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Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2012.
Ref.: Indicação 094/2011, sobre Projeto de Lei Complementar n°
116/2007 de autoria da Deputada Elcione Barbalho que "Desonera do
Imposto sobre a Propriedade Urbana - IPTU, os imóveis públicos
(terrenos de marinha e acrescidos), ainda que ocupados ou possuídos
por particulares.".
I - Considerações iniciais
Trata-se de projeto de Lei proposto pela Deputada Elcione
Barbalho objetivando a isenção do IPTUdos imóveis públicos, ainda que
ocupados ou possuídos por particulares, sob a justificativa de que os
ocupantes de terrenos de marinha, aí incluídos seus aterros, são
duplamente onerados com o pagamento do IPTU, pois já têm o ônus da
ocupação precária. Por não ter a propriedade da terra, têm de pagar o
foro anual de 0,6% do valor do preço de mercado.
Impende ressaltar que com relação ao IPTU, tendo em vista
a pluralidade de fatos geradores e de contribuintes, existe um problema
prático de grande relevância. É que imóveis do domínio da União podem
estar em poder de terceiros, como "titulares de domínio útil" ou como
"possuidores a qualquer título".
Embora o art. 146, Ill, a, da Constituição vigente determine
caber à lei complementar a definição dos fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes dos impostos nela discriminados, é de se
indagar se as definições constantes dos artigos 32 e 24 do Código
Tributário Nacional foram recepcionadas pelo atual ordenamento
constitucional, tendo em vista terem sido promulgadas ainda na
vigência da Emenda Constitucional n° 18, de 1965.
Ao definir como fato gerador do IPTU a "propriedade", o
"domínio útil" ou a "'posse" de bem imóvel por natureza ou acessão
fisica, e como contribuintes o "proprietário do imóvel", o "titular de seu
domínio útil" e "seu possuidor a qualquer título" (art. 32 e 34), o CTN
produziu
certa confusão
na doutrina,
mas a jurisprudência,
gradativamente, fixou alguns pontos importantes.
Embora o CTN adote como contribuinte o "possuidor a
qualquer título", a jurisprudência predominante recusa reconhecer a
sujeição passiva relativamente aos inquilinos e aos comodatários de
imóveis, sob a alegação de não exercerem eles posse com animus
domini.
Além disso, passou-se a discutir fenômenos como "posse
direta" e "posse indireta", "posse desdobrada" e "posse exclusiva",
"possuidor por direito real" e "possuidor por direito pessoal". Vale dizer:
a jurisprudência rechaça o possuidor a qualquer título, pois examina o
título do possuidor, para verificar se ele pode ser contribuinte do IPTU.
Os promitentes compradores, quando possuidores do imóvel, são
reconhecidos como contribuintes.
o
STJ I. também proclama que a jurisprudência
daquela
Corte é pacífica no sentido de que o contribuinte do IPrU é o
proprietário do imóvel ou o possuidor por direito real, que exerce a
posse com animus domini.
Deste entendimento, conclui-se que se tratando de posse
fundada em relação de direito pessoal, exercida, portanto, sem animus
domini, mostra-se descabida a cobrança do imposto.
A autora do projeto aponta contradição no posicionamento
do STJ, cuja jurisprudência
exige posse animús domini para a
caracterização do possuidor como contribuinte, enquanto aceita o
enfiteuta de terreno da marinha como contribuinte, não obstante a
precariedade da posse do enfiteuta de terreno de marinha.
1 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça.
MANDADODE SEGURANÇA.COBRANÇADE IPfU E
TLP - IMÓVELPERTENCENTEÃ UNIÃO- CONTRATODE CESSÃO DE USO - ANIMUS DOMINI
- AUSÊNCIA- RELAÇÃODE DIREITOPESSOAL - IMUNIDADETRIBUTÁRIA- FATOGERADOR
DA TLP - ISENÇÃO- LEI DISTRITALN. 6.945/81 E 4.022/2007. 1. Somente é contribuinte do
IPTU o proprietário do imóvel ou o possuidor por direito real, que exerce a posse com animus
domínio 2. No contrato de concessão de uso de bem imóvel, a relação entre o ceesionário e o bem
é de direito pessoal, razão pela qual, o cessionário não pode ser contribuinte do IPTU. 3. A
União goza de imunidade tributária para cobrança de impostos (art. 150, IV, "a", da
Constituição Federal.) 4. A União está isenta do pagamento da TLP (art. 8° da Lei Distrital n.
694/81 com alteração da Lei Distrital n. 4.022/2007. 5. Recurso não provido. (fis. 351).
Acórdão em AgRg no Agravo em Recurso Especial n° 152.437-DF. Relator: Ministro Cesar Asfor
Rocha. DJ
No mesmo sentido, o Projeto de Lei Complementar n" 222,
de 2004, determinava a inclusão ao art. 32 do CTN de parágrafo com a
seguinte redação: "No que se refere aos terrenos da marinha, o fato
gerador do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
(IPTU)não abrange os casos de posse e de domínio útil".
II - Do parecer
Projetos de lei com esse conteúdo enfrentam grandes
dificuldades na Comissão de Finanças e Tributação, onde os relatores
são advertidos dos problemas financeiros que ocorreriam aos
Municípios que mantêm a infraestrutura
de serviços urbanos,
relativamente a imóveis que ocupam terreno de marinha.
Assim, argumentos
de natureza
financeira
acabam
prevalecendo no sentido de não aprovação do projeto. Além disso, a não
tributação dos ocupantes desses terrenos revelar-se-ia como um
privilégio inaceitável.
Por esse motivo, o Projeto de Lei Complementar n° 222, de
2004, acabou sendo arquivado, e no caso do Projeto de Lei
Complementar n° 116, de 2007, o relato r divulgou seu voto pela rejeição
da proposição.
Acontece que o Código Tributário Nacional definiu como
fato gerador do IPTU "a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem
imóvel por natureza ou por acessão fisica (art. 32) e como contribuinte
"o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o se possuidor
a qualquer título (art. 34)"".
As definições estabelecidas pelo Código Tributário Nacional
têm permitido o surgimento de polêmicas sobre a exigibilidade do IPTU
sobre outras pessoas que o proprietário do imóvel.
A interpretação
favorável aos Municípios encontra-se
alicerçada no próprio texto da Constituição Federal, que a propósito da
imunidade recíproca entre os entes federados, dispõe no § 3° do art.
150 que:
§3° - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior
não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços,
relacionados com exploração de atividades econômicas
regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos
privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de
preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente
comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao
bem imóvel.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal vem rechaçando as
tentativas municipais de tributar os titulares do domínio útil e os
possuidores dos bens da União, com argumentos que ensejam melhores
reflexões.
Inclusive, a questão teve repercussão geral reconhecida
junto ao STF2 diante da relevância do tema do ponto de vista jurídico,
uma vez que a definição sobre o alcance da imunidade tributária, em
relação aos imóveis que, embora pertencentes aos entes públicos, são
utilizados por concessionários ou permissionários para a exploração de
atividades econômicas com fins lucrativos, o que norteará o julgamento
de inúmeros
processos similares que tramitam
nos tribunais
brasileiros.
o
que pode ocorrer com relação aos particulares que
integrarem a relação jurídico-tributária na qualidade de contribuintes
do IPfU.
o STF entendeu,
ainda, que a discussão também apresenta
repercussão econômica, porquanto a solução da questão em exame
poderá ensejar relevante impacto financeiro no orçamento dos diversos
municípios que se encontram em situação semelhante a esta.
o
Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência que não
se harmoniza com a do Supremo Tribunal Federal, aceitando a
tributação sobre o titular do domínio útil, mesmo quando a proprietária
é a União.
A questão da incidência do IPfU sobre os "terrenos de
marinha" tem sido alvo de grandes polêmicas e os grupos de pressão
têm realizado diversos movimentos contrários a essa tributação.
Verifica-se, portanto, que a questão jurídica tem profundos
desdobramentos políticos e financeiros, pois alguns municípios mantêm
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE
RECÍPROCA. IPTU. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE ENTE PÚBLICO. CONCESSÃO DE USO.
EMPRESA PRIVADA EXPLORADORADE ATIVIDADEECONÔMICA COM FINS LUCRATIVOS.
CONTRIBUINTE DO IMPOSTO. QUALIFICAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional
suscitada, vencido o Ministro Ayres Britto. Não se manifestaram os Ministros Cezar Peluso,
Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 601.720. Rio
de Janeiro. Município do Rio de Janeiro e Barrafor Veículos Ltda. Relator: Ministro Ricardo
Lewandowski.
2
infraestrutura urbana em regiões dominadas por "terrenos de marinha"
3 e não podem deixar de cobrar o imposto.
E isso porque os terrenos da marinha pertencem à União
por expresso mandamento constitucional (art. 20, VII, CF),justificandose o domínio federal em virtude da necessidade de defesa e de
segurança nacional.
Entretanto, algumas áreas dos terrenos de marinha se
tornaram urbanas ou urbanizáveis por aquiescência do Governo
Federal, passando a ser permitido o uso privado. Com relação às
construções e edificações particulares, incídem regularmente as normas
próprias editadas pelos Estados e pelos Municípios, estes, inclusive,
dotados de competência urbanística local por preceito expresso na
Constituição (art. 30, VII).
Como essas áreas pertencem à União, o uso por
particulares é admitido pelo regime da enfíteuse+, pelo qual, a União, na
qualidade de senhorio direto, transfere o domínio útil ao particular,
enfíteuta, tendo este a obrigação de pagar anualmente importância a
título de foro ou pensão e de pagar também, no momento de
transferência onerosa do domínio útil ou cessão de direitos por ato inier
vivos, o laudêmio, quando o senhorio não exercer a preferência.
Embora excluído o instituto da enfiteuse do novo Código
Civil, foi feita a ressalva do instituto em relação aos terrenos de
marinha, em ordem em que essa matéria seja suscetível de regulação
por lei especial. (art. 2.038, § 2°).
Ademais, o ocupante de terrenos de marinha desfruta de
toda a infraestrutura de serviços e obras oferecidos pelos municípios e
não teria cabimento que não pagasse o tributo municipal.
Terrenos da marinha são as áreas que, banhadas pelas ãguas do mar ou dos rios navegáveis,
em sua foz, se estendem à distância de 33 metros para a área terrestre, contados da linha do
preamar médio de 1831. (CARVALHOFILHO, José dos Santos. Manual de direito
administrativo. 2Sa• Edição. São Paulo: Atlas, 2012. p. 1190).
3
Enfiteuse era o desmembramento da propriedade, em que o proprietário (denominado senhorio
direto) conferia a alguém (o enfiteuta ou foreiro) o direito real consistente no domínio útil do
imóvel, mediante o pagamento de uma importância anual denominada de foro, cânon ou
pensão. Se o enfiteuta quisesse transferir o domínio útil a terceiro, deveria pagar ao senhorio
direto uma importância, denomínada laudêmio, que era fixada no percentuaj de 2,5% dO' valor
da alienação. A lei civil estabelecia que a enfiteuse poderia extinguir-se pelo resgate, figura pela
qual o enfiteuta passaria a ser o pleno proprietário do bem; nesse caso, deveria pagar ao
senhorio direto o valor de um laudêmio e dez foros anuais (art. 693, do Código revogado).
(CARVALHO
FILHO,José dos Santos. Manual de direito administrativo. 2sa. Edição. São Paulo:
Atlas, 2012. p. 847).
4
Dito isso, conclui-se que a proposta de isenção deve ser
rejeitada porque causaria "profundo impacto" sobre receitas municipais
e também porque primeiro há a necessidade do julgamento da
repercussão geral pelo STF.
Este é o parecer.
De qualquer forma, sugere-se a remessa do projeto para
análise da Comis - o de Direito Tributário.
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Acesse o parecer da Dra. Débora Batista Martins da Comissão