Número do processo: 1.0388.09.022934-4/001(1) Relator: JOSÉ FRANCISCO BUENO Relator do Acórdão: JOSÉ FRANCISCO BUENO Data do Julgamento: 27/08/2009 Data da Publicação: 09/09/2009 Inteiro Teor: EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. CONSTITUIÇÃO DE RESERVA LEGAL. IMPOSIÇÃO EM TODA E QUALQUER PROPRIEDADE RURAL INDEPENDENTE DE EXISTÊNCIA DE FLORESTA OU VEGETAÇÃO NATIVA. NECESSIDADE DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEVASTADA. INTERPRETAÇÃO QUE SE AMOLDA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL QUE ASSEGURA A TODOS, INCLUSIVE ÀS FUTURAS GERAÇÕES, O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.0388.09.022934-4/001 - COMARCA DE LUZ AGRAVANTE(S): JÚLIO MARIA DA SILVA - AGRAVADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO. Belo Horizonte, 27 de agosto de 2009. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO: VOTO Cuida-se de decisão proferida nos autos da ação civil pública, proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face de Júlio Maria da Silva, que deferiu a antecipação da tutela no sentido de determinar que o réu não realize qualquer intervenção na área de preservação permanente existente em sua propriedade rural, tais como agricultura, pecuária e atividades similares, proibindo o ingresso de animais bovinos no local, exceto em corredor para dessedentação do gado previsto pelo IEF, sob pena de multa por cada intervenção indevida, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). E, também, para determinar ao réu a cercar as áreas de preservação existentes na referida propriedade, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais). Inconformado, o réu agrava de instrumento, alegando, em resumo, que averbou reserva legal em sua propriedade, em data de 17.04.2008; que não há prova de intervenção na área de preservação permanente; que é necessária a realização de perícia pelo IEF para determinar onde serão colocados os corredores e quais os locais precisarão ser cercados; que a multa imposta é exacerbada, eis que é pequeno produtor rural, com apenas 50 hectares de terras; que o prazo de 180 dias para cercar a área é exíguo e foi fixado sem levar em conta a condição econômico/financeira do recorrente; que, se mantida a decisão, sofrerá irreparáveis prejuízos processuais, além dos materiais, vez que restará impossibilitado de realizar sua ampla defesa, além de estar impossibilitado financeiramente. Por fim requereu atribuição de efeito suspensivo a este recurso, até final julgamento, quando deverá ser dado o devido provimento. A liminar foi indeferida às fls. 77-TJ por não ter vislumbrado a presença dos pressupostos legais exigíveis para a concessão da medida pleiteada. Contrarrazões às fls. 83/87 em que pugna o Ministério Público pela manutenção da r. decisão guerreada. A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido do desprovimento do recurso interposto, fls. 91/94. Em síntese, esse o relatório. Conheço do agravo, eis que presentes os seus pressupostos de admissibilidade. Decido. Irresignado pretende o agravante a reforma da decisão que deferiu antecipação de tutela em Ação Civil Pública determinando providências para regularização da área de reserva legal em imóvel rural de sua propriedade, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias sob pena de incidência de multa diária no valor de R$100.00 (cem reais). Com efeito, o meio ambiente é direito de todos, cuja proteção encontra-se prevista tanto no contexto da Constituição (art. 255 da CF/88), quanto na legislação infraconstitucional, como, por exemplo, o Código Florestal (Lei nº. 4.771/65), pertinente à presente espécie. Por seu turno, é inegável a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública visando à preservação do meio ambiente, conforme se extrai do art. 129, III, da CF/88. É de se ressaltar também que existe expressa previsão legal na Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85) no sentido de ser possível a concessão de liminar, na ação em questão, com ou sem justificação. Assim, em que pese o inconformismo do agravante, impossível agasalhá-lo, pois em razão da aludida previsão legal, não há que se falar em ofensa ao devido processo tendo em vista que a decisão agravada foi proferida com respaldo em texto expresso de Lei, relacionando-se a liminar com o poder geral de cautela dado ao Judiciário, que nada tem de incompatível com a ampla defesa e o contraditório. Ademais, a multa cominada liminarmente é exigível somente após o trânsito em julgado da decisão, nos termos do § 2º da Lei nº. 7.347/85), e apenas na hipótese de procedência do pedido, podendo o agravante aduzir toda a matéria de fato e de direito por ocasião de sua defesa no feito, e produzir as provas que requerer e que forem úteis à instrução do feito, e até mesmo demonstrar, se for o caso, que não lhe seria imputável eventual demora no cumprimento da decisão, caso demonstre que a demora se deu exclusivamente em razão da morosidade e entraves burocráticos da Administração do IEF/IBAMA. Portanto, não se vislumbra, no caso, qualquer afronta ao devido processo legal, à ampla defesa ou ao contraditório. Oportuno salientar, que a proteção ao meio ambiente, por se tratar de um direito fundamental para preservação do planeta, pertencente à humanidade e às gerações futuras, constitui matéria imprescritível. O art. 225, da CF, impõe ao poder público o dever de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, incumbindo-lhe, para tanto, definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos e, também, proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica (CF, art. 225, § 1º, III e VII). (ADInMC 1.952-DF, rel. Min. Moreira Alves, 12.8.99). Ante o contexto constitucional, não há dúvida de que a averbação de área de reserva legal deve ocorrer ainda que no terreno inexista área de floresta. Se não foi possível preservar a vegetação nativa, é necessário restaurá-la, recuperá-la e reabilitá-la, de forma a assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e, principalmente, para as futuras gerações. Afinal, como bem adverte Dalai Lama, ""podemos perdoar a destruição do passado causada pela ignorância. Hoje, no entanto, somos responsáveis por preservar o meio ambiente para as gerações futuras. "" Por outro lado, ante a imensa devastação do meio ambiente, entender que a reserva legal se limita apenas às propriedades rurais que tenham vegetação nativa, é esvaziar por completo a finalidade da reserva legal, e mais, é consagrar uma interpretação que desprestigia o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O importante é impor a reserva legal a toda e qualquer propriedade rural, ainda que inexista vegetação nativa, já que é dever do proprietário promover a recuperação da área devastada. " A aquisição da propriedade sem a delimitação da reserva legal não exime o adquirente da obrigação de recompor tal reserva. Isso mais se enfatiza diante do comando contido no art. 99 da Lei n. 8.171/99, que confere, objetivamente, a obrigação de o proprietário rural arborizar, ao longo dos anos, a faixa destinada à reserva legal em suas terras. Não há, portanto, por que se falar em ilegitimidade passiva ad causam do adquirente do imóvel para responder a ação civil pública mediante a qual se busca proteger a área de reserva florestal legal no domínio privado, uma vez que é sua a responsabilidade pela ocorrência de danos ambientais. Em outras palavras, é o proprietário, ao tempo da exigência do cumprimento da obrigação de reparação ambiental, que deve responder por ela, visto que adquiriu a propriedade na vigência da legislação impositiva de restrição ao seu uso, além de que, se assim não fosse, jamais as reservas legais no domínio privado seriam recompostas, o que abalaria o objetivo da legislação de assegurar a preservação e equilíbrio ambientais. "" (REsp 195.274 - PR, relator Ministro João Otávio de Noronha). Com relação aos demais argumentos do agravante, acerca de ser contraditória a decisão de primeiro grau, tal questão deve ser discutida no curso do processo, não cabendo, no presente momento, antecipar qualquer julgamento sobre os temas de modo a não direcionar a futura decisão de mérito ou mesmo suprimir o primeiro grau de jurisdição, pena de julgamento per saltum. Pelo exposto, nego provimento ao agravo. Custas na forma da lei. Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): AUDEBERT DELAGE e DÁRCIO LOPARDI MENDES. SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.