibe o aumento dos custos de produção. Como as mercadorias tendem a reduzir seus preços, a força de trabalho, como mercadoria, também sofrerá esta tendência. Porém, como o preço das mercadorias também decresce, o poder de compra dos salários pode permanecer o mesmo. No entanto, a mais-valia cresce, pois o valor recebido pelo montante criado diminui. Uma maior taxa de mais-valia leva a lucros decrescentes, assim não há aumento dos salários198, mas o trabalho se torna mais produtivo, por isso a elevação da taxa. Heitor PEREIRA entende ser “possível estabelecer, cronologicamente, os momentos prováveis em que predominaram certas abordagens gerenciais, caracterizadas como ações de respostas das empresas na busca de um novo equilíbrio, em face de uma nova realidade externa”199. Embora ressalte que não são todas as empresas que ajustam a sua forma gerencial de acordo com as mudanças no contexto ambiental, têm estas grandes chances de se tornarem obsoletas. Para Alvin TOFFLER200, a teoria administrativa da gestão teria tido três ondas de transformação ou momentos de evolução da sociedade humana: a Revolução Agrícola, a Revolução Industrial e a Revolução dos Serviços ou da Informação201. Para Heitor PEREIRA, é a partir da Revolução Industrial que resulta o nascimento de grandes corporações industriais, surgindo as Eras Empresariais: da 196 Idem. Idem. 198 Idem. 199 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 8. 200 TOFFLER, Alvin A. Terceira Onda. Rio de Janeiro: Record,1980. p.15. 201 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p.10. 197 produção em massa, da eficiência, da qualidade, da competitividade e do capital humano202. “Em cada Era Empresarial, as práticas gerenciais predominantes definiram os respectivos modelos de gestão, cuja evolução determinou três momentos típicos: modelos tradicionais (Eras da Produção em Massa e da Eficiência), modelos contemporâneos (Eras da Qualidade e da Competitividade) e modelos emergentes (transição do Terceiro Milênio)”203. A primeira onda, conhecida como Revolução Agrícola, iniciou quando não havia mais solução dos problemas sociais de sobrevivência, cerca de dez mil anos atrás. Nesse período o homem tirava da própria natureza o seu sustento. Para superar a falta de recursos o homem passou a se fixar na terra. Em seguida, o homem já passou a dominar a matemática, a astronomia, a astrologia e a filosofia. Era sistema de produção feudal. A educação era elitizada e a sociedade patriarcal. A atividade econômica ainda era local, voltada à produção e o consumo de alimentos. Para produzi-los, utilizavam-se apenas energia e instrumentos naturais, a produção era artesanal. A segunda onda, conhecida como Revolução Industrial, iniciou com o surgimento das cidades no final da Idade Média, que possibilitou a acumulação de recursos, com rápido crescimento urbano, decorrente da emigração rural. A Revolução Industrial colocou os homens como controladores do próprio destino. O conhecimento humano é expandido por áreas como a física e química, principalmente da mecânica, propiciando grandes invenções. A base da sociedade é a família, com divisão de papéis entre os sexos e as instituições permanentes que sustentam o sistema. Grande parte da população tem acesso à educação que se estende até a idade adulta. A atividade econômica atua não só na cidade, mas passa a ser nacionalizada, com a produção de bens padronizados, tangíveis e com divisão entre produção e consumo. O modo de produção passa a ser padronizado e hierarquizado, permitindo uma maior divisão do trabalho. O método de produção era baseado na linha de montagem e partes intercambiáveis. O sistema energético já era de combustíveis fósseis, como o óleo e o carvão, já havia insumos não-renováveis, como metais. Na produção eram utilizadas máquinas que substituíam em parte a força humana. As 202 203 Idem. Ibidem, p.53. inovações tecnológicas começam a se desenvolver mais rapidamente, surge o barco a motor, carro, a lâmpada, a televisão etc. Esse período foi tão amplo que muitos historiadores o dividem em três grandes Revoluções. A Primeira Revolução Industrial teria ocorrido no período de 1820 a 1830, na Inglaterra. Caracterizou-se “por bases técnicas relativamente simples, com tecnologia não muito complexa, baixa densidade de capital por trabalhador e baixa relação capital-produto”204. As empresas ainda eram pouco complexas e com baixa produção. No entanto, esta ocorre em momentos diferentes. No Brasil, assevera Wilson CANO205, tem início entre as décadas de 1870 e 1880 e se consolida entre as décadas de 1920 e 1930, com os tumultos entre "ruralistas" e "industrialistas". Entre os anos 1820 e 1830 houve a implantação da indústria de bens de consumo leves, voltada a atender à demanda de bens de consumo e à formação de um mercado de trabalho. A Segunda Revolução Industrial inicia-se ainda na primeira metade do século XIX, a qual se desenvolve entre as décadas de 1870 e de 1890 e se prolonga até 1950. Há o aprimoramento da física e da química e importantes inovações, como motor a combustão, a eletricidade. No mercado, surgem as grandes empresas, trustes, cartéis e oligopólios; há a necessidade de grandes massas de consumidores e maiores escalas de produção. Começam a surgir os capitais financeiros e bancários e um Estado que incentiva a industrialização. No Brasil, a Segunda Revolução Industrial só ocorreu a partir de entre 1930206; trata-se de um período com forte investimento estatal na consolidação de uma infra-estrutura mínima, no incentivo à instalação de indústrias de bens de consumo durável, intermediários e de capital. Novamente, enquanto o Brasil ainda ingressava na Segunda Revolução Industrial, o mundo já estava na Terceira Revolução Industrial207. A Terceira Revolução Industrial se iniciou no fim da Segunda Guerra Mundial, consolidando o poderio do capital financeiro e das grandes companhias multinacionais. A nova potência mundial não era mais a Europa, mas os Estados Unidos. 204 Este terceiro momento caracterizou-se por um grande desenvolvimento PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 26. CANO, op. cit., p. 16-17. 206 Ibidem, p. 21. 207 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 25. 205 tecnológico, marcado pela microeletrônica, pela informática, pela indústria química e pela biotecnologia. É na Terceira Revolução Industrial que se inicia a terceira onda da administração, ou seja, a Revolução dos Serviços ou da Informação. Há uma modificação na propriedade predominante, que deixa de ser a imobiliária para ser a propriedade intelectual. A utilização e geração de conhecimento são de extrema importância devido à acentuada modificação tecnológica. A competição deixou de ser nacional ou regional, mas mundial. As empresas tiveram que se tornar mais flexíveis para poder se manter no mercado. 2.2 A SEGUNDA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL 2.2.1 Era da Produção em Massa O surgimento do fenômeno empresarial e, em conseqüência, dos modelos de gestão empresarial, ocorre a partir, sobretudo, da segunda onda, nas últimas décadas do século XIX. A gestão empresarial vem evoluindo desde então em quatro eras empresariais marcantes. 208 A escola da administração tradicional é formada pela era da produção em massa e da eficiência. A produção em massa é caracterizada pela preocupação das empresas em produzirem grandes quantidades de bens padronizados, sem um foco na qualidade. A regra era a produção em escala para diminuir os custos de produção e tornar acessível o produto a um grande número de pessoas. O processo é altamente verticalizado. Tal período iniciou nos anos 20 até o final da década de 1940. Uma segunda fase deste período foi a chamada era da eficiência, iniciada na década de 1950 e terminada em 1969. Nesse período a empresa passou a focar mais a produção, tendo maior controle administrativo, característica de sua principal vertente: a burocracia. Os trabalhadores estão sob constante avaliação e controle, sendo considerados também fatores de produção. 208 MARANALDO, Dirceu. Estratégias para a competitividade. São Paulo: Produtismo, 1989 apud PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 27. A produção em massa é composta pela Administração Científica e pela Escola de Relações Humanas, enquanto a era da eficiência é composta pela teoria Burocrática. As principais características dessas escolas são a padronização: a massificação dos produtos para atender às diversas necessidades dos consumidores; a especialização, decorrente da divisão do trabalho; a sincronização, a produção linear, contendo um tempo de produção determinado pelas máquinas; concentração de empresas, formando grandes trustes; a maximização, caracterizada pelo aumento do tamanho das fábricas e da quantidade produzida; e a centralização, principalmente do poder, com o comando centralizado de informações e decisões dentro da empresa209. A conseqüência da interação das características das teorias tradicionais de gestão levou ao inchaço das empresas. Com a Primeira Revolução Industrial surgiu a máquina a vapor de James Watt, bem como outras máquinas de grande importância para o desenvolvimento fabril. Tais invenções tornaram obsoletos os modos de gestão empresarial anteriores: de uma estrutura manufatureira, a uma estrutura industrial e mecanizada. A linha de montagem, como inovação, acelerou drasticamente o ritmo de produção e exigiu o emprego de grandes contingentes de mão-de-obra, comportando um grande número de trabalhadores para ficar sob a fiscalização dos gerentes (maior amplitude). Além disso, a especialização passa a ser necessária para manter os equipamentos de produção e coordenar cargos fabris, mas os gerentes tinham pouco tempo para desenvolvê-la. Por isso, nasce a engenharia industrial, ciência que visa melhorar e criar novas máquinas para o local de trabalho210. Em 1840 surge a administração científica, que estabelece princípios básicos para a sobrevivência e rentabilidade de uma empresa. A administração científica se caracterizou por estabelecer uma análise na estrutura formal da administração e dos processos de produção. O fluxo de produção é visto de cima para baixo, primeiro são traçados os objetivos, depois são divididos em tarefas menores. 209 TOFFLER, op. cit, p. 60-72. WAGNER, John A; HOLLENBECK, John R. Comportamento Organizacional: criando uma vantagem competitiva. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 8. 210 O fundador da Administração Científica, Frederick Winslow Taylor, era operário das indústrias de aço. Taylor revolucionou os processos tradicionais de trabalho mediante a aplicação de métodos científicos em muitas empresas. As idéias de Taylor influenciaram o mundo inteiro, mas principalmente os Estados Unidos. A implantação dos métodos de Taylor trouxe prosperidade às indústrias americanas e uma maior valorização do trabalhador211. Já entre 1880-1890, surgiram as primeiras empresas integradas e multidepartamentais. Com o crescimento das fusões nos anos de 1890, preços menores necessitavam de uma utilização racional da fábrica. Verificou-se que os empreendedores não tinham tempo ou disposição para administrar com eficiência os recursos reunidos no seu controle, por isso, inúmeras corporações fracassaram financeiramente na primeira década de 1900. Mesmo Taylor, não tinha nenhum pensamento por detrás da ação física de trabalhar. Os gestores no máximo se limitavam a estabelecer uma cota de produção212. Frederick W. Taylor, consagrado como pai da Administração Cientifica, com a obra “Princípios da Gestão Cientifica”, em 1911, discorre de maneira organizada sobre os princípios e a prática da gestão empresarial dentro de uma indústria. Ele foi o primeiro a se preocupar com o sistema de produção de uma indústria, focando o seu trabalho no estudo “de tempos e movimentos”213. Visava, a partir disso, descobrir a melhor maneira de executar uma tarefa de forma a aumentar a produtividade do trabalhador, seja por meio de uma melhor seleção, seja por meio de treinamento do mesmo. Para isso, analisou cada etapa da produção de uma oficina mecânica e passou a cronometrar as atividades, e posteriormente, estudava uma melhor maneira de o empregado desenvolver aquela determinada tarefa. Este passou a ser supervisionado por alguém mais especializado, para evitar desperdícios. Taylor se preocupou com aspectos ligados ao trabalho nas fábricas: como racionalização das tarefas, estudos de tempo e movimento de produção. Dessa p. 118. 39. 211 SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teorias da administração. São Paulo: Pioneira Thompson, 2001. 212 HUSNI, Alexandre. Empresa Socialmente Responsável. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 213 TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1970. forma, visava ao aumento de produtividade e à eficiência. A Administração Científica objetivava “incrementar a produtividade do trabalhador por meio de uma análise científica sistemática de trabalho do empregado, atingindo uma maneira melhor de realizar o trabalho, assegurando prosperidade para o empregador, conjugada com a máxima propriedade para os trabalhadores”214. Além de estudar os tempos e movimentos, redefinindo a forma de trabalho, na primeira obra, Administração de Oficinas (Shop Management), em 1903, Taylor215 conclui que o objetivo do administrador é pagar bons salários e reduzir os custos de produção mediante a padronização, para obter maior controle da produção. Estabelece a necessidade de um gerente ou supervisor para controlar o trabalho dos operários. Outra tarefa dos gerentes seria selecionar trabalhadores com maior aptidão para o desempenho do trabalho e lhes proporcionar treinamento. Para Taylor, os trabalhadores e empregadores deveriam abandonar a rivalidade pelos salários e unirem-se para produzir maiores ganhos. Todos os que participam do processo de produção devem ter um objetivo e um plano comum. O objetivo principal da gerência consiste em garantir a prosperidade da empresa, que refletiria em ganhos para o trabalhador e para o capitalista: um obteria dividendos mais altos enquanto o outro, salários mais altos. As causas do antagonismo entre patrões e operários, para Taylor, se resumiam a três: “falácia de que a eficiência do trabalho iria reduzir o número de empregos; o comportamento não racional dos gerentes visando proteger seus interesses e os métodos antiquados de trabalho”. 216 Eram basicamente quatro princípios da administração científica de Taylor: 1) utilizar métodos científicos para determinar o melhor modo de executar cada tarefa; 2) selecionar a pessoa mais adequada a cada trabalho para a sua execução; 3) treinar o trabalhador para executar o trabalho corretamente; 4) monitorar o desempenho do trabalho para garantir que os detalhes nos procedimentos sejam seguidos corretamente e que sejam alcançados os resultados apropriados. Neste sistema podem-se retirar algumas características: a responsabilidade pela 214 SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 121. Ibidem, p. 120. 216 LODI, op. cit., p. 31. 215 organização do trabalho fica com os gerentes, assim como a produtividade do trabalho, com apoio na distribuição do trabalho e eliminação de interrupções217. Os princípios da administração de Taylor foram importantes para precisão da engenharia e produção do trabalho das pessoas. Esses princípios ajudariam a melhorar uma organização, pois a tornava flexível. A administração para Taylor deveria ser um sistema e deter padrões. Por isso, propôs princípios gerais amplos, que poderiam ser aplicados de muitos modos. Um dos mais importantes é o princípio da exceção, pelo qual a administração deveria se concentrar nas tarefas estratégicas e de grande importância, deixando as tarefas padronizadas e de rotina para o pessoal operacional.218 Os gerentes deveriam evitar os detalhes da administração da fábrica, delegando isso para os subordinados e especialistas e preocupando-se com as exceções. O sistema de Taylor não era autoritário, anti-sindical ou desonesto, apenas queria uma maior participação do trabalhador na produção, de forma que aqueles que fizessem mais que a média fossem melhor remunerados. As idéias de Taylor foram utilizadas por Henry Ford, quando fundou, em 1902, a Ford Motors Company, estabelecendo uma produção em série e incrementando as vendas pelo barateamento do produto. Ford teve grande importância prática para a Teoria da Administração Científica. Aperfeiçoou a linha de montagem e produziu os próprios insumos. O modelo de produção fordista se caracterizava pelas linhas de montagens, que consistiam em esteiras rolantes, divididas em etapas de produção; na medida em que o produto passava pela esteira, para cada etapa haveria um trabalhador. O movimento da esteira impões o ritmo dos trabalhadores. O inconveniente era que as fábricas deveriam ser amplas e poucos produtos poderiam ser produzidos. O êxito, no entanto, foi o aumento da produtividade do trabalhador, pois elevava a intensidade da produção, bem como economizava tempo e material.219 Com o aumento da produtividade, Ford achava justo pagar altos salários, de modo a 217 WAGNER III; HOLLENBECK, op. cit., p. 9. SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 124. 219 Idem. 218 incentivar os trabalhadores e torná-los consumidores dos produtos que produziam. Dessa forma, buscava viabilizar um consumo de massa.220 A empresa para Ford e Taylor dividia-se em planejamento e execução. No planejamento, os técnicos elaboram os métodos de produção e o próprio trabalho; na execução, os operários só efetuam o trabalho que lhes é levado às mãos. A padronização do trabalho assegura ritmo e rotina constantes. No sistema de Taylor, o operário executava o serviço em um determinado tempo, e a partir disso se planejava a produção. No sistema fordista o operário é que adapta seus movimentos à velocidade da esteira rolante. Taylor se importava com a economia do trabalho humano. Ford se preocupava com a economia do material e do tempo221. A segunda escola que caracteriza esse período foi desenvolvida por Fayol e é denominada Teoria da Administração. Fayol ficou conhecido pela sua obra “Administração Geral e Industrial” publicada em 1916. Nesta obra fez uma abordagem voltada à estrutura hierárquica das empresas, pois nela estaria a eficiência da produção. Desenvolveu princípios diferenciados dos de Taylor. O Fayolismo, segundo a teoria da administração, vem completar o taylorismo, validando e melhorando os enfoques222. A chave do sucesso estava no problema do pessoal e da administração. Considerou também crucial a clareza das relações hierárquicas bem expressas na unidade de comando – cada subordinado tem um só chefe e para cada chefe é inequívoco quem são as pessoas que respondem perante ele223. Desenvolveu catorze princípios para uma boa administração: divisão do trabalho (tarefas e especialização), autoridade (dar ordens e obedecê-las), disciplina, unidade de comando (um superior hierárquico), unidade de direção (um só plano), interesses individuais versus interesses gerais (igual respeito), remuneração do pessoal (deve haver justa e garantida satisfação para os empregados e para a organização em termos de retribuição), centralização (gerentes), cadeia escalada (hierarquia), ordem (evita desperdício e esforços), 220 Ibidem, p. 126. LODI, op. cit., p. 75. 222 SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 153. 223 LODI, op. cit., p. 45. 221 eqüidade (respeito e justiça para ganhar a lealdade do pessoal), estabilidade da ocupação (tempo de aprendizado da função), iniciativa e espírito de equipe224. Os administradores deveriam utilizar esses princípios com intuição e habilidade, não haveria um padrão mecânico para a aplicação. Assim, Henry Fayol definiu as funções universais que todos os administradores desempenham e os princípios que constituem a boa prática da administração. A grande crítica aos princípios era que eles dificilmente poderiam ser confirmados. A vaguiedade impedia que fossem muitas vezes aplicados do modo certo, com possibilidades de colidirem e se anularem225. Henry Fayol percebeu que cada trabalhador participa da administração da sociedade. Para ele, o sucesso de uma empresa estaria mais ligado às habilidades dos altos executivos do que às habilidades técnicas dos trabalhadores. Por isso, qualquer organização necessitava de administração. Os administradores deveriam ter algumas qualidades, conhecimentos e experiências específicas para melhor desempenho das funções. Apontou como funções essenciais da administração: planejamento das atividades futuras e objetivos de desempenhos, organização dos recursos ou da estrutura da empresa para permitir a execução de planos já definidos, coordenação e comando da mãode-obra na direção dessa implementação e controle dos esforços globais pela comparação entre os resultados obtidos e objetivos planejados226. Toda empresa teria seis tipos de atividades: técnicas, comerciais, financeiras, segurança, contábeis e administrativas. Estas operações eram essenciais a toda empresa. O que diferencia o método de Taylor do de Fayol é que aquele começou o estudo pelos trabalhadores, enquanto este, pelos dirigentes. Por isso, o primeiro estudou da base para o topo, enquanto o segundo estudou do topo para a base. Taylor se preocupava com a relação dos trabalhadores com o seu trabalho, já Fayol se preocupou mais com a organização da empresa. Taylor estudou cientificamente o trabalho humano e o da máquina. Fayol estudou cientificamente a tarefa do 224 Ibidem, p. 46. LODI, op. cit., p. 47. 226 SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 134. 225 dirigente, do qual são fatores fixos: capital, expedientes, ferramentas ou instrumentos, processos e valor técnico. O variável é a administração227. O taylorismo e o fayolismo possibilitaram a otimização da produção a partir da aplicação do conhecimento ao trabalho. 2.2.2 Era da Eficiência A Escola Burocrática, tendo como mentor Max Weber, é a última escola que demarca os modelos tradicionais de gestão, integrando a era da eficiência e não a era da produção em massa. A Era da Eficiência demarca o que Fernando MOTTA228 chama de transição da teoria da administração para a teoria das organizações, isto é, a tentativa de estudar o sistema social em que a administração se exerce com vistas a sua maior eficiência em face das determinações estruturais e comportamentais. É a preocupação com a eficiência do sistema. A teoria da administração burocrática proveio da necessidade de organizar as empresas que utilizavam instalações maiores e com uma produção mais complexa. A organização, para Weber, fazia parte de um contexto social, influenciado pelas mudanças sociais, econômicas e religiosas. Esta teoria, originada na Europa ocidental, no início do século XX, buscou uma racionalidade técnica para projetar e construir um sistema administrativo baseado no estudo exato dos tipos de relacionamento humano necessários para expandir a produtividade. Trouxe à administração um estudo institucional229. A burocracia consiste em “um sistema social organizado por normas escritas, visando uma racionalidade e igualdade no tratamento de seus públicos, clientes ou participantes”.230 Weber, apesar de sociólogo, se destacou com o modelo burocrático, pois analisou a eficiência de cada estrutura gerencial. O modelo burocrático contempla a 227 Ibidem, p. 135. MOTTA, Fernando C. P. Teorias da Organização: evolução e crítica. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2001. p. 13. 229 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 34. 230 LODI, op. cit., p. 93. 228 integração (hierarquias e regulamentos) e a diferenciação (divisão do trabalho e especialização de tarefas) para melhorar um trabalho específico. Para ele, qualquer organização com características burocráticas seria eficiente231. A Escola Burocrática buscou desenvolver um modelo em que as organizações atingiriam a máxima eficiência. Partiu da premissa do homem administrativo, ou seja, o comportamento humano é orientado pela racionalidade: o comportamento humano é previsível232. Weber apresentou um estudo sistemático, criando a estrutura da autoridade. Havia sempre uma estrutura hierarquizada, organizada e estável. Cada funcionário tinha bem definido a sua atividade e a sua relação com os demais. Tratava-se de uma estrutura hierarquizada baseada na autoridade. A teoria da autoridade também é conhecida como estrutura do controle social. Cada pessoa se dirigiria a uma pessoa diretamente superior na hierarquia baseado na autoridade. Autoridade para Weber é diferente de poder e persuasão. Poder era a probabilidade de o indivíduo executar sua vontade apesar de resistências opostas233. Já a persuasão seria a faculdade de o indivíduo influenciar a decisão ou ação de outro mediante a razão, a argumentação e a lógica234. A autoridade seria exercida por meio de ordens ou decisões obedecidas voluntariamente, porque a fonte de onde elas emanam é considerada legítima235. A autoridade é exercida pelo cargo e não pela pessoa. A autoridade poderia ainda ser tradicional (ordem social sagrada), carismática (em uma pessoa, contra ordem social) e racional (normas sociais, administradas pela meritocracia). Esta deveria predominar nas empresas e nas repartições públicas. A administração burocrática seria “o exercício do controle com base no conhecimento”.236 As organizações burocráticas teriam como características: a seleção e a promoção (caráter objetivo), a hierarquia e a autoridade, as regras e os regulamentos (orientação coerente e imparcial), a divisão do trabalho, documentação escrita (registros conferem consistência e base para avaliação dos 231 Ibidem, p. 94. SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 196. 233 Ibidem, p. 163. 234 Idem. 235 Idem. 236 SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 164. 232 procedimentos), a propriedade e a administração eram distintas. Pela primeira vez o administrador é visto como um profissional. As vantagens do modelo burocrático seriam a racionalidade, a previsibilidade, a democracia e a especialização estrutural. A especialização tornaria mais fácil apurar as responsabilidades, traria rapidez de trâmite, por estar este bem estabelecido, com uma hierarquia formalizada e regulamentos específicos. Como desvantagens encontram-se a limitação da espontaneidade, a despersonalização do relacionamento, a substituição de objetivos por normas e os conflitos entre clientes e funcionários. No entanto, as críticas sobre esse modelo residem justamente no excesso de confiança na disciplina, sem levar em conta que nem sempre serão os mais qualificados que tomarão as decisões. Tal modelo não previa ineficiências geradas dentro do próprio sistema. Tratava os indivíduos como máquina, sempre exercendo as tarefas de forma homogênea. Ademais, o excesso de formalismo e a despersonalização levam à ineficiência. Robert MERTON apontou como conseqüências imprevistas da burocracia: a internalização de diretrizes e normas (meios passam a ser objetivos), maior despersonalização nos relacionamentos, hierarquia com base do processo decisorial e formalismo e conformidade às rotinas237. A burocracia foi adotada como modelo gerencial por empresas e por Estados nos anos 1930 e continuam até os dias atuais. Ainda encontram-se empresas e Estados que em maior ou menor grau adotam o modelo. O modelo foi bem aceito, como se percebe em Reinaldo SILVA: “Todos os tipos de atividades administrativas utilizam a burocracia, isto é, o trabalho baseado em papéis e documentos movimentados em seqüência continua entre as várias unidades componentes da estrutura organizacional”238. Na administração pública, a burocracia foi introduzida com o objetivo primordial de combater os males do patrimonialismo, tais como a corrupção e o nepotismo. Como se pode perceber a permanência de desvios até os dias atuais, conclui-se que a burocracia não atingiu seu objetivo. 237 238 MERTON apud SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 196. SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 159. Os modelos burocráticos acabaram defasados principalmente pelas grandes modificações tecnológicas, que trouxeram à sociedade alterações rápidas e inesperadas. Companhias gigantescas criaram inúmeros setores ineficientes, verdadeiros cabides de emprego. Com a modificação da filosofia organizacional, a rigidez e os custos estruturais, a tendência a partir da terceira revolução industrial foi o enxugamento da organização. 2.3 A TERCEIRA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL A administração está deixando de ser um instrumento de controle de cima para baixo, no qual os gerentes detêm todo o poder e os trabalhadores têm pouca voz ativa naquilo que fazem. A ênfase da terceira onda, no mundo empresarial, passa da produção em massa, de artigos descartáveis e baratos, à produção de bens e serviços de elevada qualidade, com produção limitada e visando atender consumidores individualizados ou a um pequeno grupo. A transformação no modelo de administração da terceira onda requer uma maior flexibilidade do sistema e exige uma maior ênfase na qualidade. Até então os modelos de administração eram vistos como únicos, poderiam ser adotados por qualquer empresa. No entanto, a partir da década de 1970, percebe-se que nem sempre um dado modelo de administração é o ideal para uma empresa. O modelo predominante pode vir a ser adotado com algumas adaptações, considerando as particularidades de cada empresa. A globalização dos mercados financeiro e comercial fez com que as empresas se preocupassem mais com a concorrência do mercado239. As empresas estão reagindo pela aplicação da administração de qualidade total, que exige reestruturação dos modos pelos quais o trabalho é dividido em tarefas e depois coordenado entre os funcionários. As modificações vêm sendo atribuídas à globalização, que trouxe ao mercado uma competição mundial, que está influenciando muito a maneira de conduzir a atividade e promete continuar a fazê-lo 239 Idem. em um ritmo acelerado, pois a empresa que não acompanha as mudanças na forma de produção está fadada à falência240. As inovações nas formas de gestão empresarial trazidas pela globalização são denominadas modelos contemporâneos de gestão, que decorrem da inovação tecnológica trazida pela terceira Revolução Industrial. Compreende a era da qualidade (a partir de 1970), a era competitividade (final dos anos 80), a era do Capital Humano (a partir de meados de 1990)241 e a Era do Capital Humano (2000). 2.3.1 Era da Qualidade A Era da Qualidade preponderou entre 1970 a 1989. Ao contrário das eras anteriores que se preocupavam com a produtividade e com a eficiência da empresa, a Era da Qualidade visa à satisfação do cliente pela melhoria contínua do processo de produção. A gestão é caracterizada pela formação de equipes, para motivar e comprometer os trabalhadores com os resultados, ou seja, a satisfação dos clientes. Há a criação de uma variedade de linhas de produtos242. A reorganização da empresa provocou maior eficiência na produção e distribuição. As diferenças de custos foram diminuídas, entretanto, a margem de lucro também caiu. A saturação dos mercados fez com que as empresas desenvolvessem novos produtos e priorizassem a qualidade. As organizações passaram a ter na sua estrutura áreas de pesquisa e desenvolvimento, engenharia do produto e desenho industrial. Esta estruturação se deu após a Primeira Guerra Mundial. As indústrias, que antes produziam armamentos e demais arsenais para a Guerra, deveriam buscar a sua reinserção ao mercado consumidor. A terceira onda compreendeu uma resposta adaptativa ao mercado243. Ao longo dessas três eras, o paradigma do poder político e econômico se desloca da posse da terra para a detenção do capital financeiro; portanto, bancos e indústrias constituem o símbolo institucional desta Onda (Revolução da Informação). A base da economia, na Era da produção em massa e da eficiência, era o mercado nacional, cuja atividade é a produção de bens padronizados, tangíveis e 240 MARX, O Capital..., p. 412. PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 58. 242 Ibidem, p. 59. 243 SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 201. 241 com divisão entre produção e consumo. Há uma divisão complexa do trabalho, com mão-de-obra baseada em habilidades específicas, modo de produção padronizado e organizações com vários níveis hierárquicos, orientados para o controle das operações244. A forma da organização deve seguir a função do negócio. O negócio se revitaliza se a organização se adéqua a ele. Na terceira era, a era da qualidade, há o aparecimento de grandes empresas ligadas ao setor de informática e grande quantidade de inovações. A distância e o isolamento foram diminuídos pela economia global. Houve formação de alianças estratégicas, permitindo melhor utilização dos recursos externos, minimizando riscos e compartilhando informações em tempo real. A terceirização também passa a ser utilizada de maneira generalizada, permitindo que as empresas foquem no seu principal negócio (core competence). A gestão japonesa foi a primeira representante da Era da qualidade. Surgiu após a Segunda Guerra Mundial, baseado na cultura japonesa “pátria-famíliaempresa”. Esse modelo de gestão tem sua origem nos chãos de fábricas japoneses, que priorizavam eliminar qualquer tipo de desperdício e promover o melhoramento contínuo. Possibilitou que os produtos japoneses rapidamente alcançassem o mercado mundial. As empresas japonesas aplicaram conhecimento e tecnologia de ponta, sendo ajudadas por incentivos governamentais. O modelo japonês é um modelo de gestão fortemente embasado na participação direta dos funcionários, principalmente quanto à produtividade e à eficiência na realização de uma tarefa. Com tais medidas, a implementação da gestão japonesa superou o índice de produtividade de qualquer empresa ocidental. No entanto, o sucesso se deu “principalmente, por causa do perfil cultural dos cidadãos, obedientes e disciplinados. Foram os primeiros a romper com a hegemonia americana, principalmente na eletrônica e no automobilismo”245. A principal característica desse modelo, no entanto, é a presença de um forte controle da qualidade, com base em métodos estatísticos para produtos e prazo de entregas. Esse modelo se fundado em uma administração participativa, com negociação de metas, trabalho em grupo, participação dos funcionários nas 244 245 LODI, op. cit., p. 47. PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 73. decisões, controle exercido por intermédio de liderança. Há a prevalência do planejamento estratégico, necessário para diminuir desperdícios e obter flexibilidade para conquistar os clientes. Para esse modelo, a empresa é um sistema, pois percebe o inter-relacionamento entre seus diversos componentes246. Com forte volatilidade do mercado, há a necessidade de se implantar uma gestão flexível, com redução de estoques, nivelamento e equacionamento da produção. Há ênfase no trabalho em grupo, cooperação e aproveitamento da potencialidade humana. A mão-de-obra deve ser padronizada para possibilitar um fluxo contínuo e interação entre homem, máquina e processo. Aos trabalhadores também cabe a manutenção preventiva das máquinas, bem como a limpeza e arrumação. Há constante terceirização de fornecedores e distribuidores, não sendo mais funções exercidas diretamente por empregados da empresa. Busca-se a redução ao mínimo dos custos fixos, o que torna a empresa mais flexível em tempos de crise247. Assim como as técnicas da gestão japonesa, têm-se: o Just in time, que consiste na sincronização do fluxo de produção desde os fornecedores aos clientes, a entrega da matéria-prima e dos produtos é feita no momento em que são requeridos, eliminando os estoques; o kanban, sistema de informação visual que aciona e controla a produção de acordo com a demanda, ou seja, um sistema de programação e controle de produção que visa "enxugar" atividades-meio que não agregam valor ao cliente (supervisão, controles administrativos e outros); a muda, visa à eliminação de desperdícios; o kaizen, consiste no melhoramento contínuo em todos os aspectos; o keiretzu, que é a forma que as empresas japonesas se intercomplementam, por meio de redes horizontais e verticais que integram toda a cadeia produtiva; e o Reni, que visa à aprovação da decisão por todos, de modo que gere um comprometimento individual com o resultado ou a meta estabelecida pelo grupo. A busca pela Qualidade Total (Total Quality Control) recai também sobre o processo de produção, não só sobre o produto final. Para efetuar o controle há os Círculos de Controle de Qualidade (CQC); estes seriam “grupos informais de 246 247 Ibidem, p. 75. Ibidem, p. 75-89. trabalhadores que espontaneamente passam a buscar soluções criativas para os problemas da área ou da empresa”.248 A produção é autogerenciada por cartões ou painéis, permitindo o encadeamento de todas as atividades do processo, incentivando a produção. O modelo propõe também uma estrutura de produção bastante flexível, pois “permite a fabricação simultânea de vários modelos e especificações de produtos, atendendo demandas individualizadas dos nichos de mercado”249. Os pontos negativos desse modelo de gestão consistem no fato de que há necessidade de uma cooperação irrestrita das pessoas envolvidas e é um sistema praticamente sem folgas. Dessa forma, qualquer erro pode causar enormes prejuízos. Exige-se uma mão-de-obra qualificada e um aprimoramento constante dela. Devem ser levados em consideração, como riscos do ambiente econômico da terceira onda: a diminuição do ciclo de vida dos produtos, a concorrência predatória e o excesso de consumismo e o aumento do número de produtos produzidos. Um segundo modelo de gestão da era da qualidade seria a administração participativa. Esta não possui uma origem definida, até mesmo porque são poucas as empresas que adotam este modelo250. Acredita-se que com o desenvolvimento de uma “consciência de classe trabalhista, a elevação do nível educacional, a complexidade das empresas modernas, a velocidade vertiginosa de mudanças e a intensificação das comunicações” são razões para incentivar uma maior inclusão dos funcionários na gestão das empresas. A filosofia básica do modelo de gestão participativa, assim como a japonesa, é a busca do comprometimento individual com os resultados ou com a missão da empresa, por meio de processos decisórios consensuais e de trabalho em equipe. Valoriza a capacidade de as pessoas tomarem decisões e resolverem problemas, pretendendo aprimorar a satisfação e a motivação no trabalho, contribui para melhor desempenho e a competitividade das organizações.251 Dirceu MARANALDO define a administração participativa como o: 248 Ibidem, p. 93-98. Ibidem, p. 97. 250 Ibidem, p. 103. 251 Ibidem, p. 107-110. 249 conjunto harmônico de sistemas, condições organizacionais e comportamentos gerenciais que provocam e incentivam a participação de todos no processo de administrar os três recursos gerenciais (Capital, Informação e Recursos Humanos), obtendo, através dessa participação, o total comprometimento com os resultados, medidos como eficiência, eficácia e qualidade252. A participação consiste na criação de oportunidades para que as pessoas também influenciem as decisões que as afetarão. Participação é uma hipótese especial de delegação, na qual o subordinado obtém maior controle e maior liberdade de escolha em relação as suas próprias responsabilidades. Para obter sucesso na implantação da administração participativa, a empresa deve harmonizar o sistema de produção em todos os setores da empresa, de modo a evitar conflitos de gestão interna; a estrutura organizacional deve ser flexibilizada, ou seja, diminuir o número de hierarquias e normas; os gerentes devem ter capacidade de incentivar a participação dos trabalhadores253. Deve, a empresa, ter claro quais são as metas e os objetivos a serem alcançados. Esse modelo está condicionado à comparação de todos os trabalhadores e o compromisso destes com os resultados. Dessa forma nenhum trabalhador deve ser afastado da administração. O problema está na tomada de decisão, que pode ser muito morosa.254 Deve a empresa ter apenas trabalhadores comprometidos com os resultados, harmoniosos e conscientes na tomada da decisão, bem como do papel que desempenha na empresa. Esse modelo de gestão visa democratizar a administração, atender e equilibrar os interesses das várias pessoas envolvidas. São exemplos de participação indireta: comitês de empresa, função consultiva, cooperativa, que possuem baixo poder de decisão; negociação coletiva, para esclarecer condições gerais de emprego e trabalho, mediante negociação entre dirigentes e sindicalistas; co-gestão, a qual institucionaliza a representação dos funcionários na direção efetiva da empresa, em órgãos e proporções variáveis; e, autogestão, que consiste no 252 MARAMALDO, Dirceu. Estratégias para a competitividade: Administração para o sucesso. São Paulo: Produtivismo Artes Gráficas, 1989. p. 30. 253 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p.112. 254 SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 154. exercício coletivo de poder, por meio da autonomia de grupos de membros da empresa para decidir acerca dos destinos, processos e resultados do trabalho255. Há diversos níveis de administração participativa, desde a heterogestão à autogestão256. O estágio vai desde a informação-reação, consulta facultativa, consulta obrigatória, elaboração-recomendação, co-gestão, delegação até a autogestão. Para Maria Tereza LIBONI e Magali PEREIRA, toda a empresa é uma equipe voltada para o objetivo primário de manter-se competitiva no mercado257. Na Alemanha, foi desenvolvida sob a forma de co-gestão; na França, participacionismo; no Japão, pelo controle de qualidade, na participação indireta, em que os diferentes membros da empresa participam das funções diretivas, estes são escolhidos pelos trabalhadores para este fim; nos EUA, na participação direta, isto é, dirigida pela pessoa considerada individualmente258. No Brasil, a autogestão e a cogestão foram vistas como alternativa para evitar a falência e o desemprego. 2.3.2 Era da Competitividade A era da competitividade teve início a partir de 1990. Seus métodos de gestão visam instituir mecanismos que buscam manter a empresa no mercado. Tais modelos começaram a ser utilizados principalmente pelo avanço da globalização. Agrega a qualidade de serviço, estratégias para se manter no mercado, como parcerias com outras empresas e modelos de gestão com variados enfoques como a reengenharia, a terceirização, gestão de inovação e corporação virtual. 255 Idem. As características das empresas autogestionárias, segundo Maria Tereza LIBONI e Magali PEREIRA: “a) o controle é exercido pelos trabalhadores, b) eliminação da hierarquia entre os cargos, da separação entre a concepção e execução do trabalho, assim como da diferença de retiradas em função do tempo de trabalho, c) descentralização e participação direta dos associados nas decisões, d) valorização dos associados, e) lucro como forma de desenvolver o sistema organizacional a serviço dos associados e da coletividade f) primazia dos associados sobre o capital. Pode-se agregar ainda a preocupação com o desenvolvimento intelectual dos agentes envolvidos, pois o sistema visa a romper com o sistema de produção capitalista, o qual reduz o trabalhador apenas à força de trabalho, ignorando suas potencialidades”. In: LIBONI, Maria Therezinha Loddi; PEREIRA, Magali Cecili Surjus. Entre contradições e inovações: a pesquisa de uma empresa de autogestão. O risco da naturalização da realidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 2002, Bahia. Anais. CD-ROM. 256 257 258 Idem. PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 105. As empresas, nesta era, buscam superar as expectativas do cliente pelo próprio talento e conhecimento humano de trazer inovações, pelo compartilhamento de lideranças. Até mesmo adotam parcerias com empresas concorrentes para que atuem juntas no mercado259. A administração empreendedora é o primeiro modelo de gestão da era da competitividade. A competitividade do mercado, nos anos 80, obrigou as empresas a reagirem. Segundo Peter DRUCKER, este modelo de gestão possui como características: a empresa deve receber bem inovações, assim como incentivá-las, vê-las como uma oportunidade; realizar constantes avaliações da empresa, reestruturação de cargos e salários260. Visa à inovação interna e externa da empresa voltada aos clientes. Nesse modelo não se podem misturar os cargos administrativos e empreendedores, também não se devem diversificar demasiadamente os produtos a serem produzidos, ou adquirir pequenas empresas ou negócios existentes. Esse modelo de gestão surge do crescimento da competitividade mundial na década de 1970, principalmente pelo crescimento das empresas japonesas. No início da década de 1980, o modelo japonês vigorava e trazia grande sucesso às empresas japonesas, como esta se pautava em características culturais, não seria passível de ser adotadas em outras culturas261. Como reação, a Europa e os Estados Unidos adotaram a administração empreendedora. A administração empreendedora transformou os departamentos em pequenas empresas, com autonomia operacional. Apenas a administração financeira estava ligada à administração central. A execução da produção era organizada por equipes lideradas por um gerente e visavam sempre à busca de novas oportunidades. Passam a realizar parcerias e estratégias para que desenvolvam juntos novos produtos e abram novos mercados. Os empregados que auxiliassem no crescimento da empresa seriam recompensados com ganhos proporcionais aos resultados262. 259 Ibidem, p. 106. DRUCKER, Peter. Inovação e Espírito Empreendedor. São Paulo: Pioneira, 1986. p. 20. 261 SANTOS, Antônio Raimundo dos; et. ali. Gestão do conhecimento. Disponível em: <http://www1.serpro.gov.br/publicacoes/gco_site/m_capitulo01.htm>. Acesso em: 20 mar. 2008. 262 Idem. 260 Outra característica está voltado aos administradores, assim como aos trabalhadores, cabe a constante busca de oportunidades e novos negócios. Assim, o funcionário deve também ser empreendedor. A recompensa a estes será individual ou por equipe pelos resultados globais da empresa, ou seja, participação nos lucros ou bonificações. Há constante formação de parcerias e alianças estratégicas para aumentar a competitividade da empresa, possibilitando maiores investimentos no desenvolvimento de novos produtos e serviços263. A empresa deve achar um mecanismo de incentivo para os trabalhadores aproveitarem a criatividade que possuem, tanto com auxílio financeiro como por satisfação pessoal. Assim, as pessoas devem ter certa autonomia funcional, sendo mais acompanhadas pelos resultados gerados. Esta gestão não impede a adoção concomitante de outras formas264. A vantagem desse modelo é que ele é altamente flexível e adequado às novas formas de mercado. As críticas residem em como incentivar o trabalhador por realização pessoal, não só financeira. Está em buscar meios de incentivá-lo. Outro ponto crítico reside nas estatísticas de que a cada 10 inovações apenas duas são bem-sucedidas265, assim a empresa deve aprender a lidar com inovações fracassadas. Um terceiro aspecto negativo desse modelo de gestão, segundo Antonio SANTOS et alii: é de que o modelo empreendedor, seja através de idéias pessoais (‘intrapreneurs’) ou de equipes empreendedoras, quebra a estrutura organizacional e ‘confunde’ os conceitos de autoridade e de responsabilidade: é preciso desenvolver uma nova cultura organizacional que absorva estas novas práticas de gestão. A independência das equipes ou a ênfase sobre os resultados individuais podem destruir os valores organizacionais, se a empresa não estiver devidamente preparada para implantar e conviver com este modelo266. Um segundo modelo da Era da Competitividade é o modelo holístico. A palavra de origem grega hólos = todo, significa ver a empresa como um todo. Parte 263 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 130. SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit. 265 DEGEN, Ronald. O empreendedor: Fundamentos da iniciativa empresarial. São Paulo: Makron Books, 1989. p. 9. 266 SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit. 264 do princípio de que as ciências “foram construídas com base em paradigmas mecanicistas, suportados numa visão cartesiano-newtoniana do mundo: todos os fenômenos eram possíveis de serem divididos em partes e cada uma destas seria estudada profundamente, constituindo um ramo específico do saber humano”267. A gestão holística surge entre as décadas de 1960 e 1970. Também dará maior ênfase ao espírito criativo e empreendedor das pessoas. A globalização impôs às empresas uma visão diferenciada, estas não podem apenas se ver como partes, mas como um todo, inseridas em um sistema. A gestão holística busca adequar a administração aos valores presentes na sociedade, pois, admite que o ambiente externo influencie a empresa. Os consumidores e fornecedores passam a integrar a empresa. A gestão é norteada por valores de individualização, criatividade, flexibilidade, informação e autonomia.268 O modelo holístico visa à compatibilização dos objetivos de realização profissional do trabalhador com os da empresa. A estrutura da empresa é composta por diversas unidades autônomas de produção, mas os trabalhadores devem manter uma visão sistêmica, pois poderá haver rotatividade de funções, requerendo do empregado uma maior adaptabilidade. Eliminam-se os cargos formais, apenas há o cumprimento das metas impostas. Não há, assim, um departamento mais importante que o outro, pois todos contribuem para o resultado. A empresa é uma série de atividade e processos interligados. Como principal conseqüência, tem-se que a empresa deve conviver em harmonia com todos os seus interessados, isto é, os stakeholders. Criar uma postura ética com todos os stakeholders é uma das principais metas da administração holística. Conforme expõe Liliane Cristine S. ALCÂNTARA: Na prática, ser holístico significa ouvir as opiniões de todos os interessados a fim de integrar na visão que precede o processo decisório o maior número possível, se não todos, de aspectos e variáveis de cada situação, além de desenvolver entre os participantes um espírito de confiança mútua e de 269 profundo entendimento humano e de comunicação. 267 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 157. FERREIRA, Ademir Antonio; et. al.. Gestão Empresarial: de Taylor aos nossos dias. São Paulo: Pioneira, 1997. p. 175-186. 269 ALCANTARA, Liliane Cristine S. Holismo no Contexto das Organizações.Revista de Administração da Faculdade de Administração de Empresas do Estado de São Paulo. n. 2. a. II, 2005. Disponível em: < http://www.faesp.br/web_2005/rafi/art_liliane.aspx> . Acesso em: 25 abr. 2008. 268 A visão holística introduziu a cultura organizacional que visa à maximização dos esforços da organização e dos trabalhadores para obter resultados satisfatórios a todos. Por isso, o administrador deve ter conhecimento de todas as forças que influenciam e são influenciadas pela empresa. Na tomada de decisão deve levar em consideração todos estes interesses. Não há controle formal sobre as pessoas, cada membro da organização deve ter o senso de responsabilidade sobre o papel que desempenha. Por isso, as pessoas são vistas como o maior valor dentro da organização. O ponto fraco reside justamente na conciliação de diversos interesses que por muitas vezes aparecem conflitantes. A questão cultural é evidente. Há a necessidade de contratação de pessoas que efetivamente saibam das responsabilidades. 2.3.3 Era do Capital Humano A quarta era da administração se inicia com maior intensificação da biotecnologia e da nanotecnologia. O bem de maior valor é o conhecimento humano, isto é, a capacidade de inovar. Por isso, essa era é denominada Capital Humano. Nesse sentido reforça Heitor PEREIRA: É evidente que a evolução da gestão empresarial não ficou estacionada na Era da Competitividade: assim, nos últimos anos, já se vislumbra uma próxima era emergente, que alguns autores estão rotulando de Era do Capital Humano (CRAWFORD, 1994), quando a principal característica das empresas será a sua sobrevivência através da sua competência baseada no conhecimento, ou seja, nas pessoas: assim, ao capital físico e financeiro, deverá se agregar o capital humano como o mais importante para a competitividade de uma empresa. A palavra-chave desta Era deverá ser: o Conhecimento como recurso estratégico da organização270. 270 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 162. A era do capital humano está inserida nos modelos emergentes de gestão empresarial, estando as práticas ainda no início de implementação. Já Stan DAVIS e Bill DAVIDSON denominam este ciclo econômico não como uma continuação da informação, mas como a era da bioeconomia271. Eles classificam as eras anteriores como: agrícola, industrial e informação. A bioeconomia está fundada em uma estrutura tecnológica pronta, apenas deve implementar maiores níveis de inteligência artificial, miniaturização e engenharia genética. Os modelos de gestão da Era do Capital Humano seriam a Gestão Virtual, a Gestão do Conhecimento e da Complexidade Organizacional. O primeiro modelo emergente é a Gestão Virtual. Percebe-se que as teorias modernas da gestão procuram diminuir o tamanho das empresas, não só pelos altos custos da mão-de-obra, mas também pela adoção de novas tecnologias de trabalho, sobretudo a informática, que vem permitindo a automação de diversos “processos administrativos, fabris, operacionais e comerciais, reduzindo não só internamente a necessidade de níveis hierárquicos e de postos de trabalho, como também viabilizando a interligação com outras empresas que, numa relação de parceria, passam a fazer parte de um networking organizacional”272. O modelo de gestão virtual surge da grande concorrência enfrentada pelas empresas na década de 1990. Com o desenvolvimento da internet, da intranet, videoconferências etc., a tomada de decisão do administrador se modificou. O administrador possui inúmeras informações, devendo saber lidar com elas. Conhecer todas ainda é difícil, porém a quantidade de informações que obtém é significativa. O administrador deve tomar as decisões de acordo com as informações que julga mais relevantes para a empresa. Essa nova maneira de administrar é reflexo direto das inovações da informática e da comunicação e principalmente da rapidez na troca de informações e de fluxos financeiros. Com a rapidez das informações e rápidas modificações no mercado de consumo e de invenções, as empresas tiveram que buscar uma estrutura flexibilizada. Dessa forma, as empresas tornaram-se mais horizontalizadas hierarquicamente, com o intuito de viabilizar uma comunicação ágil e informal. A 271 DAVIS, Stan, DAVIDSON, Bill. Visão 2020: administrando a sua empresa hoje para vencer amanhã. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1993. p. 115. 272 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 164. horizontalização foi viabilizada pela formação de alianças estratégicas, isto é, pela união de duas ou mais empresas para desempenhar uma determinada tarefa, porém sem unificar suas instalações. O desenvolver da aliança se dará mediante trocas constantes de informações. Por isso, a gestão é denominada corporação virtual. Assim, há maiores chances de aproveitar as oportunidades do mercado. O termo virtual foi desenvolvido por Willian Davidow e Michael Mallone273, que contrapõe a idéia de empresas constituídas por estruturas definidas, pois estas têm se modificado de acordo com as exigências do mercado. A empresa hoje dificilmente conseguirá trabalhar sozinha, deverá estar conectada em rede com o mercado. “As empresas serão dependentes umas das outras, devido à interação virtual. A empresa se volta aos resultados, e não ao processo em si, este estará enxuto, seja por terceirização, seja por auto-organização”274. A empresa virtual consiste em uma organização pautada em informações em tempo real, resultado da interação das telecomunicações e da informática. Destacam-se como principais características desse modelo, segundo Willian DAVIDOW e Michel MALLONE: Com a interface entre empresa, fornecedores e clientes permeável e mudando continuamente. Do lado de dentro da empresa, a visão não será menos amorfa, com os tradicionais escritórios, departamentos e divisões operacionais sendo constantemente reformados de acordo com as necessidades. As responsabilidades dos cargos mudarão regularmente, bem como as linhas de autoridade - até mesmo a própria definição de funcionário irá mudar, à medida que alguns clientes e fornecedores começarem a passar mais tempo na empresa do que alguns dos seus próprios empregados275. O controle interno será realizado por meio de redes internas conhecidas como intranet, que monitoram as informações da empresa e gerenciam as funções que terão acesso a elas, buscando maior interação com os fornecedores e clientes276. O controle continuará centralizado, porém as decisões serão descentralizadas. 273 DAVIDOW, Willian H.; MALLONE, Michel S. A corporação virtual. São Paulo: Pioneira, 1993. p. 5. 274 PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p.165. DAVIDOW; MALLONE, op. cit., p. 5. 276 Ibidem, p. 6. 275 Os funcionários e gerentes deverão ter espírito de equipe, isto é, devem ser pessoas capazes, dinâmicas, podendo trabalhar a qualquer distância e saber lidar com suas funções, obtendo resultados positivos. Há uma tendência à autogestão pessoal, pois o senso de controle pessoal possibilita uma maior flexibilidade empresarial. Outras características que a corporação virtual deverá desenvolver, segundo Willian DAVIDOW e Michel MALLONE, são: capacidade para se entregar, rápida e globalmente, uma grande variedade de produtos sob medida; serviços ‘incluídos’ nos produtos; envolvimento dos clientes no desenvolvimento dos produtos (engenharia simultânea); bancos de dados atualizados sobre os clientes, produtos, fornecedores, metodologia de projeto e produção, visando atender o cliente em tempo real; sistemas de informações integradas à rede de clientes e fornecedores, levando as empresas a operarem em networkings; cargos desvinculados do poder: funções gerenciais e operacionais serão intercambiáveis; empresa em contínua transmutação; acumulação de práticas gerenciais desenvolvidas em outras abordagens inovadoras de gestão, como fornecimento Just-in-time, equipes de trabalho, fabricação flexível, simplificação organizacional, CAD, qualidade total, entre outros; acordos de cooperação possíveis com concorrentes, visando compartilhar investimentos em tecnologia ou de custos operacionais (compras conjuntas, infraestrutura de transporte, armazenagem e comunicação, entre outros)277. A produção da empresa virtual é totalmente influenciada pelas necessidades do cliente. O cliente vê a empresa como fonte de atendimento imediato de suas necessidades. A empresa, então, deve estar pronta para atendê-lo instantaneamente, para isso deve ter um fluxo rápido de informações. As empresas virtuais irão se desenvolver a partir de equipes de trabalho, no qual “os funcionários, a gerência, os clientes, os fornecedores e o governo trabalharão em conjunto para atingir metas comuns”278. Para adotar a gestão virtual não basta investir em tecnologia da informação, é preciso atentar aos cuidados de natureza comportamental. Assim, a transição para o modelo virtual é um processo evolutivo, baseado na interface "pessoas x 277 278 DAVIDOW ; MALLONE, op. cit., p. 15. Ibidem, p. 17. tecnologia"279. A questão central está no processamento das informações recebidas e na confiança das relações. Por isso, há um controle interno rígido, tanto de trabalhadores quanto de fornecedores, para que possam atender às exigências momentâneas. Haverá constante imprevisibilidade e responsabilidade por parte de todos os envolvidos, de modo que não apenas atuem em uma única tarefa, mas em diversos papéis para a concretização do resultado. As instalações serão mínimas para se adequarem à rapidez da tecnologia da informação. A administração virtual deverá possibilitar uma maior autogestão do trabalho e ao mesmo tempo impor um espírito de equipe. O importante na empresa virtual são os resultados obtidos, ainda que sejam efetuados por uma ampla terceirização ou por alianças estratégicas com empresas. A dificuldade na implementação está na necessidade de vasta confiança dos parceiros, que terão maior participação, para obter um melhor relacionamento com o mercado. Um segundo modelo que está sendo apresentado é a Gestão do Conhecimento. A Gestão do Conhecimento é definida como “o processo sistemático de identificação, criação, renovação e aplicação dos conhecimentos que são estratégicos na vida de uma organização. É a administração dos ativos intangíveis, permitindo à organização saber o que ela sabe e em conseqüência identificar e definir os dois níveis de competência: organizacional e individual”280. Este modelo de gestão prioriza o conhecimento humano, pois aquele que o detiver terá meios de ampliação do mercado. Jaime TEIXEIRA FILHO sustenta que aquele que detém o “conhecimento adequado tem o poder que antes a terra, os meios de produção e o capital conferiram as classes dominantes”281. Segundo Romeu Mendes do CARMO: “até o Papa João Paulo II reconheceu e escreveu: Se 279 SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit. MACEDO, Claudio Cyde, et. AL. Estratégias de Integração das práticas de gestão do conhecimento ao modelo de gestão do SERPRO. Disponível em: <http://www1.serpro.gov.br/ publicações/ gco_site/m_capitulo02.htm>. Acesso em: 30 mar. 2008. 281 TEIXEIRA FILHO, Jaime. Gestão do Conhecimento e Comunicação Organizacional. Insight 044. 31/03/2001. Disponível em: < http://www.informal.com.br/pls/portal/docs/PAGE/GESTAODOCO NHECIMENTOINFORMALINFORMATICA/INSIGHTS/INSIGHTSGESTAODOCONHECIMENTOTI/INSIGH T_3103.PDF>. Acesso em: 25 abr. 2008. 280 antes a terra, e depois o capital eram os fatores decisivos de produção... hoje o fator decisivo é cada vez mais, o homem em si, ou seja, seu conhecimento"282. A gestão o conhecimento tem como objetivo “incentivar os trabalhadores a identificar, adquirir, selecionar, validar, organizar, armazenar, compartilhar, acessar, distribuir, aplicar e criar toda forma de conhecimento”283. A gestão do conhecimento visa à aprendizagem contínua com constante exercício da inteligência e a competência coletiva para resolver questões como crises, objetivos, metas a serem alcançados e formular estratégia para ganho de mercado. Os trabalhadores estão em constante expansão da capacidade de alcançar as metas pretendidas pela utilização do raciocínio em equipe284. Desta forma, a empresa alcançará as suas metas. No entanto, para controlar o atingimento das metas, a gestão do conhecimento se utiliza de indicadores consistentes, pois adota meios customizados e flexíveis. Analisa os fatores de tomada de decisão e os respectivos resultados alcançados, vendo os erros e acertos, aprendendo com eles. O processo de decisão torna-se mais transparente para os envolvidos na decisão. “A aprendizagem organizacional é, portanto, o processo contínuo de detectar e corrigir erros. Errar significa aprender, envolvendo a autocrítica, a avaliação de riscos, a tolerância ao fracasso e a correção de rumo, até alcançar os objetivos”285. “É a capacidade das organizações de criar, adquirir e transferir conhecimentos e em modificar seus comportamentos para refletir estes novos conhecimentos e insights”286, conforme Peter SENGE. Os trabalhadores contribuirão para o desempenho da empresa por meio da aplicação do conhecimento e habilidade em resolver problemas e de inovar constantemente. Cria-se a organização que aprende e gera conhecimento287. 282 CARMO, Romeu Mendes. Gestão do Conhecimento. Disponível em: <http://www.guiarh.com.br/p39.html>. Acesso em: 25 abr. 2008. 283 MACEDO, op. cit. 284 SENGE, Peter M. A quinta disciplina: Arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Best Seller , 1999, p. 91. 285 SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit. 286 SENGE, op. cit., p. 92. 287 SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit. A gestão de competências, para Thomas DAVENPORT e Laurence PRUSAK288, está no conhecimento real, na habilidade, nos julgamentos de valor, na experiência e na rede social. Deve haver uma ligação entre o conhecimento e a estratégia da empresa. Competência significa a capacidade de gerar resultados condizentes com os objetivos traçados. Por isso, é diretamente influenciado pelo “conjunto de qualificações que a pessoa tem para executar um trabalho com um nível superior de performance”289. “Competência é, na verdade, colocar em prática o que se sabe em um determinado contexto”290. O capital intelectual seria a “soma de conhecimento de todos os colaboradores em uma organização, o que lhe provoca vantagens competitivas; é a capacidade mental coletiva, a capacidade de criar continuamente e proporcionar valor de qualidade superior”291. Para isso utiliza a inter-relação do capital humano, como uma capacidade organizacional da empresa de atender às necessidades do mercado, somado ao capital organizacional, que seriam as máquinas, as propriedades intelectuais, bancos de dados, tecnologia e a estrutura que possui, tal como capital de clientes, o relacionamento da empresa e a capacidade de fechar negócios. A revista de gestão empresarial SKANDIA INSURANCE, em sua edição de 1998, expôs que a gestão do conhecimento: envolve também: capital organizacional - competência sistematizada e em pacotes, além de sistemas de alavancagem dos pontos fortes inovadores da empresa e do capital organizacional de criar valor; - capital de inovação força de renovação de uma empresa, expressa como propriedade intelectual, que é protegida por direitos comerciais, e outros ativos e valores intangíveis, como conhecimentos, receita e segredos de negócios; e capital de processo processos combinados de criação de valor e de não-criação de valor292. 288 DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 2. 289 SANTOS, Antonio; et. al., Op. Cit. 290 Idem. 291 Idem. 292 SKANDIA INSURENCE apud Idem. Os funcionários devem apreender entre eles, mediante a troca de conhecimento e experiências. Ou seja, a aquisição do conhecimento vai além da busca de cursos individuais, pois realmente é realizada pela discussão de situações comuns e soluções coletivas. Os gerentes também devem ensinar os funcionários, assim como o departamento de treinamento.293 A aprendizagem dos cooperados está estritamente ligada às metas a serem alcançadas. Por isso, os meios para apreender devem estar disponíveis a todos. Outro método é o da inteligência empresarial, em que a própria empresa, quando em funcionamento, gera e usa o conhecimento no momento em que interage interna e externamente, captando informações e transformando-as em conhecimento, interagindo com o conhecimento já adquirido, as regras e as experiências, aplicando-as para traçar estratégias. Assim, agrega valor ao conhecimento apreendido utilizando-o no alcance de resultado fixados294. Portanto, “Inteligência Empresarial é o que resulta da combinação entre estratégia, memória organizacional e inteligência competitiva. É, afinal, o conjunto de metodologias e ferramentas que permitem identificar, monitorar, tratar e disseminar as informações estratégicas de uma organização. O mercado conhece e denomina tal prática de Inteligência Competitiva”295. A tecnologia também é utilizada para potencializar a troca de conhecimento. No entanto, a criação e o compartilhamento de conhecimento devem partir dos trabalhadores. Por isso, têm sido desenvolvidos sistemas (tecnologia) que facilitam a interação e são classificadas em três grandes áreas, conforme apresenta José TERRA: repositório de materiais de referência, conhecimento explícito que pode ser facilmente acessado e que evita duplicações de esforços; expertise maps, banco de dados com listas e descrições das competências de indivíduos de dentro e de fora da organização, o que facilitaria o compartilhamento de conhecimento tácito; e o just-in-time knowledge, que são 293 MEISTER, Jeanne C. Educação Corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 67. SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit. 295 MACEDO, op. cit. 294 ferramentas que reduzem as barreiras de tempo e distância no acesso a conhecimentos (ex: videoconferência)296. Pode-se dizer que a grande estratégia para diferenciação das empresas e conquistas de novos mercados será o uso do conhecimento de seus empregados. Para isso a empresa deverá desenvolver meios de melhor utilizar as informações e os conhecimentos gerados dentro da organização. Tal incentivo ocorrerá com a recompensa, não tanto com penalidades. O terceiro modelo emergente é a gestão da complexidade organizacional. Com o avanço da globalização, o mercado tornou-se muito mais competitivo e sensível a qualquer agitação internacional. A rapidez das transformações tecnológicas e de inovações faz com que a empresa não seja mais vista como algo linear, mas complexo. A propriedade deixou de ser a imobiliária, passando a ser mobiliária e virtual. Isto é, uma empresa hoje vale mais pelas suas marca e patentes do que seu ativo materializado. “A complexidade deve ser percebida tendo como facetas constituintes a comunidade e a solidariedade entre os seres vivos, a natureza e o universo”297. Helena KNYAZEVA percebe que a gestão empresarial não pode ser analisada como algo linear, mas como algo complexo298. A gestão não-linear deve incorporar a noção de que as variáveis iniciais não asseguram o resultado e a trajetória a ser seguida. Como submétodos, têm-se a autogestão e o autocontrole, que podem viabilizar um desenvolvimento auto-sustentável. Um dos precursores na análise desse modelo de gestão foi Amitai ETZIONI299, na obra Organizações Complexas (Comparative Analysis of Complex Organizations), em 1961, e, em 1964, continuou a análise no livro “Organizações Modernas”. Nestas obras Amitai ETZIONI analisa a empresa como um “complexo de grupos sociais, cujos interesses podem ou não ser conflitantes. Minimizando os conflitos o trabalho pode se tornar mais suportável, embora não seja fonte de 296 TERRA, José Claudio. Gestão do Conhecimento: o Grande desafio Nacional. Disponível em: < http://www.gestiondelconocimiento.com/leer.php?id=265&colaborador=jcterra>. Acesso em: 25 abr.2008. 297 KNYAZEVA, Helena. O Pensamento Complexo não linear e sua aplicação nas atividades de gestão. Tradução José Eduardo R. Moretzsohn. In: CARVALHO, Edgard de Assis; MENDONÇA, Terezinha (orgs.). Ensaios de Complexidade 2. Porto Alegre: SULINA, 2006, p. 95 – 116. p.101. 298 Ibidem, p. 98. 299 LODI, op. cit., p. 192. satisfação total do trabalhador”300. A organização é uma unidade social grande e complexa, onde interagem os grupos sociais, com interesses compatíveis e incompatíveis. Está mais forte a concepção dos shareholders, grupos que influenciam a tomada de decisão das empresas. As organizações vivem em um ambiente bastante competitivo, com alta inovação tecnológica e inúmeras informações a ser levadas em consideração. Não raro passam por situações de crise até reencontrar o equilíbrio. Assim, o normal não é a empresa estar estável, mas buscando-a. Por isso, as estratégias das empresas podem ser facilmente modificadas. “A organização não tem estratégias; ela está em estratégia de forma permanente. Essa estratégia permanente é a aprendizagem contínua” 301. A instabilidade do cenário econômico-político em que a empresa está inserida é constante. Dessa forma, é melhor deixar que os empregados aprendam e ajam livremente do que estabelecer projetos. Por isso, Ralph STACEY302 entende que a organização necessita de estruturas flexíveis, com definições vagas de função e papéis sobrepostos, bem como distribuição do poder. A empresa deve estar sempre pronta para ordenar o caos em que está inserida, procurando sempre tomar decisões que julgue mais adequadas ao ambiente. O fundamento da gestão da complexidade reside na constatação de uma realidade incontrolável: o desafio do gestor está em estabelecer a convivência do caos com a ordem. Assim, a gestão constitui procedimento imerso a conflitos e controvérsias. Nessa gestão a decisão será de todos, de forma a conferirem intervenções ativas, criativas e equitativas303. A organização dever ser vista e analisada sob três aspectos, segundo João LODI: A estrutura envolve hierarquia administrativa, os sistemas de processos de trabalho interno, fluxo de comunicação e a definição da missão; a tecnologia, se refere aos sistemas operacionais adotados, equipamentos, engenharia do processo 300 FERREIRA; et al, op. cit., p. 52. LODI, op. cit., p. 192. 302 STACEY, Ralph D. A gestão do caos: Estratégias dinâmicas de negócio num mundo imprevisível. Lisboa: Dom Quixote, 1999. p. 117. 303 HOCK, Dee. Nascimento da Era Caórdica. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 19-40. 301 e do produto, desenvolvimento da pesquisa, métodos de trabalho etc., e, comportamento está relacionado aos procedimentos na organização de recursos humanos da organização, aos conhecimentos, habilidades e atitudes das pessoas que dela participam e ao seu relacionamento interpessoal. Tais elementos são interdependentes e estão em constante interação e influência de forças comuns, de modo que uma mudança em qualquer um deles irá afetar os outros. Um bom programa deve reconhecer a interação e tentar mudar os três se possível304. Amitai ETZIONI tem três focos de estudo: o estudo da interação entre organização e sociedade, o estudo comparativo intercultural das organizações e a análise das mudanças organizacionais.305 A tensão mais importante na organização é a imposta pela organização na utilização do conhecimento. Nem sempre os mais racionais governam os menos racionais, conforme supunha a burocracia. Para ele, há três tipos de organização: especializada, em que o conhecimento é criado e aplicado numa organização criada especialmente para este fim, o líder é o técnico e a estrutura administrativa serve de apoio subsidiário; organizações nãoespecializadas, em que o conhecimento é instrumental e subsidiário para o cumprimento dos objetivos, a liderança é exercida por um administrador identificado com os objetivos globais e a estrutura técnica é subsidiária e subalterna, este é o tipo de organização em que se encontram as empresas; e, por último, as organizações de serviço, na qual os especialistas recebem instrumentos e recursos necessários para o seu trabalho, mas não são empregados da organização principal nem estão subordinados aos seus administradores.306 Com a análise da evolução da gestão empresarial se pode perceber que, desde a década de 1980, é inadmissível que a organização esteja focada apenas para dentro. É altamente arriscado para uma empresa tentar atuar sozinha em um mercado globalizado, devendo, portanto, constituir parceiros para que possam juntos enfrentar as crises econômicas. As empresas em regra não aplicam um único modelo de gestão, pois combinam as práticas modernas com as emergentes. “Assim, é comum encontrar práticas de Gestão da Qualidade Total, parcerias com 304 LODI, op. cit., p. 158. Ibidem, p. 159. 306 Ibidem, p. 160-161. 305 fornecedores, participação dos empregados nos lucros ou resultados, entre outras ferramentas inovadoras, convivendo com estruturas burocráticas e centralização de decisões”307. O gestor deve rever os modelos tradicionais aplicados que não asseguram a continuidade e a competitividade da empresa. “Ao mesmo tempo, é importante avaliar até que ponto novas práticas gerenciais originadas em outros países com culturas bem diferentes se adaptam ao perfil do empresário, do trabalhador e da organização a que serão aplicadas”308. A implementação descuidada de novas práticas, além de não levar a resultados desejados, pode agravar os problemas já existentes. Cabe ainda à gestão levar em consideração o que a sociedade espera da empresa. O próprio Amitai ETINOZI afirma que a empresa “pós-moderna precisa encontrar o domínio dos instrumentos de produção, de modo que eles sejam utilizados para a valorização do homem e não como senhores. A mudança da sociedade e da organização depende da capacidade do homem de planejar controles, de ser o sujeito e não objeto destas mudanças”309. Não inovar é razão suficiente para o declínio de qualquer organização. Não saber como gerir é também o fracasso de novas apostas. Pode-se verificar que na era de produção em massa e da eficiência há uma grande hierarquização vertical da empresa. Na era da qualidade e da competitividade há ainda uma hierarquização, porém mais branda, passando a ter um desenho mais horizontal. Nessas eras, os trabalhadores passam a participar mais das decisões. Hoje, na era da Informação as organizações estão bastante horizontalizadas e enxutas, utilizando-se bastante de parcerias e alianças. Verificou-se que a cada novo modelo de gestão preponderante foram introduzidos e disseminados novos recursos até então não enfocados, como é o caso do modelo mais atual da gestão do conhecimento. Os livros de gestão centram-se na função da gestão dentro das organizações. Porém, ainda são poucos os que a aceitam como uma função social. Aos poucos eles vêm percebendo que os objetivos da empresa devem superar a conquista de mais mercado e geração de lucros, devem ser compatibilizados com a função social. 307 Ibidem, p. 161. Idem. 309 ETINOZI apud LODI, op. cit., p. 161. 308 Assim a função social opera como um condicionamento também da gestão empresarial. De forma análoga, a própria administração está se focando no ser humano, vendo o ser humano como pilar principal. Deve ela preservar o máximo a dignidade e demais valores constitucionais. Assim, com um enfoque mais humanista e maior participação dos trabalhadores na gestão empresarial, a tendência é que a função social seja sim objeto da gestão empresarial. Da análise realizada no presente capítulo, pode-se perceber que de uma administração voltada apenas para aumentar a produtividade interna do trabalhador, esta evolui no intuito de incorporar a tomada de decisão também aspectos externos, a satisfação dos consumidores, e hoje também como o bem-estar do trabalhador, não apenas no ambiente de trabalho, mas com a comunidade em que vive. A gestão empresarial é o cérebro da empresa. É a gestão que define as metas e os objetivos empresariais. Os objetivos empresariais devem estar de acordo com os valores sociais, pois a empresa que se utiliza de escravidão ou não paga devidamente seus encargos não está atuando de forma leal no mercado. Dessa maneira, o modelo neoliberal permitirá que se intervenha no mercado para que não haja falhas ou privilégios no mercado sem que sejam ganhos naturais. Assim, a empresa que agir ilicitamente não estará atuando de forma leal no mercado, bem como não estará operando da forma que a sociedade espera que seja exercida a atividade empresarial, isto é, deve a empresa cumprir a função social. Cabe à administração respeitar e adequar os encargos e as limitações sociais que são impostos sobre a atividade empresarial. 3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA 3.1 HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A palavra função vem do latim functio, do verbo fungor (functus sem, fungi), cujo significado é “cumprir algo, desempenhar um dever ou tarefa, ou seja, cumprir uma finalidade, funcionalizar310”. Fábio Konder COMPARATO define função como “um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo”311. A palavra social significa relativo à sociedade, o que interessa à sociedade. O adjetivo social, para Fabio Konder COMPARATO, vincula o interesse coletivo e não somente ao próprio dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro”312. A função social, na visão jurídica, se constitui por meio de dispositivos que induzem a pessoa a agir não só de acordo com seus interesses, mas também que estes se adéqüem aos interesses da coletividade313. A preocupação com a função social da propriedade não é somente da contemporaneidade, ela já estava presente na era cristã. A origem da função social é atribuída ao cristianismo. São Tomás de Aquino defendia que o uso produtivo da propriedade é que legitimava a sua apropriação, pois a propriedade constituía um “meio de produção”. Como quase toda a produção provinha da terra, a Igreja defendia que o excedente produzido deveria ser distribuído entre os necessitados314. Há “uma preocupação com o bem-estar comum, de modo a conduzir o seu uso às 310 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves notas históricas da função social no Direito Civil. In: ___(Coord.). Função Social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1 – 17. p. 4. 311 COMPARATO, A função social da propriedade dos bens de produção. Anais do XII Congresso Nacional de Procuradores do Estado. Salvador: PGE-BA, 1986. p. 32. 312 Idem. 313 SZTAJN, Rachel. Função Social do Contrato e Direito de Empresa. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v. 44, n. 139, p. 31, jul. 2005. 314 MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Fabris, 2003. p. 21. melhores formas de justiça social”315. No entanto, a fundamentação mais clara cristã constam nas encíclicas papais dos Papas Leão XIII, Pio XI, Pio XII e João XXIII. A Encíclica Rerum Novarum, formulada pelo Papa Leão XIII, descrevia que “o proprietário que tenha recebido bens em abundância não é possuidor absoluto, mas simples administrador da Providência Divina, que lhe assegurou bens para o próprio proveito e também para o benefício dos demais” 316 . A Encíclica reconhece um direito natural de propriedade. Dessa forma, “a autoridade pública não pode aboli-la, apenas pode limitar o seu uso e harmonizá-la com o bem comum”317. O Quadragésimo Anno, Encíclica do Papa Pio XI, “reconheceu a necessidade de harmonizar a intervenção aos direitos do proprietário de forma a fazer valer a função social” 318 . Ao exercer o direito de propriedade, os proprietários deveriam buscar o bem comum ao invés de pautar-se exclusivamente pelos interesses privados.319 A “La Solemita e Oggi” – do Papa Pio XII - reconheceu “a propriedade privada como fundamental para que se pudesse obter uma justiça social e previu que a expropriação deveria ser medida de sanção àqueles que não dessem a propriedade um uso harmonioso com o interesse comum” 320. A Encíclica do Papa João XXIII, conhecida como Mater et Magistra, reconheceu que “a propriedade privada tem, naturalmente, uma intrínseca função social, de tal forma que quem desfruta de tais direitos deve exercitá-lo em benefício próprio e para a utilidade de todos os demais, havendo uma espécie de hipoteca social que incidiria sobre a propriedade”321. Com a queda do feudalismo, e principalmente com a Revolução Francesa, a função social da propriedade foi posta de lado. Concomitantemente vieram os Códigos Modernos que consagraram o modelo liberal de propriedade. A propriedade 315 TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 120-121. 316 Ibidem, p. 121-123. 317 MARTINEZ, Fernando Rey. La propriedad privada em La constitución española. Madri: Boletin Oficial del Estado Centro de Estudios Constitucionales, 1994, p. 94:”La idea central de la Encíclica ES que El derecho de propiedad privada no ha sido dado por ley, sino por naturaleza e, por tanto, la propiedad publica no puede abolirlo, sino solamente moderar su uso y compaginarlo con el bien común” (tradução própria). 318 TEIZEN JÚNIOR, op. cit., p. 121-123. 319 MARTINEZ, op. cit., p. 94. 320 TEIZEN JÚNIOR, op. cit., p. 121-123. 321 Idem. liberal prevê o proprietário como um detentor de um direito subjetivo absoluto e irrestrito sobre a coisa. Posteriormente, esse direito foi reforçado pela Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, que também consagrou o direito de propriedade como inviolável e absoluto. A concepção da propriedade absoluta foi “severamente modificada pela superveniência das duas grandes Guerras Mundiais”322, por transformações políticas, sociais e ideológicas. A burguesia não mais representava os anseios populares, conseqüentemente o domínio ideológico liberal não se sustenta323. A partir do final do século XIX ganhou relevo no pensamento filosófico e jurídico a solidariedade social, tema que foi tão negligenciado no Estado liberal. O desenvolvimento de uma teoria sobre a função social da propriedade é conseqüência da discussão sobre solidariedade social.324 A primeira Constituição a tratar sobre a nova configuração do instituto foi a Constituição Mexicana, de 1917, no artigo 27325, que trouxe um novo conceito de propriedade, negando que esta seja um direito natural. O diploma mexicano parte da concepção de que a propriedade é da Nação e, portanto, compete a ela conferir o domínio aos particulares326. A Constituição Alemã, em 1919, trouxe pela primeira vez a positivação da função social da propriedade, como um dever, no artigo 154: “A propriedade obriga. Seu uso deve, ao mesmo tempo, servir o interesse da coletividade”.327 Com esse dispositivo a Constituição de Weimar dispôs sobre o uso da propriedade em benefício da coletividade, sendo o cultivo da propriedade ou uso para a moradia um dever do proprietário perante a comunidade. A norma claramente impõe deveres positivos ao proprietário. Porém, atenta COMPARATO que ninguém conseguiu 322 GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 7. MARTINEZ, op. cit., p. 91. 324 LOPES, op. cit., p. 109. 325 Art. 27, "A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público [...]” In: BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Função Social da Propriedade: análise histórica. Jus Navegandi. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp>. Acesso em: 18 mar. 2008. 326 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; OLIVEIRA, Andréia Leite Ribeiro de. Função social da propriedade e da posse. In ___. (coord.). Função social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 39 – 67. p. 45. 327 COMPARATO, A Função social..., p. 33. 323 explicar o que seriam os deveres sociais positivos do proprietário em relação à coletividade328. Assim, a função social da propriedade decorre de uma necessidade de redistribuir a riqueza, mediante forte intervencionismo estatal, possibilitado pelo Estado Social. A função social da propriedade visa legitimar a apropriação privada perante a sociedade. No entanto, é no neoliberalismo que a função social ganha força legislativa e doutrinária. A função social no Estado Social permaneceu ligada à concepção formalista de direito subjetivo liberal e pelo fato do Estado abarcar todas as questões sociais, não coube a este efetivar instrumentos para os quais os agentes privados, dentre eles a empresa, ser responsabilizados por tais interesses.329 O neoliberalismo, ao contrário do liberalismo, admite a regulação do Estado no mercado. A forma preponderante de riqueza também é modificada; de uma propriedade imóvel (terras) para móvel (mercadorias), e desta para a financeira e intelectual. A atividade empresarial se estabelece dotada de todas estas propriedades. 3.2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE EMPRESARIAL NO DIREITO BRASILEIRO 3.2.1 A Funcionalização dos Institutos Jurídicos no Direito Privado A constitucionalização e a despatrimonialização do Direito Privado impuseram a funcionalização de todos os institutos do Direito Privado. A Constituição Federal, ao trazer expressamente a função social da propriedade, também tratou sobre a função social dos demais institutos do Direito Privado. A funcionalização é inerente à propriedade, à empresa, à família e ao contrato. A Constitucionalização do Direito Privado decorreu principalmente da insuficiência da disciplina do Código Civil de 1916 nas relações privadas, bem como da necessidade de unificar o Direito Privado, fragmentado pelas inúmeras 328 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. Revista dos Tribunais. São Paulo, a. 85, v. 732, p. 38 - 46, outubro de 1996, p. 41. 329 LOPES, op. cit., p.140. legislações esparsas existentes. A Constituição Federal passou a ocupar a centralidade do ordenamento jurídico, unificando o sistema jurídico a partir de princípios e valores. Assim, a Constituição passa a ser o fundamento do direito positivo infraconstitucional. Segundo Paulo Luiz Netto LÔBO, a constitucionalização consistiu “no processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil que passam a condicionar a observância pelos cidadãos e aplicabilidade pelos tribunais, do legislador infraconstitucional”330. Há a migração de textos privados para a constituição, conferindo o status constitucional a algumas regras antes típicas do Direito Privado. Paulo Luiz Netto LOBO ressalta que a normatização de alguns institutos do direito privado pela Constituição não implica a publicização propriamente dita dos direitos objeto de norma constitucional331. A constitucionalização do direito privado visa reforçar a interpretação das normas civis conforme princípios e regras constitucionais. Assim, as normas constitucionais influenciarão no conteúdo das normas infraconstitucionais direta ou indiretamente. O Código Civil de 2002 trouxe ao ordenamento jurídico infraconstitucional a repersonalização do direito proposta pela Constituição, que consistiu em colocar a pessoa humana no centro do ordenamento jurídico, “o ser se sobrepor ao ter”332. Vêse a pessoa concreta, que agiria apenas pela racionalidade para a maximização dos próprios interesses. O Código Civil de 2002, procura não apenas garantir direitos, como também possibilitar que os sujeitos tenham acesso aos direitos333. A despatrimonialização, não implica socialização, constitui, segundo Daniel SARMENTO334, reconhecimento que os bens e direitos patrimoniais não são um fim em si mesmo, devendo ser tratados pelo ordenamento jurídico como meio para a realização da pessoa humana. Há revisão do conteúdo, do fundamento dos direitos patrimoniais e demais instituições do direito civil (função social da propriedade). A funcionalização seria, então, a justificação dos direitos patrimoniais que visam 330 LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Contratuais. In: ___; LYRA JR; Eduardo Messias Gonçalves de (Coord.). A teoria do contrato e o novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003, p. 9 – 23. p. 12. 331 Ibidem, p. 13. 332 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 262. 333 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998. p. 88. 334 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 262. garantir a autodeterminação e o desenvolvimento direto da personalidade no viés físico, moral ou psíquico. Nesse sentido, Paulo NALIN relaciona a função social da propriedade como meio de alcançar a dignidade da pessoa humana. Para ele, a funcionalização do direito de propriedade, se for analisada sob “o ponto de vista da finalidade do instituto da propriedade”, visa “reduzir a pobreza entre os brasileiros e, em última análise, dignificando os favorecidos pela lei, haja vista que não existe dignidade sem patrimônio mínimo” 335. Falar em repersonalização do Direito traz uma valorização do ordenamento jurídico à dignidade da pessoa humana. Pietro PERLINGIERI relaciona a funcionalização dos institutos do direito privado à dignidade da pessoa humana336. Luis Edson FACHIN inclusive defende a idéia de que para garantir a dignidade se deve oportunizar o acesso ao patrimônio.337 O direito a um patrimônio também estaria ligado à idéia de um mínimo existencial. Sendo este mínimo existencial, segundo Samir MARTINS, o “conjunto de bens necessários a uma existência digna”338. Em um sentido mais amplo, a pessoa teria então um núcleo essencial de direitos e bens que asseguraram uma vida digna. Eroulths CORTIANO define o núcleo essencial como “aquele perímetro abaixo do qual deixamos de ser pessoas e conduzidos a condição subumana”339. Em caso de conflito de direitos, Maria Celina Bodin de MORAES sustenta que deve sempre se privilegiar os valores existenciais quando estes se contrapuserem a direitos patrimoniais. Critica-se essa posição pelo fato de criar uma máxima de que os valores existenciais são sempre superiores aos patrimoniais340, pois, apenas quando não houver ofensa à dignidade da pessoa humana, o patrimônio pode ser 335 NALIN, op. cit., p. 67. PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problemática della Proprietá. Camerino: Jovene, 1971. p. 21-22. 337 FACHIN, Luis Edson. Estatuto do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 56. 338 MARTINS, Samir José Caetano. Neoconstitucionalismo e Relações Privadas: alguns parâmetros. Revista CEI, Brasília, n. 36, p. 68, jan./mar. 2007. 339 CORTIANO, Eroulths. Para além das coisas (Breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o patrimônio mínimo).In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira (org). Diálogos sobre o Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 155 – 165. p. 161. 340 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, São Paulo, n. 65, p. 21a 32, 1993, apud MARTINS, Samir José Caetano, Op. Cit., p. 67. 336 tutelado341. Samir José Caetano MARTINS propõe outra solução a partir da verificação de cinco critérios: 1) grau de existencialismo342; 2) grau de essencialidade do bem343; 3) grau de desequilíbrio entre os sujeitos da relação344; 4) grau de publicismo345; e 5) grau de ingerência na esfera jurídica346. Contudo, resta ainda controversa a aplicabilidade das normas e dos princípios fundamentais sobre o direito privado. Ao examinar as relações entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais que regulam as relações privadas, Pietro PERLINGIERI faz breve referência à disputa entre as teorias da aplicabilidade direta e indireta da Constituição, concluindo que a norma constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento ideal que incide sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas. O importante é que normas constitucionais sejam 347 preservadas . Pietro PERLINGIERI sustenta que não há mais razões para falar na dicotomia público/privado348. Esta visão é compartilhada pela doutrina que defende uma aplicação ou interpretação das normas constitucionais conforme a Constituição. Portanto, para esta corrente doutrinária a Constituição se irradia sobre todo o 341 MARTINS, Samir José, Op. Cit., p. 67. Nesse critério elencam- se os direitos fundamentais conforme a dignidade se expressa em relação de conteúdos existencial. Cf. Ibidem, p. 68. 343 Esse critério se relaciona com a idéia de mínimo existencial - conjunto de bens necessário a uma existência digna, pois quanto mais essencial o bem, maior a proteção do ordenamento jurídico a que dele necessita, porque o acesso a bens incluem a tutela da dignidade. A essencialidade explica a intervenção do Estado na atividade econômica (assistência a sociedade). Cf.: Ibidem, p. 68-70. 344 Esse critério reconhece que há pessoas em condições desiguais em uma relação jurídica, o que justificaria as ações afirmativas, como as tarifas de energia elétrica cobradas de industrial e de pessoas físicas. “Sob esta perspectiva é necessário analisa a especifica condição do particular frente ao outro, passando o objeto da relação jurídica a um plano secundário” 344. Para evitar uma relação de subordinação é necessário o entendimento de que os direitos fundamentais devam ser aplicados diretamente nas relações privadas, para diminuir as diferenças nas relações, sem, contudo conceder vantagens a uma delas. Embora a diferenciação deva ser feita no estrito limite equiparação as partes344. Cf.: Idem. 345 Este critério pressupõe que o Estado estar mais vinculado aos Direitos Fundamentais. Em regra nas relações do Estado e o particular há a prevalência do interesse público sobre o particular. No entanto, para Samir MARTINS, quanto mais privada a relação mais prevalece a autonomia privada345. Cf.: Idem. 346 Samir José Caetano MARTINS neste critério entende que deverá ser apurado se houve uma efetiva participação da parte lesada na constituição do vínculo jurídico. O bem lesado está em jogo juntamente com a autonomia da vontade. Se a parte lesada não participou da constituição do ato, o peso da autonomia privada será menor. Cf. Idem. e SARMENTO, op. cit., p. 270. 347 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: uma introdução a Constituição. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 11-12. 348 Ibidem, p. 25. 342 ordenamento jurídico, tendo os princípios aplicação imediata. Uma segunda corrente sustenta a eficácia mediata ou indireta dos princípios constitucionais sobre o direito privado. A teoria é defendida por Judith Martins-Costa, Antônio Junqueira de Azevedo, Virgílio Afonso da Silva349. Os princípios constitucionais incidiriam sobre o ordenamento privado infraconstitucional, por meio das cláusulas gerais350 inseridas pelo legislador no ordenamento infraconstitucional. As cláusulas gerais consistem, segundo Judith MARTINS-COSTA: uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, fluída ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para 351 elementos cuja concretização pode estar fora do sistema . Ricardo Luiz LORENZETTI, ao abordá-las no direito contratual, as define como: mecanismos de regulação dos contratos baseados em conceitos indeterminados que permitem a flexibilização e adaptação do ordenamento jurídico a uma realidade social em constante modificação. Os princípios seriam a base das cláusulas gerais, pois são flexíveis e suscetíveis de ser 352 completadas . Neste sentido, as cláusulas gerais consistem em meios para a concretização dos princípios constitucionais; por elas os princípios incidirão sobre a legislação infraconstitucional. As cláusulas gerais têm função oxigenar o direito, isto é, manter o direito conectado com a realidade social. Isso será possível pela imprecisão que as caracterizam, se amoldando de acordo com a realidade social. 349 DA SILVA, Virgilio Afonso. A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações particulares. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 24. 350 Judith MARTINS-COSTA define clausula geral como: “As cláusulas gerais, mais do que um "caso" da teoria do direito – pois, revolucionam a tradicional teoria das fontes - constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos Códigos Civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente resistematização no ordenamento positivo”. In: O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. In: Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 41, mai. 2000. 351 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 2000. p. 303. 352 LORENZETTI, Tratado..., p. 121. Dessa forma, as cláusulas gerais constituiriam um mecanismo de abertura do sistema, pois elas não contêm os critérios necessários para a sua concretização, sendo apenas determinável diante do caso concreto.353 Deve-se ter em mente que o sistema aberto não se esgota em si ou nos elementos componentes, mas sim na força jurisprudencial, depreendendo-se dele, sobretudo, uma finalidade evidenciada na conformação da funcionalização dos institutos354. A doutrina adepta à mediatividade da aplicação dos princípios constitucionais afirma que uma interpretação diversa (imediatividade) propiciaria que o julgador extrapolasse na interpretação dos princípios e decidisse de maneira contrária às normas infraconstitucionais355. Ao julgar em sentido contrário ao texto infralegal estar-se-ia mitigando a segurança jurídica. A Constituição se irradia sobre todo ordenamento jurídico, pois expressa os princípios fundamentais do sistema jurídico. Assim, a função social, como princípio constitucional, deve incidir sobre todo o ordenamento jurídico, ainda que no plano infraconstitucional seja uma cláusula geral. Dessa forma, independentemente da postura a ser tomada, a função social possui previsão e aplicação no ordenamento infraconstitucional, o que possibilita a aplicação sobre os institutos privados. Assim, todos os institutos privados foram funcionalizados. No entanto, apenas a propriedade possui previsão expressa na Constituição. Isto não significa que a atividade empresarial não seja funcionalizada. A função social da empresa, como atividade empresarial organizada, se fundamenta não só na funcionalização da propriedade, mas também na funcionalização do contrato. 3.2.2 A Função Social da Propriedade 3.2.2.1 Fundamentos teóricos da função social da propriedade A positivação da função social da propriedade está vinculada às Constituições do Estado Social. Inclusive tem a função social estrita conexão com o princípio da 353 CANARIS, Claus Wilhem. Pensamentos Sistemáticos e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Introdução e Tradução A. Menezes Cordeiro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p.141-142. 354 NALIN, op. cit., p. 67. 355 MARTINS, op. cit., p. 64. solidariedade: “É também com fundamento na solidariedade que, em vários sistemas jurídicos contemporâneos, consagra-se o dever fundamental de se dar à propriedade privada uma função social”. 356 As primeiras inserções da função social nos textos constitucionais brasileiros ocorreu na Carta de 1934, que expôs clara preocupação com a socialidade do direito da propriedade, porém a expressão função social só foi inserida com a emenda Constitucional 1969. Hoje, a função social está prevista nos artigos 5º, XXIII e 170, III da Constituição Federal de 1988, ora como direito fundamental, ora como princípio da atividade econômica. Santo Tomás de Aquino357 e Augusto Comte são considerados os primeiros defensores de um viés mais social do instituto da propriedade. Tais pensadores não defenderam a socialização do instituto, mas defendiam uma certa adequação no exercício dos direitos subjetivos às finalidades sociais do instituto. Augusto Comte358 já escrevia, em 1850, que ninguém tem mais direitos do que cumprir com o seu dever. Todo direito estaria limitado a um dever, de exercê-lo de modo adequado à sociedade. Entretanto, a terminologia da função social dos direitos só foi incorporada e difundida por Karl RENNER, que no início do século XX, já defendia que a propriedade sempre teve uma função social ainda que esta tenha variado conforme o contexto histórico.359 Karl Renner trata da essencialidade dos institutos privados para a vida em sociedade. Renner analisa a função social a partir da correspondente função econômica inerente a cada instituto jurídico, uma vez alterada a configuração 356 ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A Função Social da Propriedade na Constituição Federal de 1988. Disponível em:<http://www.juspodivm.com.br/roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2008. 357 “Mas, Santo Tomás entendia que uma coisa é o direito de apropriar, outra coisa é a gestão da coisa apropriada. Assim, é lícito serem própria as coisas. A utilização, porém, deve ser feita como se as coisas fossem comuns(cf. Suma Teológica, II-II, q. 66, a. 2)”. In: GOMES, Orlando, Direitos..., p. 98. 358 COMTE, Augusto. Systeme de politique positive. 1850 apud MORAES, José Diniz. A função social da propriedade e a Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 34: “em todo o estado normal da humanidade, todo o cidadão, qualquer que seja, constitui realmente um funcionário público, cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinaram ao mesmo tempo obrigações e pretensões. Este princípio universal deve se estender até a propriedade, na qual o positivismo vê, sobretudo, uma indispensável função social destinada a formar e administrar os capitais com os quais cada geração prepara os trabalhos da seguinte”. 359 RENNER, Karl. Gli Instituti Del diritto privato e La loro funzione sociale. Bologna: il Mulino, 1981. p. 79. econômica da sociedade, implicaria também uma configuração diferenciada do instituto. Assim, a propriedade, para Karl Renner, sempre teve uma função social, no entanto a concepção dela foi modificada no decorrer da história. A propriedade, para o referido autor, não pode ser tratada apenas como um direito abstrato, principalmente a propriedade dos bens de produção; deve ser vista como um bem concreto que é e visar à satisfação das necessidades do proprietário e da coletividade. Para justificar esse entendimento de função social, o autor parte do pressuposto de que o homem como ser social é regido por leis naturais que preservam o funcionamento da sociedade. Existiria uma vontade comum da sociedade, sem a necessidade de uma regulação de poder. A sociedade não poderá abdicar do poder de dispor dos bens necessários para a sua continuidade. É nesse sentido que Renner defenderá a função social das instituições jurídicas baseado na função econômica que um determinado bem ou que a instituição desempenha na sociedade. A função social seria a função econômica do instituto, conforme ele afirma: A função de um direito in rem não é revelada apenas por uma persona ou res, nem pelo poder legal da persona sobre a res, que é meramente liberdade de ação concedida pela lei. Sua função é revelada pelo uso ativo do direito, na maneira do exercício - que na maioria dos casos fica fora da esfera da lei. [...] O exercício do direito, entretanto, não é apenas de relevância social, ele próprio é determinado pela sociedade. O camponês isolado decide, a seu prazer, como utilizar sua terra, mas o produtor capitalista é motivado pela posição do mercado, pela sociedade. Legalmente livre, ele é economicamente preso, e seus liames são formados pela relação entre ele próprio e todos os demais objetospropriedades. Desde que o exercício de um direito não é determinado pela lei, mas por fatos fora da esfera legal, a lei perde controle da matéria360. 360 RENNER, Karl. Instituições Legais e Estrutura Econômica. 1980. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio (orgs.). Sociologia e Direito. 2. ed. São Paulo: Thompson Pioneira, 2002, p. 147 – 157. p. 150. Guilherme GAMA e Bruno Paiva BARTHOLO fazem referência à concepção adotada por Renner: “a função social não teria um papel promocional, sendo tão somente o reconhecimento jurídico da realidade tal qual se apresenta”361. Karl Renner estaria equivocado ao confundir a função social com o papel econômico desempenhado pelo instituto na sociedade. Por isso, atribui-se a DUGUIT o título de primeiro doutrinador a desenvolver a idéia de função social, legitimar os institutos jurídicos pelo interesse social que exercem.362 Ele concebe a função social como uma negação do direito subjetivo do proprietário e elemento inerente ao próprio instituto, trazendo “uma visão realista de função social”363. A propriedade, para León DUGUIT, é para o uso de todos. “A propriedade deve ser compreendida como uma contingência, resultante da evolução social; e o direito de propriedade como justo e concomitantemente limitado pela missão social que se lhe incumbe em virtude da situação particular em que se encontra”364. O possuidor de uma riqueza tem o dever, a obrigação, de ordem objetiva, de empregar a riqueza que possui, manter e aumentar a interdependência social365. A propriedade não é apenas o direito subjetivo do proprietário, mas também uma função do detentor da riqueza, uma situação subjetiva366. Cabe transcrever o texto do autor: A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua 361 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social da empresa. In:___. (coord.). Função social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 90 – 111. p. 97. 362 MACHADO, Hermano Augusto. A Função Social e a Tipificação no Direito de Propriedade. Estudos em Homenagem à Faculdade de Direito da Bahia. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 237. 363 DUGUIT, León. Las Transformaciones Del derecho (publico y privado). Trad. de Aldolfo G. Posada e Carlos G Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975, p.175 apud. GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 9. 364 DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. Tradução Marcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1996. p. 29. 365 MACHADO, op. cit., p. 238. 366 DUGUIT utiliza a expressão situação subjetiva para indicar a “situação de um bem determinado a um fim determinado, individual ou coletivo, tutelado pelo direito mediante um sistema de sanções” apud NALIN, op. cit., p. 207. mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais 367 deve responder . León DUGUIT conceitua o direito subjetivo com “um poder do indivíduo que integra a sociedade. esse poder capacita o individuo a obter o reconhecimento social na esfera do objeto pretendido, desde que o seu ato de vontade possa ser considerado deliberadamente legitimo pelo direito objetivo”368. O direito subjetivo, para DUGUIT, é um poder-dever, ou seja, “o poder de impor a todos o respeito de sua vontade”, embora não se possa dizer qual é a natureza dessa vontade, ou qual a vontade é superior a outra. Essa noção do direito subjetivo não seria realista, mas metafísica369. Desse modo, DUGUIT justifica seu posicionamento sobre a função da propriedade: “A propriedade é protegida pelo direito, mas ela não é um direito, é uma coisa. Uma realidade econômica e não uma realidade jurídica.” 370 Cabe ao detentor da riqueza aumentar a riqueza geral fazendo valer o capital que possui, sob pena de não ser merecedor da tutela jurídica371. Nesse sentido, Pietro BARCELLONA assevera que, para DUGUIT, “o direito se resolve não no fato social que dá origem a norma jurídica e nem no fato que representa a atuação. A função tem o caráter de regulação da conduta concreta, a sociedade constrói o direito quando define instituto”372. A propriedade como realidade deve estar afeta a uma finalidade. O direito deve proteger antes de tudo o fim que se determina. Duguit também já fazia uma correlação à atividade produtiva, pois entendia que a função social da propriedade produtiva seria a afetação dos bens a uma finalidade produtiva. Afirma que apesar de no início dos anos 1900 não haver leis que obrigassem a produzir, o próprio mercado imporia tal condição. Ainda, sustentava que é em decorrência da divisão social do trabalho que se pode atribuir diferentes funções aos indivíduos e às 367 DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionel. Tome I. 3. ed. Paris: Ancienne Librarie Fontemoig e Cia., 1927. p.128 apud FONTENELLE, Miriam. Direito a Moradia em Região Urbana. In: CONPENDI. Anais... Manaus: 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/miriam_fontenelle.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2008. 368 DUGUIT, Fundamentos..., p. 7- 8. 369 GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 9. 370 DUGUIT apud ABREU CHAGAS, Marco Aurélio Bicalho de. A Doutrina da Função Social da Propriedade. Disponível em:<http://www.factum.com.br/artigos/102.htm>. Acesso em: 18 mar. 08. 371 MACHADO, op. cit., p. 238. 372 BARCELLONA, Diritto..., p. 211. propriedades. Por isso, cada uma delas deve desempenhar uma necessidade econômica373. A qualificação de função social para ele não é privativa da propriedade e se aplica a outros institutos jurídicos, como a pessoa jurídica. Atribui a função social até mesmo à pessoa física, e defende que cada uma exerce uma função social, portanto, também possui o dever de melhor desempenhar sua individualidade perante a sociedade. DUGUIT entende que o direito subjetivo como um direito individual absoluto de uma pessoa sobre um bem seria incompatível com a função social, pois esta impõe a observância deste poder conferido ao interesse social374. Por isso, Duguit nega a existência de qualquer direito subjetivo do proprietário. Hermano MACHADO explica que nessa concepção a propriedade exerce uma função na sociedade, sendo esta: determinada pela situação que de fato ocupa na coletividade. Não tem direitos subjetivos. Não pode tê-los, porque um direito é uma abstração sem realidade. Porém, pelo fato de ser membro de uma sociedade tem a obrigação de fato de cumprir uma certa função social, e os atos que realiza para este fim tem um valor social e serão socialmente protegidos375. Desse modo, pela inexistência de direitos subjetivos se justifica a intervenção do Estado no sujeito inativo, para impô-lo o labor. Estaria assim restringida a liberdade de não fazer nada. A função social como um poder-dever integra a própria concepção de propriedade e não constitui uma limitação. É neste ponto que reside a crítica à concepção da função social de DUGUIT, é que a funcionalização da propriedade não aniquila os direitos subjetivos do proprietário, pois permanece a definição liberal da propriedade, só que condicionada ao atendimento da função social.376 373 MACHADO, op. cit., p. 235-237. DUGUIT, Fundamentos…, p. 8. 375 Ibidem, p. 235. 376 FERRAZ, Henrique de Mello. Função Social da Propriedade e registro de Imóveis. In: NERY, Rosamaria de Andrade (coord.). Função do Direito Privado: no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 307 - 361, 2006. p. 307. 374 Ana PRATA explica bem a confusão; em um primeiro momento os direitos subjetivos, juntamente com a liberdade negocial, constituem os principais mecanismos de expressão da liberdade377. Nesse sentido, um “direito subjetivo privado, seja qual for, tem como fonte a norma que protege o interesse privado (finalidade imediata) para a realização daquele interesse público (finalidade mediata) que se encontra na base da própria protecção, e é a razão última pela qual a protecção é concedida”378. Hoje o negócio jurídico deixa de ser visto como instrumento de realização da liberdade e passa a representar a realização dos interesses privados. A autonomia privada e os direitos subjetivos passam a desempenhar uma função, aptidão a produzir determinados efeitos, uma concepção individualista. A limitação à autonomia da vontade era externa, não intrínseca à autonomia, como o é hoje379. O exercício da autonomia da vontade será legítimo de acordo com o exercício das faculdades e do modo de como é exercido. Na decadência do modelo liberal tiveram início as discussões das teorias da função social e do abuso de direito. Desde o final do século XIX há uma tentativa de compatibilizar o individualismo com a solidariedade. A concepção de direito subjetivo deixou de ser absoluto para estar limitado ao interesse social. É sobre o direito subjetivo liberal, que se desenvolve a teoria do abuso de direito. Na perspectiva liberal “o direito subjetivo revestia-se de um caráter absoluto ao encontrar-se entregue ao livre arbítrio do titular”380. Segundo Pietro BARCELLONA, a teoria do abuso de direito é um instrumento de coexistência dos poderes de diversos proprietários, não um índice de socialização do direito de propriedade381. Hoje, segundo Rosalice Fidalgo PINHEIRO, o direito subjetivo encontra-se relativizado, “deixando de estar tão-somente a serviço de interesses de seu titular, passando a servir os interesses da coletividade. Trata-se de um processo de funcionalização dos direitos subjetivos, para o qual a nova teoria mostrou-se como seu principal representante”382. A relativização do direito subjetivo não foi 377 PRATA, Ana. A Tutela Constitucional da Autonomia Privada. Lisboa: Almedina, 2001. p. 15. Ibidem, p. 21. 379 Ibidem, p. 81. 380 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo, Op. Cit., p. 4. 381 BARCELLONA, Pietro. Diritto e processo econômico. p. 166 e 167 apud PRATA, op. cit., p. 378 155. 382 Ibidem, p. 5. interpretada como uma forma de diminuir a autonomia privada, mas uma forma de eliminar privilégios383. Do mesmo modo, a afirmação de que existiria uma contradição entre o direito de propriedade e seu condicionamento a função social é apenas aparente. Reforça Carlos Ari SUNDFELD ao afirmar que esta contradição seria apenas ideológica e histórica, não jurídica384. No ordenamento jurídico brasileiro não há incompatibilidade entre a função social e o direito de propriedade. O direito subjetivo permanece, em uma concepção estática, pois é o “que legitima o proprietário a manter o que lhe pertence imune a pretensões alheias”, na concepção dinâmica, a função impõe “ao proprietário o dever de destinar o objeto de seu direito aos fins sociais, determinados pelo ordenamento jurídico”385. Assim, não se nega a existência dos direitos de usar, gozar e dispor, mas a extensão destes direitos na nova concepção de propriedade “é medida através da relação concreta entre proprietários e não proprietários”. A função social concretizará a superação a relação proprietário e coisa. 386 Nesse sentido também é o posicionamento de Eros Roberto GRAU, que atribui duas concepções de propriedade. A propriedade como estática constitui o direito subjetivo de usar, gozar e dispor, um poder. Na concepção dinâmica de propriedade, que a propriedade é a função, pois está atrelada ao fim que socialmente se destina, um dever387. Já José Afonso da SILVA sustenta que tanto a propriedade dinâmica quanto a propriedade estática possuem função social, pois a propriedade é uma função social388. Carlos Frederico MARÉS critica a visão de Leon Duguit por outro viés, entende que a função social está no bem e não no direito de propriedade ou no proprietário: “quando a propriedade não cumpre uma função social, é porque a terra 383 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1994. p. 23. 384 SUNDFELD, Carlos Ari. Função social da propriedade. In: DALLARI, Adilson Abreu e FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 122, 1987. p. 12. 385 BARROSO FILHO, José. Propriedade: A quem serves? Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2453>. Acesso em: 20 fev. 2008. 386 OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 243. 387 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 241-242. 388 SILVA, José Afonso da, Curso..., p. 280. que lhe é objeto não está cumprindo, e aqui reside a injustiça. Isto significa que a função social está no bem e não no direito ou no seu titular”389. Já Giselda HIRONAKA entende que a propriedade não é a própria função social, como concebeu Leon Duguit, mas contém uma função social390. A propriedade “tem uma função social que lhe é inerente, significando que se encontrará o proprietário obrigado a dar uma determinada destinação social aos seus bens, concorrendo, assim, para a harmonização do uso da propriedade privada ao interesse social” e ressalva que a funcionalização não implica a “coletivização dos bens, modus próprio de outro regime ou sistema político-econômico, de natureza socialista” 391. Pietro PERLINGIERI também levanta a questão se a propriedade é uma função social ou tem uma função social392. Pietro PERLINGIERI defende que a propriedade tem uma função social, pois esta permite que a propriedade seja conceituada como uma situação subjetiva, imposta eventualmente uma função social. Já se for adotada a concepção de que a propriedade é uma função social é atribuída uma noção de propriedade coletiva, que o proprietário deve exercer em favor da coletividade e não do seu próprio interesse393. Aquele posicionamento não implica retirar a função social como elemento da propriedade, pois há a concessão da titularidade e esta deverá ser exercida de acordo com interesse do proprietário em consonância com os valores coletivos. A conseqüência está no dever de o proprietário, ao utilizar a propriedade, dar uma destinação esperada pela sociedade. Deveria o proprietário harmonizar com o interesse social, o seu direito subjetivo de propriedade. Este também é o entendimento de Eros Roberto GRAU ao afirmar que cabe ao proprietário cumprir ou não a função social, o objeto não tem função social394. 389 MARÉS, op. cit., p. 91. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Moraes de. Tendências do Direito Civil no Século XXI. Conferência de encerramento proferida em 21.09.01, no Seminário Internacional de Direito Civil, promovido pelo NAP – Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG. Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (SC), em 25.10.2002. p. 14. 391 Idem. 392 PERLINGIERI, Introduzione..., p. 77-78. 393 Idem. 394 GRAU, A ordem..., p. 244. 390 Contudo, prevalece na doutrina o entendimento de que a função social compõe o próprio conceito de propriedade e que, portanto, a efetividade também refletirá no exercício dos direitos, conforme expõe Teori A. ZAVASKI: Por função social da propriedade há de se entender o princípio que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titularidade jurídica, a significar que sua força normativa ocorre independentemente da específica consideração de quem detenha o título jurídico de proprietário. Os bens, no seu sentido mais amplo, as propriedades, genericamente consideradas, é que estão submetidas a uma destinação social, e não o direito de propriedade em si mesmo. Bens, propriedades são fenômenos da realidade. Direito – e, portanto, direito da propriedade – é fenômeno do mundo dos pensamentos. Utilizar bens, ou não utilizá-los, dar-lhes ou não uma destinação que atenda aos interesses sociais, representa atuar no plano real, e não no campo puramente jurídico. A função social da propriedade (que seria melhor entendida no plural, ‘função social das propriedades’), realiza-se ou não, mediante atos concretos, de parte de quem efetivamente tem a disponibilidade física dos bens, ou seja, do possuidor, assim considerado no mais amplo sentido, seja ele titular do direito de propriedade ou não, seja ele detentor ou não de título jurídico a justificar sua posse395. A funcionalização integra o direito à propriedade. A funcionalização incide sobre os bens e não propriamente sobre o direito. Os bens são funcionalizados, no entanto, não se pode negar que o direito que incide sobre o bem também será afetado. Dessa forma, conforme afirma Francisco Cardozo OLIVEIRA: Reconhecer na função social da propriedade a condição de encargo externo ao direito de propriedade que, em tese, não obrigaria o proprietário equivale a ignorar toda a construção teórica que, ao longo do século XX, tentou preservar a propriedade ao introduzir no seu conceito elementos de caráter humanístico para reorientar o alcance dos poderes conferidos ao proprietário desde o direito romano. A função social integra a essência da propriedade de modo que, na modernidade, passou a constituir-se em garantia da tutela jurídica da propriedade. A propriedade não é o prius a que se conecta o posterius da função social. A propriedade contém a função social sem que o fato de contê-la venha reduzi-la à mera propriedade396 função, em que são diluídos os poderes dos proprietários . 395 ZAVASCKI, Teori Albino. A tutela da posse na Constituição e no projeto do novo Código Civil. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Brasília, n. 5, p. 50, jan./jul. 2005. 396 OLIVEIRA, Francisco Cardoso, Op. Cit., p. 243. O princípio da função social da propriedade altera a estrutura do direito de propriedade397. Pietro PERLINGIERI afirma que o proprietário passa a ter não apenas limites ao exercício do direito, mas obrigações positivas em favor da sociedade, visa orientar o exercício para o benefício público. “Há a imposição do proprietário em exercer uma atividade em consonância com interesse social. Não basta que a propriedade não seja utilizada de forma anti-social; mas deve ser utilizado em benefício do interesse comum”398. A função social da propriedade permitiu que o direito subjetivo fosse exercido com liberdade não só pelo titular, mas também pelos demais membros da sociedade. Acrescenta José Afonso da SILVA acertadamente que a função social não consiste em uma limitação ao direito de propriedade, conforme entendeu Renner; se assim o fosse recairia sobre o exercício do direito de propriedade. A função social é inerente à própria propriedade399. Guilherme GAMA e Caroline ANDRIOTTI alertam que a função social não pode se restringir à concepção de um limite ao direito subjetivo, mas deve estenderse à própria legitimidade de reconhecer o direito de propriedade. Haveria uma dupla concepção da função social, uma positiva e outra negativa. A positiva consistiria nos instrumentos jurídicos coativos para a utilização do objeto. A negativa seria realizada por meio de sanção decorrentes do não-aproveitamento, como ocorre com a perda da marca, desapropriação de imóveis, incorporação de domínio da obra intelectual.400 A esse respeito, escreve José Castán TOBEÑAS: A propriedade é um direito subjetivo vinculado aos fins naturais e pessoais do homem, mas ao qual está ligado não circunstancialmente, mas necessariamente a uma função social de conteúdo muito complexo, porém constituído em essência pelos deveres, negativos e positivos, que a vivência social e o bem impõem ao proprietário em benefício da comunidade.401 397 Ibidem, p. 69 - 71. LOPES, op. cit., p. 290. 399 SILVA, José Afonso da. Curso..., p. 254. 400 GAMA; ANDREOTTI, op. cit., p. 11. 401 “La propiedad es un derecho subjectivo vinculado a los fines naturales y personales del hombre, pero al cual va ligado no circunstancial, sino necesariamente, una función social de contenido muy complejo, pero constituida en esencia por los deberes, negativos e positivos, que el vivir social y el bien 398 Pietro PERLINGIERI compreende a função social como uma qualidade do direito de propriedade e não nega o direito do proprietário como um direito subjetivo402. Stefano RODOTÀ adota o mesmo posicionamento de Perlingieri.403 Francisco Cardozo OLIVEIRA defende que “está implícito, na função social a valorização do exercício efetivo dos poderes proprietários em detrimento da outorga formal do título de propriedade para o proprietário, sem compromisso, neste caso, com a exploração socioeconômica efetiva da coisa objeto da propriedade” 404 . O conceito de função social, nas palavras de J. J. Calmon de PASSOS: Função social, conseqüentemente, pode ser entendida como o resultado que se pretende obter com determinada atividade do homem ou de suas organizações, tendo em vista interesses que ultrapassam os do agente. Pouco importa traduza essa atividade exercício de direito, dever, poder ou competência. Relevantes serão, para o conceito de função, as conseqüências que ela acarreta para a convivência social. O modo de operar, portanto, não define a função, qualifica-a.405 A função social não visa aniquilar o direito de propriedade, mas condicionar a utilização segundo os interesses sociais. O bem deve respeitar os interesses coletivos, ou seja, apresentar uma função social.406 O direito subjetivo permanece existente, ainda que condicionado a uma atuação esperada socialmente. O interesse da sociedade acaba por condicionar o exercício dos poderes do proprietário “e assim imponen al propietario en benefício de la comunidad.”.TOBEÑAS, José Castan. Apud BARROSO FILHO, José. Propriedade: A quem serves? Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2453>. Acesso em: 20 fev. 2008. 402 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale. Napoli: Scientifiche Italiane, 2001. p. 200. 403 “A função social, segundo Stefano RODOTÀ, pensador italiano, une-se intimamente como elemento integrante da estrutura da propriedade, ao lado dos poderes de usar, fruir, dispor e reivindicar. A função social é elemento componente, mas que condiciona os demais elementos, tornando-os legítimos, apenas se em acordo com ele. Ou seja, o uso, a fruição, a disposição e a reivindicação somente serão legítimos, enquanto harmonizados com a função social”.RODOTÀ, Stefano apud GUIMARÃES, Karine de Carvalho. A função social da propriedade e a vedação de usucapião sobre bens públicos. Disponível em:<http://www.contratosonline.com.br/biblioteca/ artigos/aaartigointegra.asp.>. Acesso em: 18 mar. 2008. 404 OLIVEIRA, Francisco Cardoso, Op. Cit., p. 245. 405 PASSOS, J. J. Calmon de. Função social do processo. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp.>. Acesso em: 17 mar. 2008. 406 GAMA, Guilherme Calmo Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no Direito Privado e Constituição. In. ____.(coord.). Função Social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p.18 – 38. p. 22. se afirma uma vez mais o caráter essencialmente social, tanto em sua origem como em sua finalidade”407. A função social, para Pietro BARCELLONA, caracteriza o conteúdo da propriedade, que se exprime como condicionamento da autonomia privada do proprietário408. A função social, para esse autor, consiste na concretização do bemestar social, que no direito de propriedade se materializa na maximização da utilidade social do bem. A utilidade social seria no máximo benefício econômico coletivo, ou seja, no aumento da produção, da riqueza e na concretização de relações sociais mais justas409. Dessa forma, a utilidade social só poderá ser auferida no caso concreto. Por isso, segundo o autor, a função social é uma cláusula geral e vai mais além, como expressão da solidariedade social, impõe sobre o proprietário a necessidade de adequar os diversos interesses em conflito410. O interesse social não seria o interesse do proprietário, nem do invasor, mas da coletividade globalmente. Pietro BARCELLONA entende que “se o proprietário não cumpre e não se realiza a função social da propriedade, ele deixa de ser merecedor da tutela por parte do ordenamento jurídico, desaparece o direito de propriedade”411. O que implica dizer que a função social não pode ser externa à estrutura da propriedade.412 Nesse sentido também é a doutrina de Pietro PERLINGIERI, para ele o ordenamento jurídico apenas reconhece o direito de propriedade se as obrigações, os deveres, os ônus que recaem sobre a propriedade são cumpridos de forma a efetivar a função social413. A propriedade desempenhará sua função social, segundo Miguel Reale, quando se “volta à realização de um fim economicamente útil, produtivo, em benefício do proprietário e de terceiros, especialmente quando se dá a interação entre o trabalho” e meios de produção414. 407 MACHADO, op. cit., p. 247. BARCELLONA, Diritto…, p. 300. 409 Ibidem, p. 301. 410 Ibidem, p. 302. 411 Ibidem, p. 181. 412 Idem. 413 PERLINGIERI, Pietro. Introduzione..., p. 71. 414 REALE, Miguel. Visão geral do <http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 01 nov. 07. 408 novo Código Civil. Disponível em: Assim, a função social é compatível com os direitos subjetivos do proprietário, que diferentemente do período liberal, estes direitos passam a estar condicionados ao cumprimento da função social. O conceito jurídico de propriedade também sofre modificações com a funcionalização do instituto. 3.2.2.2 A mutação no conceito de propriedade No liberalismo a propriedade era definida a partir dos direitos subjetivo, ou seja, como um conjunto de direito absolutos do proprietário. A propriedade consiste no direito absoluto do proprietário em usar, gozar e dispor da coisa. Via-se o direito como natural, possuindo raras limitações. No aspecto externo, segundo Ana PRATA, a propriedade tem sido definida “pelo poder que aquele [proprietário] tem de excluir todos os outros de qualquer ingerência na esfera do seu domínio sobre a coisa”415. No aspecto interno seria o direito de o proprietário exercer os direitos subjetivos, sendo que o exercício deste no “interior do domínio o sujeito tem um poder soberano de decisão”416. A Constitucionalização do Direito Privado trouxe à propriedade a função social, modificando a estrutura e o conteúdo dos direitos reais. O conceito atual de propriedade vive uma transformação contínua justamente para legitimar uma forma solidária de exercício, o que proporciona um justo equilíbrio entre o individual e o social, sem a predominância de um sobre o outro. A nova legitimação da propriedade se dá com a função social. A função social confere à propriedade um dever, o que modifica o conteúdo. Conforme expõe Judith MARTINS-COSTA, a funcionalização deriva “da atribuição de um poder tendo em vista certa finalidade ou atribuição de um poder que desdobra em um dever, posto concedido para a satisfação de interesses não meramente próprios ou individuais, podendo atingir a esfera de interesses alheios”.417 A funcionalização dos direito visa reconstruí-los para equilibrar interesses meramente individuais e sociais. A funcionalização da propriedade exige uma atuação positiva do proprietário em consonância com o que a sociedade espera. Por isso, pode-se afirmar que é a 415 PRATA, op. cit., p.148. Ibidem, p. 150. 417 MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes Teóricas do novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 148. 416 função social que legitima ao Estado conferir poderes a um determinado sujeito. Como poder conferido, o próprio ordenamento atribui obrigações a serem observadas pelo proprietário418. O fundamento da propriedade está no seu uso. Como expõe Alcides TOMASETI, “é o proprietário o sujeito ativo da relação jurídica de propriedade. Mas, o sujeito passivo da relação jurídica de propriedade privada são todas as demais pessoas não proprietárias do objeto sobre o qual incide o poder jurídico do proprietário. Por isso, diz-se que o poder jurídico, o ‘direito’ do proprietário, afeta imediatamente o objeto de direito do proprietário, e afeta mediatamente, por exclusão, todas as demais pessoas que não são titulares do direito. ”419 A propriedade deixa de ser definida como um direito subjetivo absoluto, e passa a ser vista como uma situação jurídica subjetiva, conforme expõe Pietro PERLINGIERI. A propriedade seria uma situação subjetiva complexa, envolvendo faculdades em prol do proprietário e limites420. A propriedade configura uma situação jurídica subjetiva com natureza de um poder que contém direitos e deveres. Por situação jurídica PERLINGIERI entende como um conceito geral que mede a relação de fatos e efeitos. Os efeitos delimitam a estrutura da situação jurídica, pois consistem em modificações, constituições ou extinção de situações jurídicas421. Pois, para o autor, não há diferenciação entre o momento descritivo e a incidência da norma, pois toda incidência da norma precisará de fatos concretos. Assim, após ocorrência do fato há a produção dos efeitos, configurando uma situação jurídica422. Ressalta-se que o sujeito não faz parte da situação jurídica, pois não são todas as relações que possuem dois sujeitos423. A relação jurídica seria então a ligação entre duas relações subjetivas e não mais entre dois sujeitos424. A 418 Neste sentido PERLINGIERI: “(...) ha una disciplina inderogabile al di fouri dei poteri del titolare, al di fouri dell´autonomia privata, e in questa disciplina vi sono determinati obbliggi di comportamento da parte del proprietario” PERLINGIERI, Introdizione..., p. 71. 419 TOMASETTI JUNIOR, Alcides. A propriedade privada entre o direito civil e a constituição. RDM, a. XLI, n. 126, p. 125, abr/jun. 2002. 420 PERLINGIERI, Introduzione..., p. 69. 421 PERLINGIERI, Perfis..., p. 105. 422 Idem. 423 PERLINGIERI explica que há situações jurídica em que não há o sujeito envolvido e exemplifica com os direitos do de cujus, que tem direito a honra; assim como os vínculos familiares que persistem, não há em um dos pólos um sujeito concreto. PERLINGIERI, Perfis..., p. 107. 424 Nesse sentido, para PERLINGIERI, tanto o sujeito como a sua capacidade são relevantes para o exercício da situação subjetiva, mas não para sua existência: “La veritá é che occorre liberarsi da certi individualismi, che hanno fatto il loro tempo, e concepire la situazione giuridica soggetiva come centro di relação jurídica é formada por dois ou mais centros de interesses. Confere-se, assim, direitos e obrigações a ambos os pólos. Há uma relevância dos fatos, sendo este a causa do direito, não objeto. Como as situações subjetivas são efeitos, necessitam de uma causa. Os fatos só se tornam fatos jurídicos se constarem no mundo jurídico425. Ocorrido o fato, ele entra para o mundo dos fatos jurídicos e ao produzir efeitos torna-se uma situação jurídica. Como efeito que é, a situação jurídica será uma obrigação, um dever, um ônus etc. Esses múltiplos efeitos que podem ser gerados configuram um centro de interesses. A situação jurídica, ao ser conceituada como centro de interesses, implica afirmar que esta não se resume ao exercício dos direitos subjetivos. A situação jurídica complexa é constituída por diversos elementos, isto é, direitos, deveres, obrigações, ônus, faculdades, proteções, exceções etc.; dentre estas o poder-dever, que consiste num agir, aproveitar o bem, seja como faculdade ou obrigatoriedade, sempre observando determinados limites e condições. A propriedade não pode ser vista apenas como exercício de direitos subjetivos pelo proprietário e de abster terceiros que impeçam o exercício de tais direitos. Há uma pluralidade de vínculos que incide sobre o centro de interesses. O direito de propriedade é uma situação subjetiva de ordem complexa426. Para PERLINGIERI, entre o proprietário e os demais interessados (Estados, vizinhos, terceiros) há uma relação de cooperação e coordenação e não de subordinação, como impunha a doutrina liberal. Dependendo do fato concreto o ordenamento jurídico favorecerá um determinado interessado427. O interesse do proprietário é apenas um dos interesses a ser protegido pelo ordenamento jurídico. O caso concreto é que aferirá qual o interesse a ser protegido, para verificar a extensão dos direitos, deveres, ônus etc. que cada envolvido detém. Caberá ao interesse, in sé e per sé considerato, oggetivamente rivelante per l´ordinamento; solo cosi ci si renderá conto che la volontà del soggeto, l´esistenza del soggeto, la sua capacita sono rilevante solo ai fini dell´esercizio di questa situazione giuridica soggetiva, ma non per l´esistenza stessa della situazione giuridica che va rispettata e garantita da parte dell´ordinamento anche se il soggetto non c´é” In: PERLINGIERI, Introduzione..., p. 98. 425 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. t. 1. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. p. 3 - 35. 426 “In sostanza, quindi, la proprietá non è piú soltanto un potere della volontà, un diritto soggettivo che spetta tout-court ad un soggeto, ma è ancor piú di una situazione giuridica soggetiva complessa” In:PERLINGIERI, Introduzione..., p. 101. 427 Idem. magistrado avaliar diante dos dados do fato concreto a essencialidade do bem ao titular. A propriedade é, portanto, uma situação jurídica complexa, ou seja, um centro de interesses que congrega deveres, poderes, obrigações, ônus, faculdades etc., e cujo conteúdo depende de interesses extraproprietários, apurados no caso concreto. Ressalta-se que teoria da situação jurídica permite esclarecer porque a função social também só poderá ser verificada no caso concreto. Ora, a função social integra a própria estrutura, o conceito de direito de propriedade, se o conceito impõe a verificação da legitimidade de interesse no caso concreto, a efetividade da função social ou não só poderá ser apurada no fato concreto. José Afonso da SILVA afirma que o Código Civil de 2002 concorda com o posicionamento acima exposto de que a propriedade passa a ser vista como uma “situação jurídica subjetiva complexa, compreensiva de poderes, faculdades, deveres jurídicos, obrigações, encargos e limitações”.428 Há a modificação do núcleo do conceito de direito subjetivo para situação subjetiva. A propriedade, além de conferir direitos ao proprietário, também lhe impõe ele obrigações e deveres. Assim, a situação subjetiva é mais ampla, tendo em vista que abarca os direitos subjetivos e evidencia os deveres. Neste ponto está a dificuldade de definir a propriedade funcionalizada. A questão está justamente na compatibilização dos direitos e deveres que recaem sobre o proprietário. Por isso, a concepção adotada por Pietro BARCELLONA, que a função social possa ser estabelecida por critérios legislativos, que vai em última análise limitar o direito de propriedade429. No entanto, não é esta a concepção adotada pela doutrina brasileira, cujo entendimento é que somente no caso concreto e analisado todos os demais interesses que será apreciada a função social. Por isso, o ordenamento jurídico deve continuar a conceituar a propriedade de forma abstrata e a condicioná-la à função social que o bem desempenha. Conectase o direito de propriedade à função social, bem como à dignidade da pessoa humana, pois dependerá da destinação conferida ao bem que o direito protegerá um determinado interesse em detrimento de outro. 428 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 64. 429 BARCELLONA, Pietro. Gli Instituti Fondamentali Del Diritto Privato. Napole: Jovene, 1978, p. 148 apud GOMES, Orlando, Direitos..., p.111. O conceito jurídico de propriedade está presente no artigo 1228430 do Código Civil. O caput baseia-se no conceito liberal, pois define a propriedade a partir da atribuição normativa de poderes - usar, fruir, dispor e reivindicar - sobre um bem ao titular do direito de propriedade. Ao proprietário continuam resguardadas as faculdades subjetivas, porém devem ser observadas as limitações e o conteúdo funcional, previstos nos parágrafos. Os parágrafos do artigo 1228 do Código Civil harmonizam o instituto aos princípios constitucionais, bem como aos princípios diretrizes do Código Civil, em especial o princípio da socialidade, que tem como finalidade a eliminação do individualismo, substituindo-o pela personalização.431 A empresa como propriedade, no perfil objetivo, está definida pelo Código Civil no artigo 1.142432. Adota aqui o perfil objetivo na concepção da empresa, ou seja, dos bens de produção, identificando a noção de estabelecimento empresarial. O estabelecimento consiste no conjunto de bens necessários ao exercício da atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços. A natureza jurídica constitui uma universalidade de fato. A propriedade dos bens de produção é da empresa, tendo esta o direito de usá-los e deles gozar e dispor. Portanto, a empresa analisada sob o viés do estabelecimento empresarial, pode ser perfeitamente aplicada à função social da propriedade, até mesmo por constituir parcela do patrimônio da sociedade.433 Há o pressuposto que a tutela do 430 Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. §4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistirem extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. In: BRASIL. Lei n. º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em:<http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002?L10406.htm>. Diversos acessos. 431 PINTO. Carlos A. O Princípio da Função Social dos Contratos no Direito Societário. Disponível em:<http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos.>. Acesso em: 08 nov. 07. 432 Art. 1142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresa ou sociedade empresaria. In. BRASIL. Lei n. º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em:<http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002?L10406.htm> Diversos acessos. 433 TOKARS, Fabio Leandro. Sociedades Limitadas. São Paulo: LTr, 2007, p. 83. estabelecimento se dará se o “titular dos bens empresariais dar-lhes destino ativo, há ainda, outro fato, que a isso se adiciona, para o cumprimento da função social da propriedade empresarial: os limites da lei”434. Assim, a função social estará atendida quando a atividade empresária é exercida de acordo com o ordenamento jurídico. A propriedade é vista como uma instituição múltipla. Há a propriedade imobiliária, literária, artística, industrial etc. Dentre as diversas propriedades identificadas, existe a propriedade dos bens de produção, em que “converge um feixe de outros interesses que concorre com aqueles do proprietário e, de modo diverso, condicionam e são condicionados”435. Deve-se ter em mente que o princípio da função social da propriedade incide de forma geral nos bens patrimoniais, os quais deverão ser destinados a um aproveitamento satisfatório para a coletividade, conforme sua própria natureza. A diferenciação, segundo Fernando Armando RIBEIRO, estaria no fato dos: bens de consumo, tais como roupas e alimentos, por exemplo, como bem anota A . SILVA, cumprem a função social com a “sua aplicação imediata e direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que justifica até a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição” (SILVA, 1997: 682). Os bens de produção, por sua vez, suscetíveis de apropriação privada, aliás, característica básica do regime adotado na ordem constitucional, devem ser fortemente atingidos pelo princípio econômico da função social no que tange à sua destinação normal: produção de bens e riquezas436. Essa visão não é pacífica, Eros Roberto GRAU entende que apenas a propriedade dos meios de produção é funcionalizada. Para ele, a propriedade privada difere da propriedade funcionalizada, por aquela se tratar de um direito individual que visa “garantir a subsistência individual e familiar- a dignidade da pessoa humana”437, enquanto esta é garantida tanto pelas constituições socialistas quanto por constituições capitalistas. Esta não seria, segundo o autor, funcionalizada, apenas passível de limite pelo poder de polícia estatal. 434 BRUSCATO, op. cit., p. 66. GRAU, A ordem ..., p. 236. 436 RIBEIRO, Fernando Armando. O principio da Função social da propriedade e a compreensão constitucionalmente adequada do conceito de propriedade. 37p, p 22. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/ano2_2/O%20principio%20da%20%20funcao.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2008. 437 GRAU, A ordem..., p. 235. 435 Nesse mesmo sentido, justifica Alcides TOMASETTI JUNIOR que a atual visão do direito de propriedade permite que muitos doutrinadores entendam que é somente sobre os bens de produção que incide a função social, pois o “direito de propriedade se exercita de modo particularizado”438. Porém, a função social da propriedade deve ser obedecida por todos os tipos de propriedade, não só a dos meios de produção. Rogério ANJOS FILHOS afirma que a “Constituição, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, dispõe que a propriedade atenderá à sua função social de forma genérica, sem restrições, pelo que a norma incide em todas as espécies de propriedades previstas pela Carta, e não apenas naquelas relacionadas à ordem econômica e aos bens de produção”439. Ana PRATA também comenta o equívoco, descrevendo que esta vem de uma concepção errônea da função social “enquanto utilização produtiva dos bens”440. Esta concepção vincula a função social apenas à propriedade dos bens de produção. Para chegar a esta conclusão, os adeptos deste posicionamento se fundamentam em uma concepção errada de função social. O surgimento de outras formas de riqueza, que não só a dos bens de produção em relação à sociedade fez com que esta concepção fosse revista441. Deve ser vista como uma cláusula geral que serve como instrumento “de aferição e adequação judicial dos instrumentos dos proprietários”442. A função social é o que justifica e legitima a propriedade empresarial. A fundamentação da função social da empresa estaria justificada “pelos seus fins, seus serviços, sua função”.443 Já a fundamentação do direito de propriedade individual funcionalizada estaria na “dignidade da pessoa humana, apenas incidindo sobre os excessos”444, “instrumento judicial de apreciação das condutas dos proprietários in concreto”445. 438 TOMASETTI JUNIOR, op. cit., p. 125. ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A Função Social da Propriedade na Constituição Federal de 1988. PODIVM. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BA3A7E2E6-99EC-43C7-82A9D07E3160D9B0%7D_roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em 20 fev. 2008. 440 PRATA, op. cit., p. 166. 441 Ibidem, p. 168. 442 Ibidem, p. 174. 443 GRAU, A ordem..., p. 238. 444 Ibidem, p. 247. 445 Idem. 439 A funcionalização visa dar uma utilidade e produtividade, atendendo, dessa forma, aos princípios do desenvolvimento social, pleno emprego, justiça social.446 Deve o proprietário exercer suas faculdades conciliando seus interesses com os da sociedade e do Estado. Cabe ao direito, como regulador das relações sociais, repudiar o uso abusivo. É o cumprimento da função social que legitima o direito de propriedade, inclusive o empresarial447. Ana Frazão LOPES diferencia a função social do abuso de direito. A função social suscita a imposição de deveres positivos sobre o titular. Já o abuso de direito preocupou-se com a utilização das prerrogativas inerentes ao direito, procurando estipular critérios a partir dos quais o titular deixaria de agir regularmente e passaria conter abusos448. A confusão da função social e do abuso de direito pode se dar com as teorias finalísticas do abuso de direito, que entendem por abusivo o exercício do direito contrário à finalidade legal. Assim, o descumprimento da função social pode vir a ser sancionado por meio da teoria do abuso de direito. A propriedade funcionalizada passa a ser compreendida como situação jurídica complexa, não mais como exercício de direito subjetivo. Como situação jurídica, é tomada como relevante a destinação que o proprietário confere ao bem dentro da sociedade. Observa-se que, ainda que o Código Civil traga uma definição compatível com a definição doutrinaria, o principal fundamento jurídico da função social da propriedade encontra-se na Constituição Federal. 3.2.2.3 A função social da propriedade na Constituição Brasileira A primeira Constituição brasileira a mencionar a função social da propriedade foi a de 1934. Essa Constituição conteve forte influência das Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919). Na Constituição de 1934, a propriedade não poderia ser exercida contra o interesse coletivo ou social. A Constituição de 1934 trouxe alguma preocupação social com a propriedade, no artigo 113, parágrafo 17: “a propriedade não pode ser exercida contra o interesse social”. Esta visão foi mantida no texto constitucional de 1946, no artigo 147. Este 446 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 732. CAMBI, Eduardo. Propriedade no Novo Código Civil: Aspectos inovadores. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 16. p. 38, out./dez. 2003. 448 LOPES, op. cit., p. 218. 447 dispositivo condicionava o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social. Explicitamente, queria assim possibilitar uma justa distribuição da propriedade. Entretanto, o enfoque doutrinário sobre o instituto só ocorreu com as previsões da função social na Constituição de 1967 e sua Emenda em 1969. As Constituições do período de ditadura elegeram a função social como um princípio da ordem econômica e social; entretanto, não foi consagrada como um direito fundamental e garantia individual, como o fez a Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal de 1988 previu o direito de propriedade e a função social da propriedade nos artigos 5º, XXII e XXIII449 e 170, II e III450, ora como direito e garantia fundamental, ora como princípio basilar da ordem econômica. A função social visa equilibrar os interesses individuais e os interesses sociais, de forma que os institutos jurídicos devem ser aplicados de acordo com os fins sociais esperados. Por isso, o principal fundamento da função social da propriedade é o princípio da solidariedade. Daniel SARMENTO afirma que este princípio implica o: reconhecimento de que, embora cada um de nós componha uma individualidade, irredutível ao todo estamos também todos juntos, de alguma forma irmanados por um destino comum. Ela significa que a sociedade não deve ser o locus da concorrência entre indivíduos isolados, perseguindo projetos pessoais antagônicos, mas sim um espaço de diálogo cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, que se reconheçam como tais451. Dessa forma, revela-se “perfeitamente possível afirmar que a diretriz constitucional da solidariedade social, contida no inciso III, do artigo 3º, do texto 449 Cf. Constituição Federal do Brasil 1988: Art 5º. (...)XXII - é garantido o direito de propriedade;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;(...)” In: BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Diversos acessos. 450 Cf. Constituição Federal do Brasil 1988: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:(...) II - propriedade privada; III - função social da propriedade;(...)” In: BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Diversos acessos. 451 GAMA; CIDAD, op. cit., p. 24. constitucional de 1988, é o grande alicerce e fundamento da função social(...)”452. Até mesmo porque “o Direito tem de servir à promoção de uma sociedade mais digna e justa, à valorização da ética453, à prevalência da solidariedade social sobre o individualismo, segundo os segmentos concernentes que norteiam todo o sistema jurídico”454. A inclusão da função social na ordem econômica constituiu um novo regime jurídico da propriedade455. Diante disso, “a função social da propriedade impõe ao proprietário- ou a quem detém o controle da empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não fazer em prejuízo de outrem”456. A grande conseqüência é que o conceito constitucional de propriedade, conforme afirma Fábio Konder COMPARATO457, é bem mais amplo do que o tradicional do Direito Civil. O princípio da função social passa a integrar o conceito jurídico de propriedade. Tanto que José Afonso da SILVA conceitua a função social da propriedade não como uma limitação ao direito de propriedade, mas inerente ao seu conceito, pois está diretamente relacionado ao exercício do direito de propriedade.458 A propriedade constitucionalizada garante os direitos subjetivos do proprietário, porém condiciona seu exercício ao interesse social, sob pena de intervenção do Estado. Celso Ribeiro BASTOS define a função social da propriedade como um “conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de grande gravidade jurídica recolocar a propriedade na sua trilha normal”459. Define a propriedade a partir de um viés constitucional, e não como mera repetição ao previsto na legislação infraconstitucional. 452 GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 16. MACEDO, Ubiratan B. de. Liberalismo Versus Comunitarismo Em La Cuestión De La Universalidad Ética. Disponível em: <www.bu.edu/wcp/section/TheoEthi.html>. Acesso em: 21 jun. 2006. 454 COSTALONGA JUNIOR, Ademar João. Função Social da Propriedade: Liberalismo, Teoria Comunitarista e a Constituição de 1988. Dissertação de Mestrado em Relações Privadas e Constituição. Rio de Janeiro, Campos dos Goytazes, 2006, 125 p, p.114. Disponível em:< http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Dissertacoes/Integra/AdemirJoaoCostalongaJunior.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2008. 455 BRUSCATO, Wilges. Os princípios do Código Civil e o Direito de Empresa. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 44, n. 139, jul. 2005, p. 50 a 75. p. 65. 456 GRAU, A ordem..., p. 245. 457 COMPARATO, Fabio Konder. A Reforma da Empresa. In: ____. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 3 – 25. p. 18. 458 SILVA, José Afonso. Curso ..., p. 280 - 281. 459 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 210. 453 Para Maiana PESSOA, “a função social da propriedade é uma forma de compatibilizar a fruição individual do bem e o atendimento da sua função social visando que o titular da propriedade não abuse do seu direito. (...) Na verdade, a função social é um poder-dever do proprietário de dar ao objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo de interesse coletivo.”460. A Constituição Federal, ao situar o direito de propriedade e sua função social no capítulo da ordem econômica (artigo 170, III), também a coloca como foco central da ordem econômica, subordinando a empresa não só à funcionalização da propriedade, como à solidariedade, ao direito consumidor, ao direito ao meio ambiente etc. Desse modo, a função social visa assegurar o direito de propriedade de acordo com os outros ditames legais, por exemplo, a proibição de implementação de trabalho escravo ou ainda poluir o solo e o ar, pois se assim fizer estaria negando a função social. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade instrumentalizam a função social. Dessa forma, a funcionalização está ligada ao princípio da solidariedade, em consonância com o artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece como objetivos “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e no inciso III, a “erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais”. A funcionalização da propriedade segue a vertente central do direito constitucional, a dignidade da pessoa humana, realizada pela concepção valorativa do direito461. “A funcionalização valoriza a utilidade individual e coletiva proporcionada pelo uso do bem, direcionado para o objetivo finalístico traçado pelo ordenamento jurídico”462, pois, hoje, o “que confere a validade à propriedade é a utilidade social propiciada pelo uso do bem objeto da propriedade”.463 O direito liberal tinha como um dos pilares o direito de propriedade, assim o direito de propriedade nesse período era visto como um direito individual. Todavia, essa concepção não pode perdurar, com o Estado social há a solidariedade, o que 460 PESSOA, Maiana Alves. A função social da empresa no direito civil constitucional. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_53.html>. Acesso em: 11 jun. 2007. 461 OLIVEIRA, Francisco Cardozo, Op. Cit., p. 283. 462 Ibidem, p. 36. 463 Ibidem, p. 271. torna a propriedade também um direito social. Nesse sentido, a Constituição, ao estabelecer que a “propriedade atenderá a sua função social”, rompeu com o paradigma liberal deste instituto. Como direito fundamental, a propriedade é garantida, mas de forma funcionalizada, e não há hierarquia entre solidariedade e propriedade, visto que ambos devem ser harmonizados. A Constituição, no artigo 5º, parágrafo 1º, declara que os direitos e garantias individuais possuem aplicabilidade imediata. Afirma Fernando RIBEIRO, que: Não há que se reconhecer, entretanto, seja alguém possuidor de deveres constitucionais, sem simultaneamente postular a existência de um titular de direitos constitucionais correspondentes. E, dessa forma, ao reconhecer aplicação imediata às normas definidoras de direitos fundamentais, está a Constituição, implicitamente, reconhecendo a situação inversa, vale dizer, que a exigibilidade dos deveres fundamentais é também imediata, dispensando intervenção legislativa464. Portanto, o princípio da função social é uma norma de incidência e aplicabilidade imediata465, cujo objetivo é a garantia de uma maior harmonização do ordenamento jurídico e econômico, complementando o próprio princípio da propriedade privada. A função social é um princípio constitucional que, segundo Túlio CAVALAZZI FILHO, efetivamente “ordena a propriedade privada e transforma-lhe o conteúdo, caracterizando não só como um de seus fundamentos, mas também como uma de suas garantias”466. Apesar de reconhecido majoritariamente pelos constitucionalistas, a aplicabilidade mediata do princípio da função social da propriedade deve ser sopesada a cada caso concreto. Fernando Armando RIBEIRO entende que essa seria “a única via constitucionalmente adequada para se garantir tanto a efetividade do sistema quanto a concreção da justiça que lhe é inerente”, e complementa que, uma “aplicação irrestrita da função social da propriedade, desfiguraria sua verdadeira natureza de princípio, convertendo-a em regra, o que ocasionaria solução 464 RIBEIRO, op. cit., p. 24. SILVA, José Afonso da, Curso ..., p. 281. 466 CAVALLAZZI JUNIOR, op. cit., p. 112. 465 injusta para inúmeros casos concretos e terminaria por desvelar um conflito na própria Constituição”467. Diferente é a efetividade da função social concebida por José BARROSO FILHO, que entende que, uma vez não atendida a função social da propriedade, “deve o direito de propriedade extinguir-se, passando das mãos do seu titular, ou para o Estado, ou para quem lhe dê a função almejada”468. No sistema jurídico atual a propriedade deverá cumprir uma função social; caso isso não seja observado, possibilitará que o Poder Público imponha medidas coercitivas, inclusive a expropriação por interesse social. “Ao fazê-lo, estará o Estado brasileiro não apenas contribuindo para a concretização de princípios fundamentais de nosso sistema, como também para assegurar a aura de supremacia de que se deve revestir a Constituição para que seja capaz de legitimar tanto o Estado quanto todo o demais direitos que nela se assentam”469. Heloísa CARPENA aponta que a inobservância da função social, como princípio do ordenamento jurídico, implicaria desvio no exercício do direito concernente, recaindo-se em uma das modalidades de abuso de direito470. O problema na aplicação decorre da amplitude do conceito da função social e a respectiva conseqüência pelo seu descumprimento. A Constituição Federal de 1988 apenas estabeleceu parâmetros gerais do que venha a ser a função social, pois como princípio constitucional que é deverá ser analisado perante o caso concreto. A Constituição Federal, ao expressar na ordem econômica a função social, atribui à atividade econômica a sua observância. Ao mesmo tempo em que constitui como fundamento constitucional para a função social do contrato. 3.2.3 Função Social do Contrato A teoria contratual nasce com Grotius, no surgimento do sistema capitalista e 467 RIBEIRO, op. cit., p. 28. BARROSO FILHO, José. Propriedade: A quem serves?. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2453>. Acesso em: 20 fev. 2008. 469 RIBEIRO, op. cit., p. 33. 470 CARPENA, Heloisa. Abuso de Direito nos Contrato de Consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 53. 468 amadurece na Revolução Industrial. Nasce a regulação jurídica do contrato com os códigos liberais. A necessidade de um mecanismo seguro de transferência de propriedade, de realizar operações econômicas, possibilitou a regulamentação legal dos contratos. Classicamente o contrato era definido, conforme bem sintetizou João de Matos Antunes VARELLA, como sendo “o acordo vinculativo resultante da fusão de duas ou mais declarações de vontade compostas, mas harmonizáveis entre si, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre partes”471. Nesta definição é nitidamente liberal, pois a vontade é a fonte geradora do contrato. O encontro das vontades gera obrigações. Nesse sentido, a vontade das partes era livre, havia o dogma da autonomia da vontade, a liberdade contratual e de contratar, segurança jurídica e pacta sunt servanda. O elemento central do conceito de Antunes VARELLA está no mútuo consentimento. Este consiste no encontro de vontades, ou seja, quando duas vontades contrapostas entre si, em um determinado momento convergem, harmonizam. Por isso, é no encontro de vontades que ocorre a conclusão de contratos. É necessário um consenso, a concordância das partes472 em todos os elementos essenciais do contrato. O dogma sobre autonomia da vontade se fundamenta no fato de o próprio direito dotar os particulares de liberdade e igualdade. Antunes VARELLA conceitua a autonomia da vontade como “a faculdade reconhecida aos particulares de fixarem livremente segundo o seu critério a disciplina vinculativa de seus interesses, nas relações com as demais criaturas”473. Outro princípio central do contrato liberal é a liberdade contratual. Este princípio pode ser definido em três perspectivas: 1) a liberdade de escolher entre contratar ou não, ninguém poderia ser obrigado a realizar um contrato; 2) a liberdade de escolher o outro contratante, ninguém poderia ser obrigado a realizar um contrato sobre determinada pessoa; e 3) a liberdade de escolha do conteúdo, ou seja, quais são as cláusulas do contrato. 471 VARELLA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 10. ed. v. I, Coimbra: Almedina, 1996. p. 212. 472 Cabe ressaltar que para o direito contratual parte é diferente de pessoas. Pode ter varias pessoas representando no lugar de uma única parte. Orlando Gomes define partes como um centro de interesses. Haverá duas partes se tiver interesses opostos. Deve-se saber quantos pólos de interesse, para saber quantas partes têm. 473 VARELLA, op.cit, p. 30. A liberdade contratual liberal decorre do dogma da autonomia da vontade, tendencialmente ilimitada. Não se admite limitação a liberdade contratual, a não ser de caráter negativo, ou seja, limites excepcionais. O Estado era liberal, intervenção mínima na esfera privada. O Estado poderia traçar os limites externos da liberdade contratual, mas sua liberdade não seria limitada. Determinada cláusula não poderia existir no contrato, limite para que a liberdade contratual existisse. Há presente, então, a idéia de intangibilidade do contrato, não admitindo nem mesmo a intervenção do juiz nas cláusulas contratuais. Ademais, os efeitos do contrato era restrito às partes (“res inter allios”) que dele participaram, não atingem terceiros à relação. A lógica era que se os terceiros têm vontade livre, como este pode ser obrigado se não consentiu com o acordo. No final do século XIX, começou-se a verificar uma contradição entre os direitos das obrigações e a sociedade. Nesse período ocorreram grandes transformações econômicas e sociais que vão abalar toda a estrutura. Nessa perspectiva escreve Paulo NALIN: O caos do contrato é retrato fiel da saturação do sistema fechado do código, tendo aquele instituto desbordado de seus limites restritos para atingir segmentos mais particulares e comprometidos com a atual ordem 474 constitucional . A aceleração da produção industrial e a necessidade de trocas mais rápidas fizeram com que os princípios clássicos fossem revistos e fossem inseridos novos princípios contratuais. Nasce a concepção social de contrato. Por isso, afirma Paulo NALIN que se quiser manter uma visão ahistórica do contrato não haverá como resolver a crise contratual475. Na verdade, a crise se refere ao momento de transformação, crise, caos476 ou morte ou decadência de uma concepção de contrato. As crises contratuais foram propiciadas por uma modificação da concepção de Estado e das relações sociais e econômicas. A crise do contrato adveio da incoerência da concepção clássica do contrato, com a massificação da produção. 474 NALIN, op. cit., p. 111. VARELLA, op. cit., p. 122. 476 NALIN, op. cit., p. 111. 475 O mesmo se deu no âmbito dos contratos, Claudia Lima MARQUES lembra que “Como novo paradigma para as relações contratuais de consumo de nossa sociedade massificada, despersonalizada e cada vez mais complexa (...)”477. Para isso, a política legislativa procura atingir igualdade material, fundada no interesse social, trazendo um equilíbrio na relação dos contratantes. Há a necessidade de o Estado intervir no contrato. O “dirigismo contratual consiste em regular o conteúdo do contrato por disposições legais imperativas de modo que as partes são obrigadas a aceitar o que está pré disposto na lei, não possam suscitar efeitos jurídicos diversos, em conseqüência a vontade deixa de ser autônoma, e a liberdade de contratar se retrai”478. O Estado, então, irá regulamentar e propiciar a igualdade material entre os contratantes, mediante a proteção do ente vulnerável. Enzo ROPPO define o contrato como “a realização de uma operação econômica reconhecida e tutelada pelo direito”.479 O autor atrela o contrato à realização de uma operação econômica que possui como principal efeito a transferência de riqueza. Nessa mesma linha, Enzo ROPPO entende que é necessário considerar na definição do contrato a realidade econômica-social que subjaz às relações jurídicas.480 O contrato muda a sua disciplina, função e estrutura segundo o contexto econômico e social que em está envolvido481. Deve o direito se moldar à realidade econômica do contrato, regulamentando os contratos de maneira a proporcionar maior agilidade e fluidez nas relações civis. O principal fator para transformar a teoria contratual foi a massificação das relações contratuais. O contrato recebe novas teorias e princípios aplicáveis aos contratos tais como: teoria da lesão, teoria da imprevisão, teoria do abuso do direito o princípio da boa-fé, o princípio dos bons costumes, o princípio da equidade etc.. A possibilidade de revisão dos contratos, relativizando a pacta sunt servanda e no dirigismo contratual. Há a liberdade de contratar e não liberdade contratual482. 477 MARQUES, Contratos..., p. 105 - 106. SCHROEDER, Fernanda Stein. As Clausulas Abusivas e o Contrato de Adesão: A proteção contratual do Código de Defesa do Consumidor. Monografia do Curso de Direito da UFSC. Departamento de Direito Privado e Social. 1996, p. 90. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Fernanda%20Steiner%20Schroeder.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2008. 479 ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 1998. p. 211. 480 Ibidem, p. 7 - 8. 481 Ibidem, p. 24. 482 MARQUES, A chamada..., p. 19. 478 O atual ordenamento jurídico busca a equidade contratual, a solidariedade, a confiança, a segurança e a justiça contratual. A despatrimonialização do Direito trouxe um contrato visto não só como instrumento de circulação de riquezas, mas por meio do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, “presta-se ao livre desenvolvimento da pessoa contratante, sem que dela possa excluir um conteúdo patrimonial mínimo”483. A revalorização do ser humano é o principal foco da nova teoria contratual. “A ética, a confiança, a moral objetiva, o respeito a palavra dada, enfim, a boa-fé objetiva voltam a ser valores relevantes”484na consecução do contrato. O direito pós-moderno fez com que os princípios liberais fossem remodelados, principalmente trazendo maior vertente a funcionalização e de solidarização485. O Código Civil de 2002 não abandona os princípios modernos contratuais, entretanto, dá-lhes uma nova roupagem, mais branda, sendo analisados sob viés da dignidade da pessoa humana, da socialidade e eticidade. Contudo, “não se pode mais afirmar com precisão, ser o contrato, na descrição moderna de acordo de vontades, um instrumento simples, de uso universal e ahistórico, sem o prejuízo de serem remetidas a um vácuo jurídico inúmeras figuras abrangidas pelos demais segmentos”486. Por isso, Paulo NALIN afirma que não se pode ter um conceito de contrato “que identifique a experiência jurídica contemporânea”487. O desafio na conceituação do contrato pós-moderno, segundo o autor, está justamente em conciliar os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana com o livre mercado, da solidariedade e o mercado, que em um primeiro momento apresentam-se divergentes e totalmente inconciliáveis se adotados na concepção liberal. Paulo NALIN então apresenta o contrato pós-moderno como: o contrato interprivado a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares 483 NALIN, op. cit., p. 248. POPP, Carlyle. Considerações sobre a boa-fé objetiva no direito civil vigente – efetividade, relações empresariais e pós-modernidade. In: TONIN, Marta Marília; GEVAERD, Jair. (coord.) Direito Empresarial e Cidadania. Curitiba,: Juruá, 2004, p.17 - 43, p. 21. 485 Ibidem, p. 22 - 24. 486 NALIN, op. cit., p. 121. 487 Idem. 484 subjetivos da relação, como também perante terceiros. A perspectiva constitucional do contrato é determinante para se declarar insuficiente qualquer conceito que o reduz a formula do acordo de vontades, destinado a produção de efeitos jurídicos constitutivos, modificativos e extintivos da relação jurídica488. Paulo NALIN, ao conceituar o contrato pós-moderno, analisa-o integrado a um sistema econômico, o considera como uma relação complexa, na qual cada parte é detentora de inúmeros direitos e deveres489. Não apenas no axioma subjetivo de crédito e débito, deve ser olhado pela funcionalização, eticidade, destinado à realização de valores não apenas patrimoniais. A solidariedade é um dos vértices do contrato pós-moderno.490O princípio da solidariedade irá definitivamente romper com toda a visão egoística e individualista clássica. Este princípio entende que deve prevalecer nas relações sociais não só um interesse interprivado, mas também o coletivo. Assim, a solidariedade irá condicionar a livre iniciativa constitucional, que nas relações contratuais se expressam na autonomia privada491. A livre iniciativa só será legítima se for exercida de acordo com o interesse social e se promover os valores da ordem econômica. A solidariedade seria o mecanismo de equilibrar a individualidade do mercado e a justiça social. A relação contratual, segundo Paulo NALIN, deve ser vista como uma relação de cooperação entre sujeitos, em razão do interesse social e da população492. Com o modelo pós-liberal há um esvaziamento do papel da autonomia da vontade, esta deixa de ser o núcleo, para dar lugar a um contrato já escrito, denominado contrato de adesão493. Hoje há uma autonomia privada, que “constituise na possibilidade legal de auto-regulamentação de interesses jurídicos, enquanto espaço livre, destinado aos operadores”494. Esta apenas exige uma iniciativa e um impulso de iniciativa da pessoa que quer contratar495. 488 Ibidem, p. 255. Idem. 490 Ibidem, p. 211. 491 BARCELLONA, op. cit., p. 325. 492 NALIN, op. cit., p. 203. 493 Ibidem, p. 119. 494 Ibidem, p. 169. 495 PERLINGIERI, Perfis ..., p. 43. 489 A autonomia da vontade passa a estar fortemente limitada, não somente pelos bons costumes e por normas jurídicas específicas, mas também a outro princípio, expresso no artigo 421 do Código Civil, a função social do contrato. Tendo em vista que segundo BARCELLONA, a autonomia da vontade no momento estático se refere ao exercício da propriedade; no momento dinâmico, a circulação de bens, portanto, ao contrato496. No art. 421 do Código Civil de 2002 constitui em uma atenuação ao princípio da res alios inter acta, ou seja, que o contrato apenas opera seus efeitos entre as partes. Com a funcionalização do contrato, admite-se que ele possa gerar efeitos à sociedade em geral, pois mesmo que não participe diretamente da relação contratual, poderá ter que suportar seus efeitos.497 Giselda HIRONAKA - primeira doutrinadora brasileira a mencionar a função social do contrato - expõe que: A função social emerge, assim, como uma dessas matrizes, importando em limitar institutos de conformação nitidamente individualista, de modo a atender os ditames do interesse coletivo, acima do interesse particular, e, importando, ainda, em igualar os sujeitos de direito, de modo que a 498 liberdade que cada um deles, seja igual para todos . A doutrina majoritária concorda que a função social do contrato vem interferir no princípio da relatividade dos contratos e da autonomia da vontade. Isso porque, se a “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos”, como preceitua literalmente o art. 421 do Código Civil, não há duvida de que tal dispositivo venha a impor restrições ao princípio da relatividade contratual. Se o contrato não vem a exercer sua função perante a sociedade, é dado à sociedade interesse em intervir neste negócio jurídico.499 Constitucionalmente, o princípio da função social do contrato estaria fundamentado na função social da propriedade500, pois o contrato tem por principal função a transmissão da propriedade. 496 BARCELLONA, op. cit., p. 325. MÜLLER, Luciano Scherer. Função Social dos Contratos. Disponível em:<http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060612luciano_scherer_muller.php>. Acesso em: 31 out. 07 498 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes de Moraes. A função social do contrato. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, v. 45, p.141,1988. 499 SOARES, Renzo Gama, op.cit., p. 453. 500 Segundo Miguel REALE, “o reconhecimento da função social do contrato é mero corolário dos imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e a justiça que deve presidir a ordem 497 Fernando de NORONHA501 entende que o contrato sempre esteve funcionalizado, até mesmo durante a vigência da concepção liberal. Só que no período liberal a função do contrato era econômica, somente após a crise do contrato é que se tem a função social do contrato. E escreve que “decorrente da inviabilidade da mão-invisível a função social teve que ser repensada”502. Paulo NALIN compreende que antes da Constituição Federal de 1988, o contrato apenas tinha uma função econômica503. Funcionalizar, para Paulo NALIN, significa atribuir uma “utilidade ou impor um papel social”, implica “oxigenar as bases fundamentais do Direito com elementos externos à ciência”504. Há o rompimento com o tecnicismo jurídico e busca-se atender aos anseios sociais. Ainda para Paulo NALIN, a função social pode ser analisada sob dois vieses: intrínseca e extrínseca. A intrínseca é referente à observância dos princípios da igualdade material, eqüidade, boa-fé objetiva pelos contratantes, decorrentes do princípio constitucional da solidariedade. A extrínseca é destinada a ressalvar as conseqüências do contrato no âmbito das relações sociais, observando os desdobramentos do contrato aos diferentes titulares que serão não somente aqueles envolvidos na relação de crédito e débito.505 Suaviza-se a obrigatoriedade dos contratos com o fim de afastar a ilicitude e o abuso de direito. Conforme expõe Humberto THEODORO JÚNIOR, “não seria mesmo possível consentir que a liberdade de contratar redundasse em prejuízos injustos para a sociedade e terceiros, que sofreriam os efeitos externos das obrigações sem que a elas tivessem aderido.” 506 Dessa mesma forma pode-se acrescentar este pensamento de Caio Mário PEREIRA: A função social do contrato serve de instrumento para limitar a autonomia da vontade, quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que esta limitação possa atingir a econômica” In: O projeto do código civil: situação atual e seus problemas fundamentais. p. 32 apud NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 83. 501 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 85. 502 Idem. 503 NALIN, op. cit., p. 232. 504 Ibidem, p. 217. 505 Ibidem, p. 226. 506 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 40. própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório. Tal princípio desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Essa constatação tem como conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não são propriamente parte do contrato, possam nele influir em razão de serem direta ou indiretamente por ele 507 atingidos. Para Ricardo LORENZETTI, a função pode possuir três concepções: como adequação do vínculo privado à justiça social, pois constitui uma forma de dirigismo estatal; como utilidade social, que visa reforçar a força obrigatória dos contratos úteis; a função econômica e social, no sentido de causa objetiva, função típica com finalidades classificatórias508. A função, segundo o autor, é um standard de julgamento da socialidade do contrato509. A função social consiste no atendimento aos interesses individuais harmonizados com o interesse coletivo. A liberdade contratual será exercida em razão dos limites contratuais. A função social do contrato demonstra a imprescindível harmonização dos interesses privativos dos contraentes com os interesses de toda a coletividade510. Conforme Eduardo Sens dos SANTOS, para concretizar a função social do contrato é necessário cumprir dois elementos: um interno e outro externo. O interno compreende a adequada ponderação entre três princípios fundamentais do direito contratual: a boa-fé objetiva, a autonomia privada e o equilíbrio contratual. Estes três princípios dizem respeito ao conteúdo contratual, por isso consistem na parte interna do acordo de vontades511. Já o elemento externo da função social do contrato é a concretização do bem comum, que, para SANTOS, deve ser visto na concepção mista, isto é, no bem de todos e no bem do indivíduo.512 A operatividade e a eficácia da função social do contrato devem ser consideradas interpretativas, assim “serão analisados nos casos que serão 507 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 13-14. 508 LORENZETTI, Tratado..., p. 102. 509 Ibidem, p. 103. 510 TALAVERA, Glauber Moreno. A Função Social do Contrato no Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero19/artigo11.pdf>. Acesso em: 30 out. 07. 511 SANTOS, Eduardo Sens dos. O novo Código Civil e as cláusulas gerais: exame da função social do contrato. Revista de Direito Privado. São Paulo, n. 10, p. 24, abr./jun. 2002. 512 Ibidem, p. 109. examinados do princípio da conservação ao controle do merecimento da tutela dos contratos”513. A aplicabilidade da função social, como instrumento do controle do conteúdo dos contratos, pauta-se no fato de a “liberdade contratual não” ser “legítima se persistir a iniqüidades atentatórias de valores de justiça, que igualmente tem peso social. O problema está na determinação do ponto em que liberdade e justiça se equilibrem”514. Por isso, o descumprimento da função social do contrato implica a invalidade do negócio jurídico. Nesse sentido Marcos Bernardes de MELLO salienta: Uma nova interpretação se dá para adoção, pelo Código Civil de 2002, da chamada nulidade virtual. Na medida em que o art. 421 do Código Civil é norma jurídica cogente que não define uma determinada sanção para sua violação, pode-se dizer que uma das sanções possíveis é a nulidade, nos termos do art. 166, inc. VII.515 O descumprimento da função social resultaria de um descumprimento do papel regular do contrato de forma esperada pelos contratantes. A desobediência à função social, portanto, seria causa de nulidade virtual516 do negócio jurídico por contrariar um dos princípios do ordenamento jurídico. Contraria uma disposição social de ordem pública, que é a função social do contrato. Os efeitos produzidos por este contrato são nocivos às partes ou até mesmo a terceiro, sendo enquadrados no campo da invalidade do negócio jurídico517. Ao contrário é a doutrina de Enzo ROPPO, o descumprimento da função social do contrato não é passível de declará-lo nulo, mas poderá ensejar “sanções ou remédios (anulação, rescisão, resolução)”518. Por ser um princípio, a função social: 513 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 155. 514 NORONHA, op. cit., p. 82. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato jurídico: plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 93. 516 NALIN, op. cit., p. 234. 517 Ibidem, p. 237. 518 ROPPO, op. cit., p. 222. 515 tutela o interesse de um contraente contra o interesse de outro contraente, inspirando-se na exigência de não alterar o originário equilíbrio econômico, ou então, de respeitar o sentido que a operação devia ter razoavelmente para as partes – e por isso, numa lógica não de conflito, mas de substancial garantia da autonomia privada.519 Enzo ROPPO compreende que a funcionalização não visa garantir a equidade das prestações, o respeito aos princípios da justiça contratual, as partes são livres, o ordenamento apenas pode intervir para controlar o quadro externo da economia e perturbaram a capacidade de avaliação das partes ou fatos supervenientes que privam a execução do contrato. Não pode o Estado intervir em relações que uma das partes julga ter feito um mal negócio; aliás, o ordenamento jurídico deve autorizar o lucro. Fernando NORONHA entende que o descumprimento da função social seria “o exercício de um direito contrário ao interesse geral é antijurídico, caracterizando abuso de direito[...]”520. Segundo Alexandre GODOY: “A função social do contrato representa uma maneira quando externada pelo exercício da atividade jurisdicional de interpretação e de controle do exercício da liberdade contratual, corolário, do conceito que lhe integra da autonomia privada”521. O contrato deve ostentar uma determinada função e esta consonância estará sob o controle da juridicidade. “Os diversos tipos de contrato continuam a ter uma função determinada e de acentuada índole social, por vezes de o legislador regrar-lhes a disciplina”522. Por isso, há um novo posicionamento do magistrado perante as cláusulas gerais. “O juiz interpreta, integra, readapta e modifica o conteúdo contratual, tudo para garantir a eficiência da operação econômica e a concretização dos valores de ordem publica que conformam o útil e justo contratual. É ele quem reconhece a força obrigatória dos contratos”523. 519 Idem. NORONHA, op. cit., p. 84. 521 GODOY, op. cit., p.153. 522 Ibidem, p. 154. 523 CUNHA, Daniel. Op. Cit., p. 280. 520 No modelo neoliberal, qualquer das concepções de função social estão sendo criticadas devido à intervenção na autonomia privada gerada. Há grande medo de que a funcionalização do contrato cause prejuízos à atividade econômica. O contrato não é um instituto meramente jurídico, assim como a empresa, também é um fenômeno econômico. Por isso, não cabe à ciência jurídica afastar a função de instrumento de circulação de riqueza. Não pode os contratos se submeterem a um controle a ponto de socializá-los, não é isso que busca a cláusula geral da função social do contrato. A função social e a função econômica do contrato devem subsistir harmoniosamente. 524 Arnold WALD525 já se manifestou sobre a importância do bom funcionamento do mercado para a sociedade, que por sua vez necessita de um bom instrumento de circulação de riqueza e de segurança jurídica, de forma a garantir a permanência das relações contratuais consideradas equilibradas e eficientes. “O contrato não deixa de ser instrumento de liberdade e de eficiência econômica, contudo, trata-se de uma liberdade qualificada pelo comprometimento social e a eficiência econômica consiste agora na adaptação às necessidades do mercado.”526 Dessa forma, é necessário ter em foco que a função social do contrato, como função que é, deve ser ponderada antes de se formar o vínculo contratual. LORENZETTI afirma que a função social só pode ser utilizada em situações extremas, isto é, quando o contrato for contrário à ordem pública. 527 Não haverá uma redefinição total do contrato, mas uma adequação à finalidade social. Portanto, a análise da função social só ocorrerá quando as partes levarem ao judiciário a revisão do negócio jurídico. Em regra ocorrerá a revisão pelo inadimplemento da obrigação de uma das partes.528 O contrato como instrumento por excelência de trocas na sociedade e como meio de constituição das sociedades constitui também fundamento para a função social da empresa. A atividade empresarial precisa dos contratos para ser exercida. 3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL 524 THEODORO JÚNIOR, op.cit., p. 102. WALD, Arnold. A Dupla Função Econômica e Social do Contrato. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, a. 5, v. 17, p. 5, jan./mar. 2004. 526 Idem. 527 LORENZETTI, Tratado..., p. 103. 528 Ibidem, p. 456. 525 3.4.1 O Conceito de Empresa A teoria da empresa, apesar de já adotada pela jurisprudência na década de 1980, somente foi positivada no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do Código Civil de 2002. A teoria da empresa nasceu com a promulgação do Código Civil Italiano, em 1942, que unificou a regulamentação da atividade privada, trazendo como objeto do direito empresarial a organização empresarial e não mais os atos de comércio. A palavra empresa vem do latim prehensus, phrehendere, que significa empreender ou cometer intentado para a realização de um objetivo529. A empresa é uma criação recente, advinda da Primeira Revolução Industrial. É vista, antes de tudo, como um fenômeno econômico, oriundo do capitalismo. Até então a empresa era vista como um agente do comércio, o capitalista; a produção era realizada em casa ou em pequenas oficinas. No século XIX, ainda, preponderava a estrutura familiar ou de menor porte de atividade, não havendo separação de responsabilidades entre proprietários e administradores. Por isso, a teoria econômica clássica a identifica com o capitalista, e define como seu objetivo a acumulação de capital em um ambiente competitivo representado por um sistema capitalista em expansão. A visão neoclássica tem por expoente Alfred MARSHALL, que define a empresa como: um agente que toma decisões de produção e de escolha do tamanho da planta, incluindo entrada ou saída de mercados onde os lucros estejam abaixo ou acima dos lucros normais, de forma que as decisões do conjunto de empresas de uma economia conduzem as escolha da aplicação dos recursos da sociedade – o que, como, quanto e para quem produzir530. 529 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 178 apud CAVALLAZI FILHO, Tulio. A Função Social da empresa e seu fundamento constitucional. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 49. 530 MARSHALL apud CHANDLER JUNIOR, 1992, p. 483 apud KUPFER, David; HASENCLEVER; Lia.(orgs.) Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. p. 24. Por isso tradicionalmente a empresa tem sido definida pela economia pelo local onde se combinam os fatores de produção de maneira a gerar os produtos, sendo a produção sujeita às leis dos rendimentos, que são discutidas primordialmente no interior de cada unidade de produção isolada. Nesse sentido, por terem as ciências econômicas se preocupado antes com a definição desta nova instituição, a definição jurídica de empresa acabou atrelada à conceituação econômica, que neste período concebia a empresa como a organização dos fatores de produção com o intuito de lucro. Empresa, segundo Waldírio BULGARRELLI, na definição econômica é a organização dos fatores de produção531. No século XX, com a expansão das sociedades anônimas e a profissionalização dos administradores há a separação da propriedade e do controle da gestão empresarial. Devido a uma modificação na estrutura e no ambiente das empresas, estas passam a necessitar de dirigentes aptos a administrarem de acordo com as modificações de mercado. A empresa como instituição do mercado é vista como uma entidade administrativa e financeira cujo objetivo predominante é o crescimento e a acumulação interna de capital. Para COASE, um dos principais expoentes da Law and economics, a empresa é uma hierarquia que economiza custos de transação532. Ao empregar recursos deve ser feita uma análise da alocação ótima, de forma a maximizar os lucros. Armian ALCHIAN e Harold DEMETZ533, em 1972, a partir da visão de COASE, redefiniram o conceito de empresa. Estes não viram a empresa como uma unidade decisória ou uma unidade produtiva cujas principais fronteiras estariam na tecnologia em uso. Para os autores, a empresa é uma ficção legal que serve como um nexo para um conjunto de relações contratuais entre os indivíduos. Houve uma redefinição da empresa em termos contratuais, bem como o relaxamento da hipótese de perfeita informação e a admissão da hipótese de que os agentes estão propensos ao oportunismo pós-contratual: 531 BULGARELLI, Waldírio. O direito da Empresa. São Paulo: RT, 1980. p. 23. Custos de transação são os custos que o agente detém todas as vezes que recorrem ao mercado. Negociar, redigir, e garantir o cumprimento de um contrato. 533 ALCHIAN, Demetz apud KUPFER, David; HASENCLEVER; Lia.(orgs.). Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. p. 289. 532 a empresa nada mais é do que uma rede de contratos entre os proprietários dos recursos produtivos utilizados nos seus processos produtivos, sendo que a entidade jurídica correspondente a esta consiste apenas em um artifício criado para centralizar as relações contratuais em torno de uma parte contratante , ao invés de organizá-la em um agregado de relações bilaterais534. Com essa visão apresentada primeiramente pelos teóricos da Law and economics, seguidos por Armian ALCHIAN e Harold DEMETZ, a empresa passa a ser conceituada como um “um conjunto articulado de contratos, que especifica o direito de propriedade vigentes para as condutas e interação dos agentes que desta participam”535. Segundo Chandler, “uma empresa é uma entidade legal que estabelece contratos com fornecedores, distribuidores, empregadores e, freqüentemente, com clientes”, ao mesmo tempo se apresenta como “uma entidade administrativa, já que havendo divisão do trabalho em seu interior, ou desenvolvimento de uma atividade, uma equipe de administradores se faz necessária para coordenar e monitorar diferentes atividades”536. Pode ser entendida também como “um conjunto articulado de qualificações, instalações e capital líquido”537. No entanto, a doutrina aponta dois efeitos para a conceituação de empresa como uma rede de contratos: a primeira consiste no perigo de estabelecer que todas as relações da empresa dentro e fora do mercado são passíveis de livre negociação; e a segunda torna a empresa equiparada aos demais agentes que atuam no mercado, bem como iguala o contrato da conceituação de empresa a todos os demais. A empresa passa a ser o centro de equilíbrio de uma complexa relação de mercado. Dessa forma, esclarecer a organização da empresa seria o mesmo que explicar o equilíbrio particular observado em um nexo de contratos. Ou seja, para a teoria da law and economics o equilíbrio ideal seria o paretiano, este estaria no ponto ótimo, que se dará pela renegociação dos termos do contrato sempre que 534 Ibidem, p. 290. Idem. 536 CHANDLER JUNIOR, 1992, p. 483 apud KUPFER, David; HASENCLEVER; Lia.(orgs.) Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. p. 24. 537 Idem. 535 sejam auferidos ganhos líquidos, isto é, pelo menos um agente possa auferir ganhos sem trazer prejuízos aos demais. Há ainda uma terceira visão da empresa que a entende como uma acumulação de conhecimentos produtivos, sendo capaz de ampliar estes conhecimentos e produzir inovações, adotada por Edith PENROSE538. A corrente generalista retira do foco da empresa a produção dos lucros. A geração de lucros não é mais o único fator a ser levado em consideração para a tomada de decisão da empresa. Tal fato decorre do advento da existência de um gerente profissional, que possui objetivos próprios não necessariamente coincidentes com os interesses dos acionistas majoritários539. Uma empresa, segundo Edith PENROSE, não é um objeto observável de maneira fisicamente separada de outros objetos, e é difícil de definir a não ser com referência ao que faz ou que é feito em seu interior540. Conseqüentemente, cada analista é livre para escolher quaisquer características das empresas nas quais seja interessado, definir empresa em termos destas características e proceder de forma a chamar a sua construção de empresa. Para Edith PENROSE, a empresa reúne e combina recursos. Essa função contrasta com a empresa neoclássica porque não há relação biunívoca entre um recurso e os serviços que dele podem obter. Estes dependem do ambiente em que os recursos são utilizados, com especial importância para os conhecimentos utilizados quando do seu emprego. As empresas, então, encerram conhecimento e experiência acumulada ao longo da existência. A elaboração da estratégia da empresa depende da avaliação dos membros da empresa e de sua experiência passada e conjunta. Os neoschumpeterianos, então, vêem a empresa como um agente que acumula capacidade organizacional. São expoentes Richard NELSON e Sidney WINTER, que compreendem que as empresas se comportam de acordo com a sua rotina conquistada pela experiência541. As rotinas encerram o conhecimento da empresa e incluem produção, transmissão e interpretação de informações provenientes do ambiente externo e geradas no interior da empresa. Esta definição 538 PENROSE, 1929, p. 10 apud KUPFER; HASENCLEVER, op. cit, p. 31. KUPFER; HASENCLEVER, op. cit., p. 30. 540 PENROSE, 1929, p. 10 apud KUPFER; HASENCLEVER, op. cit, p. 31. 541 NELSON, Richard; WINTER, SIDNEY apud KUPFER; HASENCLEVER, op. cit., p. 31. 539 vai ao encontro da Terceira onda de gestão, especificamente na Era do Capital Humano. O conhecimento tácito é valorizado, não somente o formal; passa a ser relevante o conhecimento adquirido na participação da atividade rotineira. No entanto, deve-se lembrar que o reconhecimento de rotinas na empresa não implica um comportamento imutável por esta. Dentro da rotina pode se encontrar soluções de problemas ou ainda pode-se demandar alterações nas rotinas. Dessa forma, KUPFER e HASENCLEVER542 vêem a empresa como formadora de conhecimento, como um aprendizado contínuo, que consegue se associar melhor com a teoria dos custos de transação de Ronald Coase, e trazer melhor a respeito dos custos da inovação, tendo em vista que a constante inovação é que impõe modificações dentro da estrutura da empresa. Assim, a empresa, antes de uma abstração jurídica, é um fenômeno econômico e MENDONÇA 543 social. Por isso, muitos doutrinadores, como Carvalho de , afirmam que não existe um conceito jurídico puro de empresa, pois sempre haverá uma influência econômica. Para o referido autor: Empresa é a organização técnico econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo o risco por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade”544. Essa definição aproxima-se do conceito trazido por Alberto Asquini. ASQUINI545 via a empresa como um fenômeno econômico possuidor de diversos aspectos, ou seja, elementos que para ele concorrem. A esses elementos denominou de perfis. O primeiro perfil seria o subjetivo, que corresponde àquele que exerce a atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços, ou seja, o empresário. O segundo perfil seria o funcional, que significa a atividade econômica a ser explorada, ou seja, dirigida a um determinado fim 542 KUPFER; HASENCLEVER, op. cit., p. 31. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. v. II, t. III. Campinas: Bookseller, 2001. p. 493. 544 Ibidem, p. 492. 545 ASQUINI, Alberto. Perfis da Empresa. Tradução: Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, n. 104, p. 109 - 112, a. XXXV, out./dez. 1996. 543 produtivo. O perfil objetivo ou patrimonial expressa o conjunto de bens necessário à consecução da atividade econômica organizada, o estabelecimento empresarial. O quarto perfil, denominado corporativo, implica a noção de que a empresa é uma instituição, e como tal o empresário e seus auxiliares empregam seus esforços em um objetivo comum. Em regra os conceitos jurídicos, como o conceito de Carvalho de Mendonça, comungam com a concepção econômica, uma vez que, se fundamenta na organização dos bens de produção. Porém, não se adéqua ao atual conceito econômico, pois não insere na definição de empresa como um local onde se agrega conhecimento. O Código Civil de 2002, ao trazer para si a regulamentação do direito empresarial, no Livro II, trouxe um conceito de empresário e não de empresa, assim como o fez o direito italiano. A partir do conceito disposto de empresário pode-se retirar, pela via reversa, o conceito de empresa, para a legislação civil. Empresa, referida preponderantemente pelo legislador civil, como a atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços. No entanto, o Código admite que tanto o “empresário, singular ou coletivo, para desenvolver sua atividade, titulariza bens, é proprietário” 546 . No artigo 1.142 define estabelecimento como conjunto de bens necessários para a execução da atividade econômica organizada. Não há atividade empresarial que não necessite de bens para ser desenvolvida. “Deve, portanto, na visão ideológica neoliberalista da atualidade atender a função social de sua propriedade”547. É, principalmente, a partir do perfil objetivo, que se atrela a função social. Fabio Konder COMPARATO define bens de produção como: Os bens de produção são móveis e imóveis indiferentemente. Não só a terra, mas também o dinheiro, sob a forma de moeda ou de crédito, podem ser empregados como capital produtivo. De igual modo, os bens destinados aos mercado, isto é, as mercadorias, pois a atividade produtiva é reconhecida, na análise econômica, não pela criação de coisas materiais, mas pela criação de valor. Mas as mercadorias somente se consideram bens de produção enquanto englobadas na 546 547 BRUSCATO, op. cit., p. 65. Idem. universalidade do fundo de comércio: uma vez destacadas dele, no final do ciclo distributivo, ou elas se incorporam a uma atividade industrial, tornando-se insumos de produção, ou passam a categoria de bens de consumo. Nesse último conceito incluem-se tanto os bens cuja utilidade é obtida pela sua concomitante extinção, quanto aqueles que se destinam ao uso sem a destruição necessária.548 Nesse sentido, Orlando GOMES entende que é importante diferenciar bens de produção de bens de consumo. Para ele, a empresa deve cumprir o seu papel social não pelo poder que a sociedade lhe dá, mas porque é a forma de exercer o direito de propriedade de certos bens. Quando se trata de função social, há que se distinguir os bens de consumo dos de produção, pois acredita que aqueles são de uso pessoal e livres de qualquer restrição, enquanto estes – exercidos atualmente sob forma de empresa - devem sujeitar-se às disposições e intimações legais, para evitar que ocorram abusos.549 A respeito da natureza jurídica da empresa, esta ainda é controvertida. Há teorias que apontam a empresa como um sujeito de direito, outras como objeto de direito, outras como um exercício do direito de propriedade, outras como uma abstração. Orlando GOMES analisa a empresa como mero exercício do direito de propriedade. Para justificar este posicionamento, ele rebate o porquê não se pode adotar as outras teorias: “A empresa não pode ser objeto, porque atividade não é objeto de direito, e não pode ser sujeito, porque é o modo de atividade do titular. A empresa seria, um dos modos do direito de propriedade”550. Os elementos materiais e imateriais que integram o fundo de comércio, desenvolvidos pelo empresário ao longo do exercício da atividade que caracteriza a empresa. Somente pelos meios de produção que se desenvolve a atividade empresarial. Entretanto, a empresa não pode ser vista apenas como um exercício do direito de propriedade para atingir o seu fim, ou seja, o lucro. A funcionalização da propriedade e da empresa modifica esse entendimento liberal; hoje, a empresa não 548 COMPARATO, Fabio Konder. Função social dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro São Paulo, n. 63, p. 71 - 79, 1986, p. 72. 549 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 75. 550 GOMES, Introdução..., p. 214. pode apenas buscar o lucro, mas ao explorar a atividade econômica deve atender também à função social e aos demais princípios constitucionais. A propriedade, no direito empresarial, tem sentido diverso do consagrado pelo Direito Civil. O próprio direito constitucional difere a propriedade individual da econômica, nesta a propriedade é vista de modo dinâmico, pois consiste nos instrumentos de produção e geração de riquezas. “Para o direito empresarial a propriedade é um meio, um instrumento, de geração de riquezas, e não uma finalidade em si mesma, para os detentores”551. Às empresas é garantida a posse de qualquer tipo de bens. Assim como contrair obrigações e entrar com ações civis e criminais, conforme as leis e regras da constituição. Por isso, também são titulares do direito fundamental. A propriedade das pessoas jurídicas, principalmente as empresariais, obriga a uma séria reformulação do significado do conceito civil tradicional de faculdade de gozar e desfrutar. Por fim, Fabio TOKARS e Rubens REQUIÃO defendem a natureza jurídica da empresa como “uma mera abstração na qual o empresário, mediante o exercício da atividade econômica, impulsiona-a para buscar resultados para os quais foi concebida”552. A empresa é o exercício da atividade produtiva, e o exercício da atividade é uma abstração. Ao conceber a empresa como uma abstração, o conceito traz a idéia de exercício de atividade produtiva, cujos elementos são o estabelecimento e o empresário. Tem-se que a empresa é um fenômeno poliédrico. Esta parece ter sido a visão adotada pelo Código Civil. A empresa deixa de ser identificada pelos sócios que a possui, passando a ser identificada pelo serviço que presta ou produto produzido553. Ao produzir, absorve uma série de interesses, o Estado, os consumidores, os fornecedores, os funcionários, os administradores, os sócios etc. Nesse sentido, afirma-se que a empresa deixa de ser propriedade exclusiva do empresário. O interesse social sobre a empresa deve estar em consonância com o interesse dos sócios, não podendo estes se manterem na concepção individualista. Arnold WALD a conceitua como 551 BRUSCATO, op. cit., p. 61. OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. A Empresa: uma realidade fática e jurídica. Brasília, a. 36, n. 144, p. 116, out./dez. 1999. 553 CASTRO, Carlos Alberto Farracha. Preservação da empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. p. 96. 552 “organização com fins lucrativos, mas com estrutura e espírito de parceria entre todos aqueles que dela participam sob as formas mais diversas”554. Assim, a empresa como atividade econômica organizada deve ser exercida não somente para atender aos interesses dos sócios ou acionistas, mas também de acordo com os interesses da sociedade. 3.4.2 A Função Social da Empresa A empresa como principal centro econômico moderno é o feixe das relações sociais. Fabio Konder COMPARATO, no início dos anos 90, já escrevia neste sentido: “Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa”555. O Brasil, assim como boa parte dos países mundiais, trabalha em uma economia de mercado. A partir da década de 1990, o Brasil obteve a abertura econômica e, conseqüentemente, aderiu à globalização e ao neoliberalismo. A economia de mercado apenas legitima a intervenção do Estado na economia somente no desempenho das suas funções essenciais. A Constituição Federal autorizou a intervenção do Estado na economia somente nos casos de atividades econômicas inerentes à segurança nacional e de relevante interesse público. Dessa forma, assegurou aos agentes privados a livre iniciativa e a livre concorrência. Apesar de a Constituição trazer traços de apoio à economia neoliberal, cabe ao Direito não apenas se curvar aos desejos econômicos, mas também impor os limites para que os seus cidadãos sejam tutelados. A doutrina da Law and economics possui como premissa que o Direito e a Economia não são ciências antagônicas, mas que analisam um mesmo fenômeno de maneira distinta. A Economia visa obter alternativas que promovam o desenvolvimento econômico, e ao Direito caberá tutelar as condições e limites para esta busca. No entanto, o direito não pode ignorar o ambiente econômico. A empresa “como organização dos fatores de produção, não apenas situa-se no centro 554 WALD, Arnold. Comentários ao novo Código Civil: Livro II- Direito de Empresa. v. XIX. Coord. Salvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.14. 555 COMPARATO, A Reforma..., p. 3. desse relacionamento entre direito e economia, como também exige especial atenção, de modo que essa observação possibilite a construção do instrumental jurídico necessário para a tutela de conflitos envolvendo consumidores, empresários, trabalhadores, dentre outros556. O direito deve buscar incentivar o desenvolvimento econômico, pois este propicia maior dignidade a nação. A economia também deve se pautar em uma atuação ética e moral. No novo panorama social, econômico e jurídico do terceiro milênio, Arnold WALD analisa o papel do Direito, afirmando que cabe ao “direito o dever de submeter a economia à ética, ou seja, não só fortalecer a empresa, mas também conciliar a sua função social e econômica, considerando-a como uma verdadeira parceria”557. Rubens REQUIÃO argumenta que há uma diferenciação entre a visão de comerciante e empresário, decorrente principalmente da absorção da função social que desempenha a empresa: Não há dúvida de que o empresário comercial, na linguagem do direito moderno, é o antigo comerciante. Neste aspecto, portanto, as expressões são sinônimas. Mas é preciso compreender, por outro lado, que a figura do comerciante se impregnou de um profundo ressaibo exclusivista, egocêntrico, resultante do individualismo que marcou historicamente o direito comercial, cujas regras eram expressão dos interesses do sistema capitalista de produção. Mas hoje o conceito social de empresa, como o exercício de uma atividade organizada, destinada á produção ou circulação de bens ou serviços na qual se refletem expressivos interesses coletivos, faz com que o empresário comercial não seja mais o empreendedor egoísta, divorciado daqueles interesses gerais, mas um produtor impulsionado pela persecução de lucro é verdade, mas consciente de que constitui uma peça importante no mecanismo da sociedade humana. Não é ele, enfim, um homem isolado, divorciado dos anseios gerais da sociedade em que vive558. 556 CASTRO, op. cit., p. 168. WALD, Arnold. A Empresa no Terceiro Milênio. In: ____; FONSECA, Rodrigo Garcia(orgs). A Empresa no Terceiro Milênio. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 3 – 38. p. 38. 558 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 74. 557 A ordem econômica possui no exercício da atividade empresarial o seu principal objeto. A atividade empresarial deve ajustar-se a todo o arcabouço estatuído na Lei Fundamental. O fundamento da função social da empresa está no artigo 170, inciso III da Constituição Federal, inserido na ordem econômica, que prevê a função social da propriedade. Conforme expõe Eros Roberto GRAU, é clara a concepção referida no artigo 170, III da Constituição que dispõe sobre a função social da empresa559. Em uma interpretação conjugada com o artigo 5º, o artigo 170 o ordenamento jurídico primeiro garante o direito de propriedade – um dos pilares do capitalismo – e posteriormente impõe a este a observância da função social. O princípio da função social tanto é legitimador e justificador moderno do direito a propriedade, sendo indispensável à realização do fim da ordem econômica, principalmente 560 no neoliberalismo. A Carta Fundamental apenas estabelece sanções e parâmetros da função social na propriedade urbana e na propriedade rural. Já para as empresas apenas traz no capítulo da Ordem Econômica e Financeira (art. 170, III) o dever de atender à função social da propriedade. A empresa como proprietária de bens e desenvolvedora de uma atividade econômica terá atrelada a função social, que, segundo Fabio Konder COMPARATO, constitui em um poder-dever: O desenvolvimento da atividade é, portanto, um dever, mais exatamente, um poder-dever; e isto, não no sentido negativo, de respeito a certos limites estabelecidos em lei para o exercício da atividade, mas na concepção 561 positiva, de algo que deve ser feito ou cumprido . A função social não se confunde com as restrições de uso e gozo dos bens próprios, em se tratando de bens de produção, o poder dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder–dever do titular do controle de dirigir uma empresa para a realização dos interesses coletivos. A ênfase da função social desloca da propriedade para o poder de organização e controle que a empresa exerce sobre pessoas e sobre bens de produção562. 559 GRAU, A ordem..., p. 237. PESSOA, op. cit., p. 2. 561 COMPARATO, Empresa,...., p. 41. 562 COMPARATO, A Função... , p. 30. 560 A função social da empresa seria um poder-dever de organizar, explorar e 563 dispor . Há uma imposição de comportamentos positivos pelo empreendedor. Tem por objeto não só a fruição do bem, como ocorreria com a propriedade individual, mas também a produção de outros bens para a satisfação das necessidades dos indivíduos. A função da empresa, segundo Frederico Augusto SIMONIATO, “seria certamente o desenvolvimento da sociedade em que ela atua, promovendo o crescimento econômico, empregando pessoas, pagando tributos”564. A empresa constitui um “centro de interesses convergentes que comanda a economia moderna e seria ilógico que esse centro fosse criado para desrespeitar os ditames da função social”565. A empresa não é uma organização de fatores de interesses meramente privados, mas de interesse público, na medida em que produz e distribui riqueza. A própria lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), especificamente nos textos dos artigos 154 e 116 parágrafo único566, reconhece que no “exercício da atividade empresarial, há interesses internos e externos, que devem ser respeitados: não só os das pessoas que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em que atua”. As leis infraconstitucionais não definem a função social, pois se trata de uma cláusula geral. No entanto, pode o ordenamento infraconstitucional impor a 563 DUGUIT apud SILVA, Orlan Fábio da. IPTU progressivo, aplicabilidade e emenda constitucional nº 29 . Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1394>. Acesso em: 28 fev. 2008. 564 SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. A função social e o controle do poder de controle nas Companhias. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v 135, p. 100, jul./set. 2004. 565 Idem. 566 O artigo 116 parágrafo único, como já visto, determina que o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social. E tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, para com os que nela trabalham e para com o comunidade em que atua, cujos direitos deve lealmente respeitar e atender; o desrespeito a esse dever , no entanto, não gera responsabilidade por abuso de poder, conforme artigo 117 §1°, da Lei n.º 6.404/ 76. O artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas, estabelece que o administrador deve exercer as atribuições que lhe forem conferidas pela lei e pelo estatuto para lograr os fins e visar o interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa, e pelo art. 165 da mencionada lei, os mesmos deveres competem aos membros do conselho fiscal; mas, no artigo 156, em caso de conflito de interesses, o da companhia deve prevalecer. O artigo 154§4° faculta à sociedade po r ações, ainda, a prática de atos de responsabilidade social autorizados pelo Conselho de Administração ou Diretoria, em benefício de empregados e comunidade. In BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. observância da função social pelo acionista controlador, administrador e membros do conselho fiscal.567 Isso porque, a função social consiste no poder dever do administrador e do empreendedor de harmonizarem as atividades da empresa com os interesses sociais, com obediência deveres positivos e negativos que são impostos.568 A jornada de Direito Civil promovida pela Justiça Federal, no enunciado 53, estabeleceu que embora o Código Civil não mencione a função social das empresas, isso não significa que esta não exista. A empresa como atividade econômica perpassa a função social dos contratos e da propriedade. Ainda que Código Civil de 2002 não tenha recepcionado expressamente a função social da empresa, para Guilherme GAMA e Bruno BARTHOLO: parece lógico que o atual ordenamento civilístico acolheu essa modalidade de função social, seja em razão do expresso reconhecimento da função social de outros dois institutos intimamente vinculados ao exercício da empresa, que são o contrato (art 422, CC) e a propriedade (artigo 1228, parágrafo 1º do CC), de cujo cumprimento não pode o empresário se 569 escusar . Assim, o direito de propriedade empresarial deve ser utilizado de maneira coerente com o interesse social, inclusive beneficiando a empresa pelo princípio da preservação da empresa, pois, “não basta que o empresário desenvolva a sua atividade; é preciso que a prática empresarial se dê de forma a respeitar os direitos dos trabalhadores a seu serviço, dos consumidores, dos concorrentes, sem agredir o meio ambiente e recolhendo os impostos e taxas que lhe couberem”570. A função social da propriedade, juntamente com a função social dos contratos, pode ser o fundamento civil e constitucional para a funcionalização da empresa. 567 568 SIMIONATO, op. cit., p. 286. TOMASEVICIUS FILHO. A função social da empresa. Revista dos tribunais. São Paulo, p. 40, 2003. 569 570 GAMA; BARTHOLO, op. cit., p.112. BRUSCATO, op. cit., p. 66. No que tange à aplicação da função social do contrato à empresa, defendem alguns doutrinadores571 que quase572 todas as empresas são constituídas por um contrato, salvo o empresário individual que a faz pela declaração de firma individual e as sociedades de institucionais, que ainda é discutida a natureza do ato constitutivo, portanto, já na sua constituição possui o dever de cumprir a função social a qual foi criada. Paulo VELTEN entende que mesmo para as sociedades institucionais, como os empresários individuais, a função social deve ser aplicada, pois a função social é uma cláusula geral. 573 O contrato constitui no meio por excelência de transferência de propriedade. Rachel SZTAJN entende que não haveria outra forma tão segura e regular para circular bens em uma dada sociedade574. Por isso, doutrinadores como Ronald COASE e Raquel SZTAJN definem a empresa como um feixe de contratos575. A empresa como um feixe de relações contratuais pode ter sua função social atrelada não somente pela função social da propriedade, como também pela função social dos contratos: Reconhece-se que a função social da empresa, se estende a função da propriedade, juntamente com a função dos contratos, pois as empresas são constituídas por um contrato e neste no ato de sua criação, de sua constituição está previsto um dever de cumprir com sua função social mesmo que esta seja a de geração de empregos, responsabilidade trabalhistas, tributárias e ambientais. Mas não quer dizer que com isso o contrato deixa de servir de um instrumento de circulação de riquezas ou que a empresa deixará de refletir no seu lucro. Afinal, ninguém exerce ou contrata uma atividade empresária com o fim de atender uma função 576 social . A funcionalização do contrato, assim como a funcionalização da propriedade, não visa acabar com a autonomia privada, mas tornar o instituto em consonância com a socialidade: 571 Nesse sentido, Fernando BOITEUX NETTO: “Todas as sociedade nascem como contratos, ainda que anônimas sejam tratadas, a partir de sua constituição, como instituições”.In: A função social da empresa e o novo código civil. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 125, p. 55, jan./mar. 2002. 572 Para as sociedades anônimas predomina que o estatuto não é um contrato, mas dá origem a uma instituição. Assim como o empresário individual que é feito, mediante a declaração de firma individual. 573 VELTEN, op. cit., p. 424. 574 SZTAJN, op. cit., p. 27. 575 Idem. 576 Idem. A função social deve ter o papel de equilíbrio entre as relações econômicas e a preservação do interesse social. Não se quer com isso afirmar que o contrato deixará de servir como instrumento de circulação das riquezas ou que a empresa não mais visara o lucro primordialmente. Afinal ninguém exerce a atividade com a finalidade de atender a função social. Hoje tudo o que esta no âmbito da autonomia privada está permitido, desde que atendida a função social. É nulo o negócio jurídico que não atender a nova clausula geral (função social)577. A contradição na admissibilidade ou não da função social está no antagonismo da livre iniciativa com a função social. Carlos Ari SUNDFELD define a função social como um conceito que se opõe à autonomia da vontade578, pois o proprietário quando usufruísse dos seus direitos de proprietário deveria exercê-los de maneira qualificada, isto é, harmonizados aos interesses da comunidade de que faz parte. Esta seria uma visão de que a função social seria uma limitação ao direito de propriedade, e não inerente ao seu conceito moderno. Lembra Fabio Konder COMPARATO579 que reconhecer a função social da empresa não significa reconhecê-la como órgão público; deve-se dizer que a liberdade de iniciativa não implica em absoluto o direito ao lucro, colocando-o acima do cumprimento dos grandes deveres da ordem econômica e social, igualmente expressos na Constituição. Ademais, a função social não nega que a empresa deva visar ao lucro, mas a busca deste deve ser compatibilizada com o atendimento da função social. O STF já se manifestou que a livre iniciativa só será legitimada se não visar apenas ao lucro e à realização desta, mas quando propiciar a justiça social, inclusive no aspecto distributivo.580 Nesse mesmo sentido é o posicionamento de Paulo NALIN que entende que a “Carta Constitucional somente autoriza a livre iniciativa enquanto funcionalizada pela justiça social”581. 577 Idem. SUNDFELD, op. cit., p.5. 579 COMPARATO, Fabio Konder. Abuso de controle na sociedade de fato: remédio jurídico cabível. In: ____. Direito de Empresa: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 292 – 319. p. 301. 580 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 319-QO, Diário de Justiça 30 abr. 1993. Julgada 01 ago. 1994 apud LOPES, op. cit., p. 281. 581 NALIN, op. cit., p. 95. 578 Ana Paula de Azevedo Frazão LOPES entende que a finalidade precípua da função social é a de resgatar de forma geral e ampla, a intersubjetividade da liberdade de livre iniciativa e do direito de propriedade, mostrando que ambos estão relacionados à emancipação do homem e, portanto, à dignidade da pessoa humana. A função social não aniquila as liberdades e os direitos dos empresários, nem em tornar a empresa um simples meio para os fins da sociedade, até porque violaria a dignidade dos empresários582. Ao contrário, “a função social da propriedade visa conciliar propriedade privada e livre iniciativa formados no Estado liberal com o conceito de função social que é do Estado Social. Se partir que estes são valores opostos, a ponderação entre eles acaba resultando em um juízo de preferência sobre o valor que deve ser flexibilizado em maior ou menor grau”583. Estabeleceu-se, portanto, uma grande polêmica, que persiste até hoje, sobre como administrar a tensão entre as dimensões funcional e individual inerentes à propriedade privada e ao exercício de direitos e liberdades de forma geral, questão que tangencia igualmente a coexistência entre a igualdade e a liberdade584. Inclusive o principal objetivo da função social como cláusula geral é a realização dos valores fundamentais para “impedir abusos e limitar excessos de vantagens econômicas que encapsula as relações jurídicas entre dois sujeitos e desprezam o interesse geral que o direito tem de servir, conforme a teoria da função de Bobbio”585. Ricardo Luiz LORENZETTI coloca inclusive que a atividade empresária pode ser limitada pela função social. Por meio da função social ambiental que impõe o dever dos contratantes de preservar o meio ambiente, não poluir, recompor o meio ambiente a gerações futuras586. Na proibição de contratos precipitados587, vinculados588, exclusivos589 ou discriminador590. No entanto, os abusos liberais não 582 LOPES, op. cit., p. 120. Ibidem, p. 22. 584 Idem. 585 VELTEN, op. cit., p. 432. 586 LORENZETTI, Tratado..., p. 108. 587 Contrato que limita a competência, ou seja, contrato de conluio, cartel que limita o livre funcionamento do mercado. In: Ibidem, p. 105-106. 588 Contratos vinculados impõe que na compra de um produto há a aquisição de outro produto complementar. Causa uma distorção no consumo, que impõe a pessoas adquirir produtos que não necessitam. In: Ibidem, p. 107. 583 trouxeram grande resultados sociais, o neoliberalismo aceita certa intervenção do Estado no mercado para evitar abusos. Assim, a liberdade contratual e a autonomia privada são constitucionalmente disciplinadas estando sujeitas à limitação de outros princípios constitucionais. Dessa forma, a livre iniciativa, materializada infraconstitucionalmente pela autonomia privada, também condiciona a atuação da empresa ao exercício de uma atividade conforme o ordenamento jurídico e não abusiva. Ressalte-se que esse intervencionismo do Estado, por intermédio de lei, no que concerne ao uso da propriedade e nos contratos, condiciona-o ao bem-estar social e ao interesse público da coletividade, jamais fere o conteúdo do direito de propriedade, na liberdade de contratar ou na livre iniciativa, visto que, como se viu, assentado está em postulados da ordem jurídica constitucional591. A função social visa maximizar o bem-estar coletivo592. Ademais, não estão as empresas, ora entendidas como propriedade privada, acima da fiscalização do controle estatal, este prevê limites e condições para a exploração da atividade econômica, dentre estes está à função social da empresa. Dessa forma Carla OSMO limita o poder da função social: Em outras palavras, em um Estado de Direito, nenhum tipo de poder é ilimitado. O poder absoluto é incompatível com a idéia de submissão do Estado a um ordenamento jurídico, porque a lei justamente aparece com a função de regulamentar a ordem social, submetendo, controlando e, portanto, limitando a liberdade dos sujeitos que a integram.593 Conforme Rubens REQUIÃO, tanto o interesse lucrativo quanto os interesses externos ao capital se revelam harmônicos, e devem ser atendidos de forma equitativa pelos empresários, ou administradores de sociedades.594 589 Contratos com cláusulas exclusivas constituem a impossibilidade de outros agentes oferecerem o mesmo produto no mercado, e o agente que detém a exclusividade de oferecer variados produtos no mercado. Esta clausula limita a concorrência, podendo ser considerada abusiva. In: idem, p. 107. 590 Contrato não-discriminatório que irá contra as garantias fundamentais, principalmente a igualdade material.In: LORENZETTI, Tratado..., p. 108-110. 591 RIBEIRO, op. cit., p. 34. 592 BARCELLONA, op. cit, p. 300. 593 OSMO, Carla. Função do Direito Privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 261. 594 REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos do Direito Comercial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva. 1980. p. 71. Assim, a relação da função social com o papel da empresa é vista como uma relação de organização econômica. Isto é, Fabiane PESSOA defende que a organização ou o empresário quando atinge um alto grau de dominação de mercado demanda a ordenação de suas relações com a sociedade, assim como das relações no seu interior: entre investidores, empresários e trabalhadores. O poder de controle sobre os bens de produção não pertence ao capitalismo e sim ao empresário.595 Nesse sentido escreve Eduardo Teixeira FARAH: o principal dever da empresa face ao princípio da função social é permanecer no mercado e atuando, ou seja, manter-se econômica e financeiramente estável. Assim, deverá se empenhar para gerar o maior lucro justo – aquele não obtido por meios escusos, sonegação de impostos etc- possível. Nos meios para alcançar os lucros deve incidir o princípio da solidariedade social, deve respeitar pelo menos os fundamentos constitucionais da ordem econômica596. A função social da empresa compreende, além da geração do lucro justo, a geração de riquezas, a oferta de empregos, desenvolvimento tecnológico, o recolhimento de tributos, a circulação de riquezas. O ordenamento jurídico não condena o lucro, porém pela funcionalização da empresa há o condicionamento da obtenção deste a partir de atos socialmente aceitáveis. Por isso, aquele que pratica a concorrência desleal, que degrada o meio ambiente, não observa a segurança e legislação trabalhista, sonega impostos etc. estará descumprindo a função social. Para Maiana PESSOA, a função social “não significa uma condição limitativa para o exercício da atividade empresarial, esta tende a proteger a empresa do mercado”.597 Fábio Konder COMPARATO compartilha dessa visão e afirma que seria uma visão desatualizada entender que a empresa tem e deve ter como único propósito a obtenção de lucros e que a função social não poderia ser aceita. “A empresa permanece com sua essência de produção e circulação de riquezas, mas 595 PESSOA, op. cit., p.5. FARAH, Eduardo Teixeira. A disciplina da empresa e o principio da solidariedade social. In: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A Reconstrução do Direito Privado: Reflexos dos Princípios, Diretrizes e Direitos Fundamentais Constitucionais no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 675. 597 PESSOA, op. cit., p. 3. 596 suas atividades devem estar comprometidas com a busca de maior justiça social em nosso país”. 598 No entanto, pode-se dizer que a empresa está condicionada à função social, que pode ser um condicionamento endógeno e exógeno à atividade. “O primeiro tem relação com agentes internos da empresa; o segundo com interesses externos a estrutura da empresa”599. Para o cumprimento do caráter endógeno da função social há forte predominância trabalhista, essencialmente previsto nos artigos 7º e 170, III da Constituição Federal. Ainda que a ordem econômica condicione a livre iniciativa à busca do pleno emprego, esta não redunda na impossibilidade de reduzir os postos de trabalho da “empresa, a exemplo de quando há absorção de novas tecnologias na atividade empresarial, até porque pode ser medidas para preservar a empresa no mercado”600. Outro aspecto considerado endógeno seria os interesses dos sócios com relação aos administrados, assim como do controlador em relação aos minoritários. “Quanto a estes, o Código Civil de 2002 tendeu a forçar a consideração de seus interesses através de medidas como o próprio aumento do quorum para aprovação de certas matérias mais relevantes, assim como a submissão de determinadas matérias a deliberação que, antes da legislação referida, eram deliberadas pelos próprios administradores”601. Sobre as limitações exógenas “há três grupos de interesses distintos: os concorrentes, dos consumidores e do meio ambiente”602 que devem ser atendidos. O descumprimento da função social da empresa implicaria uma ilegitimidade da sua atuação. No entanto, não se entende que deva a empresa ser declarada nula, mas deve responder pelo descumprimento da função social, que poderá ser desde a aplicação de sanções como multas a uma dissolução plena. Para Waldírio BULGARELLI, “a função social significa o respeito aos direitos e interesses dos que se situam em torno da empresa. Há, assim, interesses legítimos que podem estar acima de certos direitos, faculdades e créditos”.603 No 598 COMPARATO, Estado..., p. 43. GAMA; BARTHOLO, op. cit., p. 109. 600 Idem. 601 Ibidem. 602 Idem. 603 BULGARELLI, Tratado…, p. 284. 599 entanto, a função social não consiste na empresa desempenhar projetos filantrópicos. Não cabe à empresa promover ações sociais fora do seu objeto de atuação. As empresas que desempenham atividades para a melhoria da sociedade a que está inserida, a fazem pelo modelo de gestão denominado Responsabilidade Social, que via de regra se traduz em uma estratégia de marketing para a valorização da empresa no mercado. Não estão assim deixando de cumprir a função social, mas vão além do seu papel social para qual efetivamente foram criadas. A função social da empresa também não limita ou impõe deveres de filantropia às empresas. O fomento da justiça social ainda é dever do Estado, mesma que necessite da colaboração de toda a sociedade. Por isso, entende-se que a função social da empresa é efetivada quando obedece aos ditames legais e cumpre o objeto social para a qual foi constituída, isto é, produzir ou circular bens e (ou) serviços em conformidade com a lei. Segundo Ana PRATA, a função social vai além do sentido econômico, isto é, do aumento da produção e da produtividade dos bens de produção, este aumento deve se traduzir em uma expansão “ quantitativa e qualitativa da satisfação das necessidades individuais e sociais (...) consubstancia em uma meio de obter uma ordem social mais equilibrada e menos desigual”604. Os elementos da função social, assim como a propriedade e a empresa, estão vinculados à realidade social e histórica, qualquer tentativa de conceituar a função social da empresa, sem levar em conta a realidade é inócua. Neste sentido escreve Francisco Cardoso OLIVEIRA: A idéia de função social contempla uma atividade por parte do proprietário tendente a concretizar, na realidade social e histórica, determinado objetivo homogenizador, integrado à ordem jurídica, que qualifica o modo de apropriação de bens notadamente os de produção605. Por isso, estabelecer legislativamente os parâmetros que a empresa deve adotar para alcançar a sua função social seria desastroso, devido à dificuldade de captar as diversas vertentes da realidade da atividade empresarial. Desse modo, somente no momento da avaliação do juiz a respeito de algum problema no tocante 604 605 PRATA, op. cit., p. 204. OLIVEIRA, Francisco Cardozo, Op. Cit., p. 243-244. à empresa é que se pode perquirir qual a decisão seria mais adequada para a manutenção ou atendimento da função social da empresa606. A função social da empresa consiste na conformação jurídica para a legitimação da atividade empresarial. A empresa, no neoliberalismo, passou a ser o centro do sistema econômico e da sociedade. Principal ator social para o desenvolvimento social e a construção de uma sociedade digna e solidária. No entanto, não compete às empresas desenvolver as funções do Estado. Porém, indiretamente acaba por contribuir em muitas das funções. Como agente empregador, auxilia na distribuição de renda. Como agente produtor, produz mercadorias que atendem às necessidades sociais. Como atividade, paga tributos. Por isso, não pode o administrador desviar a empresa de uma dessas funções sob pena de estar descumprindo um princípio constitucional. Deve então a gestão, como diretriz de execução da atividade, adequar a busca do lucro a uma atuação coerente com a função social. 4 A FUNCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO EMPRESARIAL NA ECONOMIA NEOLIBERAL 4.1 A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO EMPRESARIAL E A ADMINISTRAÇÃO 4.1.1 O Administrador ou Órgão Administração A empresa como instituto jurídico também se apresenta funcionalizada. A função social, ainda que inerente ao conceito de empresa, terá reflexos no exercício da atividade, que exteriorizará a realização ou não a função social. Por isso, de acordo com Carlos Alberto Farracha de CASTRO, a concretização da função social da empresa 606 “depende MELO, op. cit., p. 282. das orientações e atribuições realizadas pelos administradores em consonância com as obrigações dos demais envolvidos, como conselheiros, trabalhadores, fornecedores e, também, agentes púbicos no exercício da fiscalização [...]” 607. Em última análise serão os administradores, sócios e acionistas que ao decidir e executar a vontade social conformarão a função social da empresa. Assim, a gestão da empresa na concretização da função social. Alexandre HUSNI define a gestão da organização como a “submissão da empresa e de seus órgãos sociais a um sistema de regras impositivas de conduta que abrange determinadas práticas de fundo moral e ético, que se refletem na sua administração”.608 Antes também denominados gerentes, os administradores são os encarregados de representar e gerir a sociedade. Sabe-se que as decisões de maior importância para a companhia serão tomadas pelos próprios sócios em assembléia ou reunião. Por isso, Fabio TOKARS escreve que nas sociedades empresarias, em regra, “o administrador é executor das decisões tomadas em assembléia. Sua reduzida discricionariedade limita-se materialmente as decisões assembleares. Pode o administrador optar, no máximo, pelo modo de realização de uma deliberação, mas não pode tomá-la individualmente”609 A representação consiste na capacidade de praticar atos jurídicos em nome da sociedade. A segunda função, a gestão dos negócios, consiste na “tomada de decisões inerentes ao desenvolvimento do objeto social”610. Porém, se não forem sócios, os administradores não possuem a possibilidade de deliberar, de votar em assembléia. Especificamente nas limitadas ficam impedidos de tomar decisões referentes às matérias do 1.071, 1.066, §1º e 1.068 do Código Civil, as quais expressamente necessitam de deliberação social. Fabio TOKARS considera como decisões deliberativas “as decisões que alterem a estrutura contratual ou econômica da sociedade, quanto a alienação de bens em operações não vinculadas ao normal desenvolvimento da atividade empresarial”611. A administração das sociedades em geral pode ser realizada por uma ou mais pessoas. 607 A Sociedade Anônima pode ser fechada ou aberta; se fechada, CASTRO, op. cit., p. 126. HUSNI, op. cit., p. 90. 609 TOKARS, op.cit., p. 248. 610 Ibidem, p. 269. 611 Ibidem, p. 273. 608 necessariamente terá a Assembléia e a diretoria. Se for uma companhia aberta, essencialmente será composta pela Assembléia, pelos Conselhos de Administração e pela Diretoria. A Assembléia é o órgão máximo da sociedade, “reunião dos acionistas regularmente convocados para discutirem e deliberarem sobre os negócios sociais. Ela é o poder administrativo por excelência; resolve todos esses negócios, toma quaisquer decisões, delibera, aprova ou ratifica todos os atos que interessam à sociedade; modifica e altera os estatutos do contrato social” 612. A lei das sociedades anônimas fixa algumas matérias que só podem ser deliberadas em Assembléia, referidos no artigo 122613 da Lei n.º 6.404/76. Segundo Arnaldo RIZZARDO, pode-se afirmar que a assembléia geral constitui-se no mais importante órgão de administração, ou no órgão supremo da sociedade, na qual se efetiva a presença dos sócios que, pelos estatutos e classe de ações representa o momento culminante de manifestação do exercício de propriedade ou de emanação do poder”.614 Em geral, nas sociedades anônimas, há a presença de dois órgãos administrativos: o Conselho de Administração e a Diretoria. O Conselho de Administração consiste no “órgão colegiado, de caráter deliberativo, encarregado de dirigir e traçar a política da administração da companhia e sua ordenação interna, orientarem os negócios da empresa, ou de formular a sua estratégia de ação, sendo sua existência própria e obrigatória nas sociedades abertas e aquelas de capital autorizado” 615 . É composto por no mínimo três acionistas, pois cabe a este órgão fiscalizar e deliberar qualquer matéria de interesse social, salvo as matérias privativas da Assembléia Geral. 612 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de, Op. Cit., p. 15. Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral: I - reformar o estatuto social; II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142;III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas; IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1o do art. 59; V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social; VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias; VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e IX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata. Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se imediatamente a assembléia-geral, para manifestar-se sobre a matéria. BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. Acesso em: 12 mai. 2008. 614 RIZZARDO, op. cit., p. 450. 615 Ibidem, p. 515. 613 Já à Diretoria compete a representação da sociedade e restrita competência decisória. A Diretoria constitui o “órgão executivo da sociedade, composto por no mínimo duas pessoas, eleitas pelo Conselho de Administração, ou se este não existir, pela assembléia geral. Compete, aos seus membros, internamente gerir a empresa e, no âmbito externo, manifestar a vontade da pessoa jurídica, na generalidade dos atos e negócios que ela pratica” 616 . Não necessariamente seus membros precisam ser acionistas. Compete a eles representar a sociedade e executar os atos deliberados em Assembléia ou pelo Conselho de Administração. Nas sociedades anônimas fechadas são necessários no mínimo duas pessoas, isto é, dois diretores; e nas abertas, três administradores. Para os demais tipos societários, em regra todos os sócios serão administradores; salvo disposição em contrário no contrato social, cabe inclusive a administração da sociedade a uma única pessoa. Contudo, nem todas as pessoas podem ser administradores de uma sociedade; há impedimentos genéricos como às pessoas não dotadas de capacidade civil e os legalmente impedidos, como, por exemplo, funcionários públicos, membros do Ministério Publico e magistrados. Estes inclusive somente podem ser sócios com responsabilidade limitada. Também os condenados (com sentença transitada em julgado) nos crimes descritos no artigo 1011, § 1º do Código Civil, também não podem exercer a função de administrador. A sociedade limitada e demais sociedades contratuais restringem a administração a pessoas físicas, permitindo que seja exercida por pessoa estranha do quadro societário. Outras, como a sociedade comanditas simples e em nome coletivo, que além de ser apenas pessoas físicas é restrita ao quadro societário. Quanto à responsabilidade dos administradores devidamente nomeados, isto é, eleitos em conformidade com o quórum deliberativo e levado a registro no órgão competente, podem responder solidariamente, diretamente ou via ação de regresso por seus atos. Assim, será analisada a responsabilidade quanto aos débitos sociais, responsabilidade pessoal por atos violadores da lei ou contrato social, por atos ultra vires, por danos ambientais, tributária e previdenciária, com intuito de elucidar que 616 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. v II. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 229. os atos dos administradores têm reflexos não só para a companhia, mas também para a própria pessoa do administrador. A responsabilidade por dívidas sociais, se regularmente constituídas, não recairá sobre o patrimônio pessoal dos administradores. Caso seja também sócio da empresa, será responsabilizado pelas obrigações comuns como sócio, não por exercer o cargo de administrador. Entretanto, pode-se encontrar jurisprudência, principalmente no direito falimentar, interpretações equivocadas dessa responsabilidade, pois executam o patrimônio pessoal do administrador pelas dívidas constituídas em decorrência do exercício regular da atividade empresarial. O administrador tem, por conseqüência, os seus bens arrecadados com a massa falida e, ainda, o administrador fica impedido de exercer a função enquanto não for extinto as obrigações impostas pela falência617. Entretanto, se o administrador agir de forma indevida, seja “violando determinação legal ou os termos contrato social, terá responsabilidade pessoal pelos prejuízos impostos à sociedade e aos terceiros atingidos”.618Trata-se do corolário geral da responsabilidade civil, que todo aquele que causar dano a outrem, por dolo ou por culpa, fica obrigado à indenizá-los, inclusive é o que dispõe o artigo 1016 e 1013, § 2º do Código Civil. Nesse sentido, resume Arnaldo RIZZARDO: Em quaisquer situações decorre a obrigação de ressarcir se o prejuízo é conseqüência de culpa de quem executou a obra ou o serviço. Há o pressuposto de culpa para que os sócios gestores e os administradores que praticaram atos de má gestão, ou ilícitos, respondam solidaria e ilimitadamente, e fiquem vinculados ao ressarcimento de perdas e danos. O sentido de culpa envolve o dolo e a culpa em sentido estrito, que se expressa pela imprudência, imperícia e negligência. Mesmo que resultem danos, se atuarem os administradores de acordo com a lei ou contrato social, não se lhes imputará a responsabilidade pessoal. 619 Todavia, se não cumprirem as obrigações da lei, sujeitam-se à obrigação . O referido artigo permite que a sociedade entre com uma ação regressiva contra o administrador, impondo-lhe a responsabilidade pessoal pelos débitos decorrentes de atos contrários ao contrato social, à lei ou à deliberação social, desde que comprovado dolo ou culpa do administrador. 617 TOKARS, op. cit., p. 277. Ibidem, p. 279. 619 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 141. 618 Nas sociedades anônimas, diferentemente das sociedades reguladas pela legislação civil, há decisões consagrando que a responsabilidade dos administradores por ato ilícito é objetiva, fundado no artigo 158, II da Lei n.º 6.404/76, porém a doutrina majoritária entende que consiste na responsabilidade subjetiva do tipo clássico, conforme propõe o Código Civil: As hipóteses de responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima – não obstante distinguidas pelo art. 158 da LSA – são redutíveis, em síntese, a uma apenas: a decorrente de descumprimento de dever legal. 620 [...] Desse modo, a sociedade anônima, seu substituto processual, ou quem quer que demande administrador, por danos derivados do modo como ele exerce ou exerceu suas funções na companhia de provar: a) o descumprimento de dever imputado por lei ou pelo estatuto; b) a existência e a extensão dos danos sofridos; c) o liame de causalidade entre o descumprimento do dever e o prejuízo. [...] A responsabilidade do administrador de sociedade anônima é subjetiva do tipo clássico, tendo em vista duas razoes: a) inexistência do dispositivo legal que excepcione a regra geral do art. 927 do Código Civil; b) inexistência de fundamento axiológico racional para a imputação de responsabilidade 621 objetiva . Do mesmo modo, quando o administrador causar danos a terceiro, decorrente de ato não amparado por deliberação social, caberá à sociedade indenizar os prejuízos, e posteriormente ingressar com ação de regresso em face do administrador que praticou o ato, conforme dispõe o artigo 1013, § 2º do Código Civil. Diferentemente ocorre se o ato for praticado com prévia autorização ou posteriormente ratificado pelos sócios, não poderá o valor ser cobrado regressivamente do administrador. A responsabilidade por atos ultra vires é direta e pessoal dos administradores podendo inclusive a sociedade opor exceção para terceiros. Os atos ultra vires consistem nos atos praticados pelos administradores estranhas ao objeto social. “Assim, se uma dívida surge em razão do desenvolvimento de uma atividade que não diz respeito, mediata ou imediatamente, à atividade contratualmente descrita como objeto social, tem-se um débito decorrente de um ato ultra vires” 622 . Este tipo de responsabilidade contraria todo o sentido jurisprudencial e doutrinário que buscava resguardar a boa-fé dos credores e fundada na responsabilidade in 620 COELHO, Curso..., p. 261. Ibidem, p. 262. 622 TOKARS, op. cit., p. 282. 621 eligendo, impondo que a sociedade juntamente com o administrador respondesse pelos prejuízos causados a terceiros, não podendo opor nenhuma exceção623. Contrário a esse entendimento, o Código Civil no artigo 1.015, parágrafo único, possibilitou a oposição a terceiros o excesso dos administradores por operações estranhas ao objeto social ou a suas competências. Para os administradores da sociedade anônima não há aplicação desta teoria, pois a sociedade vincula-se a todos os atos praticados por seus administradores. Para Arnaldo RIZZARDO, a teoria ultra vires não se aplica às sociedades anônimas por apresentarem regra específica.624 Quanto à responsabilidade por débitos previdenciários acumulados pela sociedade, o administrador é pessoalmente responsável. A legislação Previdenciária (Lei n.º 8.620/93), no artigo 13, parágrafo único, impõe não só aos administradores, mas também aos acionistas controladores, os diretores e os gerentes, sendo todos solidariamente responsáveis entre si, e subsidiariamente em relação à sociedade, pelos débitos com a Seguridade Social, por dolo ou culpa. Pode então a autoridade previdenciária requisitar bens do patrimônio do administrador para saldar os débitos da sociedade. O artigo 13 da Lei n.º 8.620/93 ainda que imponha a responsabilização objetiva do administrador, ou seja, se deixar de recolher com dolo ou culpa o tributo previdenciário deverá ser responsabilizado. Contudo, a jurisprudência do STJ tem requisitado a comprovação de uma atuação indevida, ou seja, a comprovação da culpa, para responsabilizar administradores ou sócios625. A respeito dos débitos tributários, o artigo 135, III do Código Tributário Nacional impõe a responsabilidade pessoal dos administradores, desde que caracterizada a fraude, exemplificado por atos praticados contrários à lei, ao contrato social ou estatuto ou ainda com excesso de poderes. Segundo Fabio TOKARS, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que só pode responsabilizar os administradores por dívidas tributárias se “praticarem ato com excesso de poderes 623 “Prevalece na jurisdição o entendimento segundo o qual as restrições contratuais sobre poderes de gerência não podem ser opostas a terceiros de boa-fé. Assim, escapa a ineficácia do contrato firmado por pessoa jurídica por quem não tinha, socinho, poderes para contratar em seu nome uma vez praticado o ato por titular aparente do direito, eis que, além de sumamente nocivo à rapidez, com que devem realizar-se os negócios comerciais, é de fato impraticável exigir-se, em cada caso de terceiros que examinem, nas Juntas Comerciais, os contratos ou estatutos das sociedade com que tratam” RT 643⁄95 apus nota de rodapé TOKARS, op. cit., p. 283. 624 RIZZARDO, op. cit., p. 132. 625 TOKARS, op. cit., p. 290. ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, II CTN) 626 ”. Entretanto, vê- se presente na jurisprudência em favor do fisco, quando não logrado bens da sociedade, a responsabilidade dos administradores de forma direta independente de excesso de poder ou fraude. 4.1.2 A Administração e a Função Social A Lei n.º 6.404/76 foi pioneira em reconhecer função social da empresa. A legislação impõe determinados deveres aos administradores da sociedade anônima, dentre eles está, no artigo 154, a função social da empresa, afirmando que na atuação o administrador deve respeitá-la: Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as 627 exigências do bem público e da função social da empresa.(...) O artigo 116, parágrafo único, da Lei da S.A. também menciona a função social, mas se refere ao atendimento do controlador, no exercício da atividade empresa: Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e têm deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e 628 interesses deve lealmente respeitar e atender . Fabio Konder COMPARATO629, ao comentar os artigos, escreve: “Como se vê, a lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, há interesses 626 RSTJ 166⁄92 apud TOKARS, op. cit., p. 286. BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. 628 BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. 629 COMPARATO, Estado..., p. 45. 627 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em:< 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em:< internos e externos, os quais devem ser respeitados: não só o das pessoas que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em que ela atua” 630. Portanto, na lei, o atendimento à função social é voltado principalmente aos empreendedores e administradores. Estes devem harmonizar a busca do lucro com o atendimento deste princípio constitucional. Até porque é o lucro a mola mestra da atividade econômica, sem ele a empresa não permanece no mercado. Para Modesto CARVALHOSA, a lei estabeleceu três tipos de função social: Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. Considerando-se principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados [...] a segunda volta-se ao interesse dos consumidores [...] a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes [...]. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação ecológica, urbana e ambiental da comunidade 631 em que a empresa atua . Para controlar se as sociedades estariam atendendo aos preceitos éticos da gestão e principalmente atendendo à função social, segundo Frederico SIMONIATO, deveria haver uma maior presença dos trabalhadores e dos sócios na administração, de forma a possibilitar maior controle632, já que, conforme o autor, o proposto pela Lei das S.A é inefetivo. Sustenta que apenas uma reforma completa da lei é que poderia conferir uma maior efetividade. A referida reforma deveria levar em consideração a importância e o porte de cada empresa na sociedade, o que a tornaria irrealizável. Para Frederico SIMONIATO, somente as grandes empresas teriam condições de arcar com as atividades de assistência social633. A inefetividade estaria na contradição, pois a empresa capitalista é uma organização produtora de lucros, conforme assevera o artigo 2º, da Lei da S.A. Jamais a empresa poderá desistir do lucro sob pena de descaracterizá-la. Tanto que há na jurisprudência decisões que entendem que a companhia pode ser dissolvida caso não atenda a sua finalidade, ou seja, a distribuição de lucros. 630 Ibidem, p. 44. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 237. 632 SIMIONATO, op. cit., p. 96. 633 Ibidem, p. 98. 631 A doutrina neoliberal não reconhece que a empresa deva atender a interesses externos aos sociais. Nesse sentido se posiciona Milton FRIEDMAN ao afirmar que a preocupação dos proprietários com interesses alheios ao seu interesse de proprietário é abusiva.634 Para o referido autor, a administração deve atender aos interesses dos sócios da empresa, na condição de proprietários que são635. Cabe ao administrador gerenciar os interesses da empresa. Waldírio BULGARELLI636 também vê os interesses da administração e da função social como conflitantes, exteriorizando a indecisão do legislador. Já para Rubens REQUIÃO637 e Egberdo Lacerda TEIXEIRA 638 , os interesses externos aos sócios e os interesses lucrativos podem se revelar harmônicos, devendo ser atendidos de forma equitativa pelos administradores e sócios. Assim, em caso de conflito entre interesse da empresa e interesse social a doutrina diverge sobre qual deva prevalecer. Tentando achar uma solução para resolver o impasse, Fran MARTINS639 entende que poderia ter a legislação colocado claramente que a função social seria uma condição a ser observada pelos administradores. Melhor seria que o controlador, exercendo “direta ou indiretamente, o seu poder na sociedade, não deverá exercitar esse poder em detrimento dos interesses sociais nem dos interesses dos que participam da companhia”640. A Lei das Sociedades Anônimas pretendeu fixar um limite na atuação da empresa, impondo o atendimento da função social aos administradores e sócios controladores. No entanto, a prática empresarial tem constatado uma sociedade que a cada dia vêm valorizando empresas que melhor atendam a este princípio constitucional. Portanto, dizer que é inefetivo, não mais condiz com a realidade atual. As modificações sociais após a segunda metade do século XX “justificam a inclusão de outras forças nas estratégias organizacionais. Também está ganhando 634 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo..., p. 23. Idem. 636 BULGARELLI, Waldirio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o direito das empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 98. 637 REQUIÃO, Aspectos..., p. 71. 638 SALOMÃO NETO, Eduardo. O trust e o direito brasileiro. São Paulo: Ltr, 1996, p. 158. 639 MARTINS, Fran. Comentários à lei de sociedades anônimas. v. 2, t.1. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 34. 640 Ibidem, p. 36. 635 terreno a premissa de que as relações entre a organização e o ambiente externo devem ser tanto cooperativas quanto competitivas”641. Aqueles que compreendem que a função social é incompatível com o lucro, em geral, adotam uma definição inadequada do princípio. Geralmente, compreendem que a empresa funcionalizada possui o dever de assumir as funções estatais de distribuição de renda e prestar serviço ou auxílio social. À empresa funcionalizada não se estará a agregar um novo papel na sociedade. Dessa maneira, está correta tal linha de definição de função social. A função social não acarreta em novos encargos a empresa, mas requer que a atuação empresarial seja prestada de forma coerente com os valores e anseios sociais. É o poder dever, fundado no direito de propriedade e na livre iniciativa, de explorar uma atividade de acordo com os interesses da sociedade. É claro que o atendimento da função social por parte dos administradores não implica a exclusão do lucro. A questão está na busca da maximização de lucros que faz parecer o ato de gerar lucros um mito. O lucro é crucial, quer para a empresa, quer para a sociedade. Para a empresa, pois é a causa, a razão de desenvolver uma determinada atividade econômica por uma pessoa ou um grupo de pessoas. Para a sociedade, é necessária a oferta de produtos para a satisfação das necessidades, bem como gerar empregos e pagar tributos, que contribuem para a erradicação da pobreza e na construção de uma sociedade mais justa. O lucro deve ser buscado de forma a adequar a função social. De nada adianta explorar uma atividade, mas que esta se realize sem o pagamento dos encargos, com emprego de mão-de-obra escrava ou que polua excessivamente o meio ambiente. Por isso, fala-se em um lucro justo642. Em decorrência de abusos na obtenção da maximização dos lucros empresariais, o direito, bem como a sociedade, e a administração de empresas vêm refletindo os anseios de condicionar o atendimento dos interesses dos sócios aos interesses sociais, referidos como stakeholders, sob pena de este estar descumprindo a função social que a empresa exerce. Ao descumprir tal princípio, 641 GHEMAWAT, Pankaj. A Estratégia e o Cenário dos Negócios. Porto Alegre: Bookman, 2000, p. 59 - 61. 642 FARAH, op. cit., p. 675. estará certamente descumprindo algum outro dever infraconstitucional, passível de imposição de penalidades. 4.1.3 A Atuação dos Stakeholders As empresas sofreram grandes transformações na estrutura e na forma de gestão. Há novas abordagens da gestão empresarial que não só visam ao lucro dos acionistas, mas também à produção e circulação de bens e serviços. Dentre estas novas abordagens existe a teoria dos stakeholders. Esta teoria é entendida como um objetivo estratégico da empresa, para longo prazo, gerenciar os interesses de todos os agentes influenciantes e influenciados pela empresa. A tradução literal do termo stakeholder significa o detentor de uma aposta, de forma a ser alguém que tenha interesse na prosperidade da empresa. O termo stakeholder foi primeiramente utilizado na década de 1960, com a obra The Politics of Stakeholder Theory: Some Future Directions. O estudo publicado afirmava que a empresa deveria harmonizar os seus fins aos interesses do grupo de pessoas que influencia e é influenciado por determinados agentes. Essas vias alternativas surgiram em decorrência das inúmeras complexidades do ambiente atual, ocorridas pelas inovações tecnológicas e a globalização. As empresas sozinhas hoje dificilmente conseguiriam se manter no mercado. Há a necessidade de formar alianças estratégicas e parcerias com outras empresas e atender às exigências do público com quem se relaciona. Os defensores da teoria dos stakeholders entendem que conceituar a empresa apenas como uma instituição socioeconômica que se desenvolve por meio dos sócios ou acionistas para executar uma atividade econômica não está correta. Há na empresa um conjunto de pessoas que se interessam pelo sucesso da organização. Essa teoria visa tanto descrever como as organizações funcionam e se comportam como também realizar um prognóstico da atuação da empresa. Outro objetivo da teoria é o instrumental, ela procura identificar as relações entre os interesses dos stakeholders e os objetivos próprios da empresa. Principalmente, no aspecto normativo da teoria, essa pretende explicar a função da empresa, isto é, identificar os valores e fundamentos que levam à tomada de decisão. 643 Robert FREEMAN e Jack MCVEA644 definem a teoria do stakeholders como a elaboração e a aplicação, por parte dos administradores, de processos que atendam a todos os grupos que apresentem interessem relacionados à empresa. Aos administradores caberia o gerenciamento e a integração dos relacionamentos e dos interesses dos stakeholders, que possibilite a permanência da empresa no mercado em longo prazo. Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. resumem a teoria: “trata-se de uma abordagem administrativa que enfatiza o gerenciamento ativo do ambiente do negócio, dos relacionamentos entre os participantes, e a conseqüente promoção dos diferentes interesses”645. Há diversas definições de stakeholders, a diferença está no grupo de pessoas que se consideram como influentes nas decisões empresariais. Predomina um conceito restrito, que entende ser stakeholders, os atores portadores de expectativas e interesses em relação à empresa, e sem os quais ela não seria viável. Assim, os stakeholders consistem nos agentes internos e externos que interagem com a empresa, sejam eles empregados, fornecedores, poder público, consumidores, distribuidores, concorrentes, sociedade, acionistas ou sócios. Seria todo grupo de pessoas que influencia a corporação e é por ela influenciado. Percebeu-se que a forma de atuação da empresa pode abalar toda a comunidade. Ocorre tanto no meio ambiente quanto na exploração indevida do trabalho humano, seja infantil ou escravo, ou ainda, quando os produtos tragam risco à saúde dos trabalhadores. Deve-se ter em mente que as empresas detêm uma dinâmica com o ambiente ao qual estão inseridas, e esta interação deve ser harmônica. As empresas inclusive dependem direta ou indiretamente destes outros agentes para se desenvolver, 643 DONALDSON, Thomas; PRESTON, Lee E. The Stakeholder Theory of the Corporation: Concepts, Evidence, and Implications. Academy of Management Review, Mississipi, v. 20, p. 67 a 84, jan. 1995. 644 FREEMAN, Robert Edward.; MCVEA, Jack. A stakeholder approach to strategic management. In: HITT, Michael; FREEMAN, Robert Edward; HARRISON, Jeff. Handbook of strategic management. Oxford: Blackwell Publishing, 2000, p. 189 – 207. p. 191. 645 SILVEIRA, Alexandre di Miceli da; et. al. Critica à Teoria dos Stakeholders como função objetivo corporativa. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 37, jan./mar. 2005. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/v12n1art3.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2008. assim como estes outros agentes dependem dela. A empresa, para Robert FREEMAN e Jack MCVEA , deve formular estratégias que sejam satisfatórias com os stakeholders, para viabilizar a sobrevivência da empresa, até porque a empresa hoje está inserida em um cenário complexo e instável646. Assim, ao inserir os stakeholders na gestão empresarial, Robert FREEMAN colocou como características: a) promove a criação de uma estrutura gerencial com estratégias flexíveis o bastante para que a empresa não precise adotar regularmente novos paradigmas; b) desenvolve novos rumos para a empresa a partir da predição da futura ambiência; c) interessasse principalmente pela sobrevivência da firma, e para realizar esse objetivo o gerenciamento deve ser apoiado por todos que influenciam ou são influenciados pela firma; d) tem os valores como elementos chave para o processo de gerenciamento estratégico, considerando que diversos grupos de stakeholders só podem cooperar ao longo do tempo se eles compartilharem com a empresa um conjunto de valores; e, e) o sucesso das estratégias integra as perspectivas de todos os stakeholders647. Dentro da gestão empresarial a teoria vem-se desenvolvendo a partir de quatro vértices: o planejamento corporativo, teoria de sistemas, responsabilidade social corporativa e teoria organizacional648. A primeira incorporou a teoria dos stakeholders, quando concebeu que uma estratégia seria bem-sucedida se incorporadas nas decisões os interesses dos stakeholders ao invés de simplesmente tomá-las levando em consideração apenas um grupo. A teoria dos stakeholders inserida no modelo organizacional, possibilitou a compreensão da empresa como um sistema aberto, que a permanência em longo prazo deve levar em consideração não só as relações internas, mas também as relações externas. Pode-se concluir que tal modelo de gestão atende à função social da empresa, uma vez que visa não só ao interesse dos acionistas e sócios, mas também ao interesse social. No terceiro vértice, da responsabilidade social corporativa, e hoje a mais adotada, busca na importância dos inter-relacionamentos e na melhora da relação 646 FREEMAN; MCVEA, op. cit., p. 5. Idem. 648 Idem. 647 da empresa com os agentes externo como forma de sucesso para permanência da empresa649 no mercado. Como contraposto à teoria dos stakeholders, há a Teoria da Maximização da Riqueza dos Acionistas, que tem como pressuposto a maximização dos resultados pelas empresas aos acionistas, antes de atender a qualquer outro stakeholder. Michael JENSEN, adepto da teoria, demonstra que “duzentos anos de pesquisa em economia e finanças tem mostrado que o bem-estar social é maximizado quando cada empresa em uma determinada economia maximiza seu valor de mercado” 650. Nesse sentido, a empresa até então vinha sendo analisada pela maximização da riqueza dos acionistas, pois a maximização de interesses só pode ser feita em uma única direção, assim a empresa até então só poderia ter um único objetivo, o lucro. Pela teoria da maximização da riqueza devem os executivos tomar as decisões visando aumentar a riqueza dos acionistas e sócios. Conferindo a satisfação dos acionistas, estar-se-ia também mantendo os interesses da sociedade, em decorrência de maior probabilidade da sobrevivência da empresa em longo prazo651. Elaine STERNBERG critica a teoria dos stakeholders por esta se chocar com o direito de propriedade, pois negaria aos proprietários o direito de determinar o fim a que eles destinarão à propriedade. No entanto, com a empresa funcionalizada, esta salvaguarda dos interesses deve também atender aos interesses dos stakeholders. A teoria do stakeholders é contrária ao conceito de propriedade liberal, porém está em harmonia com o conceito constitucional atual de propriedade funcionalizada652. Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. criticam a teoria dos stakeholders, pois fundamentam de que o lucro seria o interesse da riqueza dos acionistas, pois “como é matematicamente impossível maximizar em mais de uma direção, um comportamento com propósito lógico requer uma única função-objetivo, e não 649 SILVEIRA, Alexandre; et. al, Op. Cit., p. 37. JENSEN, Michael C. Value Maximization, Stakeholder Theory, and the Corporate Objective Function. Journal of Applied Corporate Finance, [S.l], v. 14, n. 3, p. 8 a 21, out. 2001, p.11. apud SILVEIRA, Alexandre; et al. Op. Cit., p. 36. 651 SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 35. 652 STERNBERG, Elaine. The stakeholders concept: a mistaken doctrine. Foundation for Business Responsibilities, Issue Paper n. 4, nov. 1999. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/ papers.cfm?abstract_id=263144>. Acesso em: 25 jun. 2008. 650 múltiplos objetivos conforme apregoado pela teoria dos stakeholders”653. A falha na origem da teoria está na explicação em como harmonizar os diversos interesses presentes na empresa para tomar decisão e avaliar o desempenho. Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. levantam a questão do sopesamento na tomada de decisões desses múltiplos interesses na empresa, os quais muitas vezes podem ser conflitantes. Uma primeira corrente afirma que é possível a harmonização; outra, em posição intermediária, entende que a tomada de uma decisão sempre terá alguém perdendo e outros ganhando, e outra defende que o administrador deve apenas levar em consideração os interesses dos proprietários. A primeira é adota pelos adeptos da teoria do equilíbrio dos stakeholders. A terceira diz respeito à visão mais conservadora do papel do administrador, este como contratado pela empresa ou ainda sócio da empresa tem apenas o dever de tomar decisões com base na maximização da riqueza da empresa, pois uma vez atendida estariam todos os demais agentes colhendo os frutos da prosperidade da empresa. Nessa perspectiva é a concepção adotada pela teoria da firma, que defende que os acionistas teriam um direito residual654. Estes seriam os shareholders que suportam os riscos da atividade econômica, e, por isso, deveriam ser em favor deles a tomada de decisões. Os demais stakeholders detêm um contrato que pode ser executado ou rescindido em face da organização, caso ela não cumpra com a remuneração estabelecida. Já os acionistas não podem tomar tal atitude. Ao conceder a tomada de decisões em favor de um grupo que não seja o sócio ou acionista, obter-se-ia uma administração ineficiente. A questão está em até quando a empresa poderá suportar o atendimento dos interesses dos stakeholders. Para solucionar tal questão, Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. trazem o seguinte exemplo: 653 SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 35. Nesse sentido, de acordo com SUNDARAM e INKPEN, os stakeholders possuiriam proteção contratual e legal de seus interesses, diferentemente dos acionistas, que apenas possuiriam direitos residuais, ou seja, teriam direito aos fluxos de caixa somente depois que todos os compromissos com outros envolvidos, como credores, funcionários, fornecedores e Estado, fossem resolvidos e pagos. In: SUNDARAM, Anant; INKPEN, Andrew. The Corporate Objective Revisited. Thunderbird School of Management Working Paper, Out. 2001. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=293219> Acesso em: 21 jan. 2005 apud SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 41. 654 Como exemplo, imagine-se que uma empresa deseje tanto aumentar os seus lucros quanto a sua participação de mercado. Dentro de uma faixa de aumento de participação de mercado, a empresa também obterá crescimento nos lucros. Entretanto, a partir de determinado ponto, o aumento na participação de mercado somente será proporcionado mediante a redução dos lucros da empresa no período corrente, seja por aumento nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, seja por aumento de despesas com propaganda ou promoções para promover crescimento de vendas. Neste caso, será logicamente impossível maximizar ambas as variáveis, o que leva a uma situação em que o administrador precisará de um trade-off entre lucros e participação de mercado. Em uma situação de múltiplos objetivos, na qual a empresa visasse maximizar os lucros correntes e a participação de mercado, o administrador não teria critérios claros para definir os trade-offs e, portanto, para tomar decisões. Nesta situação de múltiplos objetivos, a decisão seria tomada com base em critérios subjetivos do gestor, podendo levar a ineficiências decorrentes de limitações técnicas ou do problema de agência. No caso da definição de um único objetivo (lucro máximo ou participação de mercado), o gestor teria um critério lógico para a tomada de decisão e para a avaliação do seu desempenho655. Colocado o problema, Alexandre M. SILVEIRA traz a solução traçada por JENSEN: Com base nos argumentos apresentados no exemplo acima, JENSEN (2001: 10) afirma que é impossível a empresa obter sucesso perseguindo múltiplos objetivos, pois fatalmente acabará não os alcançando. Segundo o autor, a tentativa de maximizar diversos objetivos causará problemas ao gestor na definição dos trade-offs para a tomada de decisões, o que, por fim, deixará a empresa sem objetivo algum. Em resumo, o autor afirma que ‘múltiplos objetivos significa não ter objetivos’. Como conseqüência, uma maneira de a empresa resolver esse impasse seria a especificação de uma única função-objetivo que englobasse os efeitos das decisões sobre todas as variáveis. A alta administração deve decidir que objetivo global, ou variável principal, será perseguido: lucros, empregos, vendas, crescimento, valor, etc. Apesar de não se poder assegurar que a função definida será maximizada, ou mesmo que a maximização resultará em melhor desempenho da 655 Ibidem, p. 36. empresa, poder-se-á ao menos garantir que as decisões serão tomadas nesse sentido, minimizando a existência de conflitos e fornecendo critérios lógicos para a tomada de decisão e uma melhor avaliação dos executivos656. Charles HILL e Thomas JONES657 foram os idealizadores da teoria de agência dos stakeholders. Para eles, “os administradores seriam os agentes de todos os stakeholders, e estes difeririam entre si de acordo com seu poder e grau de interesse na empresa, o que acarretaria um constante desequilíbrio entre as forças envolvidas”658. Assim, na teoria dos stakeholders as organizações devem atuar de forma ética, enfocando os impactos das decisões em relação aos interessados, assim como os resultados das atividades devem levar em conta a otimização dos interesses dos stakeholders e não somente dos acionistas e dos proprietários. Os anseios sociais, assim como o ordenamento jurídico, visam, antes de tudo, uma sociedade sustentável. 4.2 A SUSTENTABILIDADE DA EMPRESA: a efetividade da função social 4.2.1 A Função Social da Empresa e o Conceito de Sustentabilidade O neoliberalismo, conjugado com a globalização dos mercados, impôs uma concorrência mundial entre empresas. São unânimes as pesquisas a respeito de que nos último 50 anos a produção mundial aumentou bruscamente; no entanto, tal aumento de produção não implicou uma melhor distribuição de renda, mas sim uma maior concentração de renda659. 656 Idem. HILL, Charles W. L.; JONES, Thomas Morgan. Stakeholder-agency Theory. Journal of Management Studies, Oxford, v. 9, p. 131 - 154, 1992 , apud SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 36. 658 Idem. 659 Nesse sentido: Políticos e executivos corporativos insistem nas vantagens da concorrência em um mercado global. Todos esses discursos ou modelos não explicam os paradoxos que caracterizam a atual situação mundial: o PMB (Produto Mundial Bruto) passou da marca de US$ 25 trilhões, ao passo que nunca existiram tantas pessoas pobres. O conhecimento e as inovações científicas e tecnológicas ultrapassam nossa imaginação, enquanto nunca existiram tanta ignorância e superstição. Existem comida e bens materiais em abundância para os quase 6 bilhões de habitantes da terra. Entretanto, pessoas e 657 O neoliberalismo atribuiu às empresas660 as características de principais agentes sociais661. O alto grau de competição no mercado requer planejamento, estratégia e gestão diferenciada. Há inúmeros produtos no mercado que são considerados substitutos perfeitos um dos outros, e nestes ramos de atuação a empresa pode conquistar mercados mediante a divulgação de uma boa imagem ao mercado. Hoje apenas a qualidade do produto não é suficiente para conquistar novos clientes. A diferenciação de uma empresa em relação à outra poderia ser feita pela sustentabilidade da atividade empresarial ou, ainda, pela responsabilidade social, que hoje estão tão em voga. A discussão de um desenvolvimento econômico sustentável teve início em 1927, em Estocolmo, contudo foi nos anos 90, especificamente na ECO 92, que ganhou maior repercussão, quando se estabeleceram as primeiras medidas a serem tomadas para alcançar a sustentabilidade. Foi na World Commission on Environment and Development (WCED), em 1997, que se concretizou a definição de desenvolvimento sustentável como aquele desenvolvimento que atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras suprirem suas próprias necessidades. Porém, a idéia de apenas sustentar, no sentido de se manter igual, não compete à sociedade humana. Tanto o meio ambiente quanto a sociedade estão em constante mutação. Essa modificação deve ser feita para que a sociedade permaneça viável. Para Hartmut BOSSEL662, o conceito de desenvolvimento sustentável deve ser dinâmico. Há continua modificação na sociedade e no meio ambiente, as culturas, as tecnologias, os valores e os anseios se alteram constantemente, e uma sociedade sustentável deve permitir e amparar estas alterações. animais perecem devido à fome e à desnutrição. In: RATTNER, Henrique. Sustentabilidade - uma visão humanista. Ambiente & sociedade, Campinas, v.2, n. 5, p. 235, jul./dez. 1999. 660 Comentando sobre o atual papel das empresas, KORTEN (1997) ensina que “das 100 maiores economias mundiais, 51 são de corporações transnacionais e 49 de países. Em termos econômicos, a Mitsubishi é maior do que a Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo. Também é ilustrativo o fato de que a soma da receita das 200 maiores corporações equivale a quase 30% do produto bruto mundial.”KORTEN, David C. A market-based approach to corporate responsibility: perspectives on business and global change. World Business Academy, San Francisco, v. 11, n. 2, p. 45 - 55, jun. 1997. apud VERGARA, Sylvia Constant; BRANCO, Paulo Durval. Empresa Humanizada: organização necessária e possível. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 02, p. 26, abr./jun. 2001. 661 WALD, A Empresa..., p. 6. 662 BOSSEL, Hartmut. Indicators for Sustainable Development: Theory, Method, Applications. Winnipeg (Canada): International Institute for Sustainable Development, 1999. p. 14. Nesse sentido a sustentabilidade econômica abrange alocação e distribuição eficientes dos recursos naturais dentro de uma escala apropriada. O conceito de desenvolvimento sustentável, observado a partir da perspectiva econômica, segundo Samuel RUTHERFORD, “vê o mundo em termos de estoques e fluxo de capital. Esta visão não se restringe apenas ao capital monetário ou econômico, mas considera diferentes tipos de capitais, inclusive o meio ambiente, o humano e o social”.663 A menção ao desenvolvimento sustentável na Constituição Federal estaria presente em pelo menos quatro dispositivos arts 1º; 3º; 170; e, 225. A teoria constitucional entende que não podem haver conflitos dentro da Constituição, por isso eventuais colidências entre estes devem ser ponderados no caso concreto. A ordem econômica visa, em última análise, ao desenvolvimento sustentável, a partir do crescimento econômico, da qualidade de vida e da justiça social. Os empresários devem primar pela função social. Hoje quem exerce a atividade econômica de maneira sustentável, também estará atendendo aos interesses sociais, portanto poderá estar cumprindo a função social, bem como assegurando a permanência da empresa no mercado “de maneira mais humanizada, menos patrimonializada e de forma equilibrada”664. Conforme Michael PORTER, a empresa buscará se diferenciar da “concorrência se puder ser singular em alguma coisa valiosa para os compradores”665. No entanto, para conquistar mercado perante os consumidores, elas precisam demonstrar esta diferenciação. Os resultados desta estratégia serão de médio e longo prazo. Especificamente para a gestão empresarial, a sustentabilidade normalmente está voltada ao aspecto econômico, em particular nos projetos e na dimensão 663 RUTHERFORD, I. Use of Models to link Indicators of Sustainable Development. In: Moldan,B.; Bilharz, S. (Eds.) Sustainability indicators: Report of the Project on Indicators of Sustainable Development. Chichester: John Wiley & Sons Ltd., 1997. apud BELLEN, Hans van. Indicadores de Sustentabilidade: uma análise comparativa. Florianópolis, novembro de 2002. Tese de Doutorado apresentado ao curso de Pós Graduação em Engenharia de Produção da UFSC. p. 37. 664 FERREIRA, Jussara S. A. B. Nasser. Função social e ética na empresa. In: Argumentum Revista de Direito Universidade de Marília, v. 4, Marília: Unimar, 2004, p. 50 apud PAIANO, Daiana Braga; ROCHA, Maurem. Sustentabilidade e desenvolvimento: o justo meio a partir da concepção de Aristóteles, 18p, p.13. Disponível em: <www.diritto.it/archivio/1/21471.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2008. 665 PORTER, Michael. Vantagem Competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campos, 1989. p.111. financeira da empresa. Por muito tempo, a idéia de sustentabilidade estava fortemente relacionada à eficiência econômica. A tomada de recursos para investimento é o foco do conceito de sustentabilidade dentro da gestão empresarial. Toda organização necessita de recursos para funcionar, esta dificilmente contará com uma única fonte de obtenção. De regra, serão sete as fontes de onde a empresa poderá captar os recursos necessários, segundo Célia CRUZ e Marcelo ESTRAVIZ: governo, empresas, indivíduos, fundações, eventos especiais, instituições religiosas e geração de lucros próprios666. Para Andrés FALCOMER667, a sustentabilidade de uma empresa está na capacidade de adquirir recursos, não só financeiros, mas também humanos e matéria-prima, conferindo lhes uma destinação eficiente e duradoura, para que a empresa possa cumprir o seu fim em longo prazo. No entanto, Domingos ARMANI668 entende que hoje o conceito de sustentabilidade vai além da sustentação financeira; há uma série de fatores de desenvolvimento institucional que influenciam no longo prazo a posição da empresa no mercado. A sustentabilidade depende da proposta de crescimento da empresa, bem como do acesso ao crédito. A sustentabilidade, para Osia MAGALHÃES et al., é definida como “a capacidade institucional de se relacionar criativamente com ambientes instáveis, visando à credibilidade da sua imagem perante a sociedade”669. Há a compreensão de uma sustentabilidade empresarial, também ligada à gestão. A gestão sustentável seria uma reestruturação da empresa para que possa ter maiores condições de atuar nos mercados. Domingos ARMANI apresenta uma definição de sustentabilidade da gestão: no nível micro, a sustentabilidade pode ser entendida como a capacidade das organizações se relacionarem com ambientes mutáveis, de forma duradoura; no nível macro, ela pode ser 666 CRUZ, Célia; ESTRAVIZ, Marcelo. Captação de diferentes recursos para organizações da sociedade civil. São Paulo: Global, 2000. p. 15. 667 FALCONER, Andrés Pablo. A promessa do terceiro setor: um estudo sobre a construção do papel das organizações sem fins lucrativos e do seu campo de gestão. São Paulo: Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor/USP, 1999. p. 98. 668 ARMANI, Domingos. Sustentabilidade: do que se trata, afinal? Rio Grande do Sul: Unisinos, 2002 apud MAGALHÃES, Osia Alexandrina V; et. ali. (Re)Definindo a Sustentabilidade no âmbito da Gestão Social: Reflexões a partir de duas Práticas Sociais. 15 p., p. 7. Disponível em: < http://www.adm.ufba.br/milani/Enanpad_2005_Gestao_social.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2008. 669 MAGALHÃES, op. cit., p. 7. concebida como o grau de legitimidade da instituição no tocante ao combate de problemas sociais perante o Estado, a sociedade e os agentes financiadores670. Para atender a esse tipo de sustentabilidade, as empresas, principalmente pela reengenharia, têm buscado a permanência no mercado via reorganização. Isso, tanto para obter uma estrutura flexível, que proporcionará uma modificação mais rápida para atender às novas demandas do consumo, quanto para as necessidades da sociedade em que está envolvida, fornecendo produtos de qualidade, pagando corretamente seus empregados etc. A sustentabilidade, fora do viés da gestão empresarial, está fortemente relacionada à sustentabilidade ambiental. O conceito de desenvolvimento sustentável “surge no contexto do enfrentamento da crise ambiental, configurada na degradação sistemática de recursos naturais e nos impactos negativos desta degradação sobre a saúde humana”671. O desenvolvimento sustentável visa a um desenvolvimento que esteja em harmonia com os objetivos sociais, ambientais e econômicos. No entanto, a sustentabilidade não se resume a esse aspecto. Inclusive a idéia de sustentabilidade deve estar na própria sociedade que precisa também alcançar economicamente um equilíbrio, ou seja, eqüitatividade. Se a ênfase da empresa está “na produtividade, concorrência e consumo individual (impulsionado pela imperativa redução do espaço de tempo necessário para produzir um retorno sobre o investimento), então as dimensões sociais e culturais de identidade pessoal, responsabilidade e solidariedade serão negligenciadas”672. Caso as negligencie, haverá grandes dificuldades quanto à continuidade e harmonia social. “As atividades econômicas são governadas por mecanismos impessoais – o mercado e o Estado. Baseados na evidência da história contemporânea, devemos presumir que ambos falharam em produzir um equilíbrio aceitável entre eficiência econômica e justiça social”673. Hoje majorado pelos prejuízos ambientais. A sociedade civil então passou 670 ARMANI, Domingos. Sustentabilidade: do que se trata, afinal? Rio Grande do Sul: Unisinos, 2002 apud MAGALHÃES, op. cit., p.7. 671 JACOBI, Pedro. Educação Ambiental e o Desafio da Sustentabilidade Sócio Ambiental. Mundo da Saúde. São Paulo, v. 30, n. 4, p. 526, 2006. 672 RATTNER, op. cit., p. 237. 673 Idem. a ir contra a externalização dos custos sociais da atividade econômica, e passou a requerer da empresa a internalização destes custos. A atenção é mais evidente nas atividades que consomem materiais não-renováveis que produzem um custo ambiental ainda muito maior. 674 Hoje há grande número de pesquisadores estudando alternativas para o uso eficiente das matérias-primas, seja em função do esgotamento de recursos, seja em função do impacto ambiental. A empresa vem procurando agir em parcerias e adotando um padrão corporativo de conduta, que se fundamente na ética e na transparência675. As indústrias, o comércio e os serviços estão procurando se modernizar e utilizar maquinarias de baixa entropia e no uso eficiente das matérias-primas e concedem preferência as recicláveis. Para dar maior visibilidade ao cuidado da empresa com seus produtos, com o meio ambiente, com os trabalhadores e com a sociedade, foram criadas marcas de certificações, para que a empresa, mediante esse selo, divulgue ao consumidor a conduta que vem adotando. A preocupação com a sustentabilidade está presente em todos os setores da economia. A modificação foi bastante ampla na busca da sustentabilidade, segundo Henrique RATTNER: Práticas fordistas usadas em grandes fábricas com milhares de empregados trabalhando em linhas de montagem, condicionados por estudos de “tempo e movimento, [...] estão desaparecendo gradual mais irreversivelmente. As empresas, antes estruturadas burocrática e hierarquicamente, estão sendo substituídas não apenas por instalações e lay-outs de menor escala, mas também por organizações mais flexíveis e sistemicamente mais integradas. A integração sistêmica, baseada em informações altamente interativas e serviços de comunicação, introduz mudanças no layout, fluxo de bens e materiais e, mais do que tudo, no prevalecente sistema de relacionamento humano interno à organização. Novos conceitos e esforços para introduzir o trabalho em grupo, a participação ativa e a eficiência coletiva são os princípios norteadores que estão substituindo os princípios e práticas da administração taylorista no nível da fábrica. Gerentes e líderes de grupo são treinados para se tornar formadores de equipes, 674 675 Idem. HUSNI, op. cit., p. 36. cujo papel primário é motivar antes de controlar ou penalizar pessoas com recompensas simbólicas por idéias criativas, melhorias de qualidade e inovações incrementais secundárias. Estas inovações podem representar os primeiros passos na busca de um novo paradigma econômico e, também, de um novo estilo de vida e valores que rejeitem a acumulação ilimitada e o consumo conspícuo.676 A sustentabilidade da atividade econômica vai além do viés ambiental, deve permanecer economicamente viável e promover a justiça social. Há hoje um forte discurso de conscientização das empresas, estas se convenceram de que o foco para a captação da clientela não permanecerá somente na qualidade do produto ou do serviço. A empresa deve demonstrar a sociedade que é sustentável e que adota a análise do impacto da sua atividade perante todos os stakeholders677. Portanto, a sustentabilidade deve estar em diversos aspectos da vida em sociedade. Assim, com tal idéia requer-se um novo modelo de gestão, que deverá ser ambientalmente, socialmente, culturalmente, economicamente e politicamente sustentável. É ambientalmente sustentável quando opera adequadamente os recursos naturais e preserva a biodiversidade. RUTHERFORD afirma que neste aspecto o foco está nos efeitos das atividades humanas sobre o meio ambiente678. Na visão econômica equivale ao capital natural, que na produção primária é o fundamento para a sobrevivência humana. Sustentabilidade ecológica visa ampliar a capacidade do planeta mediante uma melhor utilização dos recursos naturais disponíveis. A empresa é socialmente sustentável quando busca a diminuição das desigualdades sociais e promove a justiça social. A ênfase é o “bem-estar humano, a condição humana e os meios utilizados para aumentar a qualidade de vida desta condição”679. SACHS citado por Eduardo Saldanha afirma que “a sustentabilidade social refere-se a um processo de desenvolvimento que leve a um crescimento estável com distribuição equitativa de renda, gerando, com isto, a diminuição das 676 RATTNER, op. cit., p. 239. ODILON, Ern. Sustentabilidade é uma prática. Gazeta Mercantil, São Paulo, 18.06.2007. 678 RUTHERFORD, 1997 apud SALDANHA, Eduardo Ercolani. Modelo de Avaliação da Sustentabilidade sócio –ambiental. Florianópolis, 2007. 112 f. Tese de doutorado(Engenharia da Produção da UFSC). Centro de Tecnológico. Departamento de Engenharia da Produção, p. 26. Disponível em: <http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/10995.pdf>. Acesso em: 13 mai. 2008. 679 SALDANHA, op. cit., p. 26. 677 atuais diferenças entre os diversos níveis na sociedade e a melhoria das condições de vida das populações”680. É culturalmente sustentável quando mantém um espírito de nação ao longo do tempo. Segundo SACHS681, a sustentabilidade cultural consiste na modernização da economia e da globalização sem haver o rompimento com a identidade cultural dos países. Será politicamente sustentável quando privilegiar a democracia e o acesso à participação de todos nas decisões políticas. A Constituição Federal, na ordem econômica e financeira, deixa claro que o crescimento econômico deverá ser sustentável. Com o desenvolvimento sustentável, o modelo econômico terá que se subordinar ao direito, principalmente à dignidade da pessoa humana, à promoção de uma sociedade mais justa e a função social. Os paradigmas estão mudando para a instalação de uma empresa, esta necessita de licenças ambientais, de um bom planejamento econômico e atender à função social. A idéia de sustentabilidade já exerce influência até mesmo sobre o capital financeiro. Neste campo a BOVESPA - Bolsa de Valores do Estado de São Paulocriou o ISE\Bovespa (Índice de Sustentabilidade Empresarial de Responsabilidade da Bolsa de Valores de São Paulo), que engloba as empresas de responsabilidade social. Este índice visa refletir uma carteira de ações composta por empresas que atuem responsavelmente em todos os âmbitos. Tais âmbitos seriam o cumprimento e a conformidade da atuação de acordo com a lei, respeito ao meio ambiente, gestão com metas e programas, a relação da empresa com fornecedores, clientes e trabalhadores, que adotem a governança corporativa e transparência na gestão e o balanço social682. A Bolsa visa incentivar que as empresas adotem como norte a sustentabilidade empresarial e a responsabilidade social. 680 Idem. SACHS apud SALDANHA, op. cit, p. 28. 682 Um instrumento formal que permite externar a responsabilidade social de uma entidade por meio de suas ações empreendidas em determinado tempo, de forma isolada ou em parceria, vinculada ou não aos objetivos institucionais para os quais foi construída, na expectativa de contribuir para a construção de uma sociedade sustentável, justa e digna para todos. COSTA FILHO, Adalberto Vieira. Um estudo dos balanços sociais dos bancos no Brasil. In: Instituto Ethos. Responsabilidade Social das Empresas: A contribuição das Universidades. v. 3. São Paulo: Petrópolis, 2004. p. 281. 681 Não se pode generalizar, mas existem muitas organizações que procuram resgatar o lado social de empresa cidadã, comprometida com a sociedade e o meio em que vivem, conseguindo melhorar sua imagem perante seus concorrentes, fazendo da ação social e ecológica um diferencial competitivo que lhes pode ser muito lucrativo, tendo em vista a mudança no hábito dos consumidores, principalmente nos países desenvolvidos, onde o fator eco-social é levado em consideração na escolha de um produto ou outro. Esta prática é realizada principalmente pela Responsabilidade social. 4.2.2 Responsabilidade Social: uma fuga da função social. Como tendência na gestão empresarial há o contínuo enfraquecimento dos sindicatos e associações de classe, processos de enxugamento da estrutura empresarial, para alcançar maior produtividade com menores custos, proporcionando trabalhos exaustivos e de constante dedicação aos interesses da empresa, somados à constante ameaça de desemprego. No neoliberalismo e na globalização, o desemprego passou a ser crônico em todo o mundo; a pobreza tem aumentado e a classe média vem perdendo qualidade de vida683. Atualmente, o capitalismo vem sofrendo fortes críticas e, como núcleo do modelo neoliberal, as empresas são o alvo maior. Há, entretanto, a tentativa de um reposicionamento das empresas diante da sociedade para continuar a justificar a acumulação do capital. O meio escolhido foi o modelo de gestão empresarial, a responsabilidade social; nesta as empresas continuam a justificar a condição de acumuladoras de capital. A globalização, para Carlos Alberto Farracha de CASTRO, é um fenômeno sem volta, “sendo que a barbárie imposta por esse fenômeno implica a necessidade de desenvolver um sentido comunitário e solidário na população, ainda que possa parecer paradoxal”684. Ressalta o autor que “os empresários, ainda que involuntariamente ou mesmo contrariados, se preocupem – atualmente - com a imagem de seus negócios procurando enfatizar uma preocupação social, inclusive 683 SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 19 - 20. 684 CASTRO, op.cit., p. 186. invadindo obrigações ao Estado Social”685. Há sempre um conflito entre o social e o econômico, principalmente pelo mercado não ter cumprido a promessa de solucionar os problemas sociais. Entre os mecanismos apresentados pela gestão empresarial para exteriorizar o cumprimento da função social e da legitimação da apropriação dos meios de produção é a responsabilidade social. A responsabilidade social visa diminuir os conflitos entre o social e o econômico, propondo trazer maior efetividade à função social da empresa. A responsabilidade tem também como substrato, além da função social, a idéia de desenvolvimento sustentável, uma vez que pode ser analisada na perspectiva econômica, ambiental e social. A responsabilidade social, para alguns autores, seria um “alívio para a consciência pesada das empresas” e foi incorporada pelas empresas nas suas estratégias e valores organizacionais, pois seria uma forma de “sobrevivência do capitalismo em sua versão contemporânea”686, o neoliberalismo. Contudo, não é nova a responsabilidade social da empresa, nos Estados Unidos desde a década de 1950 já vem sendo debatida, e até hoje vem recebendo crescente importância, identificada pelo aparecimento de padrões e normas de certificação, tais como ISO 14000, AA 1000 e AS 8000, bem como pelas bolsas de valores. Como marco considera-se o ano de 1919, quando nos Estados Unidos, a responsabilidade e a discricionariedade dos controladores e administradores de empresas foram discutidas no caso Dodge versus Ford. Henry Ford controlador e administrador da FORD Co. Muitas vezes tomava decisões que contradiziam aos interesses de um grupo de acionistas da Ford, principalmente John e Horace Dodge. Estes sócios ajuizaram uma ação contra Henry Ford, por este ter em 1916, diminuído a distribuição dos lucros fundamentado em reinvestimento na sociedade, aumento de salários e como fundo de reserva para eventuais diminuições de receitas decorrentes de corte nos preços dos carros. Os Dodges ganharam perante a Suprema Corte do Estado de Michigan, que fundamentou o julgado de que a corporação existe para o benefício dos acionistas e que a direção tem 685 Idem. ROMAN, Artur. Responsabilidade Social da Empresas: um pouco de história e algumas reflexões. Revista FAE Business School, Curitiba, n. 9, p. 36, set. 2004. 686 discricionariedade apenas no que diz respeito aos meios de se alcançar tal fim, não podendo usar os lucros para outros fins. Após a Segunda Guerra Mundial, esse fundamento utilizado pela Corte começou a ser questionado pela doutrina, os pioneiros foram Berle e Means, com a obra “A Moderna Corporação e a Propriedade Privada” (The Modern Corporation and the Private Property), publicada em 1932.687 Nessa obra, Berle e Means fundamentam que os outros acionistas eram proprietários passivos, que passavam amplos poderes para a administração da sociedade agir em seu nome. Com o Welfare State, o cenário econômico passou a ser de ampla propriedade havendo uma reversão das decisões judiciais, para admitirem ações filantrópicas por parte das empresas688. Até mesmo o posicionamento da Corte Americana foi modificado. No caso A. P Smith Manufacturing Company versus Barlow, o tribunal de Nova Jersey decidiu pela manutenção da doação da empresa à Universidade de Princeton, entendendo que a empresa pode visar promover o desenvolvimento social. 689 Alexandre HUSNI afirma que “a gestão socialmente responsável ganha força com o advento do neoliberalismo, aparentemente, como um contraponto”690. Assim, com o avanço do neoliberalismo – o aumento da diferenciação de rendas e a exclusão social –, a empresa passou a implantar a responsabilidade social, seja como uma forma de gestão, seja como uma forma de marketing, para garantir a sobrevivência e evitar a revolução social. Os neoliberais, dentre eles Milton FRIEDMAN, compreendem que a responsabilidade social já estará sendo cumprida quando a empresa gera “novos empregos, paga salários justos e melhora condições de trabalho, além de contribuir 687 FREDERIKK, William C. From CSR1 to CSR2. Business and Society. v. 33, n. 2, p. 150 a 164, agosto1994 apud ASHLEY, Patricia Almeida; et. al. Responsabilidade Social Corporativa e Cidadania Empresarial: Uma Análise Conceitual Comparativa. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de PósGraduação em Administração (ENANPAD), 24, 2000, Campinas. Anais..., Florianópolis: ENAMPAD, 2000. 688 Idem. 689 CAMPBELL, Margaret C. (1999) Perceptions of Price Unfairness: Antecedents and Consequences. Journal of Marketing Research, V. 36, Issue 2, p. 187 a 199 apud SERPA, Daniela Abrantes Ferreira; AVILA, Marcos Gonçalves. Efeitos da Responsabilidade Social Corporativa na Percepção do Consumidor sobre Preço e Valor: Um Estudo Experimental . In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD), 30, 23 a 17 de setembro de 2006, Salvador. Anais..., Salvador: ENAMPAD, 2006. 1 CD Room. 690 HUSNI, op. cit, p. 46. para o bem-estar público ao pagar seus impostos”691. No entanto, para o autor, os principais objetivos da empresa continuam a ser de natureza econômica, cabendo a empresa no máximo satisfazer deveres sociais mínimos designados em lei. O benefício à própria sociedade e o cumprimento das obrigações legais resultaria na empresa socialmente responsável. Ressalta-se que ainda hoje não há como impor que uma empresa pratique a responsabilidade social. Não há meios jurídicos para tal imposição, até porque, em regra, a adoção desta prática implica despesas e não aumento de produção; daí porque muitas vezes é tomada pelos gestores como política ineficaz.692 Por isso, Oded GRAJEW defende que “a responsabilidade social deve ser vista como ações de livre e espontânea vontade. É uma decisão voluntária, calcada não na legislação, mas na ética, nos princípios e nos valores”693. Para Lilian ALIGLERI e Benílson BORINELLI, a responsabilidade social pode ser definida como “a atuação legítima e voluntária das empresas com a comunidade externa e interna na qual ela está inserida, ou seja, o envolvimento das empresas com atividades e ações que possam contribuir para manter ou aumentar o bem-estar social”694. A responsabilidade social empresarial consiste em “um modelo de gestão que atende ou supera as expectativas éticas, legais, comerciais, ambientais e sociais que o público tem em relação ao mundo dos negócios e das organizações”695. A responsabilidade social não se confunde com a função social, ela vai além desta, uma vez que a empresa não só cumpre com os deveres legais no desenvolvimento da atividade empresarial, mas também busca melhorar a qualidade de vida da sociedade. No cumprimento da função social, não se aprecia propriamente a qualidade intrínseca das ações da empresa, mas o maior ou menor 691 FRIEDMAN, Milton. The social responsibility of business is to increase its profits. New York Times Magazine, 13 setembro de 1970. Disponível em: < http://www.colorado.edu/studentgroups/libertarians/issues/friedman-soc-resp-business.html>. Acesso em: 10 de junho de 2008. 692 HUSNI, op. cit., p. 54. 693 GRAJEW, Oded. O que é responsabilidade social. Mercado Global, São Paulo, a. 27, n. 07, jun. 2000. p. 45. 694 ALIGLERI, Lilian Mara e BORINELLI, Bemílson. Responsabilidade social nas grandes empresas da região de Londrina. Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD), 25, 2001, Campinas. Anais..., Campinas: ENAMPAD, 2001. p.3. 695 Business for social responsability. Disponível em: www.bsr.org. concurso para atingir o fim da organização. Alexandre HUSNI delimita quando a empresa é socialmente responsável: A idéia de que a empresa é socialmente responsável quando gera novos empregos, paga salários justos e melhora as condições de trabalho, contribuindo para o bem-estar público ao pagar seus impostos. (...) as empresas que agem nessa linha esta a cumprir a sua função social e não a 696 operar como empresa socialmente responsável . Por isso, a responsabilidade social consiste em um modelo de gestão empresarial com a tomada de decisão ligada à ética e ao bem-estar da coletividade, além de satisfazer às exigências legais, preservar o meio ambiente e atender aos interesses da população697. A empresa socialmente responsável busca valores que ultrapassam a sua própria atividade empresarial e o seu objeto social, pois interagem com um desenvolvimento sustentável e com políticas públicas para diminuir as desigualdades sociais. Alexandre HUSNI aponta dois tipos de responsabilidades sociais. A responsabilidade social interna, quando a empresa envolve o estímulo à ética e a valorização do trabalho do empregado, a responsabilidade social externa, que diz respeito à atuação ética e harmônica com os agentes influenciados pelas atividades da empresa698. A respeito da valorização do trabalho a ser empregado, as empresas têm adotado a co-gestão empresarial e a governança corporativa. A primeira visa admitir no conselho de administração representante de trabalhadores, para que estes coíbam abusos e permitam maior transparência nas decisões. Já a governança corporativa consiste na obediência da empresa e dos órgãos sociais a normas impositivas de condutas éticas e morais, que influenciarão principalmente nas decisões administrativas699. A sociedade deve então exercer o objeto social dentro de uma razoabilidade. 696 HUSNI, op. cit., p. 88. Idem. 698 Idem. 699 SIMIONATO, op. cit., p. 105. 697 Tais formas de gestão repercutem nos stakeholders, no sentido de contribuir para uma melhor relação entre empresas e Estado, controlando para que as empresas cumpram com o objeto social com função e responsabilidade social. Mas, apenas melhorar as condições de trabalho e a participação dos trabalhadores nas decisões nem sempre se pode significar que a empresa já é socialmente responsável. Isso porque, está atendendo a um grupo de stakeholder, e a responsabilidade social é a adoção de políticas éticas pela empresa em favor de todos os stakeholders.700 Assim, como a função social a responsabilidade social da empresa está fortemente ligada à idéia de sustentabilidade, por isso também tem como viés mais forte o ambiental. Esse impõe que a empresa desenvolva e adote processos de produção que otimizem o uso de recursos escassos, bem como procure produzir produto biodegradáveis ou recicláveis. São exemplos de ações o reflorestamento de áreas degradadas, uma administração racional dos recursos hídricos ou restaurar prédios e propriedades publicas. O consumidor tem preferido produtos de empresas que não têm envolvimento em corrupção, que priorizam a transparência nos negócios, que cuidam do meio ambiente e da comunidade. Do ponto de vista dos trabalhadores, os profissionais mais qualificados têm preferido trabalhar em empresas que valorizem a qualidade de vida dos funcionários e respeitem os direitos. Assim, à gestão empresarial está sendo agregada mais uma preocupação. 701 De resto, foi o foco ambiental que trouxe à tona que o mundo empresarial não pode apenas se utilizar dos recursos sociais sem conferir nada em troca à sociedade. A conseqüência de uma utilização irresponsável dos recursos naturais afeta a vida de todos. A preocupação da empresa deverá ser muito mais que produzir e gerar lucros. As empresas passam a ser agentes de transformação social, pois deve se preocupar com o meio em que estão inseridas. A globalização trouxe maiores oportunidades de negócios, mas trouxe igualmente maiores responsabilidades. A sociedade tem reivindicado três tipos de 700 HUSNI, op. cit., p. 89. MENDONÇA, J. Ricardo C. de; GONÇAVES, Julio Cesar de Santana. Responsabilidade Social nas Empresas: uma questão de imagem ou de substância? In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD) a. 26, 22 a 25 de setembro 2002, Salvador. Anais..., Salvador: ENANPAD, 2002. 1 CD ROOM. 701 resultado das empresas: que elas produzam lucro, respeitem o meio ambiente e contribuam para o desenvolvimento social. Neste sentido, Mats ALVESSON alerta: o fato de que as corporações têm que sobreviver em ambientes crescentemente complexos e politizados, significa que os gerentes devem considerar aspectos de legitimidade da percepção da sociedade sobre a corporação em um nível mais elevado. Obedecer às leis e produzir lucros não é suficiente. Várias demandas relativas à ecologia, tratamento igualitário de gêneros e minorias, empregados etc., devem também ser 702 satisfeitos. As empresas são também dependentes do ambiente social na qual estão inseridas703. Dessa forma, elas devem legitimar a sua atuação e principalmente a acumulação de capital. Para Jefrey PFEFFER e Gerald SALANCIK, “a legitimidade é um status conferido à organização quando os stakeholders endossam e dão suporte aos seus objetivos e às suas atividades”704. A teoria institucional foi pioneira na discussão da necessidade de legitimar a atuação das empresas. A teoria institucional defende que há uma dependência recíproca das organizações com o ambiente e vice-versa. O meio ambiente se relaciona principalmente por meio de imposição de normas e valores, que acabam sendo inseridas na empresa para obterem a sua legitimidade. O ambiente é a fonte e o destino da produção, bem como local de reconhecimento e legitimação. Para obter a legitimidade a empresa gera impressões por meio de mensagens que retratem ações reais ou fictícias. Faz se um gerenciamento de imagem para obter atratividade perante os vários públicos com as quais a empresa interage.705 Em uma sociedade de conhecimento, o administrador toma suas decisões baseado nas informações que possui e que julga mais relevantes a serem levadas em consideração. Toda decisão deve ser pensada e verificada se é o meio mais ético de se alcançar o resultado. Nesse sentido observam Maria José Bretas PEREIRA e João Gabriel FONSECA, “por trás das escolhas individuais, há 702 ALVESSON, Mats. Organization: from substance to image. Organization Studies. v. 11 (3), 1990. p. 373 - 394, p. 384 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit. 703 BROWN, Andrew D. Politics, symbolic action and mith making in pursuit of legitimacy. Organization Studies. Berlin, 1994 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit. 704 PFEFFER, Jefrey.; SALANCIK, Gerald. The external control of organizations: A Resource Dependence Perspective. New York: Harpes & Row, 1978 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit. 705 ALVELSSON, op. cit, p. 378 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit. conjuntos de valores específicos e próprios de cada indivíduo, ligados às suas experiências e à sua visão de mundo”706. Assim, como crítica à visão instrumental há um receio quanto à real finalidade das decisões tomadas pelas empresas. Como todo ambiente de alta competitividade tende as empresas a utilizar a responsabilidade social como mera estratégia de marketing do que efetivamente à promoção de valores éticos. Outros mais radicais continuam analisar o administrador na visão da empresa liberal, isto é, o administrador não teria competência técnica e jurídica para realizar ações sociais, pois diminuiria o lucro da empresa. Ademais, os administradores não foram eleitos pela população para agir em favor da sociedade. Dessa forma, a empresa só poderia realizar ações sociais, conforme Paul OSTERGARD, desde que fossem compatíveis com a estratégia empresarial. Haveria investimento social discricionário pelas empresas desde que fosse possível maximizar o retorno do investimento com investidores, consumidores e a comunidade707. No entanto, podese dizer que se a empresa apenas investe no social para obter maior retorno a sua atividade, ela estará realizando filantropia estratégica e não responsabilidade social. Cabe à administração organizar as formas pelas quais a empresa alcançará os resultados pretendidos. “É o órgão que faz com que a instituição – empresa, universidade, hospital, abrigo para mulheres vitimas da violência – seja capaz de produzir resultados fora dela própria.”708 A empresa é responsável socialmente quando prevê as ações e a realiza da melhor maneira, prevendo os principais efeitos, para o benefício de todos os stakeholders. O ponto contrário à teoria institucional, isto é, a responsabilidade social a ser exercida pela empresa, encontra-se no fato de existirem outras instituições sociais, tais como o governo, as igrejas, as organizações nãogovernamentais, instituições sem fins lucrativos que visam atuar no cumprimento das responsabilidades sociais. Portanto, não cabe à empresa, uma instituição que visa ao lucro, exercer o papel destas instituições. Mesmo com a existência de tais instituições sociais, muitas empresas têm realizado parcerias com elas para auxiliá-las no seu propósito de constituição. A 706 PEREIRA; FONSECA, op. cit, p. 205. OSTERGARD, Paul M. Promoting corporate citizenship. UN Chronicle, v. 36, n. 4, p. 68 , 1999. 708 DRUCKER, Peter. O melhor de Peter Drucker: a administração. São Paulo: Nobel, 2002. p. 707 116. responsabilidade social, realizada seja pelo auxilio de outros entes sem fins lucrativos, seja diretamente pela empresa, pode ser uma opção para os empresários investirem estrategicamente no ambiente social709. “As organizações buscam na responsabilidade social benefícios como o reforço de sua imagem”710. Nesses termos, o principal motivo que tem levado as empresas a se dizerem socialmente responsável é a melhora da sua imagem corporativa. José MENDONÇA e Jackeline AMANTINO-DE-ANDRADE “defendem que as organizações, no sentido de controlar as impressões de públicos-chaves e obter o seu endosso e suporte, empreendem estratégias e táticas de gerenciamento de impressões”711. Kay DEAUX e Lawrence WRIGHTSMAN conceituam o gerenciamento de impressões como “o processo geral pelo qual as pessoas se comportam de modos específicos para criar uma imagem social desejada”712. Há forte crença de que as empresas que praticam a responsabilidade social agregam uma influência positiva na sua imagem, isto é, na sua marca. Aliás, é a propriedade industrial que possui maior valor e importância no atual estágio do capitalismo. Assim, há uma crença indireta que tais ações irão também atrair consumidores por seus produtos ou serviços. Ademais, as empresas também conseguem obter mais facilmente recursos e incentivos fiscais e apoio de representantes da sociedade civil. A empresa manifesta a intenção e a consciência de suas ações por meio dos administradores, e por suas ações poderá ser responsabilizada713. A decisão a ser tomada pelos sócios ou pelo administrador que será exteriorizada por este, sendo, 709 GRAJEW, op. cit., p.7 LEVEK, Andrea R.H.C.; BENAZZI, Ana Cristina M.; ARNONE, Janaína R.F.; SEGUIN, Janaína; GERHARDT, Tatiana M. A responsabilidade social e sua interface com o marketing social. Revista da FAE, v.5, n.2, p.15 - 25, mai./ago. 2002, p. 23. 711 MENDONÇA, José Ricardo Costa de e AMANTINO-DE-ANDRADE, Jackeline. Teoria Institucional e Gerenciamento de Impressões: em busca de legitimidade organizacional através do gerenciamento da imagem corporativa. II Encontro nacional de Estudos Organizacionais (II ENEO), Recife, 2002, Anais ENEO apud NOGUEIRA, Carlos Eduardo de Araújo; CHAUVEL, Marie Agnes. Responsabilidade Social: um Estudo Exploratório Sobre o Processo de Decisão das Instituições Mantidas por Empresas. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD), a. 27, 2003. Atibaia: Anais..., 2003. 712 DEAUX, Kay e WRIGHTSMAN, Lawrence S. Social Psychology. 5. ed. Estados Unidos: Brooks/Cole, 1988, p. 81 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit. 713 FRENCH, P. Corporate moral agency. In: HOFFMAN, W. M. e FREDERIK, R. E. Business Ethics: readings and cases in corporate morality. (3a. ed.) New York: MacGraw-Hill, 1995 apud PEREIRA, Wolney Afonso; CAMPOS FILHO, Luis Alberto Nascimento. Investigação sobre as Semelhanças entre os Modelos Conceituais da Responsabilidade Social Corporativa. Revista de Gestão Social e Ambiental, São Tiago da Compostela v.1, n1, p. 5, jan./abr. 2007. 710 em última análise a execução individual714. A(s) pessoa(s) que decide(m) em nome da empresa será(ao) o(s) julgador(es) e quem assumirá os riscos da escolha. No entanto, para que uma pessoa possa tomar uma decisão sozinha dentro de uma corporação, o conteúdo da decisão deve estar inserida dentro da estratégia empresarial. A estratégia seria determinada por meio de metas e objetivos a serem alcançados no longo prazo e os meios para alcançá-los. “Conseguinte adoção de cursos de ação e alocação de recursos necessários para atingir as metas propostas”715. Cabe aos administradores enxergar as oportunidades de mercado que dêem maior vantagem competitiva à empresa. A responsabilidade social pode ser uma grande estratégia empresarial de no longo prazo, podendo proporcionar ganhos de eficiência com a imagem de socialmente responsável. A empresa ganhará tanto com maior dedicação dos funcionários, quanto com a satisfação dos consumidores, assegurando maior perenidade da organização perante a sociedade716. Assim, a responsabilidade social não está separada do negócio da empresa. Trata-se de uma nova forma de gestão empresarial, ligada à formulação de estratégias voltada a valores éticos, harmonia com os stakeholders e geração de valor. Como conseqüência, para Oded GRAJEW, há a “valorização da imagem institucional e da marca, maior lealdade de todos os públicos, principalmente dos consumidores, maior capacidade de recrutar e reter talentos, flexibilidade e capacidade de adaptação e longevidade”717. A informação na sociedade de conhecimento é instantânea. Os negócios devem ser realizados com bastante transparência. A ética empresarial tem sido cada dia mais valorizada. Os investidores estão cada vez mais se recusando a participar de companhias que desrespeitam os direitos humanos e o meio ambiente. Inclusive multiplicam-se investimentos em empresas que conseguiram ganhar a fama de serem politicamente corretas. Desse modo, adotar a responsabilidade social pode ser uma boa estratégia para aumentar as vendas e os investimentos. A adoção da 714 PEREIRA, Maria José Lara BRETAS; FONSECA, João Gabriel. Faces da decisão. São Paulo: Makron Books, 1997, p. 35. 715 CHANDLER, Alfred. Strategy and Structure: Chapters in the Story of the American Industrial Enterprise. Cambridge: the M.I.T Press, 1962. p. 13. 716 PAGLIANO, Adriana Grelle Antunes; FARIA, Ana Cláudia L.; LAGO, Lisleine U.; CRUZ, Lucia Maria Santa; SILVA, Maurício Paiva da. Marketing social: o novo mandamento para as organizações. 1999. Monografia de MBA Executivo em Marketing, IBMEC. São Paulo: 1999. p. 20. 717 GRAJEW, op. cit., p. 1-2. responsabilidade social não visa abandonar o objetivo lucrativo da empresa, mas agrega valores sociais a ela. A empresa deve agir eticamente nos seus negócios. A nova gestão empresarial incumbe o dever de a empresa analisar o seu relacionamento com os diversos públicos de interesse e efetuar ações que melhorem o relacionamento, oferecendo ganhos às empresas. Cabe à empresa decidir qual tipo de ação social tomará. A responsabilidade social trouxe novas formas de gestão para trazer como elementos relevantes na tomada de decisão a ética, visando com esta atitude transformar uma maior consciência empresarial em vantagem competitiva. Dessa forma, o que é bom para a sociedade também será bom para a empresa, no longo prazo. Sendo que a proposição inversa também é verdadeira, isto é, o que é bom para a empresa é bom para a sociedade. Segundo o Instituto Ethos de Responsabilidade Social, a empresa é socialmente responsável quando “vai além da obrigação de respeitar as leis, pagar impostos e observar as condições adequadas de segurança e saúde para os trabalhadores, e faz isso por acreditar que assim será uma empresa melhor e estará contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa”718. Hoje, os conceitos de empresa cidadã e socialmente responsável são objeto de utilização freqüente na mídia, no governo, nas entidades de classes, empresários e trabalhadores que, “recebendo pressão da sociedade por ações sociais que resultem em impactos à comunidade, procuram relacionar sua imagem a ações positivas”719. Nesse sentido, Joel MAKOWER720 afirma que a empresa não pode ser conceituada apenas como organização dos fatores de produção, mas deve também analisar o aspecto externo. empresa geram Há a compreensão de que todas as atividades da externalidades positivas e negativas, abrangendo desde consumidores e empregados até a comunidade e o meio ambiente. 718 Institutos Ethos de Responsabilidade Social. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/docs/conceitos_praticas/indicadores/responsabilidade/etica.asp>. Diversos acessos. 719 BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas: Praticas Sociais e Regulação Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Jures, 2006. p. 78. 720 MAKOWER, Joel. Business for Social Responsibility: Beyond the Botton Line – Putting Social Responsibility to Work for your Business and the World. New York: SIMON & SCHUSTER, 1994 apud PEREIRA; CAMPOS FILHO, op. cit., p. 6. As externalidades consistem nos efeitos positivos e negativos, das atividades de produção ou de consumo. As externalidades negativas são também denominadas deseconomias externas. Como principal exemplo desta tem-se a poluição ambiental, como exemplo da externalidade positiva há a geração de empregos e distribuição de renda. Na economia, as externalidades são consideradas falhas de mercado. A análise econômica das externalidades se faz pelo custo da produção em relação aos benefícios por elas gerados. No entanto, no campo jurídico há doutrinadores, como Ana Frazão LOPES721, que entendem que a função social não pode ser analisada sob esse viés de custo e benefício. O que implica que a avaliação do cumprimento da função social não pode se restringir ao fato da empresa trazer mais benefícios ou não a sociedade. Como solução as externalidades geradas pela atividade produtiva a doutrina aponta a regulamentação de limites que podem ser gerados de poluição por uma determinada empresa; aumentar ou diminuir impostos de determinadas atividades ou formas de produção; e, autorizações ambientais e de exploração. A responsabilidade social não se confunde com as externalidades, pois estas são inerentes à própria atividade econômica, e não um projeto a parte desenvolvido pela empresa, assim como a função social não pode ser analisada sob este ponto de vista. Contudo, a ação socialmente responsável praticada pela empresa pode sim gerar externalidades, geralmente positivas. No Brasil a responsabilidade social está mais ligada a uma ação empresarial, que visará aumentar os lucros da empresa, podendo abranger ou não a filantropia722. Cabe aqui reafirmar que responsabilidade social não se confunde com filantropia. A filantropia é uma ação espontânea e esporádica da empresa. A responsabilidade social já reflete uma ação mais comprometida da empresa, visa à uma ação projetada para desenvolver a comunidade. No Brasil é indispensável investir no desenvolvimento social, principalmente para viabilizar a atuação da empresa no futuro. O Brasil é um país de inúmeras 721 LOPES, op. cit., p. 213. SCHOMMER, Paula Chies; FISCHER, Tânia. Cidadania empresarial no Brasil: os dilemas conceituais e a ação de três organizações baianas. Organizações & Sociedade, v. 6, n. 15, p. 105 mai./ago. 1999. 722 carências sociais, que afetam direta ou indiretamente as atividades econômicas que serão e são realizadas. A falta de trabalhadores qualificados, segurança, saúde refletem diretamente na empresa. As empresas devem então contribuir para obter um ambiente mais propício a sua atividade. Conforme exposto, há organizações que realizam responsabilidade social por refletir os valores éticos da empresa e outras que visam melhorar a imagem via responsabilidade social, assim a vê como uma estratégia mercadológica, mas que não corresponde aos valores e às práticas da organização. Para verificar qual é a posição da empresa, basta analisar se ela leva em conta as aspirações dos stakeholders, e age de forma ética; se a empresa realiza a gestão responsável por questões de valores. Isso pode ser verificado pela transparência das ações empresariais ou por projetos que visem desenvolver a comunidade. A incorporação e difusão desses princípios éticos qualificam a organização como uma empresa socialmente responsável. Isso porque, o conceito de responsabilidade social propõe, de certa forma, uma regra moral: a de que a empresa tem o dever de zelar pelo bem-estar dos públicos com os quais se relaciona. Ele defende, também, a idéia de que essa opção é, em termos de lucratividade em longo prazo, vantajosa. A empresa que adota a responsabilidade social assimila em sua cultura novos valores a serem observados e praticados interna e externamente. Já a empresa que apenas difunde a responsabilidade social, apenas pratica ações que visam a resultados visíveis perante a comunidade e tragam melhoria na imagem da empresa. Mas é na transferência de valores éticos – sustentabilidade e efetividade das ações praticadas – não só internamente a empresa, mas também externamente que se vê a responsabilidade social de forma mais ampla723. A empresa pode adotar, difundir ou transferir valores à sociedade. Do ponto de vista econômico, escreve Antonio Carlos MARTINELLI724: a correta prática da responsabilidade social pode melhorar o desempenho e a sustentabilidade a médio e longo prazo da empresa, proporcionando: 723 MELO NETO, Francisco Paulo de; FROES, César. Gestão da responsabilidade social corporativa: o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. p. 73. 724 MARTINELLI, Antonio Carlos. Empresa-cidadã: uma visão inovadora para uma ação transformadora. In: IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º Setor: Desenvolvimento Social Sustentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997 apud NOGUEIRA; CHAUVEL, op. cit. valor agregado à imagem corporativa da empresa; motivação do público interno; vantagem competitiva; facilidade no acesso ao capital e financiamento; reconhecimento dos dirigentes como líderes empresariais; melhoria do clima organizacional; dentre outros. No entanto, se as ações de responsabilidade social não refletirem os valores e cultura corporativas, a adoção de tais ações poderá ser percebida apenas como ferramenta de promoção e publicidade. A empresa que efetivamente pratica a responsabilidade social não visa ao marketing, mas ao desenvolvimento local. Nesse sentido, Francisco MELO NETO e César FROES tentam trazer a realidade brasileira: há, atualmente, predominância de ações sociais externas (voltadas para a sociedade ou para a comunidade local) sobre as de caráter interno (cujo alvo são os funcionários e seus familiares); que grandes organizações criaram suas fundações e atuam socialmente na área de educação, como é o caso da Fundação Bradesco; e que prevalece em nosso país o padrão assistencialista em ações sociais, em especial junto a empresas de pequeno e médio porte, apesar de as grandes empresas já terem 725 identificado a importância de ações sociais sustentáveis . Em 1970, com a proliferação do neoliberalismo, inicia-se a proeminência da empresa na sociedade. A empresa deve buscar muito mais que a lucratividade, mas também o bem-estar social em nome da própria sobrevivência em longo prazo. Explica Cláudia PFEIFFER: “a empresa necessita do desenvolvimento da sociedade para se desenvolver”726. Por isso, pode-se afirmar, segundo Patrícia ASHLEY, que o “mundo empresarial vê, na responsabilidade social, uma nova estratégia para aumentar seu lucro e potencializar seu desenvolvimento.” 727 Se a sociedade não se desenvolver, não há como a sociedade alcançar maior clientela. Com a responsabilidade social, as empresas investem em ações sociais e divulgam seus valores, legitimando à sociedade de que está atendendo aos seus anseios. São poucas as empresas que hoje desconsideram a responsabilidade social. Os problemas sociais deixaram de ser apenas uma questão do Estado, para ser institucionalizada. As empresas tiveram que atender aos princípios da solidariedade e participarem mais ativamente com a sociedade sob o fundamento de não perder 725 MELO NETO; FROES, op. cit., p. 74. PFEIFFER, Cláudia. Por que as empresas privadas investem em projetos sociais e urbanos no Rio de Janeiro? Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2001. p. 95. 727 ASHLEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3. 726 mercado. Assim, com o avanço da globalização, a competitividade do mercado aumenta, aumentando a necessidade de as empresas se destacarem via sua responsabilidade social. A responsabilidade social consiste num modelo de gestão empresarial adotado que visa demonstrar à sociedade que, além de cumprir com as obrigações sociais, a empresa está também motivada a desenvolver a sociedade, principalmente, por meio de projetos educacionais. No entanto, por trás deste modelo de gestão há também os benefícios estratégicos que diante da similaridade dos produtos e alta concorrência do mercado, as organizações tem buscado obter novos mercados e clientes mediante a melhoria da imagem. Uma empresa socialmente responsável atrai mais clientes, por ser uma instituição que não só produz riqueza, renda e tributos, mas também melhora as condições de vida da população. A responsabilidade social agrega uma nova função à empresa, que é o desenvolvimento da sociedade, papel tradicionalmente exercido pelo Estado. Nesse particular a responsabilidade social contraria o modelo neoliberal. Porém, em geral os ganhos que a empresa tem tido por se intitular socialmente responsável são superiores que os gastos nos projetos: em regra, trabalham no projeto, como voluntários, os próprios trabalhadores da empresa. A função social é compatível sim com o neoliberalismo, pois não impõe mais nenhuma função à empresa. Contudo, a gestão empresarial da responsabilidade social adiciona uma nova responsabilidade da empresa perante a sociedade, por isso, não se pode confundir a responsabilidade social com a função social. A responsabilidade social seria, portanto, um marketing pelo qual a empresa tem se utilizado para justificar à sociedade de que vai além do cumprimento dos seus deveres legais. No entanto, muitas vezes não os cumpre integralmente, mas por ter um projeto social perante a comunidade se denominam empresas preocupadas com a sociedade. A responsabilidade social pode ser utilizada como uma fuga da função social, desviando a atenção para uma filantropia ou projeto social, em relação à má exploração da atividade econômica. CONCLUSÃO Esta dissertação não teve a pretensão de apontar soluções para os antagonismos existentes no sistema capitalista, especificamente a respeito das leis de mercado e o dever de solidariedade a que as empresas estão submetidas. A crise mundial vivenciada nos anos 70 propiciou um ambiente favorável para que se instalasse o modelo neoliberal. A crise financeira do Estado Social e a expansão tecnológica e da globalização aceleraram ainda mais a adoção deste modelo econômico pelos países. O modelo de natureza neoliberal, baseado no Estado Democrático de Direito, prevê um Estado regulador, isto é, permite a intervenção do Estado na economia toda vez que o mercado apresentar alguma falha, inclusive atuar de forma a restringir fusões, incorporações e proibir cartéis. O modelo monetarista propõe a diminuição do Estado no âmbito econômico. O Estado deixa de oferecer diretamente bens e serviços que passam a ser oferecidos pelo setor privado. As atividades de telefonia, distribuição de luz e água foram transferidas ao setor privado mediante as privatizações. Foi mediante as privatizações que o Estado diminuiu sua intervenção direta na economia, porém a existência de abusos e falhas de mercado exige ainda certa dose de intervenção para que seus efeitos sejam diminuídos, para a própria manutenção da concorrência e livre iniciativa. Assim, em um ambiente econômico de constantes transformações, principalmente pela grande velocidade das inovações tecnológicas, é importante que as empresas possuam uma estrutura flexível para que rapidamente se adaptem às modificações do mercado. Marx já previa a tendência de que com o desenvolvimento tecnológico haveria um aumento da exploração do trabalho humano, no sentido de que diminuiria o número de trabalhadores na empresa, porém a intensidade do trabalho empregado seria elevada. Explica a dificuldade de a empresa manter a taxa de lucro por meio da lei das taxas de lucro decrescentes, pois esta sintetiza a contradição das transformações da produção capitalista. A exploração do trabalho possui um limite diário, o número de operários, em geral, diminui à medida que aumenta o capital constante, já a busca pela acumulação não possui limites. Quanto maior o emprego da maquinaria, em geral, menor será o número de mão-de-obra aplicada, estando poucas pessoas sujeitas à máxima exploração. Assim, um menor número de trabalhadores será empregado com uma proporção maior de capital constante, o que necessitará de uma maior exploração do trabalhador para manter a acumulação de capital. A ciência administrativa passou a se preocupar com o tempo dedicado pelo trabalhador à produção, buscando sempre o máximo aproveitamento da mão-deobra alocada, viabilizando a manutenção da taxa de lucro. Do modelo clássico da administração à gestão do conhecimento há uma constante busca de meios de incentivar o trabalhador a produzir cada vez mais. A gestão de empresas visa proporcionar às empresas alguma vantagem no mercado ao qual estão inseridas, na busca de adaptar às empresas as modificações no ambiente externo. A empresa, hoje, para conseguir competir no mercado e cumprir com suas obrigações legais, reduz a sua estrutura e investe cada vez mais em um trabalho humano qualificado, pois, diferentemente do período marxista, a empresa não pode ser vista pela luta de capital e trabalho. O ser humano, pelas novas formas de gestão, está sendo considerado como a peça-chave para a inovação e as conquistas de novos mercados. As empresas sempre traçaram estratégias para alcançar um maior desempenho no mercado em que atuam. Os resultados obtidos com a adoção de um ou outro modelo de gestão, uma ou outra estratégia, comprovam a constante dependência da organização com o ambiente externo e interno, surgindo a teoria dos stakeholders, comprovando a interdependência com o ambiente. Assim, com essa teoria, a própria ciência administrativa passa a reconhecer a existência das externalidades na atividade econômica. As empresas, ao exercer a sua atividade social, podem gerar economias externas ou deseconomias externas perante a sociedade. Quando geradas, são consideradas falhas de mercado, pois o ideal seria que o custo marginal social fosse equivalente ao benefício social marginal. Principalmente, na predominância das externalidades negativas, pode o Estado interferir para tentar diminuir tais efeitos negativos. Por outro lado, os particulares, detentores de direito de propriedade, podem negociar. Segundo Coase, esta negociação não deve ter custos de transação e deve gerar benefícios mútuos, pois a parte que se sentir prejudicada pode ser compensada por uma indenização. Para diminuir tais externalidades o Direito impõe limites e condicionamentos ao exercício da atividade econômica. Um dos condicionamentos é justamente a função social da atividade econômica. Sendo a empresa concebida juridicamente como a atividade econômica e organizada, portanto uma abstração, deve atender à função social. A função social condiciona a atuação da empresa a uma atuação em consonância ao que se espera desta, por exemplo: dentro de um limite de poluição aceitável e respeitando previdenciárias, condicionamento técnicas e a legislações etc). limites à O incidentes próprio atividade (tributárias, ordenamento econômica trabalhistas, jurídico garantiria ao a impor idéia de sustentabilidade. A riqueza e os benefícios gerados pela atividade econômica devem ser partilhados em toda a sociedade, os stakeholders. Doutrinadores, como Ana Frazão de Azevedo LOPES, entendem que a atividade econômica que não distribui riqueza ou gera benefícios à sociedade é abusiva728. A atividade empresarial deve juridicamente contribuir para uma sociedade mais justa, solidária e digna, e no viés econômico deve contribuir para o desenvolvimento econômico sustentável. A função social não implica uma nova responsabilidade da empresa. A empresa, ainda que seja o núcleo da sociedade, não pode ser encarregada de assumir funções do Estado. 728 LOPES, op. cit., p. 316. A função social da empresa impõe que a livre iniciativa seja exercida conforme os parâmetros legais, sob pena de estar violando um princípio fundamental, portanto, exercendo uma atividade ilegal. A função social da empresa deve ser corretamente interpretada a fim de não produzir ineficiência econômica no longo prazo. A função social da propriedade deve ser vista como o poder-dever do empresário no exercício da atividade econômica, realize-a de maneira compatível com o interesse social, tendo em vista que este é manifestado pelas leis. Assim, o empresário que desenvolve a sua atividade conforme o ordenamento jurídico estará ao mesmo tempo cumprindo a função social da empresa. A Constituição Federal na ordem econômica consagra a sustentabilidade da atividade econômica. Assim, a legislação e a função em última análise visam à sustentabilidade da atividade empresarial. Isto é, que esta se aproprie dos recursos coletivos de maneira que não comprometa as futuras gerações, na utilização destes mesmos recursos. A sociedade espera que a empresa seja exercida de maneira sustentável, por isso pode-se dizer que um dos modos pelo qual a função social se exterioriza é pela sustentabilidade. A função social da empresa é vista pelos economistas como a busca do bemestar. O bem-estar geral para os liberais poderia ser alcançado pelo somatório do bem-estar individual, sendo este artifício denominado por Adam Smith de “mão invisível”. No entanto, os neoliberais não tomaram como base do modelo esta autoregulação do mercado, tanto que admitem certa intervenção, regulação do Estado, justamente para evitar abusos. Neste sentido, a função social, se for para adequar o bem-estar social, é compatível com o neoliberalismo, ainda que seja uma forma de intervenção do Estado na atividade econômica. Para os adeptos do sistema de mercado, a propriedade exerce a sua função social quando contribui para incentivar o investimento e gera emprego e renda numa economia competitiva, fundada em instituições. Para os socialistas, a função social da propriedade é redistribuir riqueza sob comando do Estado. Com a desigualdade social levantada pelo neoliberalismo, as empresas vêm tentando cada vez mais encontrar meios para justificar a apropriação dos meios de produção e, principalmente, do lucro. O mecanismo encontrado na gestão empresarial foi a responsabilidade social, a qual não consiste no cumprimento da função social, pois muitas empresas que se intitulam socialmente responsáveis, não cumprem com todas as obrigações sociais sobre elas impostas. Ao mesmo tempo em que promovem a melhoria da qualidade de vida da sociedade em que estão inseridas, muitas vezes deixam de pagar direitos trabalhistas aos seus empregados. Uma empresa intitulada socialmente responsável nem sempre estará cumprindo sua função social, ainda que seja esta a mensagem que a responsabilidade social pretenda transparecer. Uma empresa que cumpre com as obrigações legais, atua de forma ética e promove atividades perante a comunidade, seria efetivamente uma empresa que cumpre sua função social e responsável socialmente. A responsabilidade social vai além da função social, pois requer uma ação positiva da empresa, planejada e constante, para melhorar as condições de vida do trabalhador e da comunidade vizinha. A função social se resume ao cumprimento das obrigações legais. A função social, se corretamente entendida, é sim compatível com o neoliberalismo, pois não impõe uma nova obrigação às empresas, mas um dever de ao exercer a atividade, esta deve ser compatível com o interesse social. A função social tem sido observada pela gestão empresarial, tendo em vista que os administradores, que não cumprirem um dever legal, estariam também descumprindo a função social, e para estes, assim como para as empresas, a lei impõe inúmeras responsabilidades. A administração, então, tem procurado enquadrar a função social na gestão, principalmente, na responsabilidade social. No modelo da responsabilidade social, toda empresa que assim fosse enquadrada, certificada por ISOs, estaria indo além da função social. As empresas já estão buscando ir além do cumprimento dos seus deveres legais e agindo diretamente na comunidade. Em um futuro próximo, a empresa que não cumpra nem mesmo deveres legais, estará fadada a ser rejeitada pelos consumidores. Conclui-se que a gestão empresarial está sim preocupada com a função social da atividade empresarial, ainda que inserida no modelo econômico neoliberal. Há uma modificação do papel do Estado na sociedade, após a década de 70, de forma que o Estado repassa a função social aos agentes privados, como mecanismo compensatório de apropriação de recursos naturais que pertencem a toda a sociedade. Bem como, a sociedade tem apoiado esta transferência, pois cada vez mais, o consumidor tem valorizado as empresas que cumprem com todas as obrigações legais, em detrimento daquelas que não as cumprem. REFERÊNCIAS ALCANTARA, Liliane Cristine S. Holismo no Contexto das Organizações. Revista de Administração da Faculdade de Administração de Empresas do Estado de São Paulo. N.2. a. II, 2005. Disponível em: < http://www.faesp.br/web_2005/rafi/art_liliane.aspx>. Acesso em 25 abr. 2008. ALIGLERI, Lilian M. e BORINELLI, Benílson. Responsabilidade social nas grandes empresas da região de Londrina. 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