NOTAS SOBRE A PROMOÇÃO DA EQÜIDADE NO ACESSO E INTERVENÇÃO DA JUSTIÇA BRASILEIRA Autor: Luiza Maria S. dos Santos Carvalho. Coordenadora de políticas setoriais do PNUD – Brasil, e oficial responsável pela implementação dos projetos <<Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro>> firmado entre o PNUD e o Ministério da Justiça. Fonte: CARVALHO, Luiza Maria S. dos Santos. Notas Sobre a Promoção da Eqüidade no Acesso e Intervenção da Justiça Brasileira. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA Material gentilmente cedido pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Introdução Este texto pretende contribuir para a reflexão sobre as condições de desenvolvimento da Justiça Restaurativa como política pública no Brasil e mais uma alternativa de prestação de serviços jurídicos. A Justiça Restaurativa é modalidade inclusiva de justiça, devido à sua abordagem reintegradora e regeneradora das relações sociais, e também um caminho para a democratização do poder judiciário 1. Com a apresentação das Práticas Restaurativas nos demais textos deste volume, aqui serão explorados aspectos relacionados aos ambientes político e administrativo atuais que possam interferir de forma a retardar ou potencializar sua disseminação no Brasil. Espera-se que o texto subsidie debates de gestores públicos das várias áreas direta e indiretamente envolvidas nos procedimentos e práticas restaurativas. O texto é dividido em três partes. Inicialmente, destaca-se o papel da democracia no desenvolvimento do País e na cons2trução de uma sociedade contemporânea, bem como a relevância da justiça neste processo. O objetivo da segunda parte é identificar questões _____________________ * baseado em palestra proferida no Seminário Internacional “Justiça Restaurativa: um caminho para os Direitos Humanos?”, ocorrida em Porto Alegre entre os dias 29 e 30 de outubro de 2004, promovido pelo Instituto de Acesso à Justiça - IAJ. Já publicado em uma coletânea de textos para discussão publicada pelo IAJ. www.justica21.org.br básicas para a implementação da Justiça Restaurativa neste contexto. A terceira e última parte, reflete sobre a importância da Justiça Restaurativa para a promoção da justiça social no Brasil junto a segmentos sociais excluídos para os quais a Justiça brasileira tem falhado em identificar formas mais eficazes de atendimento. 1. Justiça, Democracia e Desenvolvimento As relações entre um sistema de justiça forte e justo, o desenvolvimento e a democracia têm sido crescentemente demonstradas empiricamente (The World Bank,2000; DAC, 2003; Feld and Voigt, 2002,). Sen (2000) argumenta que a integridade conceitual do termo desenvolvimento combina diferentes domínios - economia, política, área social, legal, etc. – em um processo que excede a mera interdependência causal entre as áreas, envolvendo uma conexão orgânica entre todas as esferas que compõem o desenvolvimento. Tanto quanto as áreas econômica ou social, a capacidade legal-judicial em uma sociedade denota e é parte integrante da qualidade de seu desenvolvimento. A organização legal-judicial em uma sociedade é fundamental para garantir aos indivíduos a liberdade, o alcance dos direitos e as escolhas disponíveis. Por outro lado, a experiência histórica tem demonstrado que crescimento econômico pode ser gerado em países sob um regime autoritário, mas que o verdadeiro desenvolvimento é dependente de regimes politicamente responsáveis e transparentes e de democracias que são participativas e inclusivas. Nesse sentido, reformas das instituições políticas, sociais e econômicas são cruciais para combater as desigualdades em qualquer área da sociedade e acelerar o desenvolvimento dos países. A idéia da democracia como um valor instrumental para a melhoria das políticas públicas e do bem-estar da população deve estar no epicentro das reformas públicas. O principal desafio da democracia brasileira tem sido eliminar suas características autocráticas e centralizadoras, ampliando o controle dos cidadãos sobre o Estado, aumentando o equilíbrio de poder entre os governos local e central e aumentando o compromisso dos atores políticos com as necessidades dos cidadãos. Em democracias como a brasileira, onde o voto eleitoral é a forma central de participação e são escassos os meios de controle sobre a classe política e sua ação, a política torna-se uma forma particular de atividade exercida por uma elite de profissionais – termo entendido no seu mais amplo espectro - que se perpetua na função de gerenciamento do estado, concepção de suas leis e políticas públicas, controle de orçamentos, etc. O reducionismo da democracia apenas à sua forma representativa - que tem na teoria liberal do Estado sua mais elaborada expressão - tende a fomentar a “autonomização do político... extremada na relação entre a passividade dos eleitores e a extrema atividade monopolizadora pela elite política” (Santos, 2002:658). De acordo com Bobbio (1987), a consolidação da democracia implica a contestação do poder autoritário, a ampliação dos espaços e oportunidades de representação direta e a expansão das oportunidades do poder em surgimento, exercido por cidadãos comuns ou em nome destes. Dessa forma, a verdadeira democracia desenvolve-se protegendo a liberdade e os direitos dos cidadãos, bem como garantindo a extensão da participação das esferas políticas para as esferas sociais, onde a diversidade social, as www.justica21.org.br desigualdades entre os indivíduos e grupos, a diversidade de papéis e demandas e diferentes inserções sociais e econômicas estão localizadas. Na construção da democracia e do desenvolvimento, o judiciário ocupa um papel estratégico (Castelar, 2000). Entretanto, a falta de informação da sociedade sobre o sistema judiciário, a freqüente centralização e má localização dos serviços, os ambientes excessivamente formais, acoplados a uma linguagem hermética, ao tratamento freqüentemente discriminatório e à letargia de processamento e resolução de casos, constróem ao mesmo tempo o encastelamento dos serviços judiciários e o distanciamento da maioria da população. Apesar de a controvérsia sobre se a quantidade de juizes no Brasil é suficiente ou não para o atendimento da demanda existente (STF, 2005; MJ, 2004) não paira dúvida sobre o baixo provimento de serviços de justiça a grupos mais pobres e vulneráveis da população. Estudo diagnóstico sobre a Defensoria Pública revela que no Brasil há 1,86 defensores públicos contra 7,7 juizes para cada 1.000.000 habitantes, sendo que o grau de cobertura do serviço da Defensoria é de apenas 42,3% das comarcas existentes ficando o maior índice de comarcas não atendidas exatamente nos Estados com os piores indicadores sociais (MJ e PNUD, 2004). A importância da Defensoria Pública no Brasil, provendo caminhos para que cidadãos tenham acesso à justiça e possam buscar, sem ônus, a efetivação de seus direitos, é elemento central no sistema de justiça brasileiro que, por natureza de seus longos trâmites processuais, torna impossível o pagamento dos custos processuais para a maioria da população. Mais uma vez, as prioridades que definem o provimento e a oferta dos serviços da Justiça para a sociedade brasileira, denotam seu caráter excludente e viés favorável à população das classes média e alta. Também não paira dúvida sobre a gravidade do problema da organização e da eficiência dos serviços3. Acrescenta-se à demora que cada processo pode ter o aumento do número de casos que se acumulam. Sem as melhorias e a modernização necessárias nas cortes nacionais de justiça os processos tenderão a estacionar durante anos antes que qualquer ação seja tomada. O aumento do acesso à justiça por qualquer grupo da população, a descentralização dos serviços judiciais, o controle externo, a promoção de outras formas de justiça para além da justiça retributiva e a agilidade na resolução de processos judiciais, são questões que dizem respeito a toda a sociedade e indicam a necessidade de busca de novos paradigmas e padrões de desempenho da justiça no Brasil como parte integrante do fortalecimento da democracia no país e na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. 2. Justiça Restaurativa no Brasil: Questões para Formulação e Implementação de uma Política Pública Que tipo de relação se verifica entre um governo democrático e seus eleitores, assim como entre os próprios cidadãos? Essa relação não é, necessariamente de compartilhamento pacífico de poder e recursos, nem de enfrentamentos e conflitos permanentes e tampouco de adesão incondicional (substitua este período). A idéia de vida pública demanda deveres de cidadania que caracterizam tanto as relações de governos para www.justica21.org.br com os cidadãos, e vice-versa, quanto dos indivíduos uns para com os outros. No entanto, a idéia de vida pública em sociedades complexas como a nossa também demanda a aceitação da pluralidade social como característica suficientemente legítima, a ponto de conseguir reordenar esta mesma sociedade no tocante aos seus códigos, valores, doutrinas e opções de desenvolvimento. As sociedades democráticas constitucionais, caracterizadas como Estados de Direito, são, em grande medida, pluralistas. Ou seja, convivem nelas um conjunto de diferentes posturas e doutrinas morais, filosóficas, econômicas ou religiosas com seus valores e respectivos direitos e deveres, especificados para todos os aspectos da vida e da convivência humana. Estas doutrinas aceitam como algo “natural”, necessário e moralmente bom, a cooperação mútua entre os membros da sociedade na sua conservação, equilíbrio e reprodução. A sociedade é vista como um sistema de cooperação entre cidadãos livres e iguais, onde os cidadãos tendem a buscar termos comuns de cooperação e reciprocidade social. A motivação dos indivíduos para a aceitação desta reciprocidade não é só utilitária, baseada no reconhecimento de vantagens pessoais. A reciprocidade é acima de tudo vista como um bem moral e coletivo da sociedade, vital para a estabilidade social. Segundo Rawls (1999), esta é a primeira característica dos cidadãos de uma sociedade democrática pluralista: um sentido de justiça, um desejo de propor termos justos de cooperação social. Qual seria então, nestas sociedades democráticas, constitucionais, pluralistas e complexas, a concepção de justiça mais adequada para especificar os termos de uma cooperação social entre seus membros, entendidos perante a lei como livres e iguais? A resposta deve ser a da justiça com eqüidade44, entendida como aquela que almeja obter um consenso das partes e da sociedade, minimizar e compensar as perdas e os danos aos envolvidos, que pretenda ser imparcial para com os diferentes e para todos os cidadãos em disputa. A garantia do respeito à pluralidade como uma regra imbuída na sociedade e na maioria de seus cidadãos tem sido a razão do desenvolvimento, expansão e consolidação das práticas de justiça eqüitativa. Dentre estas, estão as práticas restaurativas em países como Nova Zelândia, Austrália e Canadá, onde esta alternativa tem sido mais comumente aceita e adotada. 2.1 Processos de Planejamento e Administração de Políticas Públicas no Brasil Este item apresenta uma breve reflexão sobre o processo de implementação da justiça restaurativa no Brasil, levando em consideração as principais características da experiência brasileira na área das políticas públicas sociais e a forma que as primeiras experiências de Justiça Restaurativa têm adotado no Brasil. A adoção de posturas restaurativas em diversos grupos, situações e localidades no Brasil não é incomum, mas permanecem isoladas até o momento, e, sem articulação efetiva entre atores, não tem gerado oportunidades de troca de experiências, acúmulo de conhecimento e fortalecimento mútuo. www.justica21.org.br Iniciativa conjunta entre o Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento5 apoia a implementação de três projetos no Brasil, mas na perspectiva de verticalizar a modalidade na esfera da administração pública e no tecido social das localidades onde as experiências estão sendo desenvolvidas. O objetivo último destes projetos é apoiar, juntamente com os demais protagonistas desta iniciativa, a preparação de ambiente propício para a adoção de práticas restaurativas no Brasil. O fato de a Justiça Restaurativa trabalhar em uma perspectiva global, envolvendo as várias dimensões humanas dos atores em questão, faz com que seus pré-requisitos dependam, invariavelmente, nas várias políticas sociais, nas redes de proteção social e no universo privado das pessoas envolvidas. A ação em si será, desta forma, também condicionada pelas condições externas ao Judiciário, tais como características e capacidades da máquina pública local, volume, variedade e diferenciação de casos que se pretende abordar e aporte de recursos de toda natureza requeridos para garantir o curso de ação das intervenções. Neste sentido, tendem a ter mais sucesso as regiões ou localidades que contarem com um bom provimento de serviços e o quanto estes estiverem convergentes técnica, social e politicamente para os referenciais da justiça restaurativa. Deste modo, a Justiça Restaurativa depende fortemente do atendimento multidisciplinar. Esta é a primeira questão que se coloca para sua adoção e seu sucesso: a existência, o provimento e a formação de profissionais especializados. Independentemente de quais sejam as formas de a equipe multiprofissional se constituir, se por vínculo direto às estruturas do poder judiciário, se por parceria com a rede local de serviços públicos ou outras formas, a questão crucial é a da qualidade da formação e do nivelamento desta equipe na perspectiva técnica e política. O conhecimento técnico é instrumento básico e fundamental para permitir o encontro entre as ações do Estado6 e sua responsabilidade e contrapartida às necessidades de bem-estar de seus cidadãos, Por outro lado, a adoção da justiça restaurativa, implica uma mudança de paradigma - tanto na explicação quanto na análise dos casos e do curso da ação posterior - pois ela não é uma forma, nem tampouco é desdobramento da justiça dominante, estritamente retributiva e desigual. Ao contrário, trata-se de uma oposição de origem epistemológica e metodológica, ao invés de uma mera diferença procedimental. Os operadores desta Justiça têm de ser qualificados para o entendimento dos processos sociais, econômicos, culturais e políticos que subjazem aos fatos e dinâmicas sociais em nossos dias e entender o que requer confrontá-los operacionalmente no dia-a-dia. Quanto a esta última questão, deve-se destacar a facilidade com que disputas e conflitos em torno da desigualdade de poder e de direitos da maioria da população no Brasil são tratados, transcritos e subsumidos pelas políticas, pela administração pública e por seus profissionais às esferas da socialização e da cultura, esvaziando e desconsiderando o contencioso político das demandas e necessidades geradas pelas desigualdades econômicas e sociais. A equipe multidisciplinar não é apenas um agrupamento de profissionais das áreas de Justiça, Psicologia e Serviço social - apenas para citar três profissões envolvidas nas práticas restaurativas dos três projetos ora em fase de implementação Brasil - mas uma equipe que compartilha princípios, referenciais teóricos e valores como a inovação intelectual, a capacidade de experimentação, de adaptação às mudanças sociais e de exercer www.justica21.org.br a alteridade. Por fim, uma equipe que desenvolva um ethos centrado na valorização do ser humano, na capacidade da mediação para a solução de conflitos, na capacidade do ser humano de se responsabilizar por seus atos, desenvolver-se e emancipar-se plenamente. A Justiça restaurativa depende fortemente do provimento, acesso e desempenho da rede de serviços públicos. Por sua natureza, as práticas de justiça restaurativa dependem de sua integração às outras políticas públicas colaterais como educação, serviço social, segurança pública, em geral e na polícia em particular, e saúde, entre outros, que se tornam essenciais para apoiar o restabelecimento da inserção social das partes envolvidas e a superação de conflitos. A prática da Justiça Restaurativa não deve gerar circuitos paralelos ou especiais de provimento de serviços fora do corpo do estado e que estejam sujeitos a descontinuidades. Os serviços devem ser regulares, devem fazer parte da estrutura de serviços judiciais e estruturas adjacentes, evitando cair na rede de serviços escassos e de má qualidade criados para atender à população pobre por meio de estruturas precárias e episódicas, dependentes da “oferta” ou “vocação” de juizes ou grupos do judiciário desejosos de implementar práticas da justiça eqüitativa. A prestação de serviços deve ser exteriorizada e formalizada, os espaços adequados, os recursos providos, os conteúdos sistematizados e as equipes formadas, os arranjos de implementação explicitados, os processos de trabalho formulados, os parceiros e atores identificados e suas respectivas participações e responsabilidades detalhadas. O Ministério Público, como nos demais casos de defesa de direitos, deve ser parceiro para a garantia do provimento, acesso e controle da qualidade dos serviços públicos oferecidos. Além de estar disponível com qualidade e de forma regular, o serviço deve se constituir em opção das partes. Ou seja, o acesso à modalidade, embora apoiado na indicação dos profissionais, deve ser decisão de foro íntimo das pessoas. A escolha da pessoa é princípio da Justiça Restaurativa. A voluntariedade da adesão ao modelo já estabelece um vínculo e um compromisso diferenciado pela transformação da conduta individual. No contexto de organização das esferas públicas, vários fatores podem contribuir favoravelmente para a adoção das práticas restaurativas. O principal fator é o fato de o Brasil contar com justiças estaduais autônomas e com estruturas estaduais e municipais de implementação de políticas públicas em processo avançado de descentralização. Este desenho federativo torna local e mais rápida a hierarquia de tomada de decisão e de controle sobre processos administrativos. Contribui para a melhor alocação e o provimento de recursos e para a maior visibilidade e responsabilidade (accountabilility) dos gestores da política, pois favorece o controle social. Também é no espaço local que se dá a tomada de contas da prestação de serviços do terceiro setor, hoje fortemente presente na composição das redes de prestação de serviços sociais. Um outro aspecto positivo a considerar quanto à descentralização é que ela também concorre para o fortalecimento das capacidades técnicas locais, conforme se processam as transferências da coordenação das políticas para os gestores locais. Percebe-se que esta responsabilização e o protagonismo induzem governos e equipes a recorrerem a instrumentos de planejamento e controle para conduzir e revisar as iniciativas em busca de www.justica21.org.br identificar caminhos e meios mais favoráveis para atingir os resultados. (retirada a última frase). Para além da análise racional das condições de implementação e de governabilidade sobre os pré-requisitos da adoção desta prática, é necessário que sejam identificados os possíveis campos de ação política e atores que se mostrem aderentes ou refratários à idéia. O mapeamento e apreciação de todas as dimensões envolvidas na prática da justiça restaurativa é a condição “sine qua non” precedente ao processo de adesão. Se implementada de forma não diligente, exigindo permanentes reformulações posteriores, a gestão e os resultados insatisfatórios podem conduzir ao descrédito na justiça eqüitativa no Brasil, como também em seu instrumento, a justiça restaurativa, que por ora se propõe. Práticas Restaurativas Por que adotar as práticas restaurativas? Quais as especificidade destas práticas que se mostram comparativamente mais vantajosas frente aos métodos tradicionais e já consolidados, por quê, para quem e quando? Que valores e resultados se pretendem alcançar e para quem? Além de apresentar maior potencial de resolução nos países onde a Justiça Restaurativa vem sendo adotada, a natureza desta resolução parece conferir maior satisfação às partes envolvidas indicando maior sustentabilidade dos resultados ao longo do tempo. Ademais, resultados demonstram ser particularmente favorável para a população jovens, em dois sentidos: tanto em termos da redução da reincidência quanto em termos do aumento da probabilidade de passar a apresentar resultados positivos na vida destes jovens após terem passado pela experiência restaurativa (Maxwell, 2003). Este estudo aponta várias conclusões, mas uma geral indica que práticas restaurativas que incluem empoderamento, reparo dos danos e resultados integrativos na sociedade fazem diferença significativa nos casos estudados, influenciando positivamente o futuro dos jovens, seus núcleos familiares e comunidades. Estas três dimensões revelam os princípios fundamentais nos quais se baseia a Justiça Restaurativa, ou seja, (i) empoderamento do ofensor por meio do desenvolvimento de sua capacidade de assumir responsabilidade sobre seus atos e de fazer suas escolhas; (ii) reparo de danos, ou seja, contrariamente à Justiça estritamente retributiva, que se atém exclusivamente ao ofensor, a Justiça Restaurativa enfoca também a vítima, seu grupo familiar e suas necessidades a serem reequilibradas; (iii) e, por fim, resultados integrativos, restaurando a harmonia entre os indivíduos, re-estabelecendo o equilíbrio e identificando e provendo, por meio de soluções duradouras, necessidades não atendidas. www.justica21.org.br No Brasil, hoje, acompanha-se com preocupação a grande inflexão provocada na vida de sua população jovem pelo agravamento das condições de desigualdades em todas as esferas da vida social, mais fortemente percebidas na ausência de oportunidades de trabalho formal, no desemprego e na violência. A precarização das suas condições de vida no Brasil impede o acesso de jovens e adolescentes a bens intelectuais, materiais e simbólicos em geral. Associada às rupturas sociais e à crise dos padrões de sociabilidade tradicionais, ocorre a emergência de interesses e valores diferenciados e antagônicos. A perversidade da exclusão social, portanto, é que não está associada apenas à escassez, mas também à total desfiliação da sociedade pelo aliciamento do adolescente e jovem ao submundo da violência, do tráfico e do crime77. Grande parte da discussão sobre a mortalidade e morbidade no Brasil tem-se concentrado no controle e redução do acesso a armas; no entanto, desigualdades sociais e econômicas e outras privações como de serviços públicos por exemplo – mais do que a pobreza extrema -, são considerados fatores explicativos mais robustos para a violência intencional do que o acesso a armas per se. A tese originalmente desenvolvida por Shaw e McKay (1942) que sociedades que apresentam graves desigualdades sociais e econômicas, resultando em condições de pobreza e privação, levam à desorganização social destas populações pobres, pela desintegração da coesão social e quebra das regulações e normas da convivência social. Na base da explicação, é formulado o raciocínio de que comunidades sem coesão social - entendido como o capital social – são menos efetivas em implantar e exercer meios de controle social para a redução da violência, comparadas às comunidades com altas taxas de capital social. A democracia tem feito muito pouco pela justiça social no Brasil. Ainda que recente, indícios não são otimistas de que se possa avançar rapidamente, recuperando e oferecendo condições dignas de vida e novas oportunidades para as gerações mais jovens. Os prejuízos de nossa desigualdade são inúmeros, como informa o Relatório sobre a Democracia na América Latina publicada no inicio de 2004 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento88. Um exemplo emblemático é a principal conclusão do Relatório que assustou a todos (cortar): as populações pesquisadas nos países da América Latina, que já passaram por ditaduras, disseram valorizar mais o crescimento econômico e o bem-estar gerado por estes regimes do que viver em um sistema democrático. Em seguida informavam que, garantida a condição de viverem em ambiente de crescimento econômico, poderiam viver(cortar e substituir por “viveriam”) em um sistema totalitário. Reformar a estrutura judicial brasileira no sentido de torná-la mais permeável às necessidades da população brasileira, universal quanto à sua cobertura e politizada quando ao seu papel de promotora da coesão social e de maior sociabilidade entre cidadãos implica mudar sincronicamente um conjunto de instituições, percorrendo desde a concepção de novas políticas até a atenção ao sistema prisional. Uma vez que promover mudanças no sistema judicial é um processo de grande complexidade, torna-se vital legitimá-lo e garantir a sustentabilidade destas mudanças. Tanto o processo de construção de novos consensos dentro do judiciário, quanto o de implementação das mudanças e melhorias que visem beneficiar os grupos mais vulneráveis www.justica21.org.br podem ser os princípios a guiar a formulação e execução de um programa de reformas com vista a democratizar a Justiça no Brasil. O Judiciário é uma esfera independente e, apesar do desejo de cooperação de muitos, não é composta por um grupo homogêneo. Por um lado isto dificulta a agilidade e qualidade do consenso, pois é poderosa a capacidade de grupos conservadores no Brasil de expurgar das reformas tudo o que os desestabilize e conservar apenas o que maximiza seus poderes e benefícios. Por outro a diversidade do judiciário é exatamente o que assegura a inovação e a busca de alternativas mais eqüitativas de justiça por seus setores mais progressistas e comprometidos com a justiça social no Brasil. Apoiando, experimentando e desenvolvendo projetos modernizadores e de justiça (retirar) e de justiça eqüitativa no Brasil, estes setores e protagonistas estão fazendo muito por nossa democracia. Neste sentido, a partir do momento em que experiências localizadas começam a gerar resultados positivos, as comunidades e seus cidadãos passam a apresentar um forte sentido de justiça e coesão social, e passam a pautar seu comportamento pelos princípios da justiça a que são objeto e do consenso que estão construindo e fazendo parte. Quando está em causa um dever tão importante como o de proteger e nutrir o bem de todos, como no caso dos projetos de Justiça Restaurativa no Brasil, a função da pressão social assume um papel crucial. O resultado em termos psicológicos, é a identificação das pessoas com os princípios, instituições, valores, direitos e deveres presentes na cultura pública de sua comunidade. No espaço das políticas públicas e do Judiciário a pressão social será feita pelos resultados positivos - enraizadas localmente - das intervenções em relação à diminuição das curvas de ocorrências, atendimento das expectativas sociais em matéria de segurança para todos e a melhoria das oportunidades e da qualidade de vida e dos serviços públicos. Conclusão Quando a constituição brasileira nos define como cidadãos livres e iguais, referenciando todos os cidadãos do país a um mesmo estatuto jurídico, dá-nos a exata medida da utopia que ainda temos que construir juntos. A realidade atual, dá-nos a exata medida da distância que estamos desta utopia. Reconhecer a abissal desigualdade entre nossa população e o difícil caminho ainda a ser percorrido para a construção da cidadania plena no Brasil não desanima nem diminui a confiança na força das sociedades e nos processos de mudança. A emancipação humana é um processo coletivo que só se realizará afinal com a participação de toda a sociedade por meio de contratos e pactos explícitos e negociáveis. Neste sentido a integração e os pactos entre as nações para o avanço dos direitos políticos e humanos e os índices de desenvolvimento sociais são indicativos de uma nova coalizão pela justiça social e mais um elemento de apoio às dinâmicas internas das democracias em processo de consolidação. www.justica21.org.br Notas 1 É nosso entendimento que as práticas restaurativas não devem ser entendidas em oposição ou substituição às práticas existentes hoje na Justiça brasileira. Ao contrário, são modalidades que complementam e ampliam a gama de serviços de justiça existentes, e que, por suas especificidades, podem se revelar mais adequadas e eficazes em determinadas situações de infração e junto a determinados segmentos do que as existentes atualmente. 2 O Sistema Judicial brasileiro segue o sistema legal da Europa Continental, que é caracterizado por conter uma legislação detalhada em relação à prática processual. Este sistema oferece as vantagens da ampla defesa e contestação, porém a desvantagem do tempo que cada processo pode requerer até ser resolvido, justamente pela quantidade de contestações que o processo permite, muitas das vezes contribuindo apenas para postergar uma sentença evidente. 3 Acreditamos que somente o termo eqüidade possa dar a noção exata da Justiça que precisamos atualmente no país. Igualdade se faz por meio da universalização do acesso a bens e serviços mínimos a todos em uma sociedade. Eqüidade no entanto, pressupõe que os processos que diferenciaram as pessoas em uma sociedade criam barreiras que impedem o acesso e desempenho de grupos sociais mais vulneráveis e que os serviços a serem oferecidos devam ser diferenciados, moldados para atender e superar este déficit sócioeconômico e político estabelecido (sobre este debate, ver Mokate (1999). 4 Esta parceria está consolidada por meio do Projeto BRA/05/009, previsto para duração de um ano, e que capta recursos internacionais e nacionais para o financiamento de experiências no Rio Grande do Sul, São Caetano, no estado de São Paulo e em Brasília. 5 O estado per se, não tem poder, vontade ou conteúdos próprios; ao contrário, ele é a cristalização de grupos ou frações de grupos dentro de si, que se expressam por meio de sua estrutura. 6 Grande parte da discussão sobre a mortalidade e morbidade no Brasil tem-se concentrado no controle e redução do acesso a armas; no entanto, desigualdades sociais e econômicas e outras privações como de serviços públicos por exemplo – mais do que a pobreza extrema -, são considerados fatores explicativos mais robustos para a violência intencional do que o acesso a armas per se. A tese originalmente desenvolvida por Shaw e McKay (1942) que sociedades que apresentam graves desigualdades sociais e econômicas, resultando em condições de pobreza e privação, levam à desorganização social destas populações pobres, pela desintegração da coesão social e quebra das regulações e normas da convivência social. Na base da explicação, é formulado o raciocínio de que comunidades sem coesão social - entendido como o capital social – são menos efetivas em implantar e exercer meios de controle social para a redução da violência, comparadas às comunidades com altas taxas de capital social. 7 Um exemplo emblemático é a principal conclusão do Relatório que assustou a todos (cortar): as populações pesquisadas nos países da América Latina, que já passaram por ditaduras, disseram valorizar mais o crescimento econômico e o bem-estar gerado por estes regimes do que viver em um sistema democrático. Em seguida informavam que, garantida a www.justica21.org.br condição de viverem em ambiente de crescimento econômico, poderiam viver(cortar e substituir por “viveriam”) em um sistema totalitário. Referências Bobbio, N., 1987. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. 2 ed. (Rio de Janeiro: Paz e Terra). Braithwaite, J., 1996. Restorative Justice and Better Future, www.iirp.org/library/ braithwaite.html. Castelar, A. ed., 2000. Judiciário e Economia no Brasil (São Paulo: Editora Sumaré). Couto, C. G., 1998. “A longa Constituinte: reforma do estado e fluidez institucional no Brasil,” in DADOS Revista de Ciências Sociais 41(4): pp 51-86. DAC Network on Governance, Development Co-operation Directorate, 2003. Synthesis of Lessons Learned of Donors Practices on Fighting Corruption (Meeting on 1-2 July, 2003). 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PARCERIA • 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre • AJURIS - Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul • Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Porto Alegre • Defensoria Pública da 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre • Escola Superior da Magistratura da AJURIS • Escritório Antena da UNESCO no Rio Grande do Sul • Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul • Fundação de Assistência Social e Cidadania do Município de Porto Alegre • FASE - Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande do Sul • Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul • Projeto Justiça Instantânea • 3ª Promotora de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada da Infância e da Juventude de Porto Alegre • Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul • Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre • Secretaria Municipal da Juventude de Porto Alegre • Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre • Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local de Porto Alegre Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana de Porto Alegre • www.justica21.org.br