A Liderança Transformacional e Discursiva Revelada ou Desvelada?
Um Estudo Empírico no Campo da Indústria Gráfica.
Marlene Marchiori
Pós-doutora pela Purdue University, Estados Unidos. Pesquisadora e professora associada do
Programa de pós-graduação em Administração (mestrado acadêmico) e de graduação em
Comunicação Social/Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina, Londrina PR.
Wilma Vilaça
Formada em Relações Públicas, doutoranda em Comunicação, pela ECA/USP, diretora da
WV Comunicação Empresarial, vincula-se ao Grupo GEFACESCOM, da Universidade
Estadual de Londrina. Interesses de pesquisa: cultura organizacional; comunicação interna;
gestão da sustentabilidade e comunicação organizacional.
Fabiana Simões
Graduanda em Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina. Pesquisadora em
Iniciação Científica no Projeto Faces da Cultura e Comunicação Organizacional. Interesses de
pesquisa: comunicação organizacional; lideranças nas organizações.
Rodrigo Soares
Graduando em Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina e Direito pela
PUCPR. Pesquisador em Iniciação Científica no Projeto Faces da Cultura e Comunicação
Organizacional.
Resumo: No cenário mutável da contemporaneidade as organizações necessitam de líderes
com orientação inovadora na condução dos processos de relacionamento com seus liderados.
Este artigo considera liderança como a influência multidirecional de relacionamento entre
líderes e liderados a fim de, mutuamente, realizarem uma mudança real (YUKL, 2006). Três
variáveis são relevantes para o entendimento da efetividade da liderança, as quais englobam
as características dos líderes, dos seguidores e da situação (YUKL, 2006). As pesquisas
empíricas e as teorias sobre liderança revelam cinco perspectivas para o desenvolvimento dos
estudos nesse campo: traços de personalidade (trait approach); comportamento; influência do
poder; liderança situacional; e abordagem integradora. O artigo propõe explorar a abordagem
integrativa, em especial a liderança transformacional e uma incursão na liderança discursiva,
inspirando uma aproximação entre os conceitos que se revelam como possibilidades de
construção de ambientes mais interativos nas organizações. O conceito de Liderança
Transformacional (Burns, 1978) privilegia o engajamento dos liderados a fim de que tanto
líderes quanto seguidores elevem um ao outro a níveis mais altos de motivação e moral. A
essência da teoria é a distinção entre a liderança transacional e a transformacional. A primeira
enfatizaria qualidades e comportamentos nitidamente carismáticos adotados pelos líderes. Já,
a liderança transformacional incorpora fortemente o componente pessoal à medida que os
líderes incentivam os liderados a introduzir mudanças nas suas atitudes de modo a inspirá-los
para o alcance de objetivos baseados em valores e ideais. A justificativa para tal
comportamento reside no entendimento de que os liderados confiam, admiram, e respeitam o
líder e demonstram lealdade para com ele. Nesse sentido, os estudos conduzidos por Gail
Fairhurst (2007) no que se refere à Discursive Leadership (liderança discursiva) contribuem
decisivamente para uma abordagem que intensifica os relacionamentos, o que requer, tanto de
líderes quanto dos liderados, uma maior consciência na construção de relações que
oportunizem o discurso, a conversação e o diálogo nas organizações. Assim sendo, este
1
trabalho propõe investigar de que forma a liderança transformacional e a discursiva se
revelam no comportamento dos diretores e gestores de indústrias do segmento gráfico e seus
impactos no modo de trabalho dos funcionários. A metodologia de pesquisa aplicada é de
caráter qualitativo, por meio de entrevistas em profundidade realizadas pelo Grupo de
Pesquisa Faces da Cultura e Comunicação Organizacional – GEFACESCOM. A título de
conclusão, discute-se que, não raro, os líderes apresentam habilidades para conduzir as ações,
com vistas a influenciar outras pessoas, e estimulam a capacidade dos colaboradores em prol
da organização.
Introdução
Os estudos organizacionais tradicionalmente têm como base pesquisas sobre liderança na
figura do líder, tentando vinculá-la à eficácia organizacional e encorajando os pesquisadores a
acreditar que a centralidade dada ao líder seria compatível com os pressupostos behavioristas,
que definiram os aspectos motivacionais e comportamentais como inerentes à função do
gestor. Ao reconhecer, no entanto, que o contexto e a posição, que o líder assume como gestor
de significado (SMIRCICH e MORGAN, 1982), alterariam o olhar dos estudiosos sobre essa
temática, as pesquisas se ampliam e fornecem outras bases para a discussão que ora se propõe.
A liderança é um conceito retirado do vocabulário comum (YUKL, 2006), incorporado ao
longo do século XX e XXI no campo da administração, com inúmeras interpretações teóricas.
O conceito clássico de liderança revela a influência do líder sobre o liderado. Existem várias
definições, produto das diferentes abordagens e das inúmeras perspectivas (CASTANHEIRA
e COSTA, 2007) tomadas no decorrer do século no que diz respeito a esse fenômeno. Para
Castanheira e Costa (2007), as abordagens sobre liderança são diversas. Tome-se por base a
visão mecanicista, na qual o líder era visto como alguém que possuía determinadas
características – inatas ou adquiridas através do treino – que o distinguiam dos demais e o
levavam a atingir os objetivos traçados, passando pelas perspectivas segundo às quais se
adapta às circunstâncias e ao contexto em que a organização se insere, pelas visões culturais
para as quais o líder é considerado como alguém que utiliza os valores e a missão para criar
na organização, um sentido comum de identidade e de mobilização para a execução de
objetivos organizacionais; até chegar à visão do líder como o indivíduo responsável por gerir
conflitos, utilizar o seu poder e manobrar processos de influência num cenário com um grau
elevado de ambiguidade, complexidade e incerteza. Em contrapartida, continuam prevalentes
conceitos que definem liderança como influência exercida sobre um grupo para atingir
determinados objetivos. Yukl (2006) resume as definições de liderança em termos dos traços
de personalidade (trait approach), comportamentos, influência, padrões de interação, papéis
de relacionamento, e ocupação de cargo em uma posição administrativa. Este artigo considera
2
liderança como a influência multidirecional de relacionamento entre líderes e liderados a fim
de, mutuamente, realizarem uma mudança real (YUKL, 2006). Passa a ser fundamental
entender o exercício da liderança como um processo que possibilita às pessoas dar sentido ao
que elas desenvolvem em conjunto, o que seguramente amplia o entendimento das pessoas
sobre o que fazem, tornando-as mais comprometidas (DRATH e PALUS, 1994)
Três variáveis são relevantes para o entendimento da efetividade da liderança, as quais
englobam as características dos líderes, dos seguidores e da situação (YUKL, 2006). Nesse
sentido, torna-se fundamental não só observar, mas também interagir nos contextos
organizacionais, o que requer tratar as relações entre lideres e liderados, independente da
posição que ocupem nas estruturas organizacionais.
As pesquisas empíricas e as teorias sobre liderança revelam cinco perspectivas para o
desenvolvimento dos estudos nesse campo: traços de personalidade (trait approach);
comportamento; influência do poder; liderança situacional; e abordagem integradora. Os
traços de personalidade são os estudos mais tradicionais os quais enfatizam os atributos dos
líderes quanto a personalidade, motivos, valores e habilidades. A abordagem comportamental,
que começou nos anos 50s, direcionou o olhar para o que os gerentes realmente fazem no
trabalho, e procura compreender como os gerentes investem o seu tempo e o padrão típico de
atividades, responsabilidade e funções para cargos de gestão. Essa abordagem também
engloba outra categoria de análise a qual centra na identificação de comportamento da
liderança eficaz. Já, a perspectiva da influência do poder pondera especificamente sobre o
processo de influência entre lideres e outras pessoas, o que carrega uma perspectiva
extremamente centrada no líder que segundo Yukl (2006, p. 32), apresenta um “pressuposto
implícito de que a causalidade é unidirecional (líderes agem e seguidores reagem)”. A
abordagem situacional, como o próprio nome sugere, valoriza a importância que os fatores
contextuais ganham para influenciar o processo de liderança. Não menos importante e com
uma abordagem que pode incluir dois ou mais tipos de variáveis de liderança no mesmo
estudo, por isso o nome: integradora (YUKL, 2006), sendo um dos exemplos a teoria do autoconceito de liderança carismática e transformacional.
As teorias sobre liderança enfatizam uma categoria mais do que a outra, sendo que o estilo de
liderança exercido revela-se como um fator preponderante nesse processo, assim como os
níveis do exercício da liderança, podendo ser visto como processo intraindividual, diádico
(dyadic process), grupal e organizacional (YUKL, 2006). Fica claro que tanto líderes quanto
liderados influenciam-se mutuamente.
Nesse contexto, emerge a liderança transformacional ou inspiradora (BURNS, 1978) – que
privilegia; e a liderança discursiva (FAIRHURST, 2007) que se constrói socialmente, sendo a
liderança um processo construído pelo discurso. As concepções contemporâneas da liderança
a entendem muito mais como “inventiva do que analítica” (GRINT 1997, 2000 apud
FAIRHURST, 2007, p. 3).
Assim sendo, este trabalho propõe investigar de que forma a liderança transformacional e a
discursiva se revelam no comportamento do nível institucional das organizações estudadas,
avaliando o impacto no modo de trabalho dos funcionários. Entende-se essa contribuição
como uma possibilidade de ampliar os estudos nesse campo apreendendo que o exercício da
liderança é um relacionamento organizacional fundamental que traduz a sobrevivência das
3
organizações. Relacionamentos organizacionais não se concretizam em uma única vez, sendo
resultado de processos de interação contínua, onde cada membro ao se relacionar com o outro
amplia seu nível de compreensão e de confiança (CUNHA, 2010).
A abordagem da liderança transformacional: uma possibilidade de se ampliar
relacionamentos nas organizações
Entre as teorias da liderança que foram sendo desenvolvidas ao longo dos anos, a liderança
transformacional – expressão utilizada por Burns pela primeira vez em 1978, sendo destaque
na condução de estudos empíricos o autor Bass (1985, 1996) privilegia o engajamento dos
liderados a fim de que tanto líderes quanto seguidores elevem um ao outro a níveis mais altos
de motivação e moral.
A essência da teoria é a distinção entre a liderança transacional e a transformacional. A
primeira enfatizaria qualidades e comportamentos nitidamente carismáticos adotados pelos
líderes. O carisma seria também a base da segunda, visto que a liderança transformacional
incorpora fortemente o componente pessoal à medida que os líderes incentivam os liderados a
introduzir mudanças nas suas atitudes de modo a se inspirar para o alcance de objetivos
baseados em valores e ideais.
Este tipo de liderança configura-se como um forte componente pessoal porque o líder
transformacional motiva os seguidores, introduzindo mudanças nas suas atitudes de modo a
inspirá-los para a realização de objetivos suportados por valores e ideais. O líder
transformacional é respeitado pelos seguidores, inspira confiança e é visto como um exemplo
a seguir. Possui postura proativa e desafia os seguidores a superar limites e a procurar
soluções criativas para a resolução de problemas, além de preocupar-se com as necessidades
de desenvolvimento profissional e de alcance dos objetivos de cada seguidor. Este líder tem o
poder de aumentar o grau de compromisso dos seguidores com a visão, a missão e os valores
organizacionais comuns ao enfatizar a relação entre os esforços dos seguidores e o alcance
das metas organizacionais. Portanto, nota-se que as organizações precisam de lideranças
ativas para que se possa atingir o comprometimento organizacional e interacional. Robbins
(2000) afirma que “no cenário dinâmico e competitivo atual, são necessários líderes que
desafiem o status quo, criem visões de futuro e sejam capazes de inspirar os membros da
organização a querer realizar essas visões”.
Um importante diferencial da teoria transformacional da liderança encontra-se no fato de que
o exercício do poder, ou seja, a capacidade de influenciar o outro, podendo modificar seu
comportamento e seu quadro de valores, não é privilégio daqueles que exercem o papel de
líderes (DINIZ e LIMONGI-FRANÇA, 2005). O poder, como influência interpessoal, é tido,
na liderança transformacional, como um “fluxo” (SOUZA et al., 2006, p. 15) que permeia as
relações sociais em todos os níveis. Essa realidade se faz presente, também, nas organizações.
Souza (2006) afirma
Assim, ao invés de preocupar-se em descobrir onde o poder está localizado, deve-se
captá-lo na extremidade, na periferia das relações sociais. Isto não significa que o
poder encontra-se localizado nessa periferia; contudo, é nela que as forças
apresentam-se mais heterogêneas, difusas, não estando ainda direcionadas pelas
instituições e, consequentemente, homogeneizadas. É na periferia que o poder pode
4
ser analisado de forma a ser observar a diversidade das forças atuantes em uma
organização (SOUZA et al, 2006, p. 14).
Este estilo de liderança tem sido apresentado como uma alternativa à liderança transacional,
que foca a existência de um sistema de recompensas aplicados pelo líder em resultado do
cumprimento ou não dos objetivos. A liderança transacional baseia-se em uma perspectiva
mais de conformidade do que de criatividade em face dos desafios e das metas impostas pela
realidade organizacional e encontra-se alicerçada na troca (política, econômica e psicológica)
entre o líder e o seguidor, enquanto ambos acreditam que isso irá beneficiá-los, ou seja, tratase de transação de interesses. Já na liderança transformacional, uma ou mais pessoas engajamse com outras a fim de que tanto líderes quanto seguidores aumentem o grau de motivação
para exercer aquilo que foi definido. Os líderes transformacionais preocupam-se com o
progresso e o desenvolvimento de seus seguidores. Eles estão interessados em criar um
ambiente organizacional que promova a mudança dos valores dos liderados para suportar a
visão e os objetivos da organização. Isso cria um clima de confiança no qual a visão pode ser
compartilhada. “Em essência, esta liderança é o processo de construção do comprometimento
organizacional através do empowerment dos seguidores para acompanhar esses objetivos”.
Bass (1985, apud YUKL, 2006, p.280) acredita que a liderança transformacional se dá a partir
do momento em que os líderes transformam e motivam os seguidores “tornando-os mais
conscientes da importância dos resultados da tarefa; induzindo-os a superar seus próprios
interesses em prol da organização ou da equipe; ativando as necessidades de ordem superior”.
A liderança transformacional comporta quatro componentes essenciais: o carisma, que
envolve questões como orgulho, respeito e confiança; a inspiração, que busca modelar os
comportamentos ditos apropriados; a consideração individualizada, que sugere a necessidade
de uma atenção mais personalizada aos seguidores; e, finalmente, a estimulação intelectual,
que consiste em promover, por meio de novas ideias e abordagens, o estímulo contínuo para
que os seguidores se sintam diuturnamente desafiados (BRYMAN, 2004).
Nesse sentido, tudo parece indicar que o carisma e a capacidade de inspirar os seguidores são
fortes referências associadas ao comportamento ideal dos líderes, que, basicamente, são
percebidos por meio de uma aura heróica, o que lhes confere características míticas nessa
constante busca pelo aperfeiçoamento dos seus subordinados (BRYMAN, 2004). No entanto,
os estudos recentes indicam que essa forma de apresentar os líderes como visionários,
característica inerente à abordagem transformacional, tem fomentado a ideia de que possa
surgir uma superliderança, responsável por fazer com que os liderados sejam seus próprios
líderes. James Kouzes e Barry Posner, em seu livro O desafio da Liderança, de 1991, já
anteviram essa possibilidade quando sugeriram que, para conseguir feitos extraordinários em
organizações, os líderes deveriam libertar seus funcionários, estimulando-os a dar o melhor de
si e a assumirem os erros como forma de aprendizado. Ou, como afirma Ñastase (2009, p.
523, tradução livre), “deve-se dar atenção ao fato de que os gerentes devem estar aptos a
desenvolver e promover um pensamento estratégico”.
Um dos aspectos que mais se destaca quando se avalia o papel que a liderança exerce sobre
seus liderados é a forte associação entre cultura organizacional e liderança. Ao imprimir
valores, convicções e crenças ao próprio negócio, o fundador acaba por moldar um senso de
distintividade sobre a mesma. A partir daí, os líderes, que chegam, exercem o papel relevante
de propagadores dessa cultura inicial (SCHEIN, 1985). Não querendo aqui resgatar discussões
5
exaustivamente celebradas sobre o quão controladora possa ser essa associação, típicas de
abordagens mais gerencialistas, que não é o caso desse artigo, faz-se mister reconhecer, no
entanto, que não há como promover o descolamento da visão de liderança e de cultura, visto
que uma liderança transformacional necessitaria de um lócus privilegiado para sua
consecução.
Por outro lado, torna-se necessário que se perceba a liderança transformacional sob um
enfoque diverso do das lideranças tradicionais, ao se pensar em suas práticas
comunicacionais. Nessas, o discurso utilizado é muito mais monofônico. Naquelas, mesmo
que o discurso se constitua em um fluxo de cima para baixo, seguramente se revestirá de nova
roupagem mais dialógica, minimizando a instrumentalidade presente nas falas entre pessoas
de diferentes níveis hierárquicos. Freitas e Garcia (2008, p. 123) afirmam que “o universo das
Comunicações toma vida nas e pelas palavras, pelos textos, pelos discursos. A rede discursiva
tecida pelos processos comunicacionais contemporâneos faz da linguagem e, portanto, da
comunicação, o modo de presença dos valores que regem a sociedade”.
Posto que o exercício da liderança, especialmente o da transformacional, se dê
prioritariamente, pelo estabelecimento de relações de troca que possibilitem o
compartilhamento de sentidos e a criação de um quadro de valores comum, entende-se que a
função de líder é diretamente relacionada à ação discursiva nas organizações, uma vez que é
pela argumentação e pelo constante processo de tessitura de textos – visões de mundo
individuais e quadros de valores e crenças particulares – que se forma o conjunto maior de
sentidos – o discurso institucional. Assim, torna-se pertinente proceder à apresentação do
conceito de liderança discursiva, conforme se faz a seguir.
A liderança discursiva movendo as organizações
A prática discursiva presente nas organizações, muitas vezes, tende a ofuscar o papel
dialógico do discurso, uma função fundamental para a construção de sentidos compartilhados
no ambiente organizacional. Oliveira (2008) argumenta que as organizações não devem
buscar o discurso comum por meio do que ele chama de cooperação, pois esse processo
conduz a “um discurso piegas e politicamente correto que responde atualmente por um jogo
de simulações” (OLIVEIRA, 2008, p. 87), que estas acabam por reprimir os embates surgidos
das diferentes visões presentes na organização, impedindo, assim, o seu desenvolvimento. Ou
seja, assim fazendo, as organizações deixam de realizar o seu papel mais importante: a
constituição do processo organizativo – a origem e a transformação da estrutura
organizacional.
Vilaça (2008) acresce que, mesmo no cenário contemporâneo, é possível encontrar
organizações para as quais
O discurso teria, então, uma natureza muito mais informativa, de busca pela
aquiescência do receptor e se distanciaria, por sua própria ontologia, do que seria
uma abordagem dialógica, vista como aquela capaz de criar pontes com o receptor
(VILAÇA, 2008, p. 106).
Segundo Fairhurst e Putnam (2010), cada vez mais os estudiosos afirmam que as
organizações são construções discursivas, já que o discurso é a principal base sobre a qual a
vida da organização está construída. Putnam (2008, p. 224) destaca que “as conversações
formam processos de organização que se fundamentam em textos como documentos,
6
políticas, normas e práticas que possuem poder permanente ao longo do tempo”, daí a
importância de que não se atenha tanto à forma como o discurso modela a mensagem, mas
muito mais ao modo “como ele possibilita e constitui a organização” (idem, p.225).
Para muitos pesquisadores organizacionais, o discurso dá forma a significados culturais
viabilizando o social e o comunicacional, sendo um meio para a interação social. Outros
analistas acreditam que o estudo do discurso está alicerçado apenas na forma de falas e textos,
independentes dos processos comunicativos e sociais. As autoras ressaltam que este
pensamento está correto, mas que o discurso ultrapassa essa perspectiva.
Alvesson e Karreman (2000) fazem distinção entre o discurso que se refere aos estudos da
fala e textos, e os ‘Discursos’ como sistemas duradouros de pensamento. O primeiro é um
meio para a interação social, na qual os detalhes utilizados na linguagem da fala e textos são
as ideias centrais dos estudiosos. Entretanto, o discurso, segundo as ideias de Foucault
(FAIRHURST e PUTNAM, 2010), refere-se a sistemas gerais e duradouros para a formação e
articulação de ideias em um determinado momento.
Os pesquisadores têm debatido constantemente o problema de como ir do ‘discurso’, da
linguagem utilizada na fala e em textos para os ‘Discursos’, que constituem como que um
poderoso meio para além do texto. Essa perspectiva reflete a preocupação apresentada por
Fairhurst (2007, p. 13) no intuito de mover a liderança para um “processo organizativo”, o
que não pode ser feito na ausência do discurso (discourse/Discourse) e da comunicação.
Garfinkel (1967) destaca que a ação é organizada a partir do significado. Líderes passam a ser
construtores de significados nos processos de relacionamento com seus liderados. A próxima
sessão desse artigo apresenta o relato do estudo empírico em organizações do ramo da
indústria gráfica.
Metodologia
Os estudos realizados pelo grupo GEFACESCOM (http://www.uel.br/grupoestudo/gefacescom/) têm como objetivo desvendar as faces e as interfaces da cultura e da
comunicação em diferentes organizações. Optou-se pela utilização do estudo de caso como
método mais eficiente para a coleta das informações. A aplicação do roteiro da entrevista em
profundidade obedeceu a um protocolo de nove faces da cultura organizacional. O relato
apresentado neste artigo explora a face da liderança.
Este trabalho propõe investigar de que forma a liderança transformacional e a discursiva se
revelam no comportamento dos diretores e gestores de duas indústrias do segmento gráfico –
uma paranaense e a outra belorizontina – e seus impactos no modo de trabalho dos
colaboradores da organização, entendendo que nem sempre é possível explicitar a relação
entre os processos de relacionamento e os de negociação nas organizações.
A metodologia de pesquisa aplicada é de caráter qualitativo, por meio de entrevistas em
profundidade realizadas pelo Grupo de Pesquisa Faces da Cultura e Comunicação
Organizacional – GEFACESCOM, vinculado à Universidade Estadual de Londrina, e com a
colaboração do Centro Universitário de Belo Horizonte. A pesquisa de caráter qualitativo
exploratório tem, na sua essência, o pressuposto de não procurar a generalização de fatos
baseados em resultados, mas sim de realizar uma análise interpretativa das percepções e
7
experiências vivenciadas pelo pesquisador no campo empírico. A coleta de dados foi realizada
de julho a novembro de 2009 por meio de entrevistas em profundidade junto ao corpo
gerencial e diretivo das organizações tendo-se como instrumento de pesquisa um roteiro
estruturado com questões abertas, aplicadas por contato pessoal.
Apresentação e Análise dos Dados
Apresenta-se o relato dos estudos de caso desenvolvidos nas indústrias do setor gráfico
Midiograf e Gráfica 101, respectivamente localizadas em diferentes estados brasileiros, no
Paraná e em Minas Gerais. O relato trata da face da liderança, ou seja, como ela se revela
nesses ambientes e provê as organizações de possibilidades de transformação.
A Midiograf é uma organização do ramo de indústria gráfica atuante na produção de material
publicitário, editorial e cartonagens desde o ano de 1992. Atualmente possui quase 200
funcionários diretos que trabalham na sede da organização, em um complexo gráfico de 14
mil metros quadrados com maquinários de alta tecnologia, centro de produção, quadras
esportivas, espaços de lazer e cinco setores que compõem a organização: administrativo,
comercial, pré-impressão, impressão e acabamento.
A gráfica caracteriza-se como uma organização de médio porte, privada e com perfil
administrativo familiar. As decisões são tomadas por seus três diretores: administrativo,
comercial e geral. A organização conta com uma consultoria que auxilia no planejamento das
diretrizes organizacionais e ocupa posição no mercado como uma das maiores gráficas do
Paraná, com alto poder competitivo e priorização do fator qualidade, comprovado pelas
diversas premiações conquistadas em âmbito nacional.
Para a seleção, acompanhamento do desenvolvimento na organização e demais assuntos no
que diz respeito aos funcionários criou-se, há dois anos, o Departamento de Recursos
Humanos da Midiograf, ainda em fase de estruturação. O estágio atual da área é de elaboração
de projetos de remuneração e benefícios, missão, visão e valores e incentivos ao ensino e
educação, objetivando-se atingir 100% de escolaridade entre os funcionários, uma vez que,
atualmente, 85% deles já possui ensino fundamental e médio.
O processo decisório da Midiograf e as relações de poder se concentram na diretoria, que ouve
e respeita as diferentes áreas da organização, tendo como prática reuniões com os chefes de
setores com abertura para discussão e argumentação, processo que permite o estímulo ao
diálogo e à descentralização. Esta característica é marcante, visto tornar as pessoas diretamente
mais responsáveis no desenvolvimento dos processos e das práticas do cotidiano.
A estrutura administrativa da organização é composta pela área estratégica (PCP, PD & I)
diretamente ligada às três principais diretorias: a industrial, que têm como responsabilidades o
marketing, a pré-impressão, a impressão, o acabamento, a qualidade e a logística; a
corporativa, que tem sob seu comando as áreas: controladoria, a financeira, a de recursos
humanos (RH), de compras/estoque, jurídica e de serviços gerais; e a operacional, com a
responsabilidade sob as áreas de: tecnologia da informação (TI), impressão digital, negócios,
manutenções e ativo mobilizado. A estrutura organizacional reflete a formalidade da
organização na condução dos processos de trabalho de um lado e de outro. Percebe-se uma
flexibilização das pessoas no sentido de se relacionarem, se aproximarem das diferentes áreas
8
conforme as necessidades que surgem, as quais requerem conhecimentos de diferentes setores
para a tomada de decisão. Portanto, a estrutura fixa da Midiograf não representa rigidez na
condução dos processos organizacionais; muito pelo contrário, há processos de interação e
troca de experiências entre os diferentes setores que mobilizam o desenvolvimento da própria
organização. Esse aspecto é reforçado pela atuação principalmente da diretoria, que se
movimenta e não fica na expectativa de ser procurada pelos membros da organização.
Nas entrevistas realizadas – com diretores e gerentes -, foi possível identificar o
posicionamento e o atual estágio de desenvolvimento da Midiograf relacionado aos processos
de liderança que são vivenciados pela organização.
Ao discutir com os entrevistados a respeito da habilidade e capacidade dos atores
organizacionais influenciam os demais, ficou evidente que o poder de influenciar é pleno na
organização, já que ela procura estabelecer processos de estímulos e desenvolvimento dos
projetos, sendo uma das principais preocupações o envolvimento dos funcionários no trabalho
por meio de lideranças democráticas e tendo como ênfase no processo de comunicação a
existência do diálogo.
“Nossa comunicação é sempre baseada no diálogo, então o poder de influenciar
acontece de uma forma muito tranquila.” (Gestor S)
“As organizações assumem um formato que não basta você querer atingir objetivos.
As lideranças e os funcionários precisam comprar a idéia e isso exige muito
comprometimento.” (Gestor E)
A direção elege o comprometimento como ponto primordial para o exercício da liderança de
forma democrática. Tanto que desde 2005 vem capacitando lideranças para que sejam aptas a
liderar e influenciar seus funcionários. Além disso, acredita que é fundamental vivenciar a
fala, o discurso, e não limitar-se a verbalizá-los sem a prática, o que poderia vir a
comprometer a credibilidade da Midiograf. Dessa forma, o corpo diretivo e gerencial da
Midiograf compreende unanimente, a relevância dos processos de liderança democrática e
suas respectivas condições de influenciar seus liderados.
“Você tem que estimular a pessoa a refletir e mudar a conduta, mas é primordial o
exemplo. Não adianta nada você falar aquilo e não vivenciar entende?” (Gestor S)
“A influência sempre existe porque a equipe é o reflexo do líder” (Gestor N)
“200% de comprometimento. Essas pessoas são muito comprometidas.” (Gestor E)
Os líderes da organização podem ser vistos como atuantes em uma perspectiva de liderança
transformacional, já que vivenciam os propósitos organizacionais, deixam transparecer seus
valores de forma clara e natural e circulam pelo ambiente organizacional durante todo o
expediente a fim de observar o ambiente interno e construir novos projetos com os
funcionários. A análise também é confirmada quando se observa a arquitetura e o
posicionamento da sala do diretor geral da Midiograf: uma sala simples de trabalho localizada
no centro do parque gráfico em meio a dezenas de funcionários operacionais. O diretor geral,
ao adotar essa forma de trabalho com seus funcionários, incentiva a existência de um
relacionamento entre líder e liderados de forma aproximativa. Ali o diretor constrói seu
relacionamento com os funcionários, estimulando-os e, ao mesmo tempo, acompanha todo
processo de qualidade dos impressos. Quando da realização de reuniões com clientes e demais
9
executivos essa diretoria desloca-se para outra sala próxima ao departamento comercial, em
razão de facilitar o atendimento e não prejudicar a produção.
Os entrevistados do nível institucional, quando questionados a respeito de seus perfis como
líderes, expõem como principais características o comprometimento, a habilidade em
conduzir equipes e a humildade, não se utilizando do poder. Também, observa-se no relato
das entrevistas a importância que os relacionamentos humanos representam no dia-a-dia da
organização, o saber ouvir e o saber se relacionar com as pessoas.
“Você jamais vai ouvir de mim que eu sou dono da Midiograf. Você não precisa
mostrar a autoridade que tem.” (Gestor S)
“Você só vai ser um bom líder se você conhecer a sua equipe.” (Gestor N)
“Não é porque você é líder que você trata mal alguém ou deixa de ouvir alguém.
Sempre trato todos da melhor forma possível e é bom pra que as pessoas enxerguem
como agir com os outros.” (Gestor N)
Ao tratar nas entrevistas sobre o uso do poder, o corpo diretivo diz que, em primeiro lugar,
não há elementos descritivos que levem a considerar quais são ou não os detentores do poder,
uma vez que isso não é valorizado na organização, até mesmo porque não há cargos
demonstrados em crachás nem em rigorosos organogramas. Justificam que a posição ocupada
pelo funcionário na organização se dá de acordo com sua pro-atividade e iniciativa por
ocasião dos desafios organizacionais. A condução desse processo se apresenta pelos diálogos
abertos que ocorrem naturalmente entre os líderes e liderados da Midiograf.
“Para nós isso [estruturas de poder] não tem importância. Vai depender da
proatividade, da iniciativa de cada um.” (Gestor E)
“Acho que as pessoas conseguem identificar a liderança mais pela postura de cada
um aqui dentro.” (Gestor N)
“Não tem uma determinação de quem exerce poder ou não.” (Gestor S)
E como forma de repulsar o uso do poder na organização, a diretoria procura valorizar as
lideranças informais, as quais despontam com base na autoiniciativa, sem a progressão de
cargos, promoções ou salários. Aliás, a informalidade é uma constante no ambiente
organizacional, pois a maioria dos processos no relacionamento entre líderes e liderados se dá
por canais informais, os quais contribuem para o desenvolvimento do líder informal na
organização, até mesmo porque na Midiograf os processos não estão ligados ao uso da
formalidade e hierarquia.
“A gente incentiva as lideranças informais. Ela ajuda muito na equipe.” (Gestor N)
“A gente usa essa energia para o cumprimento das metas. Eu até digo que o melhor
líder é o líder informal.” (Gestor N)
“Nós procuramos incentivar essas pessoas porque elas [lideranças informais]
ajudam muito dentro dos processos de trabalho.” (Gestor E)
Por se caracterizar como uma organização com processos promovidos pelos canais informais,
a diretoria da Midiograf, além de expor esta posição de informalidade, traduz todas as suas
soluções de conflitos entre líderes e liderados por meio do diálogo. Assim, é transparente na
organização preocupação com o relacionamento entre seus funcionários, bem como a busca
10
pelo aprimoramento por meio do “saber ouvir” as pessoas. Este é o elemento apontado como
fundamental pelo corpo diretivo.
“Como nós somos uma empresa muito informal, o relacionamento entre líderes e
liderados se dá de forma muito tranqüila.” (Gestor S)
“A organização nada mais é do que o reflexo do que você é na sua vida. Nós
trabalhamos muito com o diálogo tentando resolver tudo.” (Gestor N)
“Nós procuramos resolver tudo baseado no diálogo.” (Gestor E)
“Primeiro o líder precisa saber ouvir. Que ele saiba passar os seus objetivos, que
ele peça alguma coisa sempre envolvendo a pessoa.” (Gestor N)
Pode-se considerar, dessa forma, que a organização possui uma liderança participativa, na
qual todos os agentes da Midiograf têm o poder de opinar, sugerir, visto que os líderes
entendem e valorizam o diálogo com seus liderados e se preocupam com o aspecto humano da
dinâmica organizacional. Essa afirmação é vista nas falas dos entrevistados, quando se
referem à valorização das lideranças informais, que auxiliam no processo de interação entre
os indivíduos da organização.
A Liderança Discursiva se revela na organização visto que as lideranças entrevistadas
afirmam utilizar-se a todo o momento da conversa, do diálogo, do discurso, como forma de
maior interatividade e aproximação com os funcionários, e criam um ambiente saudável para
trabalhar e se relacionar. Salienta-se que essa iniciativa é genuína, ou seja, característica de
sua cultura a qual privilegia a aproximação e os relacionamentos entre as pessoas. Entretanto,
a afirmação de que a liderança da Midiograf é exercida de forma transformacional e
discursiva, entendendo a abordagem teórica apresentada e discutida, requer o
desenvolvimento de um estudo empírico junto aos funcionários da organização, para que
essas lideranças possam ser reveladas em sua plenitude.
Relato da Gráfica 101 – Belo Horizonte
A Gráfica 101 é uma referência forte em Belo Horizonte, em se tratando de impressão de
material promocional, foco principal de sua atuação. Isso inclui malas-direta, folderes,
cartazes, panfletos, cartões de visita, papelaria etc. Na editoria, seu principal foco é a
impressão de jornais, livros, revistas e catálogos. Por uma questão mercadológica, a Gráfica
101 não faz criação nem a arte-final e isso pode ser entendido quando o senhor Ademir revela
que 50% dos seus clientes se concentram em agências de publicidade, que, técnica e
historicamente, seriam os responsáveis por essa área. Assim, ao optar por essa estratégia, a
Gráfica 101 construiu uma história de sucesso em BH, reconhecido celeiro de talentos da
publicidade.
Atualmente, a organização é composta por quatro setores bem definidos e responsáveis pelo
funcionamento da estrutura como um todo: Presidência e Diretorias Comercial, de Produção e
de Logística. Como a organização não tem um organograma formal, a estrutura hierárquica é
bastante simples e privilegia a funcionalidade. Não há gerência intermediária, ficando todos os
funcionários do parque gráfico subordinados diretamente aos diretores. A divisão em funções
foi feita de acordo com a maior ou menor aptidão para o cargo, prova disso é que somente um
dos diretores possui formação acadêmica, na área do Direito. A empresa caracteriza-se como
11
uma organização privada, de médio porte, que conta com perfil administrativo tradicional e de
cunho eminentemente familiar.
As relações de poder e processo decisório se concentram em seu diretor-fundador, embora ele
se autodenomine como um gestor bastante tranqüilo e acessível, computando isso ao fato de
que ele seria, na verdade, um operário gráfico por excelência, o que o leva a participar
ativamente de qualquer fase do processo, se houver necessidade. As decisões são tomadas em
reuniões com sua esposa e seus dois filhos, depois discutidas com os demais diretores,
resguardando-se ao diretor-chefe o direito de decisão final. Isso se deve à sua experiência do
negócio.
Tomadas de decisão relativas à expansão do negócio, à compra de equipamentos e pesquisas
sobre a modernização do parque gráfico são respaldadas pela participação em feiras
específicas, em encontros com outras empresas do setor e pela percepção dos sinais emitidos
pelo mercado. O proprietário é também diretor do Sindicato das Indústrias Gráficas do Estado
de Minas Gerais e isso o habilita a ter um relacionamento muito bom com os concorrentes. “A
gente tem essa política de ensinar e aprender”, afirma, com a convicção de quem conhece o
mercado onde se insere. A partir desse contexto do trabalho de pesquisa realizado torna-se
possível apresentar pontos de destaque com relação ao exercício da liderança na Gráfica 101.
Os gestores, quando questionados sobre as pessoas que têm habilidade para conduzir suas
ações no sentido de influenciar outras pessoas a seguir suas diretrizes, de modo geral,
demonstraram reconhecer que tal influência existe. No entanto, as percepções sobre a
existência dessas pessoas na organização se dividem em dois grupos. O primeiro afirma haver
apenas as influências positivas, que contribuem para consolidar os valores assumidos pela
empresa.
“Sim. Olha, um exemplo específico: liderança é vendas, é sistema que o pessoal
usa, o outro que vê o resultado e automaticamente procura se assemelhar aquele
que está dando certo, né?” (Gestor AC)
“Existem pessoas. Acredito que tem. Algumas pessoas que servem de exemplo, né?
Pelo trabalho. No desenvolvimento do funcionário, na produção dele. Não é de ficar
batendo papo, conversando demais”. (Gestor L)
O segundo ressalta que já houve a presença de pessoas cujo comportamento influenciava
negativamente os demais empregados.
“Bom, hoje, aqui a gente não está tendo esse problema muito, não. Nós já tivemos
esse tipo de problema. Ainda bem que foi cortado logo pela raiz, porque logo que a
gente vê, porque existe o líder bom e o líder mal, né? Então, quando a gente vê que
ele está influenciando as pessoas para o lado ruim, que vai prejudicar a empresa, a
gente já chama, conversa e, tenta resolver. Mas, quando não há jeito, a gente
sempre dispensa essas pessoas”. (Gestor F)
Perguntados se os líderes exerciam influência no comportamento da organização e de que
forma essa influência ocorria, os gestores, em consenso, afirmaram acreditar que a liderança
exerça influência. Porém, essa influência tende a ser vista sob perspectivas diferenciadas. Um
dos gestores, por exemplo, refere-se à influência em um sentido mais operacional, uma vez
que a define pelo fato de o líder de setor ser o responsável por determinar o serviço a ser feito
e a forma de fazê-lo.
12
“Sim. Acho que sim. Na verdade tem o líder, né? Que é o gerente de produção que
passa a função para o funcionário e ele segue aquela função, né? Não é igual a ele.
Os outros não têm nem a mesma regalia que eles.”. (Gestor L)
Os demais gestores, no entanto, afirmam que a influência da liderança pode ser sentida no
comportamento adotado pelos subordinados, que apresentam tendência de imitar o modo de
agir dos líderes.
“Exercem sim, porque o subordinado ao líder segue muito a linha do líder. Eu
tenho isso em mente, meu filho segue muito a minha maneira, puxa muito o jeito do
pai, E, com o líder também é assim o subordinado acaba seguindo muito a maneira
como o chefe conduz.”. (Gestor AJ)
“Sim. Com atitudes, né? Assim... comportamento, né? Por exemplo, horários. Se o
cara chega cedo todo mundo quer chegar cedo também. Para não dar motivo, né?
O comprometimento com o trabalho, o profissionalismo, entendeu? Aí, isso
influencia também no trabalho.”. (Gestor AC)
“Isso aí é uma coisa muito difícil de saber se influencia, se influencia alguma coisa
no comportamento.”. (Gestor F)
A fala de um dos gestores também revelou uma perspectiva na qual a liderança identifica a
influência dos gestores no comportamento organizacional, o que permite inferir que essa
influência também possa ser sentida quando se trata de construir, sedimentar e disseminar a
cultura organizacional.
“Os líderes passam isso pra frente. Os seus, é... subordinados veem que ele têm
seriedade no trabalho. E aí então vê que tem que seguir a doutrina da firma para
dar alguma validade.”. (Gestor AC)
Pelo depoimento apresentado, percebe-se a presença de um padrão de liderança que difere do
tipo transformacional, posto que o objetivo dos gestores é fazer com que os liderados
assumam a “doutrina” da empresa por meio da disseminação desta pelos primeiros sem,
contudo, considerar o outro lado da relação – os liderados. Assim, o caráter dialógico da
relação entre líder e liderado descrito pela liderança transformacional não se revela no
cotidiano da Gráfica 101.
Durante as entrevistas, os gestores foram solicitados a refletir sobre o exercício da liderança e
de que forma exercem esse papel na organização. Os quatro foram unânimes em afirmar que
se veem como líderes e possuem diferentes perfis de liderança. Democracia, expertise, tempo
de exercício no cargo e capacidade para resolver problemas foram as palavras e expressões
escolhidas para revelar a forma como conduzem seus trabalhos.
“Eu me considero um líder e exerço minha liderança ficando bem alerta. Sou
reconhecido como líder por que todos que têm um problema chegam para mim, me
perguntam, porque o líder não se forma líder, ele tem que nascer líder”. (Gestor F)
“Democraticamente. Por causa de experiências próprias. Porque eu acho que é
pela experiência dos anos trabalhados. Como eu trabalhei em várias empresas, eu
comecei como aprendiz, ajudante, montador, e dentro da empresa,passei por
diversas funções.” (Gestor AC)
“Como que eu conduzo? Sei lá. Sempre que acontece algum problema a gente vai lá
e tem que administrar esse problema. Com calma, né? Sem agredir o funcionário.
Acho que é dessa forma.”. (Gestor L)
13
“Eu me considero um bom líder, senão não estaria há 30 anos liderando isso aqui.
Embora eu tenha sempre procurado melhorar. E eu tenho melhorado muita coisa,
depois que a gente vai passando por dificuldades a gente vai melhorando a
liderança. Como que eu sou um bom líder? Com calma. A tranqüilidade me permite
fazer as coisas funcionarem melhor. Nos momentos que eu estou mais aflito, eu
nunca fui um bom líder. Eu sou melhor líder quando estou mais tranqüilo, como
ultimamente.”. (Gestor AJ)
Com o objetivo claro de encontrar, no pensamento dos gestores, o ponto de contato entre os
conceitos de liderança e poder, foi-lhes solicitado que discorressem sobre o assunto. Para eles,
liderança e poder não devem se misturar. E quando ambos se personificam no mesmo
indivíduo, prejuízos ocorrem, pois uma das razões para dissociar poder e liderança, é o fato de
os gestores relacionarem a tomada de decisão ao poder para decidir. Para o presidente e os
demais gestores, a liderança apenas coordena os trabalhos. O processo de decisão não é uma
de suas atribuições.
Além disso, verifica-se uma limitação na percepção do conceito de liderança, que pode ser
comprovada pela questão que trata da presença da liderança informal na empresa. Nessa
questão, os líderes foram unânimes em desconhecer a presença daqueles que têm capacidade
de exercer influência sobre os empregados, para levá-los a pensar diferentemente da chamada
doutrina da empresa. Freitas (2006) afirma que influência e poder são sinônimos e, assim,
influenciar é exercer poder sobre outrem.
Não se configura uma separação entre poder e influência, pois exercer influência é
afetar a política dos outros, quanto ao seu alcance, peso e domínio. Uma forma de
influência é uma forma de poder, e as lideranças têm papel preponderante nas
relações de poder. (FREITAS, 2006, p.143)
Portanto, ao acreditar que só detém poder aquele que decide os rumos do negócio, a liderança
da Gráfica revela um pensamento limitado sobre o conceito e permite que se identifique uma
fragilidade em seu processo de gestão. Além disso, essa visão funcional do poder impede que
os gestores explorem sua capacidade de influência sobre os empregados, para promover mais
aproximação entre estes e o modo de pensar da organização.
Quanto ao diálogo existente na Gráfica, todos os gestores afirmaram que essa é uma prática
comum na empresa, porém não é sistematizada. O que se observa é uma postura reativa da
liderança.
“De acordo com o momento, com a crise, com a dificuldade, com a necessidade de
cada um. Na empresa não tem essa mania, esse conceito sabe de “reunião agora”.
Ah, eu não tenho paciência para isso. Não sei se estou certo ou estou errado, mas
vou resolvendo os problemas na medida que vão aparecendo.”. (Gestor AJ)
“Com certeza. Ele é espontâneo. Não tem, assim nada de objetivo de fazer e
acontecer isso. É espontâneo. Ninguém força, ninguém é obrigado a ter.”. (Gestor
F)
“Algumas vezes, existe; outras não. De vez em quando rola uns pega pra capar,
umas confusões, aí. Mas, a gente senta, conversa, para procurar melhorar. Porque
não pode ficar brigando, né?”. (Gestor L)
“Olha, o diálogo, é no dia-a-dia. Não adianta, é isso é o que nós já fazemos já.”
(Gestor AC)
14
Como visto, os problemas são resolvidos à medida que surgem. O diálogo ocorre
principalmente na dinâmica do trabalho, não existindo estímulos para que o processo
ultrapasse a função operacional. A liderança não considera esse recurso como estratégico.
Essa fato está relacionado com as constatações feitas que tratam do processo de decisão e de
planejamento de metas para a organização. Não é característica da cultura da Gráfica planejar
processos que não estejam diretamente ligados a vendas.
Assim, por considerar o diálogo – uma prática discursiva – como elemento operacional nos
processos organizacionais, a Gráfica 101 revela não estar atenta ao caráter organizante da
interação social. Pela identificação de uma tendência de considerar válido apenas o
posicionamento da empresa diante das questões enfrentadas, torna-se evidente o caráter
conformador do exercício da liderança, que se orienta pelo padrão definido unilateralmente,
sem a oportunidade de os liderados participarem como agentes transformadores do modo de
pensar organizacional. No entanto, por ser o carisma uma característica muito presente na
liderança transformacional, observa-se que o presidente da Gráfica 101 pretende exercer uma
liderança com base nessa tipologia, mas acaba por transitar entre esta e uma abordagem mais
transacional, como apontado pelo depoimento a seguir.
“É uma coisa complicada. Agora estamos em um momento em que a gente colocou
uma pessoa como líder e ele está querendo poder “subir” um pouco, um pouco
poderoso [...]Então é uma preocupação grande que a gente tem aqui, porque eu
prefiro líder, mas eu tenho medo do poder. O poder às vezes faz a pessoa ter a
impressão de que ela cresce muito, e ela extrapola o objetivo da empresa. Então
aqui na gráfica a gente administra isso, a gente não deixa que a liderança suba ao
poder. Não quer dizer porque é líder que é todo poderoso, não é isso. Ele é um líder
para coordenar, para acompanhar o trabalho, para direcionar o trabalho, para nós
nos reportamos a ele e ele reportar as pessoas. Ele não é poder, não tem poder de
decisão. As pessoas que decidem aqui são poucas.”. (Gestor AJ)
Os estudos desenvolvidos na Midiograf e na Gráfica 101 revelam a realidade do nível
institucional, ou seja, como pensam o corpo diretivo e os gestores sobre a liderança. A
liderança transformacional e discursiva, entendendo-se como concepção inspiradora e de
interação social, respectivamente, não são notadas como comportamentos relevantes nas duas
realidades. Há ainda, no campo empírico, uma carência dessa consciência no nível
institucional.
Para que este estudo alcance um caráter pleno sobre o entendimento da liderança exercida
nessas organizações, é necessário conhecer as opiniões dos funcionários, para que, a partir
daí, análises possam ser realizadas considerando-se os diferentes níveis organizacionais. O
GEFACESCOM entende que, a partir do desenvolvimento da pesquisa com funcionários,
novas relações e interações poderão ser propostas em termos teóricos, evidenciando que as
organizações se fazem e se constroem pelos processos de interações e relações que são
efetivamente vividos entre lideres e liderados. Essa perspectiva significa conceber a
organização como possibilidades de relacionamentos e de processos criados, estimulados e
desenvolvidos pelas pessoas que são habilitadas para o desenvolvimento de suas
potencialidades e que se vêem com capacidade para criar as experiências organizacionais.
Considerações Finais
15
Os líderes apresentam habilidades para conduzir as ações, com vistas à influenciar outras
pessoas, e estimulam a capacidade dos colaboradores em prol da organização. Soma-se a esse
posicionamento o que Nord e Fox (2004, p.209) expõem “a liderança não é uma qualidade do
líder, mas uma construção cognitiva dos seguidores”. O estudo empírico desenvolvido revela
como premente e fundamental, no exercício da liderança transformacional e discursiva que se
estimule o relacionamento entre as características do líder, do liderado e do contexto em que
as experiências são construídas pela e em comunicação.
Ao explorar a abordagem integrativa, em especial a Liderança Transformacional evidenciam-se os aspectos emocionais e simbólicos da liderança. Há um novo posicionamento dos
líderes, os quais são capazes de sacrifícios individuais para que a missão da organização esteja
acima dos interesses próprios. Os discursos dos líderes das empresas pesquisadas buscam uma
aproximação com o que consideram lícito ou mais aceito na comunidade acadêmica,
evidenciando uma clara tentativa de afirmação de que seriam líderes ideais. Mas,
paradoxalmente, essa tentativa os afasta ainda mais de seu intento: presos ao modelo de
gestão usualmente adotado por seus pares e durante muito tempo reificado pelos manuais de
gestão, ainda não conseguem estabelecer novas bases de conduta de liderança.
Entende-se que os estudos desenvolvidos de forma inovadora pela professora Gail Fairhurst,
que tratam da liderança discursiva, são realmente uma incursão no campo do ser e do saber
que se farão presentes nas organizações. No caso das duas empresas pesquisadas há ainda um
longo caminho a ser trilhado, o que não significa dizer que esteja distante ou seja impossível.
Prova cabal disso é que ambas abriram suas portas e externalizaram suas ansiedades e
fragilidades aos pesquisadores, deixando entrever que reconhecem a necessidade dessa
proximidade com o que vem sendo discutido no meio acadêmico, de revisitar suas práticas.
Essa incursão nas organizações permite desvelar uma aproximação entre esses conceitos, os
quais se revelam como possibilidades de construção de ambientes mais interativos nas
organizações, que, de forma paulatina, caminham em direção a essa busca por se tornarem
lugares onde seja possível construir relacionamentos balizados por maior dialogicidade,
respeito e autonomia.
Referências Bibliográficas
ALVESSON, M. e KARREMAN, D. Taking the linguistic turn in organizational research. Journal of
Applied Behavioural Science, vol. 36, n. 2, p. 136-158, 2000.
BASS, Bernard M. Leadership and performance beyond expectations. New York: Free Press,
1985.
BASS, _____. A new paradigm of leadership: an inquiry into transformational leadership.
Alexandria, VA: U.S. Army Research Institute for the Behavioral and Social Sciences, 1996.
BRYMAN, Alan. Liderança nas organizações. In: CLEGG, S.T; HARDY, C.; NORD, W.R. (Orgs.).
Handbook de Estudos Organizacionais – ação e análise organizacionais. São Paulo: Atlas, 2004, v.
3, p. 256-281.
BURNS, James MacGregor. Leadership. New York: Harper & Row, 1978.
16
CASTANHEIRA, P.; COSTA, J. A. (2007). Lideranças transformacional, transacional e laissezfaire: um estudo exploratório sobre os gestores escolares com base no MLQ. Disponível em:
http://terrear.blogspot.com/2007/09/lideranas-transformacional.html. Acesso em: 09 de Março 2010.
CUNHA, Cleverson Renan da. Comunicação e a construção de relacionamentos interorganizacionais.
In: MARCHIORI, M. (Organizadora) Comunicação e organização: reflexões, processos e práticas.
São Caetano do Sul: Difusão, 2010, p. 237-250.
DINIZ, Bruno Vieira. LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina. Poder e influência interpessoal nas
organizações. FACEF Pesquisa. v. 8, n° 1, 2005, p. 23-33. Disponível em:
www.facef.br/facefpesquisa. Acesso em: 31/03/10.
DRATH, W. H.; PALUS, C. J. Making common sense: leadership as meaning-making in a
community of practice. Greensboro, NC: Center for Creative Leadership, 1994.
FAIIRHURST, Gail.; PUTNAM, Linda. L. Organizações como construções discursivas. In:
MARCHIORI, M. (Organizadora) Comunicação e organização: reflexões, processos e práticas. São
Caetano do Sul: Difusão, 2010, p. 103-148.
FAIIRHURST, Gail. T. (2007). Discursive leadership: In conversation with leadership psychology.
Thousand Oaks, CA: Sage.
FREITAS, Sidinéia Gomes; GARCIA, Maria José Guerra F. Comunicação e paixões nas
organizações. In: ORGANICOM – Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações
Públicas, ano 5, n.9, 2008, p. 119-129.
FREITAS,
Sidinéia
Gomes.
Liderança
e
poder:
um
enfoque
comunicacional.
In:
MARCHIORI,
Marlene
(Org.).
Faces
da
Cultura
e
da
comunicação
organizacional. São Paulo: Difusão, 2006. p. 135-148.
GARFINKEL, Harold. Studies in ethnomethodology. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1967.
KOUZES, James S.; POSNER, Barry Z. O desafio da liderança – como conseguir feitos
extraordinários em organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
ÑASTASE, Marian. Importance of trust in the knowledge based leadership. Review of International
Comparative Management. v. 10, nº 3, julho de 2009, p. 518-526. Disponível em: www.rmci.ase.ro.
Acesso em: 23/04/10.
NORD, Walter R.; FOX, Suzy. O indivíduo nos estudos organizacionais: o grande ato de
desaparecimento? In: CLEGG, S.T; HARDY, C.; NORD, W.R. (Orgs.). Handbook de Estudos
Organizacionais – ação e análise organizacionais. São Paulo: Atlas, 2004, v. 3, p. 186-225.
OLIVEIRA, Jair Antonio de. Os sentidos da linguagem. ORGANICOM – Revista Brasileira de
Comunicação Organizacional e Relações Públicas, ano 5, n.9, 2008, p. 77-89.
PUTNAM, Linda. Organizações e seus aspectos sutis. Entrevista concedida a Maria José Guerra de
Figueiredo Garcia e Luiz Alberto de Farias, publicada na ORGANICOM – Revista Brasileira de
Comunicação Organizacional e Relações Públicas, ano 5, n.9, 2008, p. 218-226.
ROBBINS, S. P. Administração. São Paulo: Saraiva, 2000.
SCHEIN, Edgar. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1985.
17
SMIRCICH, L.; MORGAN, Gareth. Leadership: the management of meaning. Journal of Apllied
behavioral science, 18, p.257-273, 1982.
SOUZA, Eloísio Moulin de. et al. A analítica de Foucault e suas implicações nos estudos
organizacionais. Revista Organizações & Sociedade. v. 13, n. 36, 2006, p. 13-125. Disponível em:
www.revistaoes.ufba.br. Acesso em: 31/03/10.
VILAÇA, Wilma P. T. Estudo sobre comunicação organizacional em empresas belorizontinas:
discurso para públicos ou diálogo com stakeholders? ORGANICOM – Revista Brasileira de
Comunicação Organizacional e Relações Públicas, ano 5, n.9, 2008, p. 101-117.
YUKL, Gary. Leadership in organizations. 6. Ed. New Jersey: Pearson Education, 2006
18
Download

A Liderança Transformacional e Discursiva Revelada ou