Revista Educação Agrícola Superior Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior - ABEAS - v.29, n.2, p.64-67, 2014. ISSN - 0101-756X - DOI: http://dx.doi.org/10.12722/0101-756X.v29n02a02 AVALIAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA E POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE FRAUDES EM AMOSTRAS DE LEITE COMERCIALIZADAS INFORMALMENTE EM ENCANTO-RN Nailton José Neto1, Emanuel N. A. de Oliveira2, Dyego da C. Santos2, Yvana M. G. dos Santos3 & Ana P. T. Rocha4 RESUMO Objetivou-se com a pesquisa avaliar a qualidade físico-química e a possível ocorrência de fraudes em amostras de leite comercializadas informalmente na cidade de Encanto-RN. Foram coletadas 4 amostras de leite em diferentes pontos da cidade. As amostras foram submetidas às análises físico-químicas quanto aos parâmetros de extrato seco total, cinzas, acidez, pH e proteínas e às determinações de fraudes: amido, peróxido de hidrogênio, estabilidade ao etanol, estabilidade ao alizarol e densidade a 15 ºC. Todas as amostras mostraram-se ausentes de algum tipo de substância adulterante no leite estudado. Apenas 50% das amostras apresentaram valores de densidade dentro dos limites permitidos pela legislação. Quanto aos parâmetros físico-químicos, estavam em desacordo com os limites estabelecidos pela legislação brasileira. Sugere-se uma maior e mais rigorosa fiscalização por meio dos órgãos públicos para que o consumidor tenha a garantia de um produto inócuo. PALAVRAS-CHAVE: leite informal, controle de qualidade, adulteração PHYSICO-CHEMICAL EVALUATION AND POSSIBLE OCCURRENCE OF FRAUD IN MILK SAMPLES MARKETED INFORMALLY IN ENCANTO-RN ABSTRACT The objective of the research was to evaluate the physical and chemical quality and the possible occurrence of fraud in milk samples marketed informally in the town of Encanto-RN. Four samples of milk were collected at different points of the city. The samples were subjected to physicochemical analysis for the parameters of total solids, ash, acidity, pH and protein and determinations of fraud: starch, hydrogen peroxide, ethanol stability, stability alizarol and density at 15 ° C. All samples were shown to be absent from some sort of contaminant substance in milk studied. Only 50% of the samples had values of density within the limits allowed by law. For physico-chemical parameters, were at odds with the limits established by Brazilian legislation. Due to extensive marketing of refrigerated raw milk, suggests a greater and more rigorous enforcement by public bodies to ensure that the consumer is guaranteed a harmless product. KEY WORDS: informal milk, quality control, tampering Técnico em Alimentos, IFRN. E-mail: [email protected] Doutorando em Engenharia Agrícola, UFCG. E-mail: [email protected]; [email protected] 3 Graduada em Agroindústria, UFPB. E-mail: [email protected] 4 Dra. Prof. Dep. Engenharia de Alimentos, UFCG. E-mail: [email protected] 1 2 Avaliação físico-química e possível ocorrência de fraudes em amostras de leite comercializadas... INTRODUÇÃO A qualidade do leite nos últimos anos vem sendo assunto de grande importância para todos que compõem a cadeia produtiva do leite, no sentido de buscar alternativas que contribuam para melhorias em termos de produtividade e qualidade deste produto, uma vez que o mercado consumidor encontra-se cada dia mais exigente (SILVA et al., 2008). As maiores preocupações quanto à qualidade físicoquímica do leite estão associadas ao estado de conservação, à eficiência do seu tratamento térmico e integridade físicoquímica, principalmente aquela relacionada à adição ou remoção de substâncias químicas próprias ou estranhas à sua composição (POLEGATO & RUDGE, 2003) em muitos casos classificados como fraudes. Diante do exposto o objetivo da pesquisa foi avaliar a qualidade físico-química e a possível ocorrência de fraudes em amostras de leite comercializadas informalmente na cidade de Encanto-RN. MATERIAL E MÉTODOS Entre os meses de setembro e outubro de 2013 foram coletadas 4 amostras de leite com aproximadamente 500 mL em diferentes pontos de comercialização do município de Encanto-RN. Em seguida, as amostras foram acondicionadas em recipientes estéreis de plástico e foram transportadas, em temperatura ambiente, até o Laboratório de Físico-Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) - Campus Pau dos Ferros, localizado na cidade de Pau dos Ferros-RN, que fica a aproximadamente 12 km do local da coleta das amostras, onde foram realizadas análises físico-químicas e pesquisa de fraudes das amostras. As análises físico-químicas e/ou pesquisa de fraudes foram realizadas em triplicata quanto aos parâmetros: extrato seco, cinzas, acidez em acido lático, pH, densidade a 15ºC, estabilidade ao etanol, presença de amido e presença de peróxido de hidrogênio segundo Instituto Adolfo Lutz (2008), proteínas de acordo com a metodologia descrita pela AOAC (2010) e estabilidade ao alizarol (QUEIJOS DO BRASIL, 2013). RESULTADOS E DISCUSSÃO Apresentam-se na Tabela 1 os resultados das análises físico-químicas de amostras de leites in natura comercializados 65 informalmente na cidade de Encanto-RN. Verifica-se que as amostras apresentaram valores de extrato seco variando entre 10,37 e 13,73%. Pancotto (2011), ao analisar leites produzidos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, obteve valores de extrato seco total, através do método de Ackermann, variando entre 11,12 a 11,34%. Os maiores valores de cinzas foram observados na amostra B (0,68%) e os menores na amostra A (0,57%). No que se refere à análise de teor de acidez em ácido lático, os resultados obtidos variaram de 0,22 a 0,23%, estando todas as amostras estudadas fora dos limites estabelecidos pela legislação (BRASIL, 2011), que determina valores de acidez em ácido lático de 0,14% a 0,18% em leites in natura. Freitas Filho et al. (2011), ao analisar leites comercializados informalmente na cidade de Calçado – PE, observou que todas as amostras estavam fora dos valores estabelecidos pela legislação quanto ao parâmetro acidez. Algum microrganismo fermentador poderia estar presente nesses leites, alterando a sua acidez. Os valores de pH apresentaram variação entre 6,45 a 6,63, estando próximos a neutralidade. Freitas Filho et al. (2009), ao analisarem leites in natura comercializados informalmente no município de Garanhuns – PE, obtiveram valores de pH variando de 6,43 a 6,82. Já Freitas Filho et al. (2011), ao analisarem leites in natura comercializados informalmente na cidade de Calçado – PE, obtiveram valores de pH variando de 6,10 a 6,71. Os valores de pH podem ter contribuído para a elevação da acidez, uma vez que não foi aplicado nenhum tratamento térmico ao leite. Entre as características físico-químicas do leite, relatadas na literatura, as alterações que ocorrem em relação ao pH, são as mais pronunciadas, principalmente em relação à qualidade microbiológica do leite (FONSECA & SANTOS, 2000). Observou-se que as amostras apresentaram valores de proteínas variando entre 3,88 e 4,61%, estando todas as amostras analisadas dentro dos padrões exigidos pela legislação (Brasil, 2011), que estabelece valor mínimo de proteínas para leite in natura de 2,90%. Chenette & Frahm (1981) não verificaram diferença significativa para o teor de proteína em leite de vacas provenientes de diferentes cruzamentos (bi-cross). Cruz et al. (1997) não verificaram diferença para teor de proteína em leite de vacas Nelore e Canchim. Observam-se na Tabela 2 os resultados das análises de pesquisas de fraudes em amostras de leites in natura comercializados informalmente na cidade de Encanto-RN. No que se refere à análise de determinação de presença de amido, Tabela 1. Caracterização físico-química de leites in natura comercializados informalmente na cidade de Encanto-RN Amostras A B C D Legislação2 Média Geral F.cal Extrato seco (%) 10,37a 0,14 13,73a 0,30 11,81c 0,25 12,52b 0,02 12,11 5,58** Cinzas (%) 0,57b 0,01 0,68a 0,02 0,62ab 0,03 0,58b 0,01 0,61 6,14** Acidez 1 (%) 0,22a 0,01 0,23a 0,01 0,22a 0,01 0,23a 0,01 0,14 a 0,18 0,23 0,20ns pH 6,52b 0,00 6,51b 0,00 6,63a 0,00 6,45c 0,00 6,53 5,26** Proteínas (%) 4,15b 0,42 3,88d 0,29 4,61a 0,48 4,04c 0,14 Mínimo 2,90 4,16 10,34** Acidez em ácido lático; 2Instrução Normativa nº 62 de 29 de dezembro de 2011 do ministério da agricultura (BRASIL, 2011). F cal. – F calculado. ns Não significativo. **Significativo ao nível de 1% de probabilidade (p < 0,01). Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente entre si. Foi aplicado o Teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade. 1 Revista Educação Agrícola Superior - v.29, n.2, p.64-67, 2014. Mês efetivo de circulação deste número: Outubro/2014. 66 Nailton José Neto et al. Tabela 2. Resultados das análises de pesquisa de fraudes em amostras de leites in natura comercializados informalmente na cidade de Encanto-RN Amostras Amido A B C D Legislação1 Média geral F.cal Ausente Ausente Ausente Ausente - Peróxido de hidrogênio Ausente Ausente Ausente Ausente - Estabilidade ao etanol Estável Estável Estável Instável - Estabilidade ao Alizarol Instável Instável Instável Instável Estável - Densidade a 15 ºC (g/mL) 1,030 0,002 1,025 0,001 1,021 0,001 1,028 0,001 1,028 a 1,034 1,026 6,33** Instrução Normativa nº 62 de 29 de dezembro de 2011 do ministério da agricultura (BRASIL, 2011). F cal. – F calculado. **Significativo ao nível de 1% de probabilidade (p < 0,01). Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente entre si. Foi aplicado o Teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade. 1 todas as amostras apresentaram ausência desse adulterante. Agnese et al. (2002), ao analisarem leites crus comercializados informalmente na cidade se Seropédica-RJ, também não observaram presença de amido em sua pesquisa. Ferreira et al. (2003) ao avaliarem as condições sanitárias e físico-químicas do leite informal consumido em Sobral-CE, testando o produto quanto à presença de amido, cloro e hipoclorito, também relatam ausência de amido em seus estudos. O amido serve para engrossar o leite, disfarçando o aspecto de “fluído”. No que diz respeito às análises de presença de peróxido de hidrogênio nas amostras de leite, os resultados demonstraram ausência desse adulterante. Fachinelli (2010), ao analisar a qualidade do leite através de análises físico-químicas e microbiológicas também obteve resultados negativos para o teste da presença de peróxido de hidrogênio. O peróxido de hidrogênio atua no leite como um antibacteriano. Sua presença confere o prolongamento da vida útil do leite. Quanto à estabilidade ao etanol, verifica-se que 25% das amostras apresentaram-se instáveis a essa substância. Marques at al. (2007) ao estudarem a estabilidade ao etanol de leites provenientes da região Sul do Rio Grande do Sul verificaram que 58% das amostras analisadas apresentaram-se fora dos padrões. A análise de estabilidade ao etanol serve para atestar a estabilidade térmica do leite, constatando sua aptidão para sofrer posteriores tratamentos térmicos como a pasteurização e o UHT. No que se refere às análises de estabilidade ao alizarol, todas as amostras se apresentaram instáveis, estando fora do recomendado pela legislação (BRASIL, 2011) que estabelece que o leite deve estar instável. O alizarol é um indicador da estabilidade térmica do leite e também é indicador de acidez no leite. No tocante da análise de densidade, constatou-se que apenas as amostras A e D apresentaram-se dentro dos limites estabelecidos pela legislação (BRASIL, 2011), que estabelece um valor mínimo de densidade de 1,028 e um valor máximo de 1,034. As amostras B e C mostraram-se fora dos limites previstos pela legislação (BRASIL, 2011), apresentando valores de 1,025 g/mL e 1,021 g/mL, respectivamente. Como o valor de densidade das amostras B e C mostraram-se abaixo do permitido, supõe-se que esses leites podem ter sido adulterados com água ao mostrar a densidade próxima de 1, que é a densidade da água. Mendes et al. (2010), ao analisarem leites informais comercializados no município de MossoróRN, obtiveram valores de densidade variando de 1,028 g/mL a 1,031 g/mL. CONCLUSÕES Todas as amostras analisadas mostraram-se em desacordo com os parâmetros físico-químicos estabelecidos pela legislação brasileira. Todas as amostras mostraram-se ausentes de substâncias que caracterizam algum tipo de fraude, todavia a análise de densidade evidenciou que duas amostras, B e C, podem ter sido adicionadas de água, uma vez que apresentaram valores abaixo da faixa recomendada. Sugere-se uma maior e mais rigorosa fiscalização por meio dos órgãos públicos para que o consumidor tenha a garantia de um produto de qualidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGNESE, A.P.; NASCIMENTO, A.M.D.; VEIGA, F.H.A.; PEREIRA, B.M.; OLIVEIRA, V.M. Avaliação físicoquímica do leite cru comercializado informalmente no município de Seropédica – RJ. Revista Higiene Alimentar, v.16, n.94, p.58-61, 2002. 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