Carf aceita planejamento com distribuição de dividendos
Por Laura Ignacio | De São Paulo
Lívia Germano: importante é que haja razão negocial para a operação, usada também como
planejamento tributário
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve um planejamento tributário comum
nas reestruturações societárias entre companhias limitadas: a distribuição de dividendos, antes da
venda de uma empresa ou participação acionária. O efeito prático dessa operação é a redução do
Imposto de Renda (IR) a ser pago por quem vende, porque o ganho de capital será menor. No
caso analisado, o Aché Laboratórios foi autuado pelo Fisco por ter deixado de recolher imposto
sobre R$ 17 milhões. A Fazenda propôs embargos de declaração, mas o recurso ainda não foi
julgado.
O Carf é a última instância administrativa que julga os recursos das empresas contra as autuações
da Receita Federal. A decisão favorável à companhia, por maioria dos votos, é da 2ª Turma da 1ª
Câmara da 1ª Seção do conselho.
O Fisco autuou a companhia farmacêutica ao analisar a venda de participação do Aché na
Prodome para a Merck Sharp, realizada em 2003. Segundo o processo, a contabilização da
operação pelo Aché demonstra que do total recebido (R$ 56,98 milhões), parte foi lançada na
conta de investimento (R$ 39,64 milhões) e parte como receita de dividendos (R$ 17,34 milhões)
e excluída do livro fiscal que registra o lucro. A lei concede a isenção de IR sobre dividendos.
O Fisco alegou que a distribuição de dividendos teria sido desproporcional, caracterizando uma
"simulação para esconder o pagamento de parte do preço". Argumentou que a distribuição de
dividendos ao Aché correspondeu a um valor maior do que a porcentagem de participação que a
empresa detinha na Prodome, fato que teria caracterizado uma venda constituída de partes de
valores e outra de distribuição de lucros da Prodome. Segundo a fiscalização, o valor recebido pelo
Aché correspondeu a 99% do patrimônio líquido da Prodome, o que foi considerado estranho.
Por nota, o Aché informou que prefere não comentar o assunto. No processo, a companhia
declarou que os dividendos provêm de sua própria conta de lucros e que poderia distribuir
dividendos do valor discutido porque seriam relativos a períodos anteriores. Em 2009, a 1ª Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as empresas podem usar o valor de juros sobre
o capital próprio pagos aos seus associados para reduzir os valores de IR a pagar, mesmo quando
esses juros tenham sido acumulados em períodos anteriores ao do pagamento.
Segundo o voto vencedor, do conselheiro João Carlos de Lima Junior, apenas quando o contrato
ou o estatuto social da empresa não trata da distribuição dos dividendos e, ainda, não há
deliberação dos sócios em relação ao assunto, é que referida distribuição deverá ser efetuada de
forma proporcional às quotas de cada sócio no capital social da sociedade.
Lima Junior lembrou que esse entendimento está de acordo com o artigo 1.007 do Código Civil
(CC): "Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das
respectivas quotas". Nesse sentido, deve-se constar em contrato a possibilidade de distribuição
desproporcional dos dividendos.
De acordo com o código, porém, esse tipo de planejamento tributário, entretanto, só pode ser
feito por empresas limitadas.
A Fazenda propôs embargos de declaração. Mas, segundo a advogada Lívia De Carli Germano, do
Lobo & de Rizzo Advogados, a Câmara Superior de Recursos Ficais (CSRF) só vai julgar o recurso
se aceitar que ele seja baseado em uma decisão divergente relacionada a pessoa física.
O Carf já foi favorável ao Fisco em um processo envolvendo uma pessoa física que recebeu
dividendos de forma desproporcional à participação societária que possuía na empresa. A decisão
determinou o pagamento de contribuição previdenciária sobre o montante, como se fosse
remuneração. Segundo a advogada, não há divergência relacionada à pessoa jurídica, essa seria a
primeira decisão.
"Entre empresas, o importante é que haja uma razão negocial para a operação, que é usada
também como planejamento tributário", afirma Lívia.
O procurador-chefe da Fazenda Nacional, Paulo Riscado, espera que os embargos de declaração
sejam julgados. Para ele, o Fisco deve analisar cada caso concreto para aceitar ou não a
distribuição desproporcional de dividendos. "Para esse tipo de operação ser legal, ela não pode ser
usada para a obtenção de vantagem tributária indevida, ser um planejamento tributário abusivo",
afirma.
No mercado, a distribuição desproporcional de lucros, para pessoas físicas ou empresas, é uma
forma de fazer a distribuição diferenciada por conta de algum know how específico, como a
experiência para participar de licitações. "Pode ser uma recompensa pelo maior risco do negócio
que a nova empresa vai assumir", afirma o advogado tributarista Edison Fernandes, do Fernandes,
Figueiredo Advogados.
Ao analisar o caso, Fernandes concluiu que o lançamento contábil foi correto porque a parcela
desproporcional deve ser registrada como receita de dividendos, não sujeita à tributação, e não há
qualquer vedação ou limite à distribuição de lucro relativo ao valor do patrimônio líquido. "Além
disso, pode ter ocorrido de a venda de participação societária ter gerado lucro, e esse lucro ter
sido distribuído como dividendos", afirma.
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