A SÍNDROME DE BURNOUT EM PROFISSIONAIS DA SAÚDE: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA
BURNOUT SYNDROME IN HEALTH PROFESSIONALS: A LITERATURE REVIEW
Kelly Cristina Alvaredo Matubaro, Maria Cristina Frollini Lunardelli, Amili Martins Ellaro, Larissa
Figueiredo Salmen Seixlack Bulhões, Ludmila Limonti de Souza
Campus de Bauru – Faculdade de Ciências – Psicologia – [email protected]
Palavras chaves: Síndrome de Burnout; profissionais da saúde; saúde do trabalhador
Keywords: Burnout Syndrome; health professionals; occupational health
Introdução
A Síndrome de Burnout é uma forma de resposta ao estresse laboral crônico, sendo esta uma
condição na qual o trabalhador se desgasta, e desiste, na medida em que perde a satisfação e sentido
pelo trabalho.
Considerando a situação econômica global e, conseqüentemente, o desemprego, a
insegurança e o medo de perder o emprego, é necessário compreender o assunto para promover
alternativas e medidas de intervenção eficazes visando a saúde e o bem-estar do trabalhador. Dessa
forma, é importante compreender os fatores predisponentes e conseqüentes os quais podem
instrumentalizar o psicólogo a intervir para prevenir, tratar ou minimizar a procedência da
síndrome, tanto nos profissionais quanto nas organizações.
Objetivos
O objetivo geral desse estudo foi fazer um levantamento e análise de artigos científicos
sobre a Síndrome de Burnout em profissionais da saúde, no período de 2003 à 2009, a fim de
atingir os seguintes objetivos específicos: identificar os principais sintomas do quadro clínico, assim
como os fatores de risco e desencadeantes para o desenvolvimento da síndrome; compreender os
fatores predisponentes e conseqüentes; fazer comparações entre os dados obtidos; identificar
profissionais e as profissões da saúde mais afetados, bem como as formas de tratamento, prevenção
e possíveis intervenções, principalmente de caráter preventivo, nas organizações.
Fundamentação teórica
No contexto da globalização, o trabalho não está necessariamente vinculado ao prazer, ao
reconhecimento e crescimento profissional, sendo que este vem sendo percebido como uma fonte de
sofrimento e adoecimento do trabalhador, que aparece muitas vezes quando o individuo já não
passa a modificar sua atividade no sentido de torná-la mais adequada às suas necessidades
fisiológicas e a seus desejos (KILIMNIK, 1998).
A síndrome de Burnout é definida por Codo e Menezes (2002) como uma condição na qual
o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não
importam mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil. De acordo com Maslach e Jackson (1981) a
síndrome aparece como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e
excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes estão preocupados ou com
problemas. Codo e Menezes (2002) também apontam que a síndrome é entendida como um
conceito multidimensional que envolve três componentes: (1) exaustão emocional, (2)
despersonalização e (3) falta de envolvimento pessoal no trabalho.
Segundo Calais e Inocente (2004), o Burnout é resultante da interação de variáveis
psicológicas, biológicas e socioculturais, além de fatores de risco e multideterminantes que
aumentam a probabilidade do desenvolvimento e da manutenção da síndrome. Dessa forma, o grau
e o tipo de manifestações dependerão da configuração de fatores individuais (predisposição
genética, experiências socioeducacionais) e fatores ambientais (locais, pessoas e condições de
trabalho).
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Metodologia
Para o levantamento bibliográfico, buscou-se artigos e revistas científicas acerca da
Síndrome de Burnout em profissionais da saúde, no período de 2003 a 2009, nas seguintes bases de
dados: IndexPsi, Scielo, Lilacs e PsycInfo. Além disso, alguns livros foram consultados para
conhecimentos gerais a respeito do assunto. Após a coleta, as informações e resultados obtidos
foram analisados e comparados, considerando alguns aspectos relevantes da síndrome em
profissionais da saúde, como por exemplo, os principais desencadeantes e fatores de risco, as
estratégias de intervenção que apontam resultados positivos, comparações entre os profissionais da
saúde mais afetados, as condições de trabalho, entre outros.
Resultados
Foram identificados 11 estudos dos quais apenas um se apresentava como uma revisão
bibliográfica, sendo que os dez restantes se caracterizavam por uma pesquisa de campo. Dentre os
estudos encontrados, a população mais investigada foi médicos em geral, enfermeiros e assistentes
de enfermagem. E um estudo apresentou investigação com agentes comunitários da saúde.
Na investigação com agentes comunitários da saúde (Programa de Saúde da Família), Silva
e Menezes (2008) realizaram uma pesquisa com agentes de unidades básicas de saúde para medir as
três dimensões da síndrome do esgotamento profissional: exaustão emocional, despersonalização e
decepção (baixa realização pessoal). Nos resultados, 24,1% dos entrevistados apresentaram a
síndrome de esgotamento profissional, sendo que a maioria apresentou exaustão emocional. Outra
pesquisa realizada com diversos profissionais – dois médicos, um secretário, um psicólogo, um
farmacêutico, um enfermeiro e três auxiliares de enfermagem que atuam numa clínica de oncologia
pediátrica, apontou como fontes de estresse as dificuldades da organização do trabalho, bem como
as características da doença, seu tratamento e a morte de crianças (RAMALHO; NOGUEIRAMARTINS, 2007).
Em estudos realizados com médicos (BARROS et al., 2008; LIMA et al., 2004;
TUCUNDUVA et al., 2006), avaliou-se a síndrome de Burnout nas suas três dimensões,
classificadas em níveis baixo, moderado e alto. Dentre essas pesquisas, participaram médicos
intensivistas que trabalhavam na UTI adulto (com prevalência da síndrome de 63,3%, sendo que a
principal dimensão afetada foi a exaustão emocional); médicos residentes do Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Uberlândia (20,8% apresentaram incidência de Burnout, 65% da
população estudada apresentou classificação alta em exaustão emocional); cancerologistas (indícios
da síndrome em 15,7% dos médicos, nos quais 55,8% na dimensão exaustão emocional).
Assim também, outros estudos (FOGAÇA et al., 2008; HERNANDEZ, 2003; FELICIANO;
KOVACS; SARINHO, 2005) foram realizados com duas populações: médicos e enfermeiros.
Fogaça et al. (2008) realizaram uma revisão bibliográfica sobre estresse ocupacional e Burnout em
médicos e enfermeiros que trabalham em unidade de terapia intensiva pediátrica e neonatal
(UTIPN). Hernandez (2003) realizou um estudo transversal com profissionais da saúde dos níveis
primário e secundário de atendimento, a respeito de estresse e Burnout. Os resultados concluíram
que assim como o gênero e a profissão, o nível de atendimento também diferenciou as respostas de
estresse e Burnout. Feliciano, Kovacs e Sarinho (2005) pesquisaram os sentimentos de profissionais
dos serviços de pronto-socorro pediátrico diante das situações de trabalho, tendo como foco os
componentes do Burnout. Jodas e Haddad (2009), em uma pesquisa com trabalhadores de
enfermagem atuantes no Pronto Socorro do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná
(HURNP), investigaram os sinais e sintomas de Burnout nos participantes. Constatou-se que 8,2%
apresentaram sinais da síndrome.
Paschoalini et al. (2008) investigaram possíveis indicadores de alterações cognitivas,
depressão, ansiedade e agentes estressores ocupacionais em auxiliares e técnicos de enfermagem e
enfermeiros de diversos setores da Santa Casa de Misericórdia de Assis-SP. Em uma pesquisa de
Gil-Monte e Marucco (2008) realizada em Buenos Aires, foi utilizado critérios de diferentes países,
para analisar Síndrome de Burnout em pediatras de hospitais gerais. Foram utilizados diferentes
critérios referentes a vários países para estabelecer sua prevalência, que variou muito de acordo com
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o critério de cada país. Essa pesquisa permitiu concluir que as influências transculturais podem
influir significativamente nos critérios para estabelecer a prevalência da Síndrome de Burnout.
Discussão
Analisando os resultados das pesquisas revisadas pode-se verificar que o componente da
síndrome que aparece com maior prevalência é a exaustão emocional. Quanto às fontes de estresse
relacionadas ao diagnóstico da Síndrome de Burnout, as mais recorrentes foram: a falta de
reconhecimento do trabalho, problemas na rotina, falhas na coordenação do grupo de trabalho, falta
de recurso de auxílio ao profissional, fraca estrutura administrativa no serviço de saúde, falta de
apoio social, discrepância entre a remuneração e o esforço empregado, falta de oportunidades de
desenvolvimento pessoal, sobrecarga de trabalho, entre outros. Além disso, também foi
identificado: necessidade de atualização de informação para assegurar a competência profissional,
conflitos com superiores, sentir muita responsabilidade nos resultados de atendimento aos
pacientes, baixo reconhecimento por parte da população assistida, etc.
Por outro lado, a prevalência de Burnout foi menor entre os profissionais que referiram ter
algum hobby, que praticavam atividade física regular, apresentavam maior tempo e experiência na
área de atuação, que possuíam título de especialista, entre outros.
Os sintomas indicativos de Burnout foram transtornos do sono, cefaléias, ansiedade,
irritabilidade, depressão, fadiga ou fraqueza, azia ou acidez estomacal, níveis elevados de cortisol,
etc. Além disso, também são indícios da síndrome a ocorrência de cansaço, esgotamento, angústia e
revolta pela sobrecarga e limitações dos recursos frente às situações que envolvem risco de vida,
temor de cometer enganos fatais, o descrédito nas possibilidades de mudanças e a vontade de
desistir, sentimento de inadequação e fracasso, sentimento de pouco tempo para si, dores nos
ombros e nuca, sentimento de cansaço mental e estado de aceleração contínuo.
Algumas atitudes diante do trabalho, citadas pelas pesquisas, as quais tornam o profissional
vulnerável ao desenvolvimento de Burnout são: envolver-se profissional e não pessoalmente na
ajuda aos pacientes e familiares, aumentando a ansiedade ou estimulando a racionalização por meio
do distanciamento emocional; o confronto entre os limites e potencialidades dos serviços e as
necessidades dos usuários, que podem provocar atritos entre os profissionais e pacientes;
desconfiança em relação aos colegas de profissão. Os resultados da pesquisa apontam para a
necessidade de intervenções institucionais de capacitação e apoio para que o profissional possa lidar
com os aspectos subjetivos da atividade assistencial, prevenindo-se contra a instalação do Burnout.
As alternativas apontadas pelas pesquisas para a prevenção da síndrome foram menos burocracia,
limitação do número de pacientes atendidos, e maior quantidade de formação continuada.
Conclusão
Diante dos dados apresentados pelas pesquisas, percebe-se a necessidade de atenção no
gerenciamento da situação de bem-estar dos trabalhadores da área da saúde, considerando que
possuem maior proximidade físico-psicológica com o doente/familiares. É importante notar que a
dinâmica organizacional do trabalho em hospitais gera grande tensão ocupacional, sendo necessário
monitorar periodicamente a saúde mental e física desses trabalhadores.
Com base nos artigos pesquisados, algumas indicações para os profissionais da saúde, no
que diz respeito ao contexto de trabalho, são: encontrar mecanismos para controlar estressores do
trabalho dentro do hospital, usando sistemas de apoio informal e formal; definir limites pessoais em
termos de tempo e energia, evitando envolvimento excessivo; manter linhas de comunicação aberta
com os colegas; deixar suas necessidades serem conhecidas pelos colegas e supervisores,
especialmente quando a limitação dos recursos leva à sobrecarga. No que se refere à vida pessoal, é
importante manter equilíbrio entre vida pessoal e profissional, dedicar tempo à família, relaxar,
engajar-se em atividades prazerosas, praticar atividades físicas regularmente, entre outros. Em
relação ao contexto das instituições, pode-se seguir as recomendações do Ministério da Saúde
(2001; 2004): criar canais de identificação das necessidades e expectativas do trabalhador, bem
como canais de retorno desta avaliação; criar cursos de capacitação permanentes dos profissionais
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de saúde com foco na humanização do serviço; criar sistema de apoio psicológico e social aos
profissionais; formar grupos transdisciplinares para discussão de casos clínicos, etc.
É importante ressaltar que a função daquele que se propõe a cuidar dos cuidadores é a de
ajudar o grupo de profissionais a lidar com seus problemas, os quais podem ser de ordem
socioeconômica ou emocional, de uma maneira mais construtiva, desenvolvendo condutas éticas de
respeito à dignidade dos pacientes e valorização dos colegas. O sofrimento psíquico inerente à
atividade dos profissionais de saúde, ao ser cotidianamente compreendido e elaborado pelos seus
protagonistas, poderá ser transformado em desenvolvimento pessoal e construção de
conhecimentos.
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