EDUCAÇÃO SANITÁRIA: UMA PREOCUPAÇÃO CONSTANTE NOS GRUPOS ESCOLARES Bruna Maria Morais de Paiva - PIBIC-UFPB Rosângela Chrystina Fontes de Lima - PIBIC-UFPB Orientador: Antonio Carlos Ferreira Pinheiro - UFPB A construção da escola e a produção de sua cultura esta intimamente ligada aos aspectos físicos (prédios escolares) que representou um forte simbolismo republicano. É impossível pensarmos o processo de escolarização de saberes ou de conhecimentos na escola pública paraibana daquele momento se não se levarmos em conta à inserção da escola no mundo urbano e a contribuição que dela se esperava na transformação de seu povo, notadamente destinado às famílias pobres. Em primeiro lugar, cumpre notar que, a partir de 1916, os prédios dos grupos escolares passam a fazer parte do cenário urbano da Capital paraibana. Construídos de acordo com os mais modernos preceitos pedagógicos e de higiene, eles estavam de acordo, também, com os padrões arquitetônicos defendidos para os prédios públicos da Capital. Foram construídos para serem vistos, admirados, reverenciados. Deveriam ser tidos como modelares, para outros estabelecimentos, e modeladores de hábitos, atitudes e sensibilidades. Grupo Escolar Dr. Thomaz Mindello o primeiro da Paraíba inaugurado em 1916. Fonte: João Pessoa PARAHYBA, Edifício Escolares do Estado da Publicação comemorativa da 1ª Exposição Nacional de Educação e Estatística: Imprensa Official, 1936. Em segundo lugar, foi cobrado das escolas da Capital que, a partir dos grupos escolares e das cadeiras isoladasi existentes, operassem uma mudança de sensibilidade, linguagem, comportamentos, costumes e mesmo de projetos e perspectivas pessoais, das classes populares, cuja cultura não era considerada adequada ao convívio social no mundo urbano e caberia, portanto, à escola realizar essa transformação, começando pelas crianças. Caberia ao Estado, todavia, criar mecanismos legais, via decretos, normas e regulamentos para comprar e prover os edifícios escolares, dotando-os de mobiliário adequado que era imprescindível para o conforto, higiene e melhor funcionamento desses estabelecimentos de ensino. A localização dos edifícios escolares inferia diretamente na maior ou menor freqüência do alunado, ou seja, as escolas e, especificamente, os grupos escolares deveriam ser, prioritariamente, instalados em áreas que favorecessem o acesso da demanda escolar. No Brasil, diversos foram os desafios enfrentados na primeira república, devido ao crescimento urbano nas capitais e à enorme quantidade de pessoas que se alojavam em cortiços. Dentre eles o que mais preocupava os gestores públicos, professores e intelectuais era o controle de doenças. Pensando nisso, o governo buscava na instrução, um meio de conscientizar a camada pobre da sociedade. "Assumindo como eixo central a educação sanitária, a política de saúde pública se deslocou, no período, de um enfoque marcadamente policialesco para uma atuação calcada, prioritariamente, na formação da consciência sanitária da população, sem deixar de lado, entretanto, as práticas de inspeção sanitária vigentes.” (ROCHA, 2003). Seguindo a Reforma Camillo de Hollanda, os grupos deviam passar por inspeções sanitárias, para assegurar a higiene dos prédios e dos alunos. Estas inspeções tinham por finalidade: “a) a vigilância hygienica das escolas e do seu material, principalmente sob o ponto de vista orthopedico; b) a inspecção medica dos alumnos e do pessoal; c) a prophylaxia das moléstias transmissáiveis e evitáveis; d) instruir os preceitos elementares de hygiene aos alumnos, e) a direcção e fiscalização da educação physica nas escolas.” Assim, a utilização do espaço físico dos grupos escolares esteve além de suas funções pedagógicas em torno do ensino regular e formal. Não somente porque tais edificações contavam com conforto e higiene, mas também pelo status social que a eles foram atribuídos. Os prédios dos grupos escolares eram construídos ou adaptados seguindo normas rígidas de higiene, que iam desde sua localização, iluminação, ventilação (salas de aula amplas e arejadas), mobiliário próprio (cuidadosamente higienizado e envernizado) que ficava aos cuidados dos professores. Tudo era desenvolvido para oferecê-los total conforto e segurança além de exercer por si só uma sugestão higiênica sobre as crianças. Seguindo tais normatizações, foi construído na capital paraibana o Grupo Escolar Isabel Maria das Neves, tido como modelo a ser adotado. O prédio foi instalado em área espaçosa situada na Avenida João Machado, e construído pelos arquitetos Cunha & Di Lascio, sendo incontestavelmente considerado o único estabelecimento pedagógico do Estado que, obedecia ás prescrições mais rigorosas da higiene e arquitetura escolar moderna. Grupo Escolar Isabel Maria das Neves João Pessoa PARAHYBA, Edifício Escolares do Estado da Publicação comemorativa da 1ª Exposição Nacional de Educação e Estatística: Imprensa Official, 1936. Ainda sobre a superioridade do Grupo Escolar Isabel Maria das Neves, em relação aos demais grupos já existentes, chama atenção as seguintes observações: “Effectivamente merece ser salientado o bom acabamento dado à construção pelo sr. H. de Lascio (...) Possui o prédio dois andares, um térreo e outro superior. No pavimento de baixo há três salas de aula, um hall e os apparelhos sanitários, no de cima o mesmo número de aulas, um salão para a directoria e os aparelhos sanitários. Todas as dependências recebem luz e ventilação directa. Circunda o edifício em ambos os andares, do lado do poente, um terraço muito aproveitável para recreio em dias de inverno. O sr. di Lascio seguiu em tudo as mais rigorosas prescripções da architetura escolar, por isso o grupo ISABEL MARIA DAS NEVES pôde ser considerado, no gênero, como o melhor da Parahyba”. (A UNIÃO, 18/08/1920) Tal atribuição, se deve ao fato de que, ao menos no período de 1916 à 1921, as cadeiras isoladas e mesmo os grupos escolares da Paraíba, com exceção do grupo escolar “Isabel Maria das Neves”, eram adaptados em prédios ou mesmo em suntuosos casarões, que por sua vez, não atendiam a todos os preceitos técnicos e higiênicos exigidos na época. Era tão evidente a preocupação com a higiene nos grupos escolares que este assunto interferia diretamente na realização das matrículas, que nas escolas diurnas e noturnas eram abertas e divulgadas na imprensa local via edital da Instrução Pública Primaria do Estado, informando que os candidatos à matrículas deveriam se dirigir diretamente aos diretores dos estabelecimentos de ensino primário (escolas isoladas e grupos escolares), por meio de requerimento, no qual se mencionaria, além do próprio nome, o de seu pai, a sua idade, residência e naturalidade, exibindo: certidão de registro civil ou outro documento legal que comprovasse a idade, devendo apresentar também, atestado médico comprovando ter sido vacinado ou não sofrer de moléstia infecto-contagiosa. Tais normas estavam na Reforma Camillo de Hollanda, capítulo VI, referente á matrícula das aulas e exames, seção I, que segue abaixo: “Art.126 – Os pedidos de matrícula serão dirigidos pelos paes, tutores ou protectores dos candidatos, com apresentação dos seguintes documentos: 1º - Attestado de vaccinação do candidato, e de não soffrer moléstia infecto-contagiosa; 2º - Certidão de edade; 3º - Boletim de promoção ou attestado do professor ou director do estabelecimento que freqüentava, quando não se tratar de alumnoa matricular-se pela primeira vez. § Único – Permitir-se-á a matrícula de alumnos não vaccinados, desde que os seus responsáveis lhes dêem permissão para serem vaccinados pelos médicos escolares.” (Decreto nº 873 de 21 de Dezembro de 1917). Sendo assim, constatamos que a preocupação com a higiene nos grupos escolares era um dos aspectos cuidadosamente observados pelos dos dirigentes educacionais, principalmente quando neles abrigavam escolas noturnas. Segundo alguns professores e diretores de grupos escolares a permanência de cadeiras para adultos (aulas noturnas) causavam uma série de inconveniências, sendo uma delas o fato de utilizarem os mesmos sanitários que as crianças. Sobre a educação, várias reformas foram feitas no âmbito federal e estadual em favor da saúde. Em 1925 foi criado o Departamento Nacional da Educação e Saúde Pública que mais tarde daria origem ao Ministério da Educação e da Saúde. Entre as principais reformas efetivadas entre os anos de 1910 e 1920 por este departamento, podemos citar algumas de intelectuais que contribuíram para sua elaboração: Sampaio Dória, Anísio Teixeira, Francisco Campos e Fernando de Azevedo, estes eram os maiores nomes da educação nacional (RODRIGUES, 1997, p.71). Os cuidados relativos à higiene era de tal relevância que a Secretaria de Higiene Pública do Estado da Paraíba determinou inspeções médicas (inspetores de saúde) nos colégios e demais instituições de ensino da cidade para verificar a existência de moléstias nas crianças que deveriam ser submetidas à vacinações periódicas bem como para inspecionar as instalações físicas e estruturais dos prédios escolares. Os médicos escolares eram obrigados a visitar e receitar as crianças enfermas em suas casas e quando este aluno não tinha condições de prover seu próprio tratamento. Os medicamentos eram comprados e enviados, gratuitamente pelo Estado ou através das caixas escolares. Além dessa preocupação com a inspeção sanitária, o Dr. Flávio Marója, higienista renomado na capital paraibana, era convidado para realizar palestras e conferências sobre higiene e profilaxia nas escolas noturnas, cadeiras isoladas, escolas municipais e grupos escolares. O Grupo Escolar Modelo (anexo à Escola Normal) e o Grupo Escolar Epitácio Pessôa também foram palco para as conferências sobre educação sanitária. Como já dito anteriormente, acreditavam os gestores públicos que a escola seria um meio de diminuir o contágio de doenças e esclarecer a sociedade, através da instrução. As doenças mais combatidas eram a sífilis, o “poludismo”, as verminoses e outras enfermidades que atacavam tanto a população rural quanto a urbana. Para combater o mal, o Dr. Guedes Pereira, incumbiu ao Dr. Flávio Maroja para promover campanha de divulgação iniciando assim um serviço intensivo e sistemático de combate a essas doenças. A regulamentação do serviço de higiene escolar mereceu especial cuidado da comissão encarregada de reformar a instrução pública, uma vez que, faria parte das obrigações do corpo de médicos escolares a vigilância higiênica das escolas e do seu material, para combater as moléstias transmissíveis e evitáveis. Além disso, caberia aos médicos realizarem as inspeções médicas dos alunos e do pessoal docente, enviando a Direção Sanitária do Estado às informações a partir das vistorias realizadas. Segundo a Reforma Camillo de Hollada, o Estado mandaria as receitas passadas pelos médicos escolares aos alunos das escolas públicas que fossem reconhecidamente pobres, e, para completar o serviço de inspeção sanitária, o regulamento sugeria também a criação de colônias de férias, que seriam estabelecidas onde e quando o governo acha-se conveniente. Conforme resultados obtidos durante a realização das inspeções médicoescolar, aconselhava-se “segregar” os indivíduos reconhecidamente infectados. E como complemento á assistência médica nas escolas, o Dr. Alcides Bezerra, Diretor Geral da Instrução Pública do Estado, em 1921, encaminhou proposta para o governador Solon de Lucena, para que se criasse no Estado o Serviço Dentário, considerado de suma importância, bem como, a contratação de médicos especialistas nas moléstias da visão. De modo que, se sugeriu ao governo, a contratação dos especialistas doutores Velloso Borges e Seixas Maia, considerados médicos atuantes e preocupados com manutenção da saúde pública na Paraíba. Referências bibliográficas: CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Reformas da Instrução Pública. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira, et al. 500 anos de Educação no Brasil, Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000. PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira. Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba. Campinas, SP: Autores Associados, São Paulo: Universidade. São Francisco, 2002 (Coleção educação contemporânea). ROCHA, Heloísa Helena Pinheiro, Educação escolar e higienização da infância. In: Cadernos CEDES. v.23 n.59 Campinas abr. 2003. RODRIGUES,--------------------------------------------------------------------------1997 STUCKERT Filho, Gilberto. PARAHYBA: Capital em fotos. João Pessoa. F&A, 2004. FONTES: Jornal A UNIÃO, ano XXIV, Parahyba, 1916; Jornal A UNIÃO, ano XXV, Parahyba, 1917; Jornal A UNIÃO, ano XXVII, Parahyba, 1919; Jornal A UNIÃO, ano XXVIII, Parahyba, 1920; Jornal A UNIÃO, ano XXIX, Parahyba, 1921; Jornal A UNIÃO, ano XXX, Parahyba, 1922; Jornal A UNIÃO, ano XXXII, Parahyba 1924; Jornal A UNIÃO, ano XXXIII, Parahyba 1925; Jornal A UNIÃO, ano XXXIV, Parahyba 1926; Jornal A UNIÃO, ano XXXV, Parahyba 1927; Jornal A UNIÃO, ano XXXVI, Parahyba 1928 Reforma da Instrução Pública - Camillo de Hollanda – publicada em 1917.