MAS COMO VAMOS EDUCAR
OS NOSSOS FILHOS PARA O AMOR E A SEXUALIDADE?
“Um pai e uma mãe são chamados a parecer-se com Deus também
neste capítulo: dão a vida, não para a guardar para si; têm filhos,
mas para os deixar partir, para os encorajar a serem homens e
mulheres que seguem o seu caminho, sem insinuar a nostalgia duma
vida protegida em que não lhes falte nada. O amor de um pai e de
uma mãe lança os filhos para a vida, na responsabilidade de
inventar o futuro do mundo.”
D.Carlo Maria Martinii (8)
CONCEBER UM PROJECTO EDUCATIVO PARA OS FILHOS
Como vimos, é principalmente aos pais que incube o direito e o dever da educação da
sexualidade dos seus filhos, apesar do contributo da escola e da influência dos meios de
comunicação social, e esta acontece no contexto da educação familiar globalmente
definida. Os pais precedem todas as demais fontes de educação, em dignidade e em
preponderância, não apenas no tempo. Este papel fundamental não é suplantado nem
pela escola, nem pela sociedade civil, nem pelo Estado, nem pela Igreja ou outras
instituições educativas. Todas estas instituições têm o dever de colaborar com os pais,
de acordo com o princípio da subsidiariedade. “ A família, a primeira e sem dúvida a
mais firme célula social, nasce da junção carnal de duas pessoas que se escolheram
mutuamente. Do seu seio surgem importantes frutos culturais e os mais entranhados
valores humanos”.ii(9)
Faz parte do processo de amadurecimento dos pais ganhar plena consciência da sua
missão educativa e formativa junto dos filhos, preparando-se para ela, esforçando-se por
vencer as suas próprias resistências e aquelas que os filhos mostram, procurando o seu
equilíbrio pessoal, psicológico e sexual. Também é essencial que haja uma boa relação,
madura e equilibrada, entre pai e mãe, de preferência fundada num amor que se
mantém e que progride, apesar das dificuldades. Uma educação eficaz dos filhos é um
processo extenso e exigente, que se torna mais complexo quando há divergências quanto
às orientações educativas, dificuldades de relação ou separação dos pais. Por vezes
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também é fastidioso, no sentido em que obriga a uma grande perseverança e paciência,
postas à prova por um longo período de anos. Também supõe uma enorme motivação,
pois os pais sabem que, não sendo a única influência que os filhos sofrem, nada lhes
garante o resultado almejado. Resulta ser, frequentemente, um processo mais difícil e
mais cansativo do que pensam, habitualmente, uns futuros pais, entusiasmados com a
ideia de dar vida a um novo ser humano.
Também é importante que os pais troquem informações entre si sobre as características
de personalidade e as necessidades educativas de cada filho, pois pai e mãe têm
perspectivas diferentes e foram, eles próprios, educados em contextos familiares
distintos. A partilha enriquece-os mutuamente e ajuda cada um a dar o melhor de si a
cada um dos filhos. Identicamente, é útil que se ponham de acordo quanto ao essencial
das orientações a dar aos filhos, das regras e exigências a fazer e da forma como vão
actuar perante situações novas ou complexas.
Além disso, portadores, como são, de experiências, ideias e valores, os pais devem
habituar-se a exprimir livremente as suas ideias sobre a vida e as coisas, discutindo
acontecimentos, comportamentos e teorias em conjunto com os seus filhos, sem receio
de parecer pouco informados ou antiquados. Mesmo quando os filhos têm mais estudos
do que os pais, os pais têm sempre mais experiência da vida, dessa experiência feita de
erros e acertos, preocupações e êxitos, coisa que, por estranho que pareça, não vem
com nenhum computador, nem se encontra noutra escola que não seja a escola da vida.
RESPONDER ÀS PERGUNTAS DOS FILHOS
Tal como outras dimensões da vida, a sexualidade não se educa numa lição ou conversa
apenas: há que definir uma meta, própria para cada criança e para cada idade, e
trabalhar todos os dias, com consistência e generosidade. Além disso, as crianças e os
adolescentes colocam muitas perguntas, algumas das quais relativas à sexualidade. Essas
perguntas exigem respostas imediatas, mas não improvisadas. As boas respostas são
honestas e francas, adequadas à capacidade de compreensão da criança e à etapa de
desenvolvimento psicológico em que se encontra. Acontece que, por vezes, os pais não
conhecem todas as respostas, ou então conhecem-nas, mas não sabem como adaptá-las
aos filhos e qual a linguagem que necessitam usar.
Similarmente, é possível que os pais se sintam embaraçados com as perguntas, o que os
leva a cometer alguns erros: ignorar, adiar, disfarçar, dar uma resposta errada. O erro
mais grave é o de transmitir à criança a ideia de que as suas perguntas são estúpidas ou
que é errado fazer perguntas. De um modo ou outro, a criança deixará de questionar,
mas não deixará de ter as dúvidas e as e as ideias incorrectas que a incomodam. A culpa
e a vergonha impedem as crianças de se confiarem aos adultos, o que significa
deixarem-nas à mercê da sua própria confusão ou da influência de estranhos,
aparentemente mais abertos do que os seus pais. Em contrapartida, uma resposta tende
a estimular novas perguntas, o que contribui para os pais conheceram a personalidade e
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as competências dos seus filhos, podendo adaptar a sua educação a cada um, em cada
momento.
Os pais também não necessitam de esperar pelas perguntas dos filhos para proporcionar
condições e ocasiões de aprendizagem. Uma gravidez ou um nascimento na família
aproxima-os do tema e proporciona uma discussão estimulante e afectuosa. O
comportamento sexual dos animais domésticos também pode ser um ponto de partida,
acessível às crianças pequenas e interessante para todas as que apreciam a natureza.
DEFENDÊ-LOS DAS PRESSÕES E DOS EFEITOS DA IGNORÂNCIA
Além de responderem, bem, ás perguntas dos filhos, os pais também necessitam de
prepará-los para viverem adequadamente a sua vida quotidiana e, até, defendê-los de
determinadas pressões ou situações potencialmente nocivas. Quando as crianças não
estão preparadas para lidar com o desconhecido ou não compreendem o que se passa,
mesmo situações simples podem ser sentidas como desencadeadoras de ansiedade e
angústia. Podem antecipar a informação de que necessitarão em cada etapa e
desenvolver um conjunto de conhecimentos que apresentarão aos filhos, durante uma
conversa provocada, a propósito de um filme ou partilhando a leitura de um livro
adequado, dos muitos que já existem no mercado.
São exemplos típicos desta necessidade de antecipação a aproximação provável das
primeiras ejaculações e das emissões nocturnas, para os rapazes, assim como a
aproximação da menarca, no caso das raparigas. Estes acontecimentos, de grande
significado desenvolvimental, prestam-se à angústia e ao medo, derivados de
sentimentos de estranheza e de anormalidade ou do receio que os adolescentes têm de
estarem doentes.
Por vezes, uma perturbadora causa de ansiedade nos adolescentes, de ambos os
géneros, diz respeito às características físicas e anatómicas. Os jovens necessitam de
perceber que a adequação sexual não depende do tamanho nem da forma dos orgãos
sexuais. Também é importante que saibam que, até à vida adulta, serão objecto de
muitas mudanças físicas e psicológicas, e que a sua maturidade e adequação psicológica
e social não se baseiam nos estereótipos sociais relativos aos padrões de beleza, sujeitos
a grande variabilidade sazonal e a exigências disparatadas. Claro que tal não significa
que os adultos ignorem a importância que estas mudanças têm para o desenvolvimento
de cada um: trata-se de colocar cada coisa na sua devida perspectiva e dimensão.
SER TESTEMUNHA E EXEMPLO
Os pais nunca deverão esquecer que são, durante muitos e particularmente sensíveis
anos, a principal fonte de observação e modelagem do comportamento que se oferece
aos filhos e que estes, particularmente, reconhecem como valiosos, atendendo à força
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dos laços afectivos que unem pais e filhos. Mesmo quando esses laços são escassos ou
deformados por dificuldades várias, o desejo de partilhar o afecto com os pais, de ser
por eles reconhecido, domina grande parte dos afectos das crianças e, até, dos
adolescentes. A qualidade do desenvolvimento adolescente está, em grande parte,
associada a relações satisfatórias com os pais, baseadas num amor prático, na
comunicação e numa atitude educativa democrática, isto é, na qual se conversa e onde
os adultos assumem posições e explicam porque o fizeram. trata-se de uma educação
não autoritária nem impositiva, mas que revela autoridade por parte dos adultos.
PREPARAR PARA AS EXIGÊNCIAS DA VIDA REAL
A fertilidade e a sua gestão, assim como os cuidados relativos à prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis, também fazem parte da agenda parental. Mesmo quando os
pais têm claro que querem ajudar os filhos a adiar o início da vida sexual activa, quando
os educam numa mentalidade orientada para a abstinência ou conforme ao padrão moral
de que as relações sexuais genitais só devem ter lugar no contexto do matrimónio,
devem estar conscientes de que, provavelmente, no momento da decisão não serão
consultados. Tal significa que, a par da transmissão da sua perspectiva pessoal, os pais
não se devem demitir de iluminar a informação necessária para os filhos poderem
escolher bem o que fazer e como se comportar, facilitando progressivamente os dados
adequados e a leitura relativa às consequências de cada possível opção. Deverão deixar
claro que cada decisão implica sempre uma renúncia e que uma pessoa madura aprende
a aceitar esta eventualidade.
Também cabe aos pais a difícil discussão sobre as possibilidades de serem sexualmente
molestados, para que compreendam os perigos gerais a que podem expor-se na relação
com adultos e pares, assim como a exploração a que poderão ser submetidos,
frequentemente por indivíduos familiares que manipulam os seus sentimentos. Uma
relação de confiança deve encorajar, objectivamente, a capacidade para referirem aos
pais quando e se estiveram expostos a situações de desconforto ou que lhes parecem
estranhas. Tal comportamento supõe que confiam nos pais e não receiam ser criticados,
melindrados ou castigados.
FOMENTAR A FELICIDADE
Independentemente do tipo de estrutura familiar, a educação de sexualidade que tem
lugar em ambiente familiar deve sustentar uma orientação responsável, positiva,
saudável e bem disposta para com a sexualidade, dom da vida e instrumento de
satisfação pessoal e relacional. Os filhos precisam entender que os pais se sentem felizes
e confortáveis com a sua sexualidade. Esta noção resulta da observação do
comportamento não verbal dos pais e de uma apreciação geral de como estes se
relacionam, se comunicam, se respeitam.
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Quando os pais sentem que algo não corre bem com a sua sexualidade, mesmo
momentaneamente, como adultos que são, devem procurar ajuda. Uma consulta com o
médico de família, com um psicólogo de confiança, com um sacerdote que os conhece
e/ou que tem experiência na orientação familiar, pode ser um bom primeiro passo. A
este respeito, deve considerar-se a situação particular das famílias reconstruídas e os
problemas e dificuldades próprios que deverão enfrentar. Provavelmente, a atitude mais
madura será a de os membros do novo casal não tentarem, a todo o custo, que a família
se pareça com uma família estruturada em torno de um primeiro casamento ou, até, de
uma família cujos pais se separaram mas que não voltaram a casar-se. Os responsáveis
por este novo núcleo familiar devem começar por aceder a esta ajuda sem os filhos,
procurando, primeiro que tudo, aprender, com ajuda profissional qualificada, a ser uma
boa família reconstruída, porque os filhos de ambos os ramos familiares o necessitam.
Mais tarde, a pessoa que os acompanha poderá solicitar a presença dos filhos, quando as
dificuldades já foram abordadas, seriamente, entre adultos.
SABER COLOCAR EXIGÊNCIAS MORAIS E APRENDER A
FUNDAMENTAR ESCOLHAS ÉTICAS
Finalmente, gostaríamos de referir que os pais precisam de ser ajudados a equilibrar,
com justiça, a firmeza e a capacidade de fundamentar perante os filhos as suas
exigências no campo da moral. Também devem aprender a confrontar os filhos com as
consequências dos comportamentos errados, pois o surgimento de comportamentos
juvenis disfuncionais, baseados em padrões morais e emocionais desadaptados, tanto
decorre de um tipo autoritário de educação parental (muito exigente, mas pouco capaz
de responder às necessidades dos filhos) como de um tipo permissivo (muito tolerante e
aberto às necessidades dos filhos, mas sem autoridade nem quaisquer imposição da
vontade).
Muitos pais hoje também acham que as exigências e restrições ao comportamento dos
filhos desencorajam o seu desenvolvimento criativo e espontâneo. De facto, recusam-se
a reforçar expectativas de comportamento maduro e não sabem dizer ”não” aos filhos
de uma forma consistente e firme. Deste modo, permitem que as crianças e os
adolescentes coloquem as suas reacções emocionais no centro das suas preocupações,
contribuindo para que, mais tarde ou mais cedo, neguem os seus erros e não aceitem a
pobreza do seu comportamento moral. Esta auto-indulgência emocional leva os jovens a
um padrão comportamental de indiferença que impede um relacionamento equilibrado
com as necessidades e direitos dos outros. Apresentam atitudes de desprezo arrogante
pelas opiniões alheias, concentrando-se num sentimento exagerado de mais valia.
Em contrapartida, quando são apresentadas expectativas consistentes, que ensinam as
crianças a orientar os sentimentos para consigo e com outros, estas aprendem a
acomodar e regular o seu comportamento de forma cooperativa, e não manipulativa. A
sua submissão voluntária à motivação para o bem emerge de uma compreensão genuína
e negociada das regras morais, apresentando um comportamento que integra as
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emoções morais: empatia, vergonha, culpa. Estes jovens respeitam os outros,
alimentados por uma comunicação aberta com os pais e outros adultos, que os ajudam a
compreender e modular os seus sentimentos. As investigações mostraram a importância
que tem o facto de os adultos serem capazes de falar dos seus sentimentos, emocionais,
morais, estéticos, e da forma como resolvem os dilemas que lhe são habitualmente
colocados, apresentando-se como modelos firmes.
A preocupação com a educação moral dos filhos associa-se a uma outra dimensão, a da
abertura ao transcendente, pois uma boa e integral educação da pessoa supõe a procura
de um sentido mais profundo para a vida. Os pais procurarão que os filhos sejam felizes
e realizados, propondo-lhes uma opção pelo caminho da santidade. Para isso deverão
ajudá-los a frequentar bons ambientes e a desenvolver um sentido de pertença eclesial,
de serviço ao outro e de renúncia ao egoísmo, por exemplo, através do trabalho
voluntário, da prática da oração em família, da frequência dos sacramentos.
Estas experiências educativas também ajudam as crianças e os adolescentes a
reconhecer-se nas experiências de outras famílias, a sentir-se integrados em grupos da
sua mesma idade e a canalizar de forma positiva muita da energia e criatividade que
lhes é própria. Aprenderão, igualmente, a cultivar a diferença como algo de
qualitativamente positivo: serão capazes de escolher viver uma vida plena, apesar de
difícil, apesar de ir contra a corrente dominante. Num sentido cristão, vive-se a vida
com um sentido de busca da santidade. A felicidade decorre da capacidade para praticar
o bem e amar o seu próximo.
Cristina Sá Carvalho
Referências da obra
“Conversar com os filhos sobre a sexualidade”
Cristina Sá Carvalho
Ed. Fundação Secretariados Nacional de Educação Cristã, Lisboa 2008
Onde a pode adquirir?
Fundação Secretariados Nacional de Educação Cristã
Quinta Cabeço Pt D
1885-076 MOSCAVIDE
Tel. 218 851 285
E-mail: [email protected]
Ou
Secretariado Diocesano da educação Cristã
Rua Arcediago Van Zeller, 50
4050 - 621 PORTO
Tel. 226056037 (das 14h às 17.30)
E-mail: [email protected]
i
ii
D.Carlo Maria Martini, O«Pai Nosso» em família, Lisboa, Edições Paulinas, 1998, p.18
Rojas, op.cit, p.149.
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Educar os nossos filhos para o amor e a sexualidade