UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS – FADE CURSO DE DIREITO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA LEI MARIA DA PENHA: CONSTITUCIONALIDADE X INCONSTITUCIONALIDADE Carla Alves Souza Elisângela Costa Maia Joária Santos Araújo Governador Valadares/MG 2008 CARLA ALVES SOUZA ELISÂNGELA COSTA MAIA JOÁRIA SANTOS ARAÚJO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA LEI MARIA DA PENHA: CONSTITUCIONALIDADE X INCONSTITUCIONALIDADE Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade Vale Do Rio Doce – Univale, FadeFaculdade de Direito e de Ciências Econômicas . Orientador: Fabriny Neves Guimarães Governador Valadares/MG 2008 CARLA ALVES SOUZA ELISÂNGELA COSTA MAIA JOÁRIA SANTOS ARAÚJO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA LEI MARIA DA PENHA: CONSTITUCIONALIDADE X INCONSTITUCIONALIDADE Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce – Univale, FadeFaculdade de Direito, ciências administrativas e Econômicas. Governador Valadares, ___ de ____________ de _____. Banca Examinadora: __________________________________________ Prof: Dr. Fabriny Neves Guimarães - Orientador Universidade Vale do Rio Doce - Univale __________________________________________ Prof. Dr. Universidade Vale do Rio Doce - Univale Dedicamos a nossos pais pelo incentivo e apoio na realização desse trabalho e a Deus pela força nessa longa caminhada. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Deus em primeiro lugar, aos nossos pais que ao nosso lado superaram todos os árduos obstáculos para que chegássemos até aqui e a todos os professores que contribuíram para nosso crescimento intelectual e espiritual. Agradecemos especialmente aos professores: Dr. Fabriny, professor em Direito Penal desta ilustre faculdade, pelos ricos ensinamentos transmitidos em sala de aula e pela dedicação ao ensino e a Drª. Lissandra pela amizade, simplicidade, honestidade e sapiência em todas as fases de nosso trabalho. Por fim, agradecemos a todos que, de alguma forma, contribuíram para que este trabalho fosse possível. “Quando a violência começa com um tapa ou empurrão, ela tende a se agravar. Se as mulheres realmente tiverem o apoio que a lei prevê, com certeza o agressor será conscientizado. Assim, a estatística sobre mulheres assassinadas e violentadas vai diminuir. A lei por si só não vai resolver muita coisa. Tem que haver implementação de mais delegacias, casas abrigos e juizados para que a população sinta que existem mecanismos reais de combate à violência. Até existem essas instituições, mas a quantidade ainda é muito pequena em relação ao número de denúncias. A violência contra a mulher está relacionada à força física, ao machismo e à idéia que o homem é superior a mulher. Essa idéia está se desfazendo, e, com o trabalho desenvolvido pelas mulheres que militam contra a violência doméstica, tenho certeza que esse pensamento discriminatório vai acabar. Sentimos não merecedoras disso e realmente não merecemos esse tratamento brutal e medieval. A discussão entre um casal deve ser através do diálogo e não na base da porrada. A mulher agredida deve procurar instituições sociais, como os centros de referência, as entidades de mulheres organizadas e até a própria delegacia da mulher, que não é só local de denúncia, para se interar sobre seus direitos e também a respeito do que ela tem a seu favor no combate à violência com a nova lei. As vitórias e conquistas de nós mulheres sempre se dão através da luta dos movimentos sociais. A atuação dessas entidades é fundamental para organização e justiça sociais. Onde chego sempre ressalto que o movimento de mulheres não deixou de lutar. Temos agora um desafio muito maior, que é a efetiva implementação das políticas públicas previstas na lei. Nós precisamos continuar com nossa luta, para cada dia melhorar mais a situação da mulher, principalmente daquelas que vivem em regiões longínquas, onde o acesso à informação ainda é muito difícil, logo, onde ocorrem mais casos de violência doméstica”. Maria da Penha RESUMO Dentre todos os tipos de violência contra a mulher existentes no mundo aquela praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar, identificado como local acolhedor e de conforto passa a ser, nestes casos, um ambiente de perigo contínuo que resulta num estado de medo e ansiedade permanentes. Envolta no emaranhado de emoções e relações afetivas, a violência doméstica contra a mulher se mantém, até hoje, como uma sombra em nossa sociedade. A sanção presidencial à recém-batizada Lei Maria da Penha selou o destino de milhões de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. A partir da tragédia pessoal de uma cidadã brasileira, vítima de agressões que deixaram marcas permanentes na alma e no corpo, o país enfim vê nascer no ordenamento jurídico nacional a sua mais importante resposta à sociedade internacional sobre os compromissos firmados por tratados e convenções há mais de dez anos para o combate à violência doméstica contra a mulher. E foram muitas as mudanças: inovações no processo judicial, nos papéis das autoridades policiais e do Ministério Público, alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Trata-se de um verdadeiro estatuto no combate à violência doméstica e familiar. A violência doméstica é sem sombras de dúvidas uma das mais, senão a mais, cruel e desumana forma de violência contra a mulher, pois, é no ambiente “aconchegante do lar” que a agredida tem que literalmente após sessões de espancamento e humilhações dormir com o inimigo, ficando à mercê das violência externas e internas, que, quando não matam, causam feridas interna das que na maioria das vezes jamais são cicatrizadas. Prevenir e combater a violência contra as mulheres é tarefa das mais complexas e exige como política pública a articulação de diferentes serviços em uma rede integrada de atenção à mulher que vive em situação de violência. Palavras-Chaves: preconceito, discriminação, intolerância, violência, direitos da mulher ABSTRACT Among all types of violence against women in the world that practised in the family environment is one of the most cruel and perverse. The home, identified as a cozy place of comfort and becomes, in these cases, an environment of continuous danger that results in a state of permanent fear and anxiety. Surrounded in the tangle of emotions and emotional relationships, domestic violence against women remains, even today, as a shadow in our society. The presidential sanction to the newly baptized Law Maria da Penha sealed the fate of millions of women victims of domestic violence and family in Brazil. From the personal tragedy of a Brazilian citizen, victim of attacks that left permanent marks on the body and soul, the country finally sees rise in national law the most important response to the international society on the commitments entered into by treaties and conventions are no more for ten years to combat domestic violence against women. And many changes: innovations in the judicial process in the roles of the police and prosecutors, changes in the Penal Code, the Code of Criminal Procedure and the Law of Criminal executions. This is a real status in combating domestic violence and family. Domestic violence is no shadow of doubt one of the most, if not more, cruel and inhuman form of violence against women, therefore, is the environment "of the cozy home" that has to literally attacked after sessions of beatings and humiliations to sleep with the enemy, leaving the mercer of external and internal violence, which, if not kill, cause wounds admitted that in most cases are never healed. Preventing and combating violence against women is the most complex task and requires public policy as the articulation of different services in an integrated network of attention to women living in situations of violence. Keywords: prejudice, discrimination, intolerance, violence, women's rights LISTA DE SIGLAS OEA - Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher PIB - Produto Interno Bruto CLADEM - Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres JECrim - Juizados Especiais Criminais MP - Ministério Público CNJ - Conselho Nacional de Justiça SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 12 2 O QUE É A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER................................................................................ 14 3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A MÍDIA............................................................................................... 16 4 UMA VIOLÊCIA QUE VAI ALÉM DAS CICATRIZES....................................................................... 17 5 DISCRIMINAÇÃO HISTÓRICA E PRECONCEITO .......................................................................... 18 6 VIOLÊNCIA DE GÊNERO ................................................................................................................. 20 7 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA X VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR............................................................ 23 8 LESÕES CORPORAIS AMEAÇAS E ASSASSINATOS.................................................................. 24 9 MULHER: ALVO PREFERIDO DAS VIOLÊNCIAS SEXUAIS ......................................................... 27 10 CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ............................................................................................. 29 11 DE PAI PARA FILHO: UM COSTUME DETESTÁVEL .................................................................. 31 12 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .................................... 33 13 CONDENAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL ........................................................................... 34 15 LEI MARIA DA PENHA: O GRITO FINALMENTE FOI OUVIDO .................................................. 36 16 LEI 11.340/06: UMA JUSTA HOMENAGEM .................................................................................. 37 17 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI MARIA DA PENHA.......................................................... 38 18 CÓDIGO CIVIL DE 2002: MUDANÇAS RELEVANTE ................................................................... 40 19 PRINCIPIO DA IGUALDADE: JUSTIFICATIVA PARA A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA?............................................................................................................................. 41 20 MULHERES E HOMENS: IGUALDADE COM TRATAMENTO DESIGUAL NO LIMITE DA DESIGUALDADE.................................................................................................................................. 42 21 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE .............................................................. 43 22 O CUSTO ECONÔMICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNDO........................................... 45 23 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ............................................................................... 46 24 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 48 25 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 49 12 1 INTRODUÇÃO Neste trabalho de conclusão de curso pretendemos discutir a leitura que está sendo feita acerca da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha) com base especialmente no princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres, no qual tem se baseado seus detratores para defender uma possível argüição de inconstitucionalidade da Lei. Traremos à luz em um primeiro momento todas as faces da violência doméstica, fazendo uma análise contextualizada sobre seu ponto de vista histórico, social, terminológico, legal, entre outras particularidades, destacando a importância da discussão desse assunto por parte da sociedade. Nosso objetivo central é o chamar a atenção para a grande responsabilidade e, sobretudo da grande oportunidade, que têm os profissionais do direito de repensar a intervenção do Estado e especificamente a intervenção penal nos conflitos interpessoais que envolvem afetividade. O tema em si possui vasto material de análise, isso se analisarmos a violência doméstica em um sentido latu sensu ou a Lei Maria da Penha em si, no entanto, o tema que propomos delimitar ainda carece de material doutrinário, não porque o assunto não gere interessante por parte de nossos ilustres doutrinadores, o fato é que a Lei ainda está engatilhando, questões polêmicas a seu respeito, como por exemplo a questão de sua constitucionalidade ou não, ganharam vida só recentemente. Após alguns equívocos de nossos magistrados baseados no pétreo e imaculado princípio da igualdade, muito foi debatido na mídia expressa e falada, tanto no meio leigo quanto acadêmico. Procuraremos identificar qual a percepção social sobre a discriminação feminina na sociedade e a tipificação da violência doméstica cometida contra as mulheres. A Lei Maria da Penha definitivamente caiu no gosto popular. Decisões polêmicas que afetam a sua efetividade ou que pregam sua inconstitucionalidade estão presentes em periódicos e revistas de grande circulação Nosso foco central será discutir a questão da constitucionalidade e inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha à luz do princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres. 13 Não nos prenderemos em nossa empreitada em busca da verdade com questões processuais da nova lei, visto que, nosso objetivo será delimitar ao máximo a defesa da constitucionalidade da lei à luz da Constituição Federal, procurando demonstrar que não obstante os ganhos que a comunidade feminina tem alcançado ao longo dos anos a mulher ainda continua a ser o “sexo frágil”, ao menos dentro dos lares, precisando ser defendida por leis projetivas que as resguarde de toda sorte de violência que lhes é cometida constantemente. Trabalharemos com todo empenho possível a fim de demonstrar a constitucionalidade dessa lei que veio para ficar e mudar o status da mulher vítima de violência doméstica: de injustiçada a vitoriosa. Far-se-á necessário antes de adentrarmos na seara do princípio da igualdade, base central dos que defendem a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, explicitar o que vem a ser a violência doméstica, sem nos olvidarmos do trágico panorama cultural e social que viveram as mulheres ao longo das ultimas décadas (e séculos). Resolveremos no desenvolver de nossa pesquisa a problemática que tem envolvido o tema: Fere a Lei Maria da Penha o princípio da igualdade entre homens e mulheres? De onde vem a violência contra a mulher? Por que muitas mulheres sofrem caladas? O que pode ser feito através da Lei Maria da Penha para mudar essa situação? Tem a violência doméstica uma dimensão social significativa? Um fenômeno relevante ou um desvio de comportamento? Quais formas e característica da violência doméstica segundo as diferenças do contexto sócio-econômico familiar? Tentaremos demonstrar aos operadores do Direito que compartilham da tese da inconstitucionalidade da lei 11.340/06 que revejam seus posicionamentos de forma a possibilitar o trâmite dos feitos abrangidos pelo mencionado diploma legal e, via de conseqüência, o acesso das vítimas ao seu complexo de medidas protetivas, cuja concretização, muitas vezes, significa a diferença entre a vida e a morte daquelas. A Lei Maria da Penha não teve seu nome escolhido aleatoriamente: trata-se de justa homenagem a uma mulher que sofreu absurdas agressões de seu marido em seu ambiente doméstico, na década de 1980, e não conseguiu a punição de seu marido pelas leis de então, devido à comunhão de ineficácia legislativa e morosidade judicial. 14 2 O QUE É A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Violência em seu significado mais freqüente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. Assim, a violência pode ser entendida como uma forma de restringir a liberdade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, reprimindo e ofendendo física ou moralmente. “a violência contra a mulher no âmbito doméstico tem sido documentada em todos os países e ambientes socioeconômicos, e as evidências existentes indicam que seu alcance é muito maior que se supunha”.1 Empregam-se diversos adjetivos, de acordo com os agentes que exercem a violência, diferenciando seus vários tipos: policial, institucional, social, econômica, política ou estatal, entre outros. Pode ser também adjetivada, conforme a população que ela atinge. Violência étnico-racial é aquela que discrimina e que fere direitos da população de determinado tipo ou região geográfica, cor, cultura, idioma, sotaque, maneira de vestir, e assim por diante. As manifestações racistas de um modo geral recaem sobre a população indígena e negra, mas incidem também sobre outros povos, como os latinos, os asiáticos e os africanos. Às vezes, o predicado da violência indica em qual espaço ela ocorre, como é o caso da expressão “violência escolar”, aquela que ocorre no âmbito da escola. Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), a violência contra a mulher é: 1 Organização Mundial da Saúde – OMS, em 1998 15 “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. “A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres...”.2 A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), “as conseqüências do abuso são profundas, indo além da saúde e da felicidade individual e afetando o bem-estar de comunidades inteiras.” “A nova linguagem dos Direitos Humanos estabelece parâmetros para as relações de gênero, redefine territórios de cidadania, reconfigura os conteúdos simbólicos de feminino e masculino porque evidencia as desigualdades e hierarquias nas relações entre homens e mulheres e nas relações de homens e mulheres, com instâncias da vida, como a violência, a sexualidade, a reprodução, o meio ambiente que, até então, não faziam parte dessa linguagem”.3 2 Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993 Pitanguy, Jacqueline. Gênero, cidadania e Direitos Humanos, p. 118. 16 3 VIOLENCIA DOMÉSTICA E A MÍDIA Quando se fala em violência contra as mulheres, percebemos que existe por parte do público a disposição de levantar questões procedentes ou não de travar o diálogo, de desenvolver o debate e elaborar reflexões; atitudes que são frutos do longo trabalho realizado nas últimas décadas de denunciar e transformar em relações democráticas os históricos conflitos entre mulheres e homens. A perspectiva da Lei Maria da Penha é erradicar a violência e, por isso, está em constante debate com o público. Faltam muitos subsídios, informações e espaços para que esse debate corra livremente pelas ruas, escolas, mídia, empresas, poder público, sindicatos, partidos políticos e instituições religiosas. Faltam, também, por parte de alguns setores decisivos, interesse e a confiança de que a transformação é possível. Trata-se de uma questão política: sensibilizar cada mulher e cada homem para que atuem na construção das tão propaladas igualdade, justiça social, cidadania, democracia, autonomia, etc. A mídia fala todo dia de violência contra a mulher, ora referindo-se a ocorrências policiais, ora a ações do judiciário, freqüentemente de maneira escandalosa, bem ao gosto da opinião pública (Segundo especialistas, a análise do fato toma muito tempo, e a opinião pública não tolera assuntos mais profundos, sejam televisados, escritos ou falados). Há artigos sérios sobre o tema que se perdem no meio de publicações de fatos extremamente violentos que acontecem todos os dias nas cidades brasileiras. O drama da violência contra a mulher faz parte do cotidiano das cidades do país e do mundo. É pouco comovente porque é por demais banalizado, tratado como algo que faz parte da vida; tão natural que não se pode imaginar a vida sem sua existência. É um fenômeno antigo que foi silenciado ao longo da história, e passou a ser desvendado a menos de 20 anos. A mídia busca fatos novos, e quando se fala em violência contra a mulher, nada é novo. Não obstante, nesses últimos anos a violência contra a mulher tem sido apresentada de maneira mais constante, em forma de denúncia, com comentários de estudiosos e pesquisadores, mas ainda está coberta de tabus. Criaram-se os mitos das mulheres espancadas para justificar a paralisia da sociedade e dos poderes público frente à gravidade do problema. 17 4 UMA VIOLÊCIA QUE VAI ALÉM DAS CICATRIZES A violência contra a mulher carrega um estigma como se fosse um sinal no corpo e na alma da mulher. É como se alguém tivesse determinado que se nem todas as mulheres fossem espancadas ou estupradas ainda, poderão sê-lo qualquer dia desses. Muitas vezes o tema é tratado como se fosse um problema muito distante, e não fizesse parte das preocupações das pessoas do bem: um fruto das desigualdades econômicas, algo que ocorre com as pessoas pobres que moram longe e que vivem alcoolizadas e drogadas. Não há dúvida de que quando s e vive em condições precárias, tudo se torna mais difícil. Até mesmo a violência contra as mulheres. Mas a idéia de que são pobres ou alcoolizados que espancam as mulheres é relativamente falsa. Em qualquer classe social há violência contra a mulher. O fenômeno pode acontece com qualquer mulher, com qualquer casal. Há ainda a violência psicológica, pouco considerada pela mídia e menos ainda pelas autoridades públicas, quando tomam medidas políticas. Muitas mulheres temem fazer denúncias, muitos serviços públicos não registram corretamente os casos de violência contra as mulheres, mesmo assim, calcula-se que a violência contra as mulheres está presente em aproximadamente 15 milhões de lares brasileiros. As fases da situação de violência doméstica compõem um ciclo que pode se tornar vicioso, repetindo-se ao longo de meses ou anos. Primeiro, vem a fase da tensão, que vai se acumulando e se manifestando por meio de atritos, cheios de insultos e ameaças, muitas vezes recíprocos. Em seguida, vem a fase da agressão, com a descarga descontrolada de toda aquela tensão acumulada. O agressor atinge a vítima com empurrões, socos e pontapés, ou às vezes usa objetos, como garrafa, pau, ferro e outros. Depois, é a vez da fase da reconciliação, em que o agressor pede perdão e promete mudar de comportamento, ou finge que não houve nada, mas fica mais carinhoso, bonzinho, traz presentes, fazendo a mulher acreditar que aquilo não vai mais voltar a acontecer. É muito comum que esse ciclo se repita com cada vez maior violência e intervalo menor entre as fases. A experiência mostra que, ou esse ciclo se repete indefinidamente, ou, pior, muitas vezes termina em tragédia, com uma lesão grave ou até o assassinato da mulher. 18 5 DISCRIMINAÇÃO HISTÓRICA E PRECONCEITO Discriminação é o ato de distinguir ou restringir que tem como efeito a limitação ou eliminação do reconhecimento de direitos fundamentais no campo político, econômico, social, ou em qualquer outro domínio da vida. Discriminar é uma ação deliberada para excluir segmentos sociais do exercício de direitos humanos. É assegurar, pôr à margem, pôr de lado, isolar. Pode ser entendido também como desconsideração e desrespeito. A violência de gênero tem sua origem na discriminação histórica contra as mulheres, ou seja, num longo processo de construção e consolidação de medidas e ações explícitas e implícitas que visam a submissão da população feminina, que têm ocorrido durante o desenvolvimento da sociedade humana. A discriminação não deixa de ser um aspecto fundamental da violência. Significa o processo que sustenta e justifica os atos violentos. Por meio da força da fruta do éden, inicialmente forjou-se o controle masculino sobre as mulheres. Gradativamente foram introduzidos novos métodos e novas formas de dominação masculina: as leis, a cultura, a filosofia, a ciência, a política. Ao serem tratadas como propriedade dos homens as mulheres perderam, em diferentes níveis, a autonomia, a liberdade e o mais básico direito de controle sobre seu próprio corpo. As mulheres foram obrigadas a restringir sua vida às necessidades exclusivas da família. Rosseau, um dos ideólogos da Revolução Francesa (1789), considera a família a mais antiga forma de organização social, onde a ordem é dada pela própria natureza: idosos naturalmente têm precedência sobre jovens e homens têm naturalmente autoridade sobre as mulheres”. No Brasil até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, ainda estava escrito que o homem era o chefe da sociedade conjugal. Assim dizia o Código Civil de 1916: “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”.4 4 Código Civil de 1916, art. 233, Capítulo II 19 O pensamento dos antigos era de que as mulheres eram seres subordinados, justificando-se assim historicamente a discriminação e a violência contra as mulheres. Foram feitas ao longo da história tentativas para erradicar quaisquer vestígio da capacidade física, emocional e intelectual do segmento feminino, mesmo que para isso fosse preciso empregar o uso da violência e da farsa. Não foi um processo pacífico: muitas e muitas mulheres resistiram, repudiaram e se rebelaram à submissão e à subordinação aos homens. O patriarcado investiu de maneira contundente e ambígua, obrigando homens e mulheres a acreditarem na inferioridade feminina. O pensamento de Santo Ambrósio revela como se impôs o improcedimento: “Adão foi levado ao pecado por Eva, e não Eva por Adão. É justo e certo, então, que a mulher aceite como amo e senhor aquele que ela encaminhou para o pecado”.5 TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é a violência Contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002, p. 31 5 20 6 VIOLÊNCIA DE GÊNERO O termo gênero é bastante amplo, empregado com diferentes sentidos. Pode significar espécie, como quando falamos do gênero humano. Outras vezes é empregado com o sentido de tipo. Na gramática, gênero é uma categoria que permite flexionar palavras, agrupando-as conforme os sexos (masculino, feminino ou neutro, em algumas línguas). “A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes”.6 Muito se tem feito para mudar essa situação. Houve êxitos importantes. Desenvolveram-se por toda parte a luta pela igualdade de direitos, o reconhecimento da situação das mulheres e as proposituras de ações afirmativas que garantem oportunidades e condições iguais. São tratados, declarações internacionais, assinados praticamente em todos os países do mundo e que representam instrumentos de desenvolvimento e progresso para a sociedade. Mesmo com esses avanços, há desigualdades que continuam a se perpetuar: as mulheres conquistaram o direito ao voto graças ao movimento das sufragistas, no início do século XIX, mas ainda são pouco representadas nos espaços de poder político, seja no executivo, legislativo ou judiciário. As mulheres têm garantidos seu ingresso no sistema educacional, mas vivem em situação de desigualdade no trabalho, pois recebem salários mais baixos e enfrentam dificuldades maiores para galgar os postos de chefia. TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é a violência Contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002, p. 16 6 21 Enfim, a sociedade humana, na qual ainda prevalece a ideologia patriarcal (que estabelece a supremacia masculina) ainda impede o pleno desenvolvimento das mulheres, discriminando-as de diferentes maneiras. O conceito de violência de gênero deve ser entendido como uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Ele demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos e indica que a prática desse tipo de violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas. Ou seja, não é a natureza a responsável pelos padrões e limites sociais que determinam comportamentos agressivos aos homens e dóceis e submisso às mulheres. Os costumes, a educação e os meios de comunicação tratam de criar e preservar esteriótipos que reforçam a idéia de que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres. A violência de gênero pode ser entendida como “violência contra a mulher”, expressão trazida à tona pelo movimento feminista nos anos 70, por ser esta o alvo principal da violência de gênero. Enfim, são usadas várias expressões e todas elas podem ser sinônimas de violência contra a mulher. A própria expressão “violência contra a mulher” foi assim concebida por ser praticada contra pessoa do sexo feminino apenas e simplesmente pela sua condição de mulher. Essa expressão significa a intimidação da mulher pelo homem, que desempenha o papel de seu agressor, seu dominador e seu disciplinador. Violência doméstica é a que ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais, mães e filhos, entre jovens e pessoas idosas. Independentemente da faixa etária, pode-se afirmar, que dentre as pessoas que sofrem espancamentos, humilhações e ofensas nas relações descritas, as mulheres são o alvo principal. “As estatísticas em torno dos altos índices de violência contra as mulheres em todo o mundo e mais especificamente no Brasil não deixam dúvidas quanto à necessidade do combate sistematizado que deve ser feito, bem como da necessidade de mudanças de comportamento e atitudes da população frente a violência de gênero e o reconhecimento dos direitos da mulher (bem sabemos como 22 essas mudanças são lentas e das reais dificuldades de promovêlas)”.7 7 Machado, Lia Zanotta. Matar e morrer no feminino e no masculino in: Oliveira, Dijaci de; Geraldes, Elen Cristina; Lima, Ricardo Barbosa de. Primavera já partiu: retratos de homicídios femininos no Brasil. Brasília: MNDH; Petrópolis: Vozes, 1998, p. 96-121. 23 7 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA X VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR Há os que preferem denominar a violência doméstica como violência intrafamiliar e, neste caso, a violência pode ocorrer fora do espaço doméstico, como resultado de relações violentas entre membros da própria família. Existe uma crítica em relação a essa terminologia porque, mais uma vez, ela estaria escondendo a violência contra a mulher, pois, a principal vítima desse tipo de violência é a população feminina. Além do mais, o termo inclui outros integrantes da família, como as crianças, as pessoas portadoras de deficiência ou idosas, cujos agressores se aproveitam de sua vulnerabilidade para espancá-las e humilhá-las. “É importante destacar a origem dos conceitos de violência intrafamiliar e doméstica. Esta nasce com o movimento feminista, que denuncia o quanto o lar é perigoso para as mulheres, pois são as mais atingidas pela violência no espaço privado. De qualquer forma, as idéias de ambas se entrelaçam, pois a violência doméstica ocorre no espaço familiar e a violência intrafamiliar se dá com freqüência no âmbito doméstico”.8 As políticas públicas voltadas para os direitos humanos das mulheres devem conter abordagem diferente daquelas que atendem as pessoas idosas e portadoras de deficiência, já que suas dinâmicas se dão em relações interpessoais, com ciclos e tempos diferenciados. Em muitos casos, essa violência torna-se cronificada, consolidando uma relação silenciosa. TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é a violência Contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002, p. 120 8 24 8 LESÕES CORPORAIS AMEAÇAS E ASSASSINATOS O crime contra a mulher que apresenta o maior volume de denúncias é o de lesão corporal, definido legalmente como “ofender a saúde corporal ou a saúde de outrem” (CPB, art.129). A lesão corporal, conforme sua gravidade pode ser enquadrada na Lei 9.099/95 (quando considerada de natureza leve). A lesão corporal é considerada grave quando resulta em “incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias, quando ocorre perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, aceleração do parto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, deformidade permanente, aborto” (CPB, art. 129). A violência contra as mulheres foi injustiçada se vista à luz da Lei 9.099/95, sendo essa injustiça um dos argumentos mais justificadores da Lei Maria da Penha. Só é considerada “grave” pela Lei 9.099/95 a lesão que tira a mulher dos seus afazeres habituais por mais de 30 dias. Um espancamento com várias conseqüências, a ponto de afastar a mulher de suas ocupações habituais por 20 dias, por exemplo, é considerado perante a Lei 9.099 lesão corporal leve e enquadra-se nos chamados crimes de menor potencial ofensivo, o que de fato é um absurdo que impulsionou a sanção da Lei Maria da Penha. “A violência denunciada em que vivem as mulheres possui dados aquém do que ocorre de fato, no entanto, as denúncias tem sido freqüentes no Brasil desde a criação da primeira delegacia de defesa da mulher em 1985. A violência de gênero ganhou visibilidade na mídia, mas é banalizada, considerada algo trivial e sem grandes conseqüências, mantendo a impunidade. As autoridades que recebem as queixas registram a ocorrência, mas as providências que podem assegurar proteção à vítima são tomadas como morosidade e se arrastam nos caminhos burocráticos sem iniciar, de imediato, as investigações e sem que se concretizem encaminhamentos adequados”.9 TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é a violência Contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002, p. 47 9 25 A ausência de medidas e ações políticas que dêem retaguarda às vítimas deixam a mulher desorientada, sem saber se deve ou não prosseguir a denúncia. Acrescentam-se outros fatores de ordem emocional e afetiva, social e econômica. O crime de lesão corporal passa a compor suas relações com o companheiro/marido/namorado, incorporando-se assim à rotina do casal, cronificando a violência. A médica Nilcéia Freire, sintetizou a co-relação entre o pensamento patriarcal da sociedade e a violência contra as mulheres: “Parece excessivo, mas é exatamente isso: a violência exercida pelos homens contra as mulheres, no Brasil como em qualquer parte do mundo, é autorizada pela sociedade patriarcal. Segundo sua lógica, o espancamento de namoradas e esposas por seus companheiros é uma questão da vida privada, na qual o Estado não pode nem deve intervir. Vale lembrar que somente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 "não existe mais hierarquia familiar", ou seja, a mulher não se subordina mais ao homem, são todos iguais. Todavia, passados quase 20 anos e malgrado tantas conquistas das mulheres brasileiras, a cultura patriarcal ainda está longe de ser substituída por uma cultura da igualdade de gênero. Diante de casos de violência doméstica contra mulheres, é comum que os comentários machistas predominem até mesmo sobre a natural rejeição ao ato de agressão. "Alguma ela fez" ou, na melhor das hipóteses, "melhor não tomar partido". Sem falar nos casos de estupro, quando, freqüentemente, se critica a sensualidade excessiva dos trajes das mulheres, responsabilizando-as e justificando o estuprador. Na vida real, trabalhadoras prostitutas ou domésticas são feitas da mesma matéria. Como na música do Chico "Umas e Outras", elas se cruzam "pela mesma rua olhando-se com a mesma dor". A dor do preconceito e da discriminação”10. de O promotor Fausto de Lima demonstra de forma clara como que a violência certa forma foi legalizada no ordenamento jurídico brasileiro: “para garantir a ordem familiar preconizada pelo Código Civil de 1916, ao seu "Chefe", representado pelo gênero masculino, foi conferido o poder de comando e direcionamento de seus subordinados, esposas e filhos. Tal ordem hierárquica, covarde e perversa, porém, foi abolida em 1988, com a promulgação da 10 NILCÉA FREIRE, médica e ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Foi reitora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) de 2000 a 2003. ---Publicado na Folha de S.Paulo, seção Tendências/Debates, 08/07/07. 26 Constituição, a qual estabeleceu que a República Brasileira se funda na dignidade do ser humano e que homens e mulheres, por serem absolutamente iguais perante a lei, devem exercer em conjunto o direcionamento familiar, sem que um esteja subordinado ao outro. Apesar disso, a lei dos juizados especiais criminais de 1995 (Lei 9099), no afã de desafogar a Justiça, retirou do Ministério Público a responsabilidade de punir a violência, ao determinar que os crimes de lesão são de responsabilidade das vítimas. Na prática, os juizados criminais legalizaram a violência, tanto a pública quanto a doméstica, que passou a ser "de menor potencial ofensivo". Inconformada com a situação, a sociedade brasileira passou a se mobilizar para rechaçar a privatização da violência. A primeira mudança ocorreu em 1999, quando a Lei 9.839 determinou que a lei dos juizados especiais criminais não se aplicaria à Justiça Militar. Assim, passou o Ministério Público a dispensar a autorização das vítimas de crimes de lesão praticados por militares, em sua atividade pública, sendo que a Justiça acatou unanimemente e sem divergências o novo ordenamento, como forma de preservar a hierarquia e disciplina militares. A alteração não se referia à violência doméstica, mas demonstrou a necessidade do Estado assumir sua responsabilidade no combate à violência, em todas as suas formas. Imbuído desse propósito, o Congresso Nacional aprovou a Lei Maria da Penha. O novo ordenamento também determinou que a criticada lei dos juizados especiais criminais não se aplicaria aos crimes praticados com violência doméstica contra a mulher. Ao contrário, porém, do rápido e unânime acolhimento dispensado à lei dos militares de 1999, grande parte do Judiciário e Ministério Público nacionais decidiram não aplicar a Lei Maria da Penha de 2006. A necessidade de preservar a "harmonia" familiar foi o pretexto para a rejeição da nova lei. É incrível que a mesma situação jurídica tenha gerado entendimentos opostos. É facilmente constatável que a diferença de tratamento tem sua lógica perversa na discriminação das mulheres. Assim, após oito meses de vigência da Lei Maria da Penha, o espancamento de mulheres segue impune no País. Facadas, quebra de ossos e dentes, hemorragias, deslocamento de mandíbula, afogamentos e queimaduras, fatos considerados "banais" e classificados como lesão "leve", são diariamente arquivados nos fóruns sem qualquer providência estatal. Por isso, a decisão do TJDF acima citada merece o reconhecimento e aplausos da sociedade brasileira, porque representa, nesse início do século XXI, um passo importante para a implantação da verdadeira harmonia familiar, com base na igualdade (e dignidade) absoluta dos seres humanos. As futuras gerações certamente agradecerão”.11 Fausto Rodrigues de Lima é promotor de Justiça do DF. ---Publicado no Jornal de Brasília, 20/06/07. 11 27 9 MULHER: ALVO PREFERIDO DAS VIOLÊNCIAS SEXUAIS A violência sexual é o termo empregado, sobretudo, para os casos de estupro cometidos dentro e fora de casa. São atos de força em que a pessoa agressora obriga outra a manter relação sexual contra a sua vontade. Empregam-se a manipulação, o uso da força em que a pessoa agressora obriga a outra a manter relação sexual contra sua vontade. Empregam-se a manipulação, o uso da força física, ameaças, chantagem, suborno. As vítimas principais têm sido do sexo feminino, mesmo quando crianças ou adolescentes. O Abuso sexual é a expressão usada para denominar a violência sexual praticada principalmente contra crianças e adolescentes. Caracteriza-se pela imposição do desejo sexual de um adulto a uma criança ou adolescente para satisfação única e exclusiva de si próprio usando o outro como objeto. Dados indicam que o pai biológico tem sido um dos agressores, seguido de outros familiares do sexo masculino. “A Lei Maria da Penha protege especificamente a mulher e determina a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, afastando a aplicação da Lei nº 9099/95 (Juizados Especiais Criminais) e estabelecendo importantes medidas de proteção à população feminina. Tais dispositivos, portanto, não abrangem os homens, o que causou, no princípio, alguma discussão sobre a constitucionalidade da lei que, de certa forma, discrimina a população masculina ao não determinar medidas de proteção ao marido ou ao companheiro. A realidade mostra, porém, que os homens não precisam de proteção contra a violência das mulheres, pois não são diuturnamente espancados dentro de suas próprias casas e sua superioridade física dispensa a proteção do Estado. Evidentemente, a Lei Maria da Penha determina uma discriminação positiva, chamada de ação afirmativa, como as cotas nas universidades ou nos partidos políticos, a fim de reparar injustiças seculares contra um enorme contingente de pessoas. Esse tipo de tratamento especial não fere nenhum princípio constitucional, pois o que a nossa Constituição proíbe é a discriminação que causa prejuízo, que humilha, oprime, espolia e viola direitos humanos. Não é, absolutamente, o caso da Lei nº 11.340/2006. De forma abrangente e bem descrita, a Lei Maria da Penha protege a mulher das variadas formas de violência que ela pode sofrer dentro da família: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, no papel de esposa, filha, mãe, irmã ou enteada. Em todos esses casos, o agressor poderá ser preso em flagrante. Caberá, também, prisão preventiva por determinação judicial. A lei prevê, ainda, medidas de urgência, que poderão obrigar o agressor a deixar o lar imediatamente; proibi-lo de se aproximar da 28 vítima e das testemunhas até determinada distância mínima, estabelecida em metros, ou mesmo proibição de falar com a ofendida, ainda que por telefone; pagamento de pensão alimentícia; suspensão da posse ou porte de arma, caso ele tenha uma; determinar a separação de corpos ou o afastamento da mulher do lar sem prejuízo dos seus direitos aos bens do casal, guarda dos filhos e alimentos. Pode o juiz, se entender necessário, encaminhar a mulher e seus dependentes a programa oficial de proteção. O amparo à mulher vítima de violência doméstica é o primeiro passo para combater todas as outras formas de violência que assolam nossa sociedade, pois a criminalidade, muitas vezes, começa dentro de lares nos quais não se pode viver em paz. Para as crianças e adolescentes, a nova lei será um verdadeiro bálsamo, pois cuidar da mulher é cuidar de seus filhos, da nova geração”.12 12 Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo ---Publicado em O Estado de S.Paulo, 21/04/07. 29 10 CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, aprovada nessa cidade, na assembléia geral da ONU – Organização dos Estados Americanos –, define a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. Incluem-se as violências física, social e psicológica. A primeira diz respeito a ação ou omissão que coloca em risco ou causa dano à integridade física de uma pessoa. A convenção de Belém do Pará colocou na lei situações bastante concretas como as que ocorrem “dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicíio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maustratos e abuso-sexual; que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimento de saúde ou qualquer outro lugar, e que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra”. A jurista Samantha Bugliore definiu bem o teor da negligência do Estado brasileiro ante a violência doméstica: “A violência doméstica contra a mulher, infelizmente, é um fenômeno democrático; ultrapassa a fronteira da etnia, da classe social, do grau de escolaridade, da crença religiosa. Presente em diferentes culturas, uma característica preserva-se: a omissão. Por conta dessa omissão, que se reflete em ditados populares como o de "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher", é que o Estado brasileiro foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. "Omissão, Negligência e Tolerância à Violência Contra a Mulher" foram os termos do relatório número 54/2001 da comissão. Conforme o relatório, o Brasil age de forma negligente e omissa em relação a esse tipo de violência. O caso do relatório 54 é o de Maria da Penha, mas, na verdade, é o de muitas mulheres”. 13 13 Samantha Buglione é jurista e professora ---Publicado em A Notícia (SC), 03/07/07. 30 O Estado tem ao longo dos anos caminhado com passos vagarosos quando se trata da adoção de medidas efetivas para o enfrentamento a violência contra a mulher (forma de violação aos direitos humanos). Uma das provas do que se acaba de dizer, foi a tardia, mas muito bem-vinda Lei Maria da Penha, que chegou para inserir as mulheres na Constituição, uma vez que, até então, eram tratadas como qualquer coisa, menos como cidadã para a qual o Estado também possuía responsabilidades. A antropóloga Sheila Bezerra salienta que: “Se as formas comuns de desrespeito aos direitos humanos como a apologia e a incitação ao crime, inclusive à prática da tortura, linchamento e outras formas de violência, bem como a discriminação racial, de gênero, religião e orientação sexual, não têm sido reconhecidas pelo Estado, cabe a nós, sociedade civil, embora não seja nossa obrigação, lembrar da responsabilidade de quem a tem. O que se deseja é dignidade, reconhecimento e respeito. O que se deseja é a efetivação das leis por parte do Estado e, por assim dizer, punição de quem colabora para a disseminação da violência. O que se deseja é um mundo sem violências. Contudo, sabemos que esta só se alcançará se também os símbolos dessa cultura forem postos em xeque. No mais, é importante enfatizar que aqui não se reivindica o tolhimento da liberdade, nem a volta à censura, mas sim a efetivação dos direitos das mulheres, que temporal e espacialmente, têm ficado à margem dos processos da vida pública e violentadas no mundo privado. Se com a sua emancipação, se deu e está se dando cada vez mais também sua inserção no mundo público e por outro lado, também as violências ficam mais visíveis, é importante enfatizar a importância e necessidade de medidas efetivas contra quem protagoniza tais agressões inclusive se estas venham em forma de cartazes de shows, propagandas de cerveja e/ou de músicas como a que a foi citada acima e tantas incontáveis outras. Leis não faltam, pressão da sociedade civil também não. Se as leis existem para, por um lado, prever direitos e, por outro, instituir sanções a quem infringir os códigos de conduta que possibilitam cidadãs e cidadãos ao usufruto de tais direitos, recorramos às mesmas e aos órgãos competentes para que tomem as atitudes cabíveis e efetivem assim a cidadania das mulheres, em qualquer situação, em qualquer espaço, mas não em qualquer tempo. O tempo para transformações é hoje, é agora. Não dá para fingir que não ouvimos quando ouvimos, não dá para fechar os olhos quando vemos, não dá para calar quando sentimos. A vida é agora, a efetivação do direito das mulheres é para ontem”.14 Sheila Bezerra é mestra em Antropologia/UFPE, pesquisadora do SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia e integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco. 14 31 11 DE PAI PARA FILHO: UM COSTUME DETESTÁVEL Importante destacar que a prática da violência de gênero é transmitida de geração a geração tanto por homens como por mulheres. Basicamente, tem sido o primeiro tipo de violência em que o ser humano é colocado em contato de maneira direta. A partir daí, as pessoas aprendem outras práticas violentas. E ela se torna de tal forma arraigada no âmbito das relações humanas que é vista como se fosse natural, como se fizesse parte da natureza humana. A sociedade legitíma tais condutas, e até nos dias de hoje é comum ouvir que as “mulheres gostam de apanhar”. Isso dificulta a denúncia e a implantação de processos preventivos que poderão desarraigar por fim a prática da violência de gênero. A erradicação da violência social e política passa necessariamente pelo fim da violência de gênero, que, sem duvida, dá origem aos demais tipos de violência. A violência contra as mulheres acontece porque em nossa sociedade muita gente ainda acha que o melhor jeito de resolver um conflito é a violência e que os homens são mais fortes e superiores às mulheres. É assim que, muitas vezes, os maridos, namorados, pais, irmãos, chefes e outros homens acham que têm o direito de impor suas vontades às mulheres. Embora muitas vezes o álcool, drogas ilegais e ciúmes sejam apontados como fatores que desencadeiam a violência contra a mulher, na raiz de tudo está a maneira como a sociedade dá mais valor ao papel masculino, o que por sua vez se reflete na forma de educar os meninos e as meninas. Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros. A violência é muitas vezes considerada como uma manifestação tipicamente masculina, uma espécie de “instrumento para a resolução de conflitos”. Os papéis ensinados desde a infância fazem com que meninos e meninas aprendam a lidar com a emoção de maneira diversa. Os meninos são ensinados a reprimir as manifestações de algumas formas de emoção, como amor, afeto e amizade, e estimulados a exprimir outras, como raiva, agressividade e ciúmes. 32 Essas manifestações são tão aceitas que muitas vezes acabam representando uma licença para atos violentos. Existem pesquisas que procuram explicar a relação entre masculinidade e violência através da biologia e da genética. Além da constituição física mais forte que a das mulheres, atribui-se a uma mutação genética a capacidade de manifestar extremos de brutalidade e até sadismo. “Estudos mostram que, para alguns homens, ser cruel é sinônimo de virilidade, força, poder e status. Para alguns, a prática de atos cruéis é a única forma de se impor como homem. A história de Maria da Penha representa um padrão sistemático de violência, de impunidade, de ineficácia, de demora e de impossibilidade de reparação. Uma das conseqüências do relatório 54 foi a promulgação da Lei nº 11.340/2006, batizada de Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência, estabelecendo medidas para a prevenção, para a assistência e para a proteção. A lei, além de cumprir preceitos constitucionais, objetiva dar conta de algumas das obrigações contraídas pelo Brasil quando da ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1995. Como qualquer lei nacional, a Lei 11.340/06 não é perfeita, mas é um avanço para uma mudança cultural sobre a forma de o Estado e da sociedade se portar diante de um fenômeno que não apenas viola direitos, mas que condena toda a nossa humanidade. A violência doméstica é a evidência infeliz de que, em algumas famílias, o pressuposto do cuidado não se configura, e, nesses casos, excepcionalmente, os limites entre os espaços público e privado podem e devem ser transpostos. Sim, é preciso meter a colher”.15 15 Samantha Buglione, jurista e professora ---Publicado em A Notícia (SC), 03/07/07. 33 12 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A violência é uma das mais graves formas de discriminação em razão de sexo/gênero. Constitui violação dos direitos humanos e das liberdades essenciais, atingindo a cidadania das mulheres, impedindo-as de tomar decisões de maneira autônoma e livre, de ir e vir, de expressar opiniões e desejos, de viver em paz em suas comunidades, direitos invioláveis do ser humano. É uma forma de tortura que embora não seja praticada diretamente por agentes do Estado, é reconhecida como violação dos direitos humanos desde a Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena (Áustria) em 1993, isso porque cabe ao Estado garantir segurança pública, inclusive da população feminina. É um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes sociais, grupos étnicos, posições econômicas e profissionais. Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda. Para elas é difícil dar um basta naquela situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem também aquela idéia do “ruim com ele, pior sem ele”. Muitas se sentem sozinhas, com medo e vergonha. Quando pedem ajuda, em geral, é para outra mulher da família, como a mãe ou irmã, ou então alguma amiga próxima, vizinha ou colega de trabalho. Já o número de mulheres que recorrem à polícia é ainda menor. Isso acontece principalmente no caso de ameaça com arma de fogo, depois de espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos. 34 13 CONDENAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha foi vítima de violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono e encobriu a verdade afirmando que houve uma tentativa de roubo. A agressão – na verdade, uma tentativa de homicídio de seu ex-marido – deixou seqüelas permanentes: paraplegia nos membros inferiores. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, a Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. Entre a prática dessa dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso transcorreram nada menos que 19 anos e 6 meses, graças aos procedimentos legais e instrumentos processuais brasileiros vigentes à época, que colaboraram demasiadamente para a morosidade da Justiça. Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais. Diante da leniência brasileira com a morosidade do processamento dos crimes domésticos contra a mulher, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001, em que concluiu o seguinte: "(...) a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da 35 Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida"16 Por fim, o Relatório recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial, recomendou: "simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera". 16 Relatório nº 54, de 2001 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em que o Brasil é condenado por negligência nos casos de violência doméstica 36 15 LEI MARIA DA PENHA: O GRITO FINALMENTE FOI OUVIDO Ao sancionar a Lei 11.340/06, em agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando nada, selou o destino de milhões de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. O País viu nascer, dentro do ordenamento jurídico nacional, a resposta mais concreta aos compromissos firmados no âmbito internacional quanto ao combate a violência contra a mulher. Também conhecida como "Maria da Penha", essa Lei nasceu a partir da tragédia pessoal de uma cidadã brasileira, vítima de agressões que lhe deixaram marcas permanentes na alma e no corpo. Foi uma forma de homenagear a pessoasímbolo da luta contra a violência familiar: a doméstica Maria da Penha Fernandes, duas vezes vítima de tentativa de homicídio por parte do ex-marido, ficou paraplégica. A punição do agressor, no entanto, só se registrou quase duas décadas depois. A lei tem contribuído para muitas mudanças, entre as quais inovações no processo judicial, nos papéis das autoridades policiais e do Ministério Público, bem como em alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Transformou-se, quando nada, num estatuto do combate à violência doméstica e familiar. A Lei prevê, entre outras medidas, o afastamento do agressor do lar nos casos de violência iminente, tipifica as ameaças como violência psicológica, tira a punição apenas do âmbito das doações de cestas básicas e fixa a pena em três meses a três anos de detenção (antes, a pena máxima era de um ano). A informação é fundamental nesse processo, são necessárias vontade política das instâncias governamentais e agilidade por parte da Justiça, deve-se divulgar cada vez mais a Lei Maria da Penha em todos os meios de comunicação. 37 16 LEI 11.340/06: UMA JUSTA HOMENAGEM A Lei Maria da Penha é uma homenagem à biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica. Em 1983 Maria sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido. Começou com um tiro enquanto dormia. Ficou paraplégica. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda em recuperação, sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. O agressor foi julgado duas vezes pelos tribunais locais (1991 e 1996), e devido aos sucessivos recursos contra as decisões do tribunal do júri, sempre permaneceu solto. Em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê LatinoAmericano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, ao lado de Maria da Penha, enviaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), pela demora injustificada em não se dar uma decisão definitiva no processo. Em 2001, após 18 anos do crime, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica e recomendou várias medidas em relação ao caso concreto de Maria da Penha e em relação às políticas públicas do Estado para enfrentar a violência doméstica contra as mulheres brasileiras. Em 2002, por força da pressão internacional de audiências de seguimento do caso na Comissão Interamericana, o processo no âmbito nacional foi encerrado e em 2003 o ex-marido de Penha foi preso. 38 17 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI MARIA DA PENHA A Lei Maria da Penha tem como fundamento o disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, segundo o qual: "O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Embasa-se, outrossim, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. A preocupação altruística do legislador cinge-se a preservar a saúde física e mental e o aperfeiçoamento moral, intelectual e social da mulher contra a agressão masculina. Até porque pelas estatísticas, dentre as hipóteses de agressão no seio da família, a violência doméstica preponderante é aquela praticada pelo homem contra a mulher. Muito embora tenha sido comemorada a Lei Maria da Penha tem sido objeto de críticas, sejam políticas, por supostas "inconveniências", como jurídicas, por supostas "inconstitucionalidades", que têm levado alguns tribunais a declara-la inconstitucional, o que inclusive fez o Presidente da República sentir a necessidade de impetrar Ação Declaratória de Constitucionalidade para impedir a falta de aplicação da lei pelo controle difuso de constitucionalidade. Nenhuma das críticas, contudo, subsiste, sendo inegavelmente tanto conveniente (por necessária politicamente) quanto constitucional a Lei Maria da Penha, visando este artigo demonstrar tais questões. Além dos empecilhos culturais, administrativos e institucionais, a nova lei está agora submetida ao crivo da constitucionalidade. Não há argumento jurídico técnico, ético ou moral que sustente a inconstitucionalidade da lei, por suposta violação do princípio da igualdade entre homens e mulheres. A igualdade não suprime a diferença. Em termos de proteção ao trabalho, a própria Constituição Federal (no inciso XX do art. 7.º) comanda tratamento diverso entre o homem e a mulher. Cite-se, ainda, que não se atentou contra a diferença 39 previdenciária assegurada no § 7.º do art. 201 da CF emendada, referindo-se a trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher. Por igual, as normas penais de erradicação da violência previstas na Lei e que têm como sujeito passivo a mulher e como sujeito ativo o homem, não ofendem o princípio da igualdade. Desde há muito, a igualdade não deve ser apenas perante a lei, mas também na lei. É um retrocesso que pessoas do Poder Judiciário tenham considerado inconstitucional a Lei Maria da Penha. Se fosse assim, os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente seriam inconstitucionais também, porque trabalham com legislação específica para esses públicos. Os dados dos altos números de denúncias não significam que a violência aumentou, mas que a mulher está denunciando mais, respaldada nos benefícios que a lei assegura. Todos são iguais perante a lei, mas socialmente há uma cultura que discrimina a mulher. A Lei Maria da Penha evolui na possibilidade de desmistificar essa cultura. As medidas protetivas que garantem à mulher a saída imediata da situação de violência, como o afastamento do agressor do lar são questões significativas em um país onde há tempos o que se viu foram os olhos cerrados da justiça para o problema social crônico da violência doméstica. O Brasil foi condenado por negligência e omissão em relação à violência doméstica, tomando como caso paradigmático Maria da Penha Maia Fernandes. Por tal razão, nosso país restou compelido a contar com lei desse porte, uma conquista social e não uma caridade governamental, assim, a Lei “Maria da Penha” (Lei 11.340/2006) é integralmente congruente com todos os princípios da Constituição da República. 40 18 CÓDIGO CIVIL DE 2002: MUDANÇAS RELEVANTE A violência tem sido usada milenarmente para dominar, para fazer a mulher acreditar que seu lugar na sociedade é estar sempre submissa ao poder masculino, resignada, quieta, acomodada. Com a sansão do novo Código Civil Brasileiro a palavra “homem” é substituída por “pessoa” porque ambos, mulher e homem, passam a ter direitos iguais na sociedade conjugal. Amplia-se o conceito de família, passa a ser reconhecida a união estável, a comunidade de mãe ou pai solteiros e o casamento propriamente dito. O poder familiar cabe a mulheres e homens de maneira igual. Não há mais problema legal a mulher deixar de ser ou não virgem. Tanto a mulher quanto o homem têm direito de pedir pensão. A guarda do filho fica com o homem ou a mulher dependendo de quem tiver melhores condições para exercê-la. Os filhos, havidos ou não no casamento ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações. É verdade que entre lei e a vida há um fosso. Mais difícil que mudar as leis é mudar as mentalidades. Muita coisa da lei ainda precisa ser transformada e aplicada efetivamente, mas existe uma vontade e, mais do que isso, uma necessidade de mudar as relações assimétricas entre mulheres e homens. Tais mudanças podem conduzir as mulheres à igualdade, liberdade e autonomia tão saudáveis para a humanidade. 41 19 PRINCIPIO DA IGUALDADE: JUSTIFICATIVA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA? PARA A A principal alegação contrária à Lei Maria da Penha é a de que seria inconstitucional por suposta afronta ao princípio da igualdade, na medida em que institui tratamento diferenciado a homens e mulheres alvo de violência doméstica, no sentido de que o gênero da pessoa é o que define se o crime será julgado pelo rigor da referida lei ou então na modalidade de menor potencial ofensivo da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Argumenta-se que a Constituição teria vedado peremptoriamente o tratamento desigual entre homens e mulheres por força de seu art. 5º, inc. I, que estatui que homens e mulheres são iguais perante a lei. Contudo, tal argumento leva em conta apenas o aspecto formal da isonomia, ignorando flagrantemente o conteúdo jurídico material do princípio da igualdade. O princípio da igualdade está sendo usado levianamente por aqueles que desejam a declaração de inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, pois, é sabido que um dos grandes pilares do direito se encontra na máxima de que devese tratar os iguais na medida de suas igualdade e os desiguais na medida de suas desigualdades. No momento em que o poder público, através da elite política, parece favorecer ou desfavorecer determinados grupos identificados por sua etnia, raça, religião, sexo, região, etc., nega a legitimidade de existir e de se exprimir de muitos outros segmentos, deixando as portas abertas às práticas preconceituosas e discriminatórias. Em outras palavras, nega a possibilidade do outro (da diferença) de ter acesso seja ao arsenal jurídico de igualdade e de eqüidade como traço ideológico dominante, seja ao reconhecimento e participação política. 42 20 MULHERES E HOMENS: IGUALDADE COM TRATAMENTO DESIGUAL NO LIMITE DA DESIGUALDADE A chamada Lei Maria da Penha estabelece procedimentos mais ágeis e penas mais rigorosas que a legislação penal comum para o homem que comete violência doméstica contra qualquer mulher que habite seu lar. Como é sabido, igualdade numa relação jurídica não implica desconhecimento das diferenças que são inerentes aos seres humanos. Nossa jurisprudência e doutrina são fartas no que tange a fixação da igualdade como tratamento desigual no limite da desigualdade, ou seja, igualdade no sentido jurídico significa não aceitação de estabelecimento de critérios discriminadores que não encontrem razão de ordem lógica que os amparem. Por razões óbvias, a diferenciação entre os sexos no que diz respeito à violência doméstica encontra amplos fundamentos lógicos que a justifique. Iniciando pela condição física privilegiada que, em geral, o homem possui em relação à mulher. A violência de um ser humano contra outro é de ser reprimida evidentemente, como forma de manutenção da paz social, da segurança jurídica e da integridade física das pessoas. Ocorre que quando realizada na intimidade do lar, perpetrada pelo mais forte contra a parte fisicamente mais fraca, torna-se de uma perversão maior e atenta contra, além dos bens e valores jurídicos referidos, atinentes a qualquer ato de violência corrente, ao essencial valor de salvaguarda da família, direito de todos e dever do Estado proteger consoante o artigo 226 de nossa Carta Constitucional. Ao agredir sua esposa, o marido não apenas agride um ser humano, agride o núcleo humano tido por nossa Constituição como base de nossa sociedade: a família. Obviamente, sua pena deve ser mais rigorosa que a da violência comum, pois agride a uma maior gama de bens jurídicos legítimos e amparados por nossa ordem constitucional. Sociólogos constatam de uma forma geral: “quem sustenta e conduz a vida dos filhos são as mulheres. As famílias, em geral, são abandonadas pelos varões”. Se algo há de digno em nossa sociedade isso se deve à mulher, em especial à mulher pobre, sem recursos, que traduz o amor aos filhos como cotidiano de entrega ao trabalho e à crueza da vida dura. Essas são as mulheres agredidas que carecem de um mínimo de apoio da sociedade, que se matam para ajudar a construir. 43 21 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE No sentido da lógica e racionalidade da Lei Maria da Penha veio o entendimento esposado pelo Presidente da República, quando da impetração da Ação Declaratória de Constitucionalidade n;o 19, in verbis: “Como sabido, não basta afirmar a igualdade formal, ignorando as disparidades sociais ainda existentes, visto que militaria contra a concretização da desejada igualdade material, negando-se, assim, o objetivo que a Carta Política buscou atingir. Com efeito, a distinção de tratamento revela-se, assim, plenamente justificada, tendo em conta a situação social a que continuam sujeitas as mulheres, inexistindo, portanto, afronta ao princípio da igualdade. É indubitável que, não obstante a igualdade substancial entre homens e mulheres (essência humana), remanesce a disparidade autorizativa do discrímen. Vale dizer, o tratamento distinto não se dá unicamente em razão do sexo, como pressuposto, mas em virtude das circunstâncias a que estão sujeitas as mulheres, inclusive em atenção à diferença de força física (em regra), que potencializa a violência”. 17 Ao pedir a constitucionalidade da ação, a União ressalta que a lei foi editada para cumprir a Convenção Interamericana que busca coibir a violência contra a mulher (Convenção Belém do Pará). Nessa convenção, o Brasil se comprometeu a “incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher”. Afirma, portanto, que “a Lei Maria da Penha está em conformidade com a diretriz internacional adotada por diversos países, a fim de coibir a violência doméstica ou familiar contra mulheres”. Em relação a igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição e alegada por alguns juízes, a ação afirma que o Poder Constituinte Originário, ciente da realidade social a ser mudada, impôs ao Estado o dever de criar mecanismos inibidores da violência doméstica ou familiar (parágrafo Nas palavras do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva: 17 Ação Declaratória de Constitucionalidade no 19 8, artigo 226). 44 “Diante dessa realidade, é patente a necessidade de adoção de medidas afirmativas em defesa das mulheres, a fim de corrigir a distorção social existente na sociedade brasileira, ainda patriarcal, uma vez que o número de mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, não obstante a falta de dados comparativos, é notoriamente superior ao dos homens”. 18 Com base nos argumentos, a ação pede a concessão de liminar para suspender os efeitos de quaisquer decisões que, direta ou indiretamente, neguem vigência à lei e a considere inconstitucional. Por fim, no mérito, pede a declaração de constitucionalidade, principalmente dos artigos 1º, 33 e 41, da Lei Maria da Penha. 18 Presidente Luiz Inácio Lula da Silva 45 22 O CUSTO ECONÔMICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNDO Segundo dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento: Um em cada 5 dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas. A cada 5 anos, a mulher perde 1 ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica. O estupro e a violência doméstica são causas importantes de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva. Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres. Uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência. No Canadá, um estudo estimou que os custos da violência contra as mulheres superam 1 bilhão de dólares canadenses por ano em serviços, incluindo polícia, sistema de justiça criminal, aconselhamento e capacitação. Nos Estados Unidos, um levantamento estimou o custo com a violência contra as mulheres entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões ao ano. Segundo o Banco Mundial, nos países em desenvolvimento, estima-se que entre 5% a 16% de anos de vida saudável são perdidos pelas mulheres em idade reprodutiva como resultado da violência doméstica. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento estimou que o custo total da violência doméstica oscila entre 1,6% e 2% do PIB de um país. 46 23 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Violência contra a mulher - é qualquer conduta - ação ou omissão - de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados. Violência de gênero - violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino. Violência doméstica - quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação. Violência familiar - violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa). Violência física - ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa. Violência institucional - tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades. Violência intrafamiliar/violência doméstica - acontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que 47 viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono. Violência moral - ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da mulher. Violência patrimonial - ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores. Violência psicológica - ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal. Violência sexual - ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros. Consta ainda do Código Penal Brasileiro: a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno. 48 24 CONCLUSÃO O comportamento das mulheres que são agredidas em não registrar ocorrência é, antes de tudo, um indicador do nível de coação exercido sobre elas e revela o medo que sentem de continuarem sendo alvo de seus algozes, apesar do amparo legal. Muitas delas certamente temem que os ex-companheiros se vinguem e cometam atrocidades ainda maiores contra elas, até mesmo atentem contra suas vidas. A violência contra a mulher precisa ser contida, acompanhada de perto e punida com o rigor da lei. Não podemos mais conviver com essa mancha social que degrada famílias, destrói vidas, compromete o desenvolvimento dos filhos. A Lei Maria da Penha é um instrumento vital nesse quadro. Ela foi criada em um momento mais que oportuno, senão tardio, mas veio como um remédio para minimizar a dor e reduzir os impactos destas tragédias familiares que ainda são encaradas por muitos como "normais". Mais que punir os agressores, ela dá apoio e suporte às agredidas, um ponto que durante muito tempo afastou as mulheres das denúncias contra seus companheiros violentos. Declarar que a Lei Maria da Penha é inconstitucional sob qualquer aspecto é apenas mais uma manifestação do pensamento preconceituoso e machista de quem se lança de tal argumento. Infelizmente tais pensamentos têm saído principalmente de dentro de nossos tribunais, sob a ótica machista de juízes que banalizam os dados históricos da violência contra a mulher, buscando para tanto, até explicações religiosas para justificar seu desatino em favor dos agressores. Como não querem ser acusados de machismo buscam no pétreo princípio da igualdade toda sua fúria contra as mulheres, que, finalmente, encontraram guarida numa lei que está à altura da mulher brasileira É uma lei que veio para ficar. Mulheres, sociedade, ONGs e todos aqueles que zelam pelos Direitos Humanos (e porque não à vida) pertence a obrigação de defender a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, pois, só assim, nossas Marias estarão de fato seguras no seu “lar, doce lar”. 49 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cladem-Brasil. 1993. As mulheres e a construção dos direitos humanos. São Paulo: Cladem-Brasil. --------------. 1995. Declaração dos direitos humanos desde uma perspectiva de gênero: Contribuições ao 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São Paulo: Cladem-Brasil. BANDEIRA, Lourdes e BATISTA, Anália Soria. Preconceito e discriminação como expressões de violência, in Revista Estudos Feministas, Ano 10, 1º Semestre de 2002. BURKE, Peter. 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