ID: 54641776 02-07-2014 Triunfo e morte da ética João Paulo Dias / Arquivo Económico O Ministério da Saúde decidiu elaborar um Código de Ética para os profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O aspecto desde logo mais contestado desse código é a obrigação de sigilo em relação à situação João Cardoso interna das instituições de saúRosas de. Este ponto foi, entretanto, Professor objecto de uma nova redacção. universitário Mas a contestação mantém-se, nomeadamente por parte da Ordem dos Médicos. Esta história é exemplar sobre o papel dos códigos e exigências éticas, tanto no sector privado como no Estado. Temos assistido, em Portugal e não só, a uma tendência crescente de adopção de normativos éticos, independentes mas complementares face aos procedimentos disciplinares, no seio de organizações como hospitais, escolas, universidades, etc. À partida, a ideia é boa. A ética destas organizações e serviços surge como complemento face às éticas e deontologias profissionais que desde há muito têm servido para melhorar o profissionalismo e o espírito de corpo em vários sectores de actividade. A adopção de procedimentos éticos nas próprias organizações parece desejável em si mesma e poderia torná-las também mais eficientes. No entanto, o resultado prático da ideia tem sido muito diferente do esperado. Na prática, a adopção de procedimentos éticos nas organizações tem constituído apenas uma forma de incrementar o controlo dos profissionais por parte dos órgãos de gestão ou das estruturas hierárquicas. A actuação da Ordem dos Médicos, contra o Código de Ética, é a única verdadeiramente ética. Tiragem: 17456 Pág: 18 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 14,25 x 26,56 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 2 O problema é este: existe uma assimetria de base na invocação de princípios éticos. Ou seja, eles são invocados para censurar os profissionais que tornam pública a sua discordância face aos órgãos de gestão, mas não são nunca invocados para classificar a actuação dos próprios dirigentes. É como se estes estivessem acima da ética podendo, ao mesmo tempo, usar argumentos “éticos” para criticar a actuação dos profissionais que deles dependem sempre que estes entendem criticá-los. A polémica criada entre o ministério da saúde e a Ordem dos Médicos é, por isso, exemplar. O Código de Ética que o Ministério quer impor visa silenciar os profissionais e tornar mais opaco o SNS. Neste caso, a actuação da Ordem dos Médicos, contra o Código de Ética, é a única verdadeiramente ética. Se existe algum princípio que caracteriza a ética em geral, independentemente da escola de pensamento que a interpreta, esse princípio é o da imparcialidade. Códigos e procedimentos éticos têm de ser imparciais em relação aos envolvidos, sem o que deixam de ter natureza propriamente ética para passarem a constituir apenas a defesa dos interesses de alguns em contraposição com os de outros. Neste caso, aquilo que parece ser o triunfo da ética nas organizações corresponde, em termos práticos, à sua morte. ■ O Código de Ética que o Ministério da Saúde quer impor visa silenciar os profissionais e tornar mais opaco o Serviço Nacional de Saúde. ID: 54641776 02-07-2014 Tiragem: 17456 Pág: 3 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 8,15 x 2,18 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 2 de 2 João Cardoso Rosas O Código de Ética que o Ministério quer impor visa silenciar os profissionais e tornar mais opaco o SNS. Neste caso, a actuação da Ordem dos Médicos, contra o Código de Ética, é a única verdadeiramente ética. ➥ P18