Universidade do Vale do Paraíba Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Aline Aparecida Guimarães Rodrigues da Silva Políticas Públicas inclusivas visando a Pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez: Consolidando direitos São José dos Campos, SP 2011 Aline Aparecida Guimarães Rodrigues da Silva Políticas Públicas inclusivas visando a Pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez: Consolidando direitos Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Machado Guimarães São José dos Campos, SP, 2011 DEDICATÓRIA Dedico este estudo ao Deficiente Auditivo/Surdo, pela nata potencialidade à superação. Que o som do movimento, da efetiva percepção político-social, alcance o silêncio recluso de sua cidadania; E, dedico toda minha força e esforço especialmente à minha filha Lívia Mariana, Que, de forma linda e graciosa, veio dar vida a este questionamento e novas(embora difíceis) perspectivas para os estudos da mamãe. Eu a amo de uma forma que nenhuma palavra jamais poderá traduzir. Eu não sou uma revolucionária, mas me atrevo a sonhar e ‘parafrasear’ o sonho de Martin Luther King (1963)... Eu tenho o sonho de ver pequenas crianças viverem numa nação onde elas não serão julgadas por suas diferenças, (deficiências), mas pelo conteúdo de seu caráter. Sonho com um país responsável na ideologia e na prática, onde a carta de direitos da Pessoa com Deficiência seja apenas a letra (discurso) que se transformou em realidade. (prática social). No meu sonho, estas crianças terão o direito de serem surdas e não serão menos crianças por isso, porque estarão cobertas por algo maior que a privação sensorial: a igualdade de direitos, envolvida pela garantia de acesso a todos eles. E, por este motivo quando se tornarem adultas, não serão consideradas deficientes, e sim cidadãs de um país onde seus direitos não foram tratados de forma deficiente. Na realidade, eu tenho vários sonhos, mas este é o que me fala mais alto, porque nele, as crianças não sabem que o silêncio da cidadania pode ensurdecer a alma. E não sabem disto, porque neste sonho, a cidadania é uma realidade. (KING, 1963) Agradecimentos Ao meu orientador, Professor.Dr. Antonio Carlos Machado Guimarães: Obrigada por sua, sempre gentil, forma de mostrar o caminho, que me fez amadurecer academicamente, e por sua sobriedade que me fez amadurecer enquanto educadora. Aos professores do curso de Planejamento Urbano e Regional, por conduzirem reflexões que produzissem a presente provocação deste estudo: Prof.Dra Sandra M. F. Costa e Prof.Dr. Mario Valério Filho: Obrigada pelo carinho, atenção e apoio; Prof.Dr. Paulo Romano Reichilian, Obrigada por ativar no aluno uma necessidade de não se conformar com um estudo medíocre e muito obrigada pela indicação junto ao Conselho de Concessão de Bolsas. Prof. Dr. Emmanuel Antonio dos Santos, Obrigada por ser um hábil provocador de ideias e possuir uma incomparável sensibilidade ao ajustar o foco sobre as discussões, sempre com uma elegância de comportamento rara; Professor José Osvaldo Soares de Oliveira , Obrigada por sua postura acadêmica, onde a excelência não é o máximo...mas o suficiente. Sua eficiência e eficácia na conduta acadêmica me ensinaram muito. Prof.Dr Pedro Ribeiro Moreira Neto, Obrigada por apontar um caminho plausível em meio às Políticas Públicas por onde podemos desbravar nossos direitos. Suas contribuições mediaram muito minha perspectiva. À querida colega de curso Elisa Girardi, Obrigada pelo apoio e inúmeras caronas! Uma amiga tão querida quanto uma irmã! Foi um privilégio conhecer e aprender a ser uma pessoa melhor com você. E, claro, às queridas: Maria Alice, Valéria, Dona Ivone e Dona Nena, que se titularam em paciência ao me aguentar durante todo este processo. Obrigada por realizarem seu trabalho com tanta presteza e me aguentar dando trabalho! Vocês são indispensáveis! Por tudo e para todos: Muito obrigada! Que o peso desta palavra, não tenha se perdido, e traduza minha gratidão pela instrumentalidade de vocês que tanto contribuiu para que esta etapa fosse concluída. Agradecimentos Especiais ‘Grandes coisas fez o Senhor por mim, e por isto estou alegre.’ (paráfrase do Salmos 126.1a) Sou grata ao meu Deus que, por sua graça e misericórdia me trouxe até aqui. Ao meu esposo Marcos Augusto Souza Rodrigues da Silva, meu coração é grato a Deus pela preciosidade que é tê-lo ao meu lado, você me impulsiona e me respalda, você é o meu amado. Ao meu filho Lucas Augusto, por suportar minha ausência, eu te amo ‘bem grandão’, tenha certeza que a mamãe sofreu cada ‘segundinho’ longe de você! À minha filha Lívia Mariana, por trazer luz a este estudo, ele já era especial antes de você chegar, mas depois de você ele se tornou uma prova irrefutável do cuidado de Deus pelas nossas vidas. Você é uma melodia no coração da mamãe! Aos meus pais, Vicente e Elenice, por representarem segurança e refrigério em minha vida. Sou feliz por ter uma mãe tão atenciosa e um Pai tão dedicado! À minha sogra ‘Tianinha’, que acolheu a família com seus cuidados e carinhos que só uma querida vovó pode traduzir em ações. Às queridas tias Eliana e Eleni, que ajudaram a mamãe Aline, brincando com as crianças, para que a mestranda Aline cuidasse do trabalho final. À Dra Maria Cecília Bevilacqua, Obrigada por ser uma profissional sensacional e um ser humano incrível. Sua perspectiva acadêmica e conduta profissional, tem transformado realidades. Sua vida e solidariedade me inspiram. Precisamos de muitas ‘Marias Cecílias’ ! E, ao Deficiente Auditivo/Surdo, que sempre me encantou com sua forma magistral de abstrair do silêncio, a mais bela melodia: a superação. Tomo as palavras de Paulo aos Filipenses: “Eu agradeço ao meu Deus por tudo que me lembro de vocês.” Políticas Públicas inclusivas visando a Pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez: Consolidando direitos. RESUMO Trata-se de um estudo qualitativo, que objetiva analisar as necessidades intrínsecas e extrínsecas do Deficiente Auditivo/Surdo, partindo do referencial de sua provisão pelas Políticas Públicas. A pretensão é aprofundar a discussão sobre o efeito de invisibilidade político-social, deflagrando possibilidades de práticas de planejamento que minimizem ou anulem o efeito de não percepção político-social evidenciada pela timidez de Políticas Públicas específicas e eficazes. Buscando promover uma aguçada percepção político-social de atenção integrada é que este trabalho propõe a compreensão em lugar da simples concepção da Deficiência Auditiva/Surdez. Atentar antes para a Pessoa, perceber o Cidadão que é Deficiente Auditivo/Surdo, perspectiva que certamente promoverá a participação social efetiva e efetivada pelo acesso permeável e prático aos benefícios que a cidade, através de políticas públicas afinadas, pode e deve dispor a todos os seus citadinos. A evolução da Política Pública depende do atendimento às especificidades do público focal, prática esta que substituirá a prática de acepção por uma percepção aguçada que promova o atendimento às particularidades. Palavras chaves: Política Pública, Inclusão e Deficiência Auditiva/Surdez. ABSTRACT It is a qualitative study that aims to analyze the intrinsic and extrinsic needs of Deaf / Deaf, based on the reference of its provision for Policies. The intention is to deepen the discussion on the effect of political and social invisibility, triggering possibilities of planning practices that minimize or nullify the effect of non-political awareness shown by the timidity of public policies targeted and effective. Seeking to promote a keen awareness of political and social integrated care is that this paper proposes an understanding in place of the simple design of Hearing / Deafness. Attend prior to the person, notice that the Citizen is Deaf / Deaf perspective that will certainly promote effective social participation and the effective permeability and practical access to the benefits that the city, through public policies in tune, can and should be given to all their cities. The evolution of public policy depends upon adherence to the specific focus of the public, a practice that will replace the practice defined by a keen awareness that promotes compliance with the particulars. Key Words: Public Policy, Inclusion and Disability Hearing / Deafness. SUMÁRIO Introdução................................................................................................................................12 Capítulo 1. Estigma: A forma como cunhamos o outro.......................................................16 1.1 Designar: Uma reflexão sobre duas realidades no entremeio de dois conceitos..............23 1.2 Deficiência: A Díade: Pessoa e corpo.............................................................................26 1.3 Identidade: Significando as particularidades do não ouvir.............................................39 1.4 Particularidades das Identidades: e vice e versa...........................................................43 2 Representação Social: um constructo insólito..................................................................51 2.1 Quando ser normal for diferente, ser diferente será normal: um pleonasmo social....56 2.2 Normalizar, Integrar ou Incluir? Eis as questões...........................................................60 3 Políticas Públicas para todos: Elaboração que contempla particularidades.........................................................................................................64 as 3.1 Planos Urbanos e a Deficiência Auditiva/Surdez: aprimoramentos.............................69 3.2 Legislar: Direitos concebidos díspares de direitos consolidados......................................77 Considerações Finais...............................................................................................................85 Referências...............................................................................................................................90 12 À guisa da introdução “Temos o direito de ser igual, sempre que a diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes, sempre, que a igualdade nos descaracteriza”. (SANTOS, 1996). INTRODUÇÃO Na vanguarda de uma Sociedade utopicamente inclusiva e empiricamente excludente, as Políticas Públicas representam o mecanismo pelo qual o Deficiente Auditivo/Surdo pode acionar sua cidadania. Há certa resistência em reconhecer um campo de ação específico para a assistência focal e particularizada à Comunidade Deficiente Auditiva/Surda. Tal resistência se expressa pela timidez de Políticas Públicas inclusivas, que ainda não atingiram um patamar de assistência plena, respaldados por uma tríade imprescindível: compreensão, legitimidade e legalidade. Compreensão das particularidades para a elaboração de Políticas afinadas à realidade da Deficiência Auditiva/Surdez e a extensão de suas afetações. Compreensão que promove uma inclusão comprometida com as potencialidades do público focal. Legitimidade de propostas, projetos e ações que não negligenciem a pessoa e a família envolvida no processo, isto porque, na busca por resolver algumas questões da deficiência, tende-se a observar e atender ao processo físico, não alcançando o comprometimento global. E, Legalidade, porque os direitos do Deficiente Auditivo/Surdo ainda não estão articulados ao processo de gestão, o que compromete seu usufruto. Nomeamos, discernimos, propomos, questionamos as pessoas com deficiência e os processos que as atendem ou negligenciam. Mas a forma como a sociedade seguir fazendo isto, apenas perpetuará um contingente de pessoas que estão fazendo algo e um contingente de 13 pessoas recebendo algo, quando o ‘algo’ não está sintonizado, equalizado à pessoa e sim com a deficiência. Esta prática equivocada de fazer política e entende-la como pública desgasta a cidadania porque fragiliza a acessibilidade social frente às barreiras sistêmicas impostas pela não ação, ou ação equivocada ou mesmo uma boa ação incorporada por uma gestão incompleta. O que provoca um questionamento incômodo frente às Políticas existentes. Se existe uma busca histórica pela inclusão, porque questionar o que já está sendo feito e não apenas mirar no que ainda não está sendo feito? Simplesmente porque não se pode atender a uma demanda sem conhecê-la, sem reconhecer suas particularidades e a extensão de suas necessidades. Logo, não se pode projetar e implementar políticas públicas inclusivas e atendimento à Pessoa com Deficiência sem perceber a Pessoa, suas necessidades intrínsecas e extrínsecas. Entendê-la como alvo do processo de elaboração da política e não como portadora do alvo. A Política deve atender a PESSOA e não a deficiência que ela apresenta. A deficiência particulariza, especifica mas não representa a pessoa, o ser global que tem a deficiência, mas que antes, tem toda uma gama de representação que precisa ser compreendida e não negligenciada. Ignorar este aspecto da humanização da elaboração, opera uma percepção equivocada, que planeja atender de maneira tão fria a questão, visando a patologia. E sabemos que esta visão já foi superada em vários âmbitos das competências que buscam entender as questões frente à problemática. Já existe e em franco amadurecimento uma séria discussão a respeito de como devemos tratar a pessoa e não focalizar apenas a patologia, fazendo da pessoa apenas um portador. Faz-se urgente a releitura de propostas de políticas, para que as ações e medidas percebam a pessoa, e não mais seguir projetando políticas que focalizam a deficiência e ignoram a pessoa de forma integral. 14 Assim, o presente estudo objetiva analisar os fatores inerentes à inclusão social via Políticas públicas. Antes porém, percorre o caminho de conceituação de termos presentes nesta realidade. A metodologia utilizada comparou a realidade descrita na literatura pertinente com a realidade vívida e vivida. Para tanto, convivi com alguns grupos de Pessoas com Deficiência Auditiva/Surdos e suas famílias, em diferentes situações, além desta frente, percorri empiricamente a prática médica de tratamento e reabilitação, observando a realidade e contrastando com a proposta de política inclusiva. Não foram utilizados questionários e pesquisa de opinião devido às particularidades do grupo focal (linguagem, comunicação e desprendimento). Assim, utilizei dinâmicas de grupo em conversas e debates sobre as perspectivas do Deficiente Auditivo/Surdo assistidos por intérpretes, e profissionais que atuam em sua realidade. Objetivando ajustar a lente de observação social frente à problemática da inclusão social do Deficiente Auditivo/Surdo, a realidade empiricamente observada foi contrastada à revisão bibliográfica pertinente, resultando no presente estudo. Pretendi operar uma provocação. Uma forma mais próxima de entender a Pessoa antes de pretender atendê-la. Para tanto considero mister uma mudança de perspectiva e atuação porque, se continuarmos falando deles e sobre eles, sem ouvi-los e/o inclui-los no processo de reconhecimento, continuaremos alimentando um processo de exclusão que se perpetua porque tiramos do processo de elaboração a Pessoa, o que ela tem a dizer sobre suas condições, suas dificuldades e potencialidades. Aprecio as reflexões de Freire (1973) sobre a “cultura do silêncio” e as discussões sobre minoria social, política, linguística e cultural: ser o “menor”, sentir-se “menor”. Perspectiva que corrobora com o discurso de Skliar (1999), onde concordam sobre os entremeios sociais onde: [...] silenciam-se vozes e impõem-se relações de minoria-maioria representadas e validadas pelo processo educacional, fruto da cultura do oprimido. Sofrer no silêncio 15 e sentir-se “menor”, são formas de consolidação de uma política de exclusão que reproduza ideia de “um mundo homogêneo” (SKLIAR, 1999). Para este autor, existe uma diferença crucial entre entender a surdez como uma deficiência e entende-la como uma diferença. E se estas duas concepções não foram consideradas de forma consciente seguiremos defendendo inclusão e praticando exclusão. Precisamos urgentemente de requalificação na forma como vemos e percebemos a deficiência, uma mudança de perspectiva. A Política Pública já olha para a diferença, mas, sem reconhecer as particularidades. Esta abordagem se estabelece sobre a incongruência de propostas de atenção que perdem sua força de atuação plena frente às barreiras sistêmicas que ainda perpassam o caminho do Deficiente Auditivo/Surdo e seu exercício de direitos. E direitos são pré-concebidos de respeitabilidade, ausência de discriminação sem afetar a descriminação sem a qual não se pode atentar às particularidades. Do estigma ao preconceito, todo o caminho percorrido pela exclusão, deixa uma trilha de direitos humanos desalinhados e ignorados. Fato que por si só pede uma reflexão: Donde vem o direito de cunharmos o outro? 16 Capítulo 1 Estigma: A forma como cunhamos o outro. Cunhada na Grécia, a palavra estigma, designava marcas físicas naturais ou produzidas artificialmente para sinalizar a inferioridade moral de seu portador (ladrões, escravos, traidores etc.). Goffman (1993), refere-se à palavra como "signos corporales, sobre los cuales se intentaba exhibir algomalo y poco habitual en el status moral de quien los presentaba". Ou seja (“sinais corporais, destinados a expor algo mal e incomum, representação status moral de quem os apresenta”). A marca sinalizava algo negativo, alertava para se evitar o convívio. O que por si só comprometia todas as relações, desde o contexto familiar ao comercial. Já no início da era cristã, as marcas corporais representavam distúrbios físicos ou metáforas da graça divina. Para Rebouças (2008) o estigma social também surge nas relações de afirmação de identidade entre os indivíduos de uma sociedade. O autor ainda aponta três níveis distintos de estigma social: deformidades corporais; fraqueza de caráter e abominação de atos. A postura social de nomear e categorizar as pessoas, opera um ‘apartheid social’ manifestado de várias formas, e numa destas facetas, o estigma da deficiência vem corromper o princípio da igualdade e consequentemente, o exercício da cidadania. O estigma é um atributo que produz um amplo descrédito na vida do sujeito; em situações extremas, é nomeado como "defeito", "falha" ou desvantagem em relação ao outro; isso constitui uma discrepância entre a identidade social virtual e a identidade real. Para os estigmatizados, a sociedade reduz as oportunidades, esforços e movimentos, não atribui valor, impõe a perda da identidade social e determina uma imagem deteriorada, de acordo com o modelo que convém à sociedade. O social anula a individualidade e determina o modelo que interessa para manter o padrão de poder, anulando todos os que rompem ou tentam romper com esse modelo. O diferente passa a assumir a categoria de "nocivo","incapaz", fora do parâmetro que a sociedade toma como padrão. Ele fica à margem e passa a ter que dar a resposta que a sociedade determina. O social tenta conservar a imagem deteriorada com um esforço constante por manter a eficácia do simbólico e ocultar o que interessa, que é a manutenção do sistema de controle social. (MELO, 2009) 17 Já citado, Goffman (1993) afirma ainda que, o significado de estigma, atualmente corresponde mais à desgraça social que marcas que a sinalizam. O rótulo apenas configura o estigma. Socialmente as marcas sociais não são imediatamente diagnosticadas. O descrédito social se efetiva pela apartação social do diferente. O aspecto dentro do espaço urbano desta apartação afeta diretamente a demarcação físico-geográfica dos espaços sociais. Se não adequados e com acessibilidade promovida, ou mesmo receptividade, o meio discrimina a frequência de seus usuários socialmente desacreditados. E não se trata apenas de serviços, estamos apontando o direito de ir, vir e estar em ambientes entendidos como públicos, espaços que, na prática não recebem a todos por não entenderem estes públicos com seus diferenciais inerentes, nem tampouco a estrutura inerente prescrita para recebê-los. E sabemos que atender ao público depende, antes de mais nada, entendermos a qual público estamos atendendo. Omote (2004) entende que o processo de ‘estigmatização’ pode ser mais bem compreendido, analisando a dinâmica psicossocial da coletividade onde determinadas categorias de pessoas são estigmatizadas. O autor percebe o paradigma do estigma e padronização como um processo social e coletivo de reação a uma característica portada. Sucintamente, Omote (2004) entende o estigma como uma questão de fronteiras entre, normalidade e violação da normalidade. Portanto, potencialmente, qualquer característica portada por um grupo de pessoas pode tornar-se um desvio. É uma forma de enfrentamento de um dilema por uma coletividade humana. O estigma é tratado como marca social de descrédito e de inferioridade das pessoas que pertencem a alguma categoria de desvio, e cumpre a função de controle social para a manutenção da 18 vida coletiva. Aventa-se a ideia de que os desvios e estigmas são necessários na construção de uma sociedade inclusiva, justamente porque há aí uma ampla gama de desigualdades. O estigma é parte integrante da inclusão, e este é o grande dilema a ser enfrentado pelas sociedades humanas que precisam combater as desigualdade. (OMOTE, 2004) Logo, o dilema presente na categorização do estigma para fim de acepção, corrompe princípios norteadores de justiça social, cabendo discussão quanto à sua relevância e nocividade. Entre o paradigma da inclusão e a realidade excludente de nossa sociedade, a gravidade da questão preconceituosa não reside no estigmar, e sim no uso do estigma para fim de acepção. O julgar ‘não normal’ seguido de exclusão é que marca a história da humanidade de refutável postura frente às diferenças. De acordo com Telford (1978) a dificuldade em lidar com as pessoas com deficiência não é um fato novo. Desde os tempos mais antigos, a questão da deficiência vem passando por vários estigmas, como: incapacitados, merecedores de piedade e dó, sempre apoiados em uma visão assistencialista que dificultava sua inserção em uma sociedade. A evolução moral depende de uma nova postura ante aos desvios dos padrões fixados como aceitáveis. A desumanização dos processos de convivência é a marca da maior deficiência social e se apresenta de várias formas, estigmatizando e preconcebendo pessoas e suas particularidades. O preconceito neste contexto assina o estigma quando opera a pré-concepção de dada realidade, operando acepção. Termo de origem latina, o termo carimba a exclusão social do Deficiente Auditivo e opera uma disfunção social de nível tão profundo, que provoca uma rede de prognósticos sociais. Preconceito: Do latim praejudicium “prae”= antes “Judicium” = vem de judicare (jus + dicare) “Jus” = lei 19 “Dicare” = dizer, falar. Preconceito = dizer a lei antes. Julgar sem analisar, avaliar. Não se colocar no lugar de, para fazer uma avaliação. Fato pontuado na vivência de uma Deficiente Auditiva/Surda. Como acontece com muita gente hoje em dia, ao se depararem com um surdo, ficam com impressão de sermos diferentes delas. Pois elas não conhecem profundamente os surdos, como também nunca tiveram oportunidade para trocarem umas palavrinhas com os surdos, por isso que na primeira vez que nos veem, precipitam-se tomando-nos por estranhos, tratando-nos de outro modo [...], digo que tive um pouco dessa culpa, porque em vez de reagir, deixei que eles me tomassem por estranha [...] se não fosse por isto, não teria tomado conhecimento das palavras: “preconceito” e “marginalização”, nem mesmo das dificuldades que nós surdos passamos no dia-a-dia. (STRÖBEL, 2007) ‘Julgar antes de ...’ É desta forma que a Sociedade preconiza a acepção e a discriminação. Enquanto deveria reconhecer o papel das diferenças no outro e em si mesma, a Sociedade, onde entendo ‘NÓS’, perpetua uma desumanização do outro mediante seu enquadramento nos padrões especificados pela maioria. [...] o preconceito nada mais é que uma atitude favorável ou desfavorável, positiva ou negativa, anterior a qualquer conhecimento”. O estereótipo refere-se à concretização de um julgamento qualitativo, baseado no preconceito podendo ser, também, anterior à experiência pessoal. (AMARAL 1992) Objeto de análise deste trabalho, a Deficiência Auditiva/Surdez, representa o foco do preconceito que pode significar uma ameaça social para o Deficiente Auditivo/Surdo e para os ouvintes, por não saberem lidar com as diferenças. A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontrados. (GOFFMAN, 1982) A atualidade exige uma nova postura social frente as diferenças, e o respeito à 20 diversidade, inaugura uma perspectiva que redefine um novo padrão de consciência e atitude frente ao Deficiente Auditivo/Surdo. Pinto (2007) considera a importância de considerar o conceito da Identidade Surda, sob a ótica da relevância política, dentro do multiculturalismo, de igual importância para outros movimentos sociais, pela batalha contra a ideologia dominante: a Identidade Política Surda. Neste contexto social, a sociedade deve despir-se de seus pré-conceitos e conceber uma maneira de reconhecer na pluralidade uma oportunidade de conviver e crescer com a forma como o ‘diferente’ vive sua realidade. Luciano Oliveira (1997) defende a decantação terminológica preliminar quando se trata de inclusão/exclusão. Necessidade oriunda do desgaste que costumeiramente ocorre com conceitos que caem no domínio público, o que ocasiona certa diluição retórica de sua especificidade, forçando tais conceitos a prestarem-se aos mais diversos usos. Portanto e para tanto, segue um apontamento sobre conceitos relevantes neste trabalho, onde cada um deles emergirá contiguamente, exigindo então, que estejam bem enunciados para evitar desencontros entre o conceito, o uso e a desmistificação. Quando se trata de processos humanos e discussões referentes a como um grupo deve ou não ser tratado ou tido e/ou percebido, a utilização de termos técnicos supera a questão semântica e estabelece a importância dispensada a um assunto tradicionalmente estigmatizado e eivado de preconceitos e estereótipos. Isto porque, termos revelam valores e conceitos vigentes que comunicam a forma como a sociedade pensa, sente e trata. Atkinson (1996) discutiu as mudanças de terminologia no Reino Unido. O autor analisou principalmente o espaço entre as pessoas e as palavras que usariam, considerando como as pessoas se veem e como os outros as vem e representam, tanto na palavra escrita 21 como na falada. Apontou que as trocas de palavras poderiam auxiliar nas mudanças de perspectivas e sugerir linhas de direção para que tais modificações pudessem ocorrer. O que prevê cuidado para abster-se da banalização e desgaste de termos que se perdem pelo uso incorreto por inconsequência, descuido ou ignorância. Sassaki (2003) aponta a importância de (re)educar a sociedade no que tange às nomenclaturas, pois, seu uso equivocado pode perpetuar um comportamento equivocado. O maior problema decorrente do uso de termos incorretos reside no fato de os conceitos obsoletos, as ideias equivocadas e as informações inexatas serem inadvertidamente reforçados e perpetuados. Este fato pode ser a causa da dificuldade ou excessiva demora com que o público leigo e os profissionais mudam seus comportamentos, raciocínios e conhecimentos em relação, por exemplo, à situação das pessoas com deficiência. O mesmo fato também pode ser responsável pela resistência contra a mudança de paradigmas como o que está acontecendo, por exemplo, na mudança que vai da integração para a inclusão em todos os sistemas sociais comuns. Trata-se, pois, de uma questão da maior importância em todos os países. Existe uma literatura consideravelmente grande em várias línguas. No Brasil, tem havido tentativas de levar ao público a terminologia correta para uso na abordagem de assuntos de deficiência a fim de que desencorajemos práticas discriminatórias e construamos uma verdadeira sociedade inclusiva. (SASSAKI, 2003) A forma como tratamos comunica a importância que damos ao tratado, é mister que a terminologia seja apropriada(própria) para que possa ser ‘apropriada’(assumida) pelos usuários de forma consciente e responsável. O que aponta para o processo de designação que não é paralelo ao processo de exclusão, mas inerente a ele, levando há uma reflexão sobre os desdobramentos da prática de designar. 1.1 Designar: Uma reflexão sobre duas realidades no entremeio de dois conceitos. Ao propor o presente estudo, assumo a perspectiva de olhar de novo a questão da inclusão, observar as questões que historicamente se consolidam frente ao estigma da deficiência auditiva. 22 Para tanto, inicio tratando da designação, justamente por entender que esta reflete concepções desajustadas sobre a questão. Tão histórica quanto à discussão sobre a inclusão, a designação segue paralela este processo de apropriação: Deficiente Auditivo ou Surdo, eis outras questões... A construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências. (SASSAKI, 1997) O termo Deficiente Auditivo prevê uma visão clínica, nesta, a pessoa é considerada portadora de uma patologia localizada, uma deficiência que esmera cuidados, tratamento e reabilitação. A Deficiência Auditiva é graduada e tem estabelecida no diagnóstico a melhor conduta médica e previsão do desenvolvimento da linguagem. Sua graduação varia desde leve a profunda, pontuando o nível de resíduo auditivo que determina o nível de audição restante. Utilizo Couto (1985) tratando sobre a graduação da Deficiência Auditiva que pode ser: Leve (com perda de 20 a 40 dB): são pessoas consideradas desatentas e distraídas. Por não perceberem todos os sons da palavra principalmente a voz fraca e distante, olham sempre para o rosto de quem está falando. Costumam pedir para repetir as informações. Essas pessoas conseguem adquirir linguagem, naturalmente. Em geral, chegam à escola, podendo concluir os estudos sem demonstrar sua deficiência. Algumas demoram um pouco mais para falar corretamente, ou falam trocando alguns fonemas. Outras falam bem, mas quando começam o aprendizado da leitura e escrita, fazem confusão entre as letras que têm sons semelhantes, trocando-as. O atendimento médico indicado é o tratamento clínico ou cirúrgico. Se houver dificuldades articulatórias, essas pessoas devem ser atendidas por uma fonoaudióloga; Média ou Moderada (com perda de 40 a70 dB): para as pessoas compreenderem a fala, é necessária uma voz forte, principalmente em ambientes ruidosos. Apresentam atraso de linguagem e alterações articulatórias. As dificuldades na compreensão da fala são mais notadas quando as frases são complexas, envolvem expressões abstratas e aparecem artigos, pronomes, conjunções etc. Observam-se também dificuldades em compreensão de terminações verbais e as concordâncias de gênero e de número do substantivo e adjetivo. Geralmente, essas pessoas precisam de apoio visual para o entendimento da mensagem. Diante disso, os atendimentos indicados são: clínico, cirúrgico, fonoaudiológico e pedagógico especializado. Sugere-se, adicionalmente, a frequência à escola regular com 23 acompanhamento e suporte anterior de atendimento especializado e de prótese individual; Severa (com perda de 70 a 90 dB): as pessoas só percebem voz muito forte e alguns ruídos do ambiente familiar. Decorrente disso, a compreensão verbal depende do apoio visual e da observação do contexto em que se desenvolve a comunicação. A linguagem só é adquirida no seu próprio ambiente com orientação. Nesse caso, recomenda-se o uso de prótese individual. Além disso, o atendimento indicado é em escola ou classe especializada, para que a linguagem básica de compreensão e de expressão sejam adquiridas. A alfabetização pode ser realizada antes de ingressar em classe comum, onde devem permanecer com atendimento especializado paralelo; Profunda (perda auditiva superior a 90 dB): O fato de não possuírem informações auditiva impede as pessoas identificarem a voz humana. Não adquirem linguagem naturalmente no ambiente familiar e não adquirem fala para se comunicarem, devido à ausência de modelo. Aconselha-se o uso de prótese individual. O atendimento indicado deve ocorrer na escola ou em classe especial, com programas de aproveitamento dos restos auditivos e de aprendizagem de leitura labial e da fala. Há previsão de escolaridade mais prolongada.(COUTO, 1985, p.12) Assim, o termo Deficiente Auditivo tem seu parâmetro embasado na modalidade clínica, uma perspectiva médica sobre a deficiência. É o termo utilizado por profissionais da Saúde. Behares (1993) critica o conceito por considerar a perspectiva do uso estritamente médico-organicista que, não deve se estender ao uso cotidiano. O autor chama a atenção para a necessidade de vê-los sob uma perspectiva sócio-cultural. Ele relata como as investigações atuais têm chamado a atenção para a multideterminação da surdez e para a adequação do emprego do termo surdo, não apenas porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades psicoculturais próprias. Sanchez (1990) e Brito (1993; 1995) concordam com Behares, quando defendem a aquisição do termo surdo como mais apropriado por representar uma tentativa de minimizar o processo de estigmatização dessas pessoas, processo este amplamente discutido por Goffman (1982), através do qual a audiência reduz o indivíduo ao atributo gerador do descrédito social. Os autores entendem que a expressão surdo, como vem sendo empregada, tem favorecido identificar a pessoa como diferente, sendo esta diferença particularizada por ser decisiva para o desempenho. 24 O emprego do termo deficiente auditivo, ao contrário, tem coincidido com a utilização de procedimentos que visam ajustar os surdos aos padrões linguísticos mais aceitos e valorizados na sociedade, envolvendo tratamentos e/ou atendimentos sistemáticos de fala oral. Os estudos que usam a referência surdo têm procurado abrir um espaço social para essas pessoas, respeitando suas especificidades. Buscam a identidade social dessas pessoas entre os seus, sua legitimação como comunidade linguística diferenciada. (DORZIAT, 1998) Quando questionei um grupo focal sobre como preferiam ser denominados, eles se dividiram. Não houve consenso. Um grupo maior prefere Deficiente Auditivo porque não se consideravam surdos, uma vez que, ainda possuíam resíduo auditivo, que possibilitava ouvir mesmo que, com o auxílio do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI). Outros preferem ser conhecidos como Surdos porque se entendem Surdos, não ouvem e fazem uso da LIBRAS, portanto, acreditam que a melhor definição é a surdez. Um terceiro grupo (menor) não se definiu, disseram não fazer diferença. Tal reação apenas ratificou uma situação já presente na arena acadêmica. Existe uma divisão quanto à caracterização. E esta divergência de preferência enriquece a própria noção de comunidade ante à categorização e formação de sub-grupos de opinião. Já Sassaki (2010) opera uma criteriosa análise sobre a terminologia e defende que devemos utilizar criteriosamente cada um dos termos. O autor entende que, num contexto formal ou estatístico, o termo propício é pessoas com deficiência auditiva referindo-nos ao grupo como um todo, especificando ou não os graus de perda auditiva e a quantidade de pessoas existentes em cada nível de surdez. E, em situações pessoais, informais, coloquiais, o melhor termo é surdos, pessoas surdas, comunidade surda, comunidade dos surdos, quantidade de pessoas por nível de surdez, comunicação entre os surdos, comunicação com os surdos, comunicação dos surdos, os sinais que os surdos utilizam etc. Sassaki (2010) ainda opera a análise sob o ponto de vista do uso pessoal e diz: “usar o termo “pessoa com deficiência auditiva” ou os termos “pessoa surda” e ”surda”, fica por conta de cada pessoa. Geralmente, pessoas com perda parcial da audição referem-se a si mesmas com tendo uma deficiência auditiva. Já as que têm perda total da audição preferem ser consideradas surdas”( 2010) No tratado do autor, ainda vale mencionar que, no plano formal e estatístico, convencionou-se adotar a classificação: deficiência auditiva. Trata-se de uma discussão que transcende aspectos médicos ou sociais, trata-se de uma questão de identidade. É preciso realmente, conforme Sassaki (1997), utilizar com muito 25 cuidado e consciência a terminologia, pois ela configura a forma como vemos e consideramos a questão. Concordo com Sassaki (1997) quando reitera o cuidado com o uso e me aproprio das possibilidades e momentos de utilização. O que também me proporciona uma situação confortável frente aos defensores dos dois termos e da própria Comunidade. Então deixo claro que, para esta pesquisa vou me referir ao sujeito sempre como Deficiente Auditivo/Surdo por entender a razão de ambas as perspectivas e não encontrar nem numa, nem noutra o termo que traduza a realidade absoluta. Cumpre ressaltar, porém, que não entendo ambos termos como sinônimos e sim como paralelos duma dada realidade. Assim o uso do (/) não representa (ou) e sim (e o) o que representa que falo das duas classes, para as duas classes e com as duas classes quando pondero questões inerentes à inclusão. Usarei Comunidade como grupo geral, onde entende-se toda a representação e diversidade dentro do próprio grupo. Dentre eles: Deficientes Auditivos, Surdos, Protetizados(usuários de Aparelho de Amplificação Sonora e Individual – AASI), Usuários de LIBRAS(Língua Brasileira de Sinais), Oralizados e Implantados. Portanto, concordo com Doziart, quando reitera a importância de atentar para o conteúdo ideológico das palavras, afinal, elas podem representar um importante indicador para o entendimento da pessoa e da realidade que a cerca. Assumo minha franca falta de posição frente à dúbia questão. O duelo, se é que existe, não reside apenas no campo conceitual, mas de apropriação pela própria Comunidade. Entendo ambas as proposituras, mas entendo antes que ambos os termos ainda não refletem a situação nem tampouco o lugar no mundo do Deficiente Auditivo/Surdo. A discussão remete ao tema do estatuto da surdez e à sua transformação de patologia em fenômeno social. Tal alteração acompanha-se de uma mudança nos termos e conceitos a eles relacionados. Ressalte-se o abandono da classificação de deficiente auditivo, substituída pela de Surdo. Não se trata de mera mudança de terminologia, mas da adoção de uma nova classificação, que terá implicações na construção de uma nova identidade para o grupo e na forma como este será acolhido na Sociedade e na arena política. Entretanto, a nomeação ou titulação pode discriminar ou descriminar. E esta distinção deve ser madura para poder compreender a diferença entre a pessoa, sua distinção caracterizada pela deficiência e o que significa não entender esta diferença. 26 Afinal, a deficiência na correlação entre entender, perceber, discernir e tratar; pode transgredir a dúbia fragilidade da linha que separa a pessoa da deficiência. Dúbia, porque corpo e a deficiência que o acomete forma uma díade que pode conviver minimizando as barreiras acarretadas pelas competências afetadas ou, sobreviver ao efeito devastador de não compreender a deficiência como parte da pessoa e não a pessoa como uma parte deficiente. É neste cruzamento que corpo e deficiência travam uma parceria imposta e uma luta contra as barreiras extras, incorporadas no processo de contato social. 1.2 Deficiência: A Díade: Pessoa e corpo. Deficiente, vem sendo as tentativas históricas de superar a visão unilateral sobre a deficiência. Mutilar o direito da pessoa à sua máxima potencialidade de autonomia, estabelece um ciclo vicioso, que impele na sociedade uma ruptura entre o discurso e a prática social dos direitos previstos. Entre o campo da discussão e a arena social onde as relações ocorrem, a deficiência afeta tanto o desenvolvimento político-social global do indivíduo do que propriamente dito as limitações implicadas às competências físicas, mentais e/ou sensoriais que ela acarreta. Felizmente a perspectiva equivocada de tratar patologicamente a questão vem sendo reposicionada por uma visão global de caráter mais humanizado. Autores como Amaral (1995) e Silva (1997), tratam desta questão quando analisam a forma como esses mitos descrevem ideias que traduzem o deficiente pela deficiência, por exemplo, tornar uma limitação específica em totalidade, isto é, compreender toda a pessoa como deficiente e não apenas algo específico ou relacionado a ela, dispor de explicações lineares e causais, como se tudo o que ela fizesse ou fosse tivesse a ver com as deficiências e também pelo temor ao contágio, como se ao conviver com alguém com deficiência pudesse haver uma contaminação desse infortúnio. (grifo do autor) 27 O ajuste de mecanismos de relação entre as esferas sociais e as questões relativas à deficiência, depende da forma como a sociedade se organiza para enfrentar estas questões. Para tanto é preciso convergir esforços na tentativa de denunciar, evidenciando a forma como a sociedade brasileira discrimina os ‘deficientes’ (como são tidos) nas relações sociais de todas as relações: saúde, educação, trabalho, lazer etc. A superação das barreiras precisa acontecer de forma sistemática e completa, sincronizada para não ocorrer por etapas ou por setores; o que certamente realizaria uma cidadania deficiente, dividida em blocos acessíveis e inacessíveis. Por não ser uma deficiência de impacto visual e/ou de locomoção como as deficiências físicas e/ou sensorial como a cegueira, as barreiras que cerceiam a independência e autonomia do Deficiente Auditivo/Surdo acaba sendo uma soma de todas as representações possíveis de impedimento porque o Deficiente Auditivo não é percebido em sua não condição de acessibilidade reprimida. Quando um cadeirante não consegue acessar um prédio ou um banheiro público isso afeta de maneira mais direta porque incomoda (ou deveria) a acessibilidade tão dita e não efetiva. Logo, o impacto é direto. Ou mesmo uma pessoa cega quando não tem acesso a letreiros em braile ou, sinais sonoros de travessia de pedestres com deficiência visual estas barreiras devem ser eliminadas no âmbito da política pública que atenda ao legislativo já existente a atenda aos dispositivos legais para realizar a minimização destas barreiras. É evidente que não se trata aqui, de apontar qual deficiência é ‘mais’ ou ‘menos’ deficiência, nem tampouco, apontar maiores ou menores dificuldades, já que cada deficiência acarreta de forma singular e particular. Como o estudo especifica a questão da Deficiência Auditiva/Surdez, o foco é lançar luz sobre as particularidades e entraves desta. 28 Por exemplo, quando um Deficiente Auditivo/Surdo não pode ir ao médico sozinho, ou não consegue autonomia para ir ao banco resolver questões de sua conta bancária sozinho, ou mesmo conseguir estabelecer contato com serviços públicos essenciais (hospital, bombeiros, polícia etc.) cabe uma séria questão: Como estender a acessibilidade ao indivíduo isolado de seus direitos fundamentais quando a questão não pode ser respondida apenas por alterações físicas no espaço? Retórica ou não a pergunta pode estender um vasto campo de investigação desta marginalização. Sabe-se que uma aplicada política de atenção e conscientização minimizaria consideravelmente este abismo que isola o Deficiente Auditivo/Surdo do convívio social e acesso ao que seria, teoricamente, direito humano. Não formular certas questões é extremamente perigoso, mais do que deixar de responder às questões que já figuram na agenda oficial; ao passo que responder o tipo errado de questões com frequência ajuda a desviar os olhos das questões realmente importantes. O preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano. Fazer as perguntas certas constitui, afinal, toda a diferença entre sina e destino, entre andar à deriva e viajar. Questionar premissas supostamente inquestionáveis do nosso modo de vida é provavelmente o serviço mais urgente que devemos prestar aos nossos companheiros humanos e a nós mesmos. (BAUMANN, 1999). No caso da Deficiência Auditiva/Surdez, as barreiras se entrelaçam e somadas, operam uma inacessibilidade oculta, isto é, o surdo acessa fisicamente os espaços públicos, mas não opera comunicação para entender e ser compreendido, o que automaticamente o impede de ‘estar’ compreendido naquele espaço e o que ele oferece. A pessoa com deficiência, atendida por uma vasta legislação pertinente, embora ineficaz, não está livre de sofrer a imposição de barreiras que podem apresentar-se isoladas ou sobrepostas. O decreto nº5296 de 2 de dezembro de 2004 define barreiras como qualquer obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento ou circulação com segurança das pessoas, e são classificadas em: 29 Barreiras Urbanísticas: existentes nas vias públicas e espaços de uso público; Barreiras nas edificações: existentes no entorno e nas áreas internas de uso comum nas edificações de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas internas de uso comum nas edificações de uso privado e multifamiliar. Barreiras nos transportes: as existentes nos serviços de transporte; Barreiras nas comunicações e informações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, bem como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação. Barreiras Físicas: são as que impedem fisicamente a pessoa com deficiência de acessar, sair e permanecer em determinado local como escada, portas estreitas que impedem a circulação de cadeira de rodas, elevadores sem controles em Braille, portas automáticas sem sinalização visual para deficientes auditivos. Podem ainda se dividir em barreiras arquitetônicas, urbanísticas de transporte e comunicação. Barreiras Sistêmicas: relacionadas a políticas formais e informais. Por exemplo: escolas que não oferecem apoio em sala de aula para alunos com deficiência, bancos que não possuem tratamento adequado para pessoas com deficiência. Barreiras Atitudinais: preconceitos, estigmas e estereótipos sobre pessoas com deficiência, como, por exemplo, achar que a deficiência é contagiosa, discriminar com base na condição física, mental ou sensorial etc. Welber (2010) analisa a deficiência e a incapacidade da sociedade de superar o preconceito inerente ao assunto. Segundo o autor, a não aceitação nasce porque a deficiência é vista apenas como limitação ou incapacidade. Numa sociedade que discursa sobre inclusão, a postura ainda preconcebe as pessoas pela deficiência, isto é, pelo que são ou pelo que não são. 30 A Organização das Nações Unidas – (ONU), que desde a declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948), aprimora a (re)estruturação dos direitos da pessoa que, com deficiência, precisa ter acesso aos direitos que, não podem se descaracterizar do que eles devem trazer primordialmente: o caráter humano do direito, o que prescreve a toda e qualquer pessoa o direito ‘mor’ de ser tratado como PESSOA que é, antes de ser tomada somente por suas características, neste caso, a deficiência. Esta díade pessoa e deficiência, precisa ser melhor compreendida, para que a pessoa não fique compreendida pela deficiência mas atendida nas particularidades impostas pela deficiência. Afinal, a(s) condição(ões) de Deficiente Auditivo/Surdo é(são) suficientemente(s) excludente(s) por si só, impelindo barreiras de comunicação que não podem sofrer acréscimos externos e estendidos de barreiras sistêmicas e/ou atitudinais. Os Direitos das Pessoas com Deficiência, estão inseridos num constructo de direitos humanos, sistematizados sob a égide do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966. Fonseca (2008) considera revolucionária a nova concepção estabelecida pela ONU em 2006. O autor opera uma análise da convenção e de como suas resoluções afetam a Pessoa com deficiência e seus direitos: O conceito é revolucionário, porque defendido pelos oitocentos representantes das Organizações não Governamentais presentes nos debates, os quais visavam a superação da conceituação clínica das deficiências (as legislações anteriores limitam-se a apontar a deficiência como uma incapacidade física, mental ou sensorial). A intenção acatada pelo corpo diplomático dos Estados Membros, após longas discussões consiste no deslocamento do conceito para a combinação entre esses elementos médicos com os fatores sociais, cujo efeito é determinante para o exercício dos direitos pelos cidadãos com deficiência. Evidencia-se, então, a percepção de que a deficiência está na sociedade, não nos atributos dos cidadãos que apresentem impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais. Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais, tecnológicas, físicas e atitudinais, as pessoas com impedimentos têm assegurada ou não a sua cidadania. (FONSECA, 2008). 31 Amaral (1992) opera uma descriminação das deficiências, o que permite uma melhor visualização de como e quanto elas afetam a pessoa desde o âmbito primário de impacto até o resultado social. Para a autora, a deficiência primária: “[...] engloba o impedimento (dano ou anormalidade de estrutura ou função – o olho lesado, o braço amputado, a perna paralisada)”. Neste ponto, Amaral se refere à deficiência propriamente dita, ou seja, restrição, perda de atividade, sequela – o não enxergar, o não manipular, o não andar. Trata-se, portanto, de fatores intrínsecos, das limitações em si, envolvendo a díade pessoa e corpo. O que gera, segundo a autora, a deficiência secundária: “[...] aquela não inerente necessariamente à diferença em si, mas ligada também à leitura social que é feita dessa diferença” (AMARAL, 1992). O que remete diretamente à questão social e suas significações afetivas, emocionais, intelectuais que o grupo atribui a dada diferença. Atualmente, se reconhece que a deficiência secundária é a principal responsável pelo impedimento do desenvolvimento do indivíduo, pois aprisiona-o na rede das significações sociais, e com seu rol de consequências (atitudes, preconceitos, estereótipos), que legitimam a diferença e, consequente, exclusão. Neste contexto Acessibilidade é um termo midiático, adotado por uma nova postura social e política frente a deficiência, entretanto, embora cause boas ações e posturas políticas, está gasto pelo uso equivocado em algumas circunstâncias. Afinal, acessar não pode se restringir a aspectos arquitetônicos, mas se estender ao ir e vir social, estar e poder participar do contexto social onde o Deficiente Auditivo/Surdo está inserido. O Decreto 5.296 (BRASIL, 2004), que regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da 32 acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências, entende por Acessibilidade: [...] condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, 2004). Não entendo acessibilidade como um fim, mas como um dispositivo social aos direitos do cidadão com deficiência. Mas também penso que, embora a sociedade tenha caminhado uma longa jornada para alcançar o ‘status’ de inclusiva que possui hoje, sofremos um sério risco de operar apenas um grande movimento em volta de uma ideologia. Acredito que a acessibilidade descrimina sem discriminar a pessoa, entendendo, respeitando e atendendo suas especificidades. E, em se tratando de especificidades, a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade) responde a um critério fundamental: entender as especificidades e suas relações diretas e indiretas na composição do corpo e deficiência (e não mais deficiência e um corpo). Em 1976, a Organização Mundial de Saúde (OMS), no intuito de entender as consequências das doenças, publicou a International Classification of Impairment, Disabilities and Handicaps (ICIDH), em caráter experimental. Esta foi traduzida para o Português como Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (handicaps), a CIDID (PORTUGAL, 1989). A ICIDH sofreu um processo de revisão que apontou fragilidades quanto a relação entre as dimensões de composição e a não abordagem dos aspectos socioambientais, e demais que formam a contexto onde a pessoa com deficiência está inserida (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). Assim, em 2001, foi aprovada pela Assembleia Mundial de Saúde, a International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) (WORLD HEALTH 33 ORGANIZATION, 1980). A versão brasileira foi intitulada Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Considerado um marco conceitual, impairment (deficiência) compreende as anormalidades nos órgãos, sistemas e estruturas do corpo, enquanto disability (incapacidade) compreende as consequências da deficiência sob a perspectiva da funcionalidade / desempenho; handcap (desvantagem) estabelece a adaptação ao meio ambiente. O modelo descreve linearmente o processo desencadeado pela doença, seguindo uma linha de afetação respectiva embora entrelaçada. DOENÇA DEFICIÊNCIA INCAPACIDADE DESVANTAGEM Deficiência (impairment):Uma deficiência é qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. A deficiência representa a exteriorização de um estado patológico e, em princípio, reflete distúrbios no nível do órgão. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003). Incapacidade (disability):Uma incapacidade é qualquer restrição ou falta de habilidade (resultante de uma deficiência) para realizar uma atividade da maneira ou no âmbito considerado normal para um ser humano. …A incapacidade representa a objetivação de uma deficiência e como tal reflete distúrbios no nível da pessoa. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003). Desvantagem (handicap):Uma desvantagem para um dado indivíduo, resultado de uma incapacidade ou deficiência, limita ou previne o cumprimento de um papel que 34 é normal para esse indivíduo (dependendo da idade, do sexo, e dos fatores sociais e culturais). A desvantagem refere-se ao valor atribuído à situação ou experiência individual, quando sai do normal. Caracteriza-se por uma discordância entre o desempenho ou status individual e a expectativa do próprio indivíduo ou do grupo do qual é membro. A desvantagem representa pois a socialização de uma incapacidade ou deficiência e, como tal, reflete as consequências para o indivíduo – culturais, econômicas e ambientais – que decorrem da presença da incapacidade ou deficiência (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003). Logo, a CIF é baseada, numa abordagem biopsicossocial, incorporando os componentes de saúde nos níveis corporais e sociais. Farias e Buchalla (2005) concluem que, na avaliação de uma pessoa com deficiência, esse modelo destaca-se do biomédico, baseado no diagnóstico etiológico da disfunção, evoluindo para um modelo que incorpora as três dimensões: a biomédica, a psicológica (dimensão individual) e a social. Nesse modelo cada nível age sobre e sofre a ação dos demais, sendo todos influenciados pelos fatores ambientais. Cumpre ressaltar que a pretensão da OMS é incorporar também, no futuro, os fatores pessoais, importantes na forma de lidar com as condições limitantes. O que apenas ratifica o que temos discutido sobre a importância de uma visão global e humanizada sobre a problemática da Pessoa com Deficiência e não apenas uma discussão sobre Deficiência como primeiro plano. Stephens e Hétu (1991) realizaram análise e aplicação desses conceitos na audiologia. Apontaram aspectos que poderiam esclarecer o conceito de deficiência, que seria subdividido em simples e complexo (sem e com a influência de fatores cognitivos). O conceito de incapacidade poderia ser avaliado por meio das respostas diretas do próprio indivíduo sobre suas dificuldades. O conceito de desvantagem seria definido por seis dimensões: orientação, independência física, mobilidade, ocupação, integração social e autossuficiência econômica. Concluíram, com uma proposta de ampliação do conceito de desvantagem relacionada à perda da qualidade de vida, que há aumento do estresse e da ansiedade, redução da satisfação e da qualidade da interação social e autoimagem negativa. 35 De acordo com Costa (2000), a deficiência está, historicamente, associada a uma situação de desvantagem. Ou seja, refere-se à condição de uma situação de desequilíbrio, que só é possível num esquema comparativo: aquela pessoa, com alguma deficiência, em relação aos demais membros do seu grupo. Tal distinção entre os conceitos me fez refletir sobre como é primordial que, na busca por uma postura inclusiva, saibamos conscientemente do que se trata a deficiência auditiva, que tipo de incapacidade ela ocasiona e que desvantagens ela pode acarretar no indivíduo. Esse cuidado permitirá que, Políticas sejam projetadas, projetos planejados e ações praticadas em benefício de um público alvo, mas não um público estudado em suas reais condições e não condições. Como podemos discutir ‘o quê’, ‘como’ e ‘quando’ fazer, sem ao menos entendermos e buscarmos compreender em que nível de especificação estamos prontos a atender. Por isto é importante apontar tais diferenciações, pois elas apontam uma questão muito pertinente: Particularidades. A deficiência não pode ser vista como uma qualidade presente no organismo da pessoa ou no seu comportamento. Em vez de circunscrever a deficiência nos limites corporais da pessoa deficiente, é necessário incluir as reações de outras pessoas como parte integrante e crucial do fenômeno, pois são essas reações que, em última instância, definem alguém como deficiente ou não-deficiente. As reações apresentadas por pessoas comuns face às deficientes ou às deficiências não são determinadas única nem necessariamente por características objetivamente presentes num quadro de deficiência, mas dependem bastantes da interpretação, fundamentada em crenças científicas ou não, que se faz desse quadro.(OMOTE, 1994) Segundo o tratado a ONU, Pessoa com deficiência “Trata-se de um conceito em evolução, o qual deve conter os aspectos clínicos e funcionais das deficiências e que estas resultam da interação entre aqueles e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem a plena e efetiva participação das pessoas com deficiência na sociedade, em igualdade de oportunidades com as demais.” Fonseca (2008) analisando as proposituras da ONU, afirma que: 36 O próprio conceito de pessoa com deficiência, incorporado pela Convenção, a partir da participação direta de pessoas com deficiência levadas por Organizações Não Governamentais de todo o mundo, carrega forte relevância jurídica porque incorpora na tipificação das deficiências, além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social e cultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos que lhe são inerentes. (FONSECA, 2008). O conceito de pessoa com deficiência adotado pela Convenção, supera as legislações tradicionais que normalmente enfocavam o aspecto clínico da deficiência. No tratado, as limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais passam a ser consideradas atributos das pessoas, atributos esses que podem ou não gerar restrições para o exercício dos direitos, dependendo das barreiras sociais ou culturais que se imponham aos cidadãos com tais limitações, o que possibilita afirmar-se que a deficiência é a combinação de limitações pessoais com impedimentos culturais, econômicos e sociais. Desloca-se a questão do âmbito do individuo com deficiência para as sociedades que passam a assumir a deficiência como problema de todos. Ainda, de acordo com a análise de Fonseca (2008), o artigo 3 fixado na Convenção, aponta para um novo conceito, uma nova perspectiva frente à concepção de deficiência e pessoas com deficiência. A noção, neste ínterim defendida, absorve e veicula a idéia da deficiência como fator inerente à diversidade humana, traduzida nas peculiaridades de raça, gênero, orientação sexual, religiosa, política, ideológica, na condição familiar, étnica, de origem etc. Proponho a superação da noção que restringe a deficiência à noção de "impedimentos" pessoais de caráter físico, mental, intelectual ou sensorial, adotando a perspectiva de entender a deficiência globalmente, isto é, fatores de restrição de acesso aos direitos, não pelos efeitos produzidos pelos impedimentos, mas sobretudo, pelas barreiras sociais e atitudinais. As barreiras não se estabilizam nos campos da Saúde e Educação. Estas são apenas as bases de uma espiral que até o momento não parou de crescer. 37 “A discriminação, a tutela e a caridade são instrumentos que tornam inválidas pessoas produtivas.” (QUEIROZ, 1986). Concordo em parte do que foi dito por Queiroz (1986), a discriminação, a tutela e a caridade são instrumentos que invalidam, mas não as pessoas produtivas, mas sim seu caráter produtivo. A não abertura no espaço trabalhista, respaldado por práticas inclusivas que extrapolem a Lei de cotas, mina a capacidade produtiva do Deficiente Auditivo/Surdo. O que aponta para trás, para a formação e para adiante, a conscientização da iniciativa privada no preparo do ambiente para receber as particularidades do Deficiente Auditivo/Surdo. Em São José dos Campos, sobram vagas para Deficientes Auditivos/Surdos que não são preenchidas ou preenchidas temporariamente por falta de preparo das empresas e preparo do empregado para conviver noutra realidade. Esta realidade reflete o quanto caminha lentamente o processo de inserção, integração e inclusão social. Não se pode atender em blocos. A atenção ao Deficiente Auditivo/Surdo precisa acompanhar o novo entendimento da própria Organização Mundial da Saúde, ou seja, compreender todos os aspectos que formam o indivíduo e não apenas sua situação enquanto paciente. Não é plausível uma soma de políticas desvinculadas que não dialogam. A rede de atenção à minimização de barreiras precisa estar conectada às particularidades acarretadas pela deficiência e a soma que isso reflete na sociedade. As pontes entre as diversas áreas que englobam o conexto social do Deficiente Auditivo/Surdo precisam sair e chegar no mesmo lugar, para não percorrerem caminhos insólitos. A saúde precisa tratar a patologia, a educação habilitar o educando, e a política aprovar leis que encontrem respaldo plausível. Como encontrar na lei de cotas, empresas 38 preparadas para receber o empregado e sua potencialidade de trabalho e não apenas isolá-lo sem função produtiva, apenas para cumprir a lei. Ou ainda pior, empresas que não conseguem completar seu quadro de cotas porque não encontra mão de obra preparada. O que remete aos ‘vãos’ entre a lei e o não caminho para desfrutar do direito. Como no caso em que o indivíduo surdo não recebe condições para frequentar a escola e, portanto, não se gradua, sem escolaridade não responde aos quesitos mínimos de contratação... o que gera um desserviço público. Romita (1991) entende que a verdade parece estar na combinação dos dois argumentos: Os portadores de deficiência não necessitam de medidas preferenciais, mas sim de remoção das barreiras que impedem a sua inserção no mercado de trabalho, mas por não haver uma integração eficiente desses três pontos: qualificação profissional, habitação e reabilitação e estímulos financeiros. Concordo com a perspectiva da remoção de barreiras e promoção de adequação de condições para equalizar o objetivo da lei de Cotas ao acesso legítimo da Pessoa com Deficiência às vagas. O autor ainda analisa que, no Brasil, uma grande parte dos portadores de deficiência são pedintes de ruas e trabalham na economia informal, como: camelôs distribuidores de propaganda nos semáforos etc., estando, via de regra, fora do mercado formal de trabalho e sem a proteção do sistema de seguridade social [...]” (ROMITA, 1991). O fato da marginalização, ser tão efetiva e enraizada, tem origem e retroalimentação num sistema, de política pública, desencontrado e desarticulado; que não dialoga entre os setores, logo, não consegue fechar as lacunas que poderiam criar ‘rampas sociais’ de acessibilidade. Ramalho e Souza (2005) afirmam que as estimativas existentes são bastante desencontradas e analisam: [...] se formos considerar como trabalho atividade que é exercida legalmente registrada ou de forma autônoma, mas com as devidas proteções da seguridade social, é bem provável que essa proporção fique em torno de 2,5% do total de 39 portadores de deficiência em idade de trabalhar no Brasil, o que representa aproximadamente 180 mil pessoas. (RAMALHO; SOUZA, 2005). Não podemos analisar friamente a questão trabalhista do deficiente auditivo, sem considerar a independência e autonomia que um bom emprego proporcionaria. Nem tampouco sermos ingênuos a julgar a preferência pela seguridade social, sem antes entender as razões pelas quais ela se dá. Como por exemplo: condições sociais adequadas no ambiente de trabalho, sistema inclusivo e de controle social na prevenção de discriminações, e claro, a remuneração frente à carga horária e condições de exigência que, raramente supera os valores do seguro social. [...] para alcançar o objetivo de proporcionar aos deficientes o acesso aos cargos e empregos públicos e privados, é necessário que o Estado Legislador adote medidas niveladoras, a fim de remover os obstáculos que se opõem ao livre desenvolvimento da personalidade dessas pessoas, assim como dos demais membros das classes sociais desfavorecidas[...]. (ROMITA, 1991). 1.3 Identidade: Significando as particularidades do não ouvir Os povos surdos não são obrigados a ter normalidade. A máscara não esconde o ser que é surdo, o ser surdo que é humano... Quando a sociedade deixa o surdo ser ele mesmo carece tirar as máscaras e assim chega o momento de o povo surdo enfrentar a prática ouvintista, resgatar-se e transformar-se no que é de direito: partes de nós mesmos, de termos orgulho de ser surdo! (STRÖBEL, 2007) A identificação de um grupo, denominado por sua particularidade singular de não ouvir, não é tida por eles como uma limitação e sim como uma identificação. O preconceito gerado nasceu com a incapacidade da sociedade em aceitar o que difere do dominante, neste caso, o ouvinte, o que nos remete à capacidade de se comunicar oralmente. A discussão sobre diferença e identidade, não pode ser reduzida a uma questão de respeito e tolerância para com adversidade. A diferença e a identidade não estão simplesmente aí como dados da natureza. Elas são cultural e socialmente produzidas e, como tal, devem ser questionadas e problematizadas. (SILVA, 2000). 40 Inúmeras são as barreiras impostas às pessoas com Deficiência. Embora já exista legislação pertinente, tais barreiras persistem e refugam o Deficiente Auditivo/Surdo à periferia social a um nível significativamente visível sob a perspectiva social da Política Pública. O Artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aborda a questão discriminatória e aponta algumas formas de sua ocorrência. Destas, podem ser descriminadas: a omissão do setor público quando não atende seu cidadão Deficiente Auditivo/Surdo em toda a dimensão de direitos previstos; as barreiras atitudinais, manifestadas por outras pessoas no contato interpessoal ou indiretamente imposto por negligência e/ou não percepção (ONU, 1948). Enquanto a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994) reafirma a tendência da política social das passadas duas décadas tem consistido em promover a integração, a participação e o combate à exclusão. Inclusão e participação são essenciais à dignidade e ao desfrute e exercício dos direitos humanos, a Declaração afirma ainda que a reforma das instituições sociais não é, somente, uma tarefa de ordem profissional; depende, acima de tudo, da convicção, empenhamento e boa vontade dos indivíduos que constituem a sociedade. As inúmeras barreiras plausíveis de serem vivenciadas pelo Público Deficiente Auditivo/Surdo também são físicas. Tais barreiras são causadas pela infra-estrutura (ou ausência desta), e podem ser arquitetônicas, urbanísticas, de transporte e comunicação; e impedem as pessoas de circularem em determinados locais ou utilizarem com decência os equipamentos urbanos. A ausência de informações sinalizadas para que o Deficiente Auditivo/Surdo, usuário de Libras possa interagir com a informação e se valer dela, é uma destas ausências, que poderia ser facilmente sanada. Outra forma de favorecer o usufruto do espaço, seria garantir atendimento em Libras nos setores públicos, ou buscar soluções plausíveis como o sistema da tradução e interpretação (CELIG) que já é utilizado na Capital. 41 O sistema representa o que considero, uma ‘rampa social’ já que proporciona acessibilidade aos setores e serviços. Já as barreiras sistêmicas são causadas pelo sistema social, relacionadas às políticas públicas e/ou ausência destas, o que evidencia obstrução de direitos e, portanto ofende os direitos humanos previstos. A consolidação de políticas públicas dirigidas ao cidadão requer seu reconhecimento como Sujeito de Direitos, bem como a demarcação de seu lugar no conjunto de ações do Estado e da sociedade. Um dos requisitos é certamente a ampliação de sua interlocução com as áreas de atenção pública à seguridade social, com o Judiciário e com o Legislativo. Quanto ao último, é necessário ressaltar o fato de que o atendimento à Pessoa com Deficiência precisa de conhecimento sobre as particularidades da Comunidade como fundamento para a elaboração de políticas púbicas. O desconhecimento pode levar a situações, no mínimo desarmoniosas, como a formação de salas de aulas híbridas, onde cadeirantes, cegos, surdos são submetidos ao mesmo tratamento, em total desconsideração ao específico de cada um, ou ainda o uso do ‘closed caption’ ou mídias com recursos escritos que não consideram o assustador índice analfabeto em Língua Portuguesa da Comunidade. Se o objetivo das políticas públicas é promover a igualdade, ele implica no respeito às diferenças. Neste sentido, Fávero (2006) faz uma distinção importante entre integrar e incluir. Em seu ponto de vista, integrar tem como fundamento adaptação individual. A sociedade, então, reconhece a desigualdade, mantendo a possibilidade daqueles que, por “méritos” próprios, consigam atingir uma nova condição no espaço social. Não há aqui, portanto, a consciência de que aquele indivíduo faz parte de um grupo que requer uma atenção especial. Por outro lado, prossegue o autor, a inclusão se traduz no combate à exclusão em si. Assim, incluir exige que o Poder Público e a sociedade promovam 42 condições para o acolhimento das especificidades. Resumindo, a integração prevê incorporação condicional àquele que consegue adaptar-se, a inclusão garante a adoção de ações para evitar a exclusão de qualquer pessoa ou grupo social. A inclusão, portanto, implica na adoção de políticas públicas e sociais que promovam o acesso à cidade e aos serviços, conduzidas por uma gestão pública que assegure o acesso universal e igualitário a todas as pessoas aos espaços públicos e equipamentos urbanos; uma ação que só tem como requisito para sua eficácia a consideração das diferenças e particularidades impostas por limitações físicas, econômicas ou sócio-culturais. A cidade se enquadra enquanto provedora não apenas do ‘chão’ do ‘lugar citadino’ que abriga fisicamente o indivíduo Deficiente Auditivo/Surdo, mas o berço social onde medidas e ações devem emergir através de seus equipamentos sociais, sua frente de ação política deve se materializar em serviços públicos que aconteçam na cidade, no espaço público, nos territórios citadinos. A cidade se enquadra na inclusão e se torna inclusiva quando atende de maneira sóbria e efetiva suas obrigações determinadas pela Constituição. Quando não resvala sua responsabilidade em ações medíocres e superficiais. Quanto não se limita de maneira simplista aos apontamentos do Estatuto da Cidade (SAULE JÚNIOR, 2002), mas inclina e adequa seu Plano Diretor de forma suficiente. A cidade pode responder à demanda específica de Deficientes Auditivos/Surdos e suas particularidades quando compreende o significado da diferença e o que ela ocasiona na cidadania deste indivíduo. Entendo que, a cidade se torna responsavelmente inclusiva quando transforma seu espaço urbano e o que ele compreende em um campo democrático de atuação, ou seja, onde todos, independente de como são ou estão (já que uma pessoa pode ser deficiente ou estar deficiente) possam ‘ser’ e ‘estar’ nesta cidade enquanto e como cidadãos. 43 A cidade não exclui quando se importa em descriminar s diferenças sem discriminar a pessoa com deficiência. Nascimento (2000) vai relacionar a situação de exclusão não só a um conjunto de carências materiais, mas ao desconhecimento do excluído como sujeito. Desta maneira a ele é negado não só um conjunto de bens e serviços necessários a uma vida com dignidade, mas seu lugar na elaboração das políticas que lhes dizem respeito. Neste plano, podemos lembrar as observações de Foucault (1996) que aborda a desqualificação da fala de loucos e heréticos na ordem do discurso, ao final da Idade Média; um processo de exclusão que, no presente, vai atingir outros segmentos sociais. Em decorrência, a abordagem das políticas inclusivas se desdobra ainda no tema da formação de identidades. O que significa dizer que a forma como são socialmente percebidos condiciona a forma como estabelecem sua interlocução com o restante da Sociedade, e consequentemente estabelece a relação de Identidade e suas Particularidades. 1.4 Particularidades das Identidades: e vice e versa. Somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez, muito mais ignorantes do que um homem instruído teria sido em 1886 ou 1786. Ignorantes e indiferentes (...). Eu nada sabia a respeito da situação dos surdos, nem imaginava que ela pudesse lançar luz sobre tantos domínios, sobretudo o domínio da língua. Fiquei pasmo com o que aprendi sobre a história das pessoas surdas e os extraordinários desafios (linguísticos) que elas enfrentam, e pasmo também ao tomar conhecimento de uma língua completamente visual, a língua de sinais, diferente em modo de minha própria língua, a falada [...]. (SACKS, 1998). Várias questões fragilizam a Identidade Surda. As subjetividades da Comunidade perscrutam caminhos que excedem diferenças primárias como raça, credo ou classe social. Silva (2000) define Identidade Cultural e Social como conjunto daquelas características pelas quais os grupos sociais se definem como grupos. Desse modo, aquilo que eles são é inseparável daquilo que eles não são, daquelas características que os fazem diferentes de outros grupos. 44 Existe toda uma rede de diferenciações e posturas que convergem ou divergem dentro da realidade da Deficiência Auditiva/Surdez. Modos de ver e viver a Deficiência Auditiva/Surdez que discrepam uma da outra, formando grupos heterogêneos dentro da Comunidade. E esta diferenciação tem início na própria forma de denominar os grupos. Existem dentre outras, duas expressões comumente encontradas na literatura: Surdo e Deficiente Auditivo. Dorziat (1998) pondera sobre como a perspectiva dos Estudos Culturais, que redefiniram o significado de cultura, conhecimento e currículo, principalmente sob a perspectiva de Michel Foucault. Sob o respaldo de Silva (2000) e Hall (2000) dentre outros, os conceitos de identidade e diferença são amplamente problematizados. Silva discute sobre a importância de não reduzir a questão aos planos da tolerância à diversidade. “A diferença e a identidade não estão simplesmente aí como dados da natureza. Elas são cultural e socialmente produzidas e, como tal, devem ser questionadas e problematizadas.” (DORZIAT, 1998) Sob o signo da globalização o mundo mudou, e com ele, perspectivas sociais se transformaram porque, as pessoas se transformaram. O contexto político-social foi alterado frente à franca e urgente necessidade de acompanhar o ritmo frenético da evolução científica, política, social e principalmente o contexto econômico. Bauman (1999) considera que, [...] parte integrante dos processos de globalização, é a progressiva segregação espacial e a exclusão. É cada vez mais evidente a ruptura de comunicação entre as elites extraterritoriais (dia a dia mais “globais”) e o restante da população (cada vez mais “localizada”). (BAUMAN, 1999) E, neste contexto, diferentes grupos sociais buscam, sob a tutela da pós-modernidade e seu arquétipo de questionamentos e insatisfações, inauguram uma postura exigente, que 45 visiona uma participação mais efetiva. E neste contexto cultural que a questão da Identidade ganha um maior espaço de reflexão. A identidade para o sujeito pós-moderno torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam [..]. O sujeito assume identidades em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente”. (HALL, 2000). Buscando um melhor conhecimento sobre a vivência deste público, percebi que, em meio à comunidade e profissionais da Saúde e Educação que convivem e vivem da realidade da deficiência auditiva/surda, francos são os desencontros frente a própria identidade. Desde a forma como devem ser denominados até a forma como devem ser clinicamente tratados, as divergências não se restringem aos métodos, mas formam diferentes frentes dentro do mesmo paradigma da exclusão. O que de fato, corresponde ao que Hall (2000) pondera quando analisa a constante transformação do processo de identificar-se, mostrando que, ao longo do tempo, o sujeito não permanece idêntico, mas, em vez disso, sofre continuamente influências do meio em que vive e das pessoas que compõem este meio. O que de fato ocorre nas Identidades Surdas, já que, além das próprias diferenciações intrínsecas, as inserções dos ouvintes na vivência do Deficiente Auditivo/Surdo e sua família acabam por interferir nas decisões quanto ao tratamento, quanto ao método de reabilitação e educação. São ouvintes (médicos, fonoaudiólogos, intérpretes e professores) que, defendem seus partidarismos frente às questões da Deficiência Auditivo/Surdez, conduzindo seu público de contato a se portarem e decidirem questões que determinam seu papel dentro da comunidade Surda e ouvinte, logo, interferindo no processo de construção de identidade. ”Uma separação entre o saber produzido pela experiência e o saber produzido pelo conhecimento científico”. (LARROSA; PÉREZ DE LARA, 1998) 46 Durante o processo de investigação da realidade, percebi que a condução do perfil do grupo era realizado pelo intérprete, que opera a ponte entre o Deficiente Auditivo/Surdo e o ouvinte. As impressões sobre a realidade social frente a problemática era respondida de maneira superficial pelo grupo da dinâmica. A intérprete conduzia o pensamento e raciocínio do grupo frente às questões colocadas para discussão. Quando por exemplo o assunto era educação, a maioria defendia a presença do intérprete, mas na passagem, na tradução da questão a ser discutida a intérprete subescrevia inconscientemente sua opinião. Exemplo: Não é mais fácil quando tem intérprete? Vocês não entendem melhor quando tem intérprete? Ou noutro momento frente à questão dos métodos de reabilitação, quando o grupo discutia a questão do uso da LIBRAS, do Oralismo ou mesmo sobre tratamento com Implante Coclear, o grupo diversificou opiniões sobre os métodos. Mesmo porque, o grupo era misto (ou seja, era formado de Usuários de LIBRAS, Oralizados e Implantados). A única pessoa completamente oralizada, mas também usuária de LIBRAS, contou como foi difícil e demorado o processo de oralização. Disse que se sentia a parte por não conseguir se comunicar com os pares deficiente auditivos/surdos. Aprendeu LIBRAS e hoje se comunica com Surdos (por LIBRAS) e, com os ouvintes pelo oralismo. Interessante que, por trabalhar sempre com a intérprete, ela conduziu sua análise de maneira a favorecer a LIBRAS frente ao Oralismo. Enquanto via-se claramente a vantagem comunicativa que ela tinha sobre os demais por possuir ambas as capacidades. Outra questão claramente observada foi o desconhecimento sobre o Implante Coclear. De um grupo de 13 pessoas, apenas 01 jovem era implantado. Foi clara a tendência à marginalização. O grupo se ressentia porque entendia que, agora implantado, o jovem já evitava se comunicar através da LIBRAS, o que foi entendido como não aceitação da linguagem, logo refletia acepção aos usuários. Ao mesmo tempo, o jovem se sentiu ignorado pelo grupo. Sentiu que o grupo não o aceitava mais como par. 47 No ínterim da dinâmica a intérprete denunciou o fato do jovem não querer utilizar mais LIBRAS, mas não denunciou a marginalização feita pelo grupo. O que também comunica uma tendência de interpor as inclinações do grupo. Dentre outros momentos da dinâmica, ficou claro que o grupo não tem noção de questões sociais, nem tampouco termos como inclusão, exclusão, diversidade e políticas públicas. A intérprete então, explicou a noção dos termos, mas o resultado de percepção do grupo ficou claramente restrita ao preconceito e separação (exclusão) e dificuldade (acessibilidade). Esta experiência apenas ratificou e complementou o que a literatura já mencionava como Identidade(S) Surdas. O plural denuncia intergrupos, que associam e dissociam-se frente à questões imprescindíveis à inclusão político-social. A dinâmica também confirmou a questão das identidades flutuantes, um meio neutro onde certas conjecturas ficam à mercê de direcionamentos. Vertente que Rampelotto e Sacilloto ([2006]) analisam quando trata do sujeito cartesiano*: Dentre essas mudanças no pensamento do século XX, merecem destaque: a descoberta do inconsciente por Freud, já que, a partir da visão do pensamento psicanalítico, a identidade não é inata, mas constantemente construída; a argumentação do linguista Saussure, que descreve que o significado não é uma construção individual; e o trabalho de Foucault, com a ideia do poder disciplinar, composto pela regulação e pela vigilância das ações do indivíduo. Estes novos territórios de discussão auxiliam na compreensão da não existência de uma unidade de identidade. (RAMPELOTTO; SACILOTTO, [2006]). Realmente, a experiência comprovou a análise da autora quanto à questão da construção de uma identidade. Esta multiforme ação do meio sobre o sujeito e o impacto do externo sobre a construção de noção de identificação é evidente frente á forma com o as Identidades Surdas estão sujeitas ao meio e influências. [...] as identidades não são nunca unificadas; que elas são na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se 48 cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. (HALL, 2000). Sabemos que as diferenças culturais constroem e reformulam identidades. Sob a lógica da concepção dos excluídos, a formação de territórios de emancipação e territorialidades se fixam à busca por identificação como sujeitos de direitos. Várias conquistas já se deram frente aos grandes obstáculos impostos à uma melhor vivência, e destas, a incapacidade de ouvir naturalmente não está sozinha. Divide espaço junto ao desconhecimento da Sociedade majoritária-ouvinte frente ao universo que existe dentro desta realidade de ineficiência no ouvir. Enquanto minoria linguística, a comunidade surda está cada vez mais unida em prol de uma articulação política e social que considere seus direitos linguísticos e de cidadania, impondo-se em busca do respeito à diferença. Essa comunidade vem lutando por seus ideais, pela compreensão de sua cultura e de sua própria língua, começando assim a consolidar seu grupo, já que passou a estar presente, através de movimentos surdos, na tomada de decisões que interferem em sua educação e, consequentemente, em sua vida. (SACILOTTO; RAMPELOTTO, [2006]). Mas, a capacidade de se conjecturar e unir em busca de maior participação, já garantiu à Comunidade Deficiente Auditiva/Surda brasileira seu direito com a formalização da LIBRAS como a Língua Brasileira de Sinais. Para Perlin (1998) “a identidade é algo em questão, em construção, uma construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou estar em movimento, e que empurra o sujeito em diferentes posições”. A consolidação desta Identidade, passa por possibilidades de aquisição da linguagem, tratamento, reabilitação e educação, e de todas estas questões depende a formulação do sujeito concomitantemente à atuação do meio sobre a realidade deste sujeito. O que imprime categoricamente, a importância de se ater à questão das alterações auditivas e seus fatores de impacto na alteridade do Deficiente Auditivo/Surdo. Quanto à reafirmação de Identidade, o Deficiente Auditivo/Surdo, busca e precisa se autoafirmar enquanto agente do próprio discurso social. Entre a marginalização e a alteridade, 49 este público tem estado à mercê de não políticas específicas ou afinadas às particularidades que exigem percepção e resposta político-social. E é sob este contexto que se configura uma severa desconsideração por parte das políticas Públicas frente à Comunidade, suas Identidades formada por suas particularidades. Números e análises podem percorrer teoricamente a realidade, mas não têm a prerrogativa de sequer supor, o que representa ser minoria num contingente de maioria ouvinte, onde tudo é feito e pensado para o benefício do maior público, neste caso, a sociedade ouvinte. O mundo muda mas não na velocidade ou sentido que percorra todas os entremeios da acessibilidade social. Poderia percorrer a longa e histórica luta do Deficiente Auditivo/Surdo e a forma superficial como alguns avanços sociais permeiam a discriminação. Mas, não vou me ater ao processo histórico, me limito a retomar a questão do quanto, avanços isolados podem alimentar uma estagnação social do indivíduo. Em muitos aspectos, temos que reconhecer os avanços de mentalidade social e comportamental. Estamos na vanguarda clínica de atendimento à Deficiência Auditiva/Surdez, não se pode dizer que nada está sendo feito. Entendo estarmos diante de um momento importante frente às deficiências e às Pessoas com deficiência, um momento onde a deficiência que existia na mentalidade social está perdendo espaço para o entendimento do SER, HUMANO por trás da diferença imposta pela deficiência. O discurso já protagoniza a Pessoa, o que faz avançar a perspectiva aguçada no aspecto global e contextual da Pessoa com deficiência. A recolocação está em franco progresso no campo do discurso: A deficiência agora está sendo posta em seu lugar: no contexto da diferença ocasionada por ela na Pessoa; enquanto a Pessoa recolocada em seu 50 lugar: Protagonista e visibilidade social antes camuflada pela evidência social da deficiência que lhe roubava a identidade. Nogueira (2005) afirma que as últimas décadas trouxeram importantes conquistas no campo dos direitos sociais, recriando o conceito de cidadania e associando a ela novos temas e novas dimensões. Concordo, pois o avanço na maturidade e mudança de conceitos faz evoluir vários campos de atenção específica e desmistificação quanto à potencialidade do indivíduo. Já Skliar (1999) entende que: [...] tais conquistas se refletiram na área da surdez, imprimindo um novo paradigma na questão da identidade do surdo como reconhecimento político da surdez enquanto diferença. Neste contexto, a surdez deixa de ser vista como deficiência e o surdo passa a ser reconhecido como parte de uma minoria linguística e cultural. (SKILAR, 1999) O mundo muda, mas toda a sociedade (onde cabe o ‘nós’) precisa acompanhar esta evolução, precisamos operar um movimento eficaz de comportamento frente às questões que afetam o outro, o diferente, o não igual à maioria. Se, realmente o mundo muda é porque sempre existe alguém que muda o mundo. Este alguém (iniciativa pública e/ou privada) precisa ser e estar incansavelmente pronto a não deixar desvanecer o exercício da responsabilidade social, afinal ela é o dispositivo do discurso, da ideologia e da utopia. 51 2 Representação Social: um constructo insólito As representações sociais equivalem a um conjunto de princípios construídos interativamente e compartilhados por diferentes grupos que através delas compreendem e transformam a realidade. (REIGOTA, 2002). E por acreditar na força das provocações, lanço mão do recurso posto por autores como Moscoviti (2003) que elaboram um pensamento referente às representações sociais, e como o processo de percebê-las corresponde a uma prática de análise sobre como e o que a sociedade pensa sobre dada realidade. ‘Representa o social’. De forma rasa, a primeira e pronta explicação por si, estabelece o quanto questões como Deficiência, Inclusão e Políticas Públicas não estão apenas presentes no cotidiano, mas realizam o cotidiano. E o fazem por serem por si só, representações do que as pessoas pensam e como agem. As representações fomentam ações, inibem iniciativas e conduzem políticas. As representações sociais relacionam-se de perto com o senso comum, o que nos convida a observá-las para entender o ponto de vista sobre como o Deficiente Auditivo/Surdo é visto e tido pelo público ouvinte, ou, como as representações sociais concebem a temática da inclusão desta Comunidade. Para Moscoviti (2003), uma representação social é o senso comum que se tem sobre determinado tema, onde se incluem também com ideologias, preconceitos e características específicas das atividades cotidianas sociais e profissionais das pessoas. O que remete à concepção que se tem ou não da Deficiência Auditiva/Surdez e da Pessoa com deficiência Auditiva; concepção que é traduzida na atenção dispensada à realidade das alterações auditivas na vida das pessoas. É importante pensar sobre como o ser Deficiente Auditivo/Surdo ser indivíduo, implica o exercício do ser cidadão. 52 Muito se tem discutido frente a questão inclusiva, o que comprova uma historicidade de exclusão. Uma vivência sem convivência com o Deficiente Auditivo/Surdo, que comunica a forma como permanece recalcada e obsoleta a percepção e atitude e não atitude da Sociedade. Não pretendo realizar uma análise profunda frente ao que significa a representação social, e sim apontar o que a representação social da Deficiência Auditiva/Surdez opera no portador. Carvalho (2007) em uma análise sobre a questão, entende que, na gênese das representações, o indivíduo não é apenas um ser genérico, mas é um sujeito histórico, com uma história pessoal e social, que expressa sentimentos e afetos, com poder de criar e transformar a realidade existindo em suas representações sociais. Entender a deficiência é parte de uma maturação social, é preciso perceber globalmente a pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez, atentar às nuances de uma evidência física de particularidade. Precisa-se inclinar os arquétipos e estereótipos a um ângulo que contemple o ser do ser humano Deficiente Auditivo/Surdo. Ser visto, ouvido, percebido, respeitado como sujeito de direitos que é. Respeitado inclusive sobre suas escolhas, suas preferências, seu achar enquanto sujeito de sua própria condição. Entendo ser legítima, a intenção de elaborar planos de ação e políticas que subjuguem os impactos da deficiência auditiva/surdez, mas, há uma linha muito tênue entre subjugar a deficiência auditiva/surdez e subjugar o Deficiente Auditivo/Surdo ao que entendemos ser melhor. O que percebi em minhas ‘andanças’ na busca por conhecer a realidade desta deficiência, é que há uma forte tendência em defender métodos. Desde o diagnóstico à reabilitação e inclusão, há uma demarcação de território, defendida por diferentes frentes, que defendem sua metodologia. 53 Macedo (2000) analisa sob a tutela do desenvolvimento humano, a importância do diálogo. O autor afirma que: [...] sob esta perspectiva, uma gestão dialógica e co-constitutiva não deve ser uma prática de culto ou cultivo ao narcisismo intelectual competitivo, ou de lideranças afeitas e acostumadas apenas com relações satelitizadas, especialmente praticadas nos meios acadêmicos; deve-se incentivar a inteligência parceira que alimenta-se também do gosto pela prática da dialogicidade e da dialeticidade humanamente majorantes [...]. (MACEDO, 2000). Considero legítima e democrática, a coexistência de várias formas de atuar sobre uma problemática, e saudável inclusive, pois fomenta competição, que promove (ou deveria) a excelência. Mas, se esta coexistência não respeita a opção de uma escolha esclarecida e livre, por parte da Pessoa com Deficiência e sua família, o processo fica comprometido porque novamente observa-se a minimização da deficiência, suplantando a escolha da Pessoa com a deficiência. E, entre os lados e perspectivas, (não) fica o Deficiente Auditivo/Surdo e sua família. Ou refém dos partidarismos que lhe convencerem, ou da falta de opção por questões financeiras, ou ainda pior, por uma franca ausência de informações que minem o monopólio estabelecido por quem sequestra mais e melhor contingente de adeptos. Digo sequestro porque entendo uma falsa escolha quando não se tem informação suficiente, nem tampouco liberdade para optar. Sob esta realidade, cabe apontar novamente o papel das Políticas Públicas no papel neutralizador. Um mediador entre a informação, os profissionais e seus métodos e o menos protegido do processo: O público Deficiente Auditivo/Surdo. E toda esta conjectura defende o direito de ‘ser’ ou ‘não ser’ do Deficiente Auditivo/Surdo. Podemos elaborar uma Política Pública que atenda a todo o público e suas particularidades, sem se esquecer da neutralidade que garantirá a democrática e transparente 54 atenção ao que deveria ser o único e comum objetivo de todas as frentes ligadas à problemática: a inclusão. Deficiente Auditivo, Surdo, Oralizado, Implantado, Usuário de LIBRAS, Usuário de AASI; a Pessoa com Deficiência deve ter sempre à primazia do direito à escolha consciente do que quer “SER”. E isto também depende de uma Política de valorização das Identidades. Porque, se entendermos a conjectura e formação global da Pessoa com Deficiência Auditiva, respeitaremos sua escolha (ou não escolha). Insisto neste ‘ser’ justamente porque nele reside o direito de exercer seu papel onde se insere(integração) ou é inserido(inclusão). Contabilizar na história a busca pela inclusão do Deficiente Auditivo/Surdo, não fortalece a busca, mas pode transformar efetivamente a realidade destas pessoas se usarmos criticidade suficiente para reconhecer os entraves e conferirmos que, sem a dose mínima de responsabilidade social, não se alcançará uma nova concepção de atuação polítco-social. Apoiado em Durkeim, Reigota (2002) afirma que: “[...] nada ou quase nada escapa das configurações sociais, ou seja, as sociedades agem sobre seus indivíduos independentemente da vontade destes.” O autor ainda destaca que, os conceitos científicos tendem a generalizações e ao rigor, enquanto que as representações coletivas se associam a um tipo de conhecimento que, podemos eventualmente possuir um aspecto de cientificidade, que se pauta pela compreensão do saber. Porém, isto não diminui o valor e a pertinência social do conhecimento gerado a partir das vivências com a diversidade. Numa postura arrogante de domínio do saber, ainda existe uma parcela de profissionais ou estudiosos que acreditam conhecerem mais sobre a alteração auditiva do que quem a possui. 55 Ouvi de vários profissionais da área que sabiam ‘exatamente’ o que as famílias estavam passando diante de um diagnóstico de perda auditiva. Um destes profissionais inclusive, afirmou que conhecia tanto do assunto que entendia mais de surdez que o próprio surdo. Eu na minha ignorância só pude então esperar ter a oportunidade de voltar a conversar com ele sobre o assunto, caso ele ficasse sensorialmente surdo já que já se considerava teoricamente surdo... Ledo engano e presunção pensar que conhecemos a realidade da deficiência se não somos pessoas com deficiência, ou que entendemos a família se não somos do núcleo familiar que convive com as alterações auditivas de baixo ou alto impacto (nível de afetação social da deficiência auditiva). A profunda relação entre sujeito, deficiência e sociedade segue corrompida por um frágil tripé: ignorância quanto a deficiência/diferença; arrogância da ‘normalidade’ e descompromisso social. Sobre estas questões pairam discussões acadêmicas e discursos hegemônicos dos direitos humanos paralelos, que por tangenciar as questões mais pertinentes e não supri-las não convergem para a minimização do impacto social da exclusão. Reconhecer estas intrínsecas relações e inter-relações, contribuirá para uma real atuação frente à marginalização do Deficiente Auditivo/Surdo. De acordo com Durkheim, as representações coletivas são categorias de pensamento pelas quais uma sociedade expressa sua realidade, contudo, tais categorias não se apresentam de imediato e não são universais na consciência. Surgem com origem nos fatos sociais, e mais, transformando-se elas mesmas em fatos sociais passíveis de serem observados e interpretados. Salienta, ainda, que tais representações traduzem a maneira como o grupo pensa suas relações com o objeto que o afeta. Para entender como a sociedade se representa a si mesma e ao mundo que a cerca é preciso considerar a natureza da sociedade e não dos indivíduos. (MINAYO, 2007) Isto, de fato se vê na manifestação marginalizada da Comunidade Deficiente Auditiva/Surda que se concentra à margem social educacional, cultural, enfim, preenchem lacunas, espaços reservados na sociedade majoritária. 56 É de fato ensurdecedor o fato de que, em pleno século XXI, as pessoas são reclusas à própria deficiência por falta de informação, sofrem preconceitos diversos e absurdos na ocupação de seus direitos constituídos, vividos como favores. A representação social da Sociedade ouvinte é que deveria ser observada sob parâmetros de análise de ineficiência já que, mesmo ante previsão legislativa, a gestão se esquiva de aprimorar e fazer valer previsões estatutárias dos direitos e deveres das esferas de governo e sociedade civil. E no que se refere ao urbano, é preciso despir o Planejamento de seu aspecto físico e arquitetônico. Planejamento Urbano não é só físico-estrutural. É planejar considerando o humano, o ser que vai fazer, ocupar e (re)organizar as estruturas. E é neste momento em que a humanização se reflete, e considera a pessoa do espaço, a pessoa que acessa que compra que vota, que é público das ações e não ações de políticas que podem e precisam extrapolar o campo ideológico e se materializar neste espaço, onde o planejamento alcança seu objetivo: Planejar. E acredito que, se a motivação do Planejamento estiver equalizado ao ser humano, não se restringirá ao arquétipo sólido das estruturas, mas vislumbrará operar mudanças que visem a todos, sem discriminação, sem negligencias as diferenças, mas respeitando a descriminação necessária às diferenças. 2.1 Quando ser normal for diferente, ser diferente será normal: um pleonasmo social “Ser normal é tão importante, mas tão importante mesmo, que não se consegue entender até que ponto vai seu significado.” (QUADROS; PERLIN, 2007) A definição de normalidade, obedece a parâmetros pré-estabelecidos pela sociedade e seus pré-conceitos, que mal interpretados e conduzidos se tornam preconceitos que avariam 57 um modelo de sociedade capaz de permitir que todos se desenvolvam sem a noção de diferença no sentido depreciativo. Definir normal ou diferente tem que posicionar um padrão para se estabelecer uma comparação, um modelo matricial onde possamos determinar, convencionando normas sociais cabíveis de apreciação e observação, parâmetros de diferenciação que não ocasionem acepção de pessoas por suas características. Precisamos definir quem estabeleceu a normalidade e perguntar-lhe se ser normal é ser diferente ou igual. Não podemos ignorar a questão dialética das relações pessoais, onde a deficiência opera no tido normal uma ótica deturpada sobre o tido ‘não normal’, o que implanta uma conduta preconceituosa e negligente. O questionamento sobre inclusão emerge justamente do não entendimento sobre as diferenças e do estigma da deficiência versus normalidade. Para Amaral (1992) “[...] do ponto de vista biológico, o desvio está presente no corpo quando há falta ou excesso de alguma coisa”. A autora afirma que “[...] o fato é que (seja da ótica de quem a vive, seja da ótica de quem a vê) a deficiência, do ponto de vista psicológico, jamais passa em ‘brancas nuvens’” e prossegue: Muito pelo contrário: ameaça, desorganiza, mobiliza. Representa aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao belo, ao eficiente, ao perfeito... e, assim como quase tudo que se refere à diferença, provoca a hegemonia do emocional sobre o racional. (AMARAL, 1992). O conceito de normal, ou de norma, e consequentemente daquilo que não é normal ou que, não segue a norma; é bastante complexo e tem sido tratado por diversos autores como Canguilhem (2002), Goffman (1993), Mantoan (2002), Gilberto Velho (1989), dentre outros. “A diferença promove a singularidade, sem abrir mão da pluralidade.” (PORTELLA, 1999) 58 Influenciada pela reflexão dos mesmos, entendo importante lembrar que, o critério de normal tem sua base considerando a estatística e o que ela aponta como maioria, e do que esta maioria considera ideal, ou seja, sua ideologia. Canguilhem (2002) analisa a dependência de estipular a anormalidade tendo referência o que já foi estipulado como normal, e pondera que, definir quem ou o quê é normal depende de oscilações em torno de valores médios puramente teóricos, sob os quais os indivíduos vão ser considerados normais. E continua: “Mas será que devemos considerar qualquer desvio como anormal?”(CANGUILHEM, 2002) Certamente a pergunta de Canguilhem provoca, ou deveria provocar desconforto quando sugere a estipulação da normalidade. Então, não resta saber a quem consideraremos normais, e sim, se temos o direito de rotular qualquer pessoa considerando a deficiência e não postular o nível de afetação da deficiência tendo como base a pessoa. Quando se trata de estipular anormalidade ou desvio à normalidade, a deficiência é facilmente enquadrada, devido sua diferenciação significativa, tida também como desvio à ‘normalidade.’ A coletânea dos Estudos Surdos II (QUADROS; PERLIN, 2007), utilizada como base neste capítulo projeta claramente esta questão, quando ao longo das colocações observa-se um questionamento quanto à forma como os Surdos (não) são percebidos. [...] aquele grupo que Bauman (2005) denomina de párias da sociedade. O que nos levou a ser classificados como isto, se estamos bem vestidos, comemos em restaurantes de classe e transitamos em qualquer ambiente como qualquer grupo, simplesmente a chamada normalidade?(QUADROS; PERLIN, 2007). Seguimos vertentes e perspectivas que não nasceram da visão de quem vive a questão da inclusão. Usá-lo durante a pesquisa, não significa ouvi-la, falar de sua deficiência e de seus direito não representa defesa de seus interesses. Hoje os párias, os não-normais não irão para quaisquer países como nos tempos da colonialidade em que o rei determinava a criação de novas cidades e os deficientes 59 eram jogados pelos despenhadeiros, por representarem um peso para a sociedade. A temporalidade daqueles feitos incautos mudou. Ficamos entre os homens e mulheres, pois assim a vida é possível. Acontece que “estamos integrados”, como querem alguns e “não integrados”, como falam outros. (BAUMAN, 2005). Há de ter muito cuidado para não excluirmos do processo de inclusão o excluído. Antes de agir, ouvir. Este cuidado tão simples, certamente inaugurará uma postura social livre de rotulações. Uma ação político-social que consiga dimensionar as dificuldades e assim poder supri-las porque vislumbra a pessoa por trás da deficiência, podendo enfim reverter o panorama. O que certamente não será o final feliz, mas o início de uma nova forma de perceber a questão, mas sobretudo, eliminar análises superficiais e observar pelo ângulo mais propício que cuidará da deficiência por trás da pessoa. Discutimos a importância da política, mas o tempo da política se processa no indivíduo e através dele, e reflete no espaço social (escola, rua, comércio, área pública de lazer...) onde está inserido. Portanto, é de fato incômodo não perceber a voz do Deficiente Auditivo/Surdo nem percebê-lo tanto nos espaços públicos quanto na política pública (planejamento e aprimoramentos). Notadamente, não existem trilhas óbvias para retornarmos ao quadro das identidades daqueles que se consideram normais. A nossa trilha perfaz nos identificarmos enquanto surdos, enquanto aqueles com marcas de diferença cultural. Não nos importa que nos marquem como refugos, como excluídos, como anormais. Importanos quem somos, o que somos e como somos. A diferença será sempre diferença. Não tentem colocar todos os capitais do mundo para declarar-nos diversos porque não é isso que estamos significando. Continuamos a ser diferentes em nossas formas. Continuamos a nos identificar como surdos. Continuamos a dizer que somos normais com nossa língua de sinais, com o nosso jeito de ser surdos.(QUADROS; PERLIN, 2007) Segundo Fávero (2006), na integração, a sociedade admite a existência das desigualdades sociais e, para reduzi-las, permite a incorporação de pessoas que consigam adaptar-se, por méritos próprios. Enquanto a inclusão parte da primícia de deixar de excluir. Mesmo diante dos estudos e discussões pertinentes, a doutrina tem tratado a questão da terminologia de maneira tímida e esporádica. Não há uniformidade na nomenclatura, nem 60 tampouco afinco na busca por soluções sistêmicas para este, que sem dúvida, representa apenas a menor das questões frente a uma problemática tão relevante e profunda como a inclusão ou integração ou normatização. A inquietação não se dá pelas opções, e sim pela ausência de opções que visem uma melhor vivência do Deficiente Auditivo/Surdo, ou uma conjectura em favor desta ‘melhor vivência’. 2.2 Normalizar, Integrar ou Incluir? Eis as questões. O nó da questão da integração social do indivíduo surdo, envolvendo a existência de grupos de surdos e sua convivência com os ouvintes, pode ser assim colocado: apesar de ser uma condição intrinsecamente adversa, a surdez e os surdos não podem ser tratados meramente como doentes, pois não o são. Essa visão só poderá ser modificada se ultrapassarmos as decorrências diretas da perda auditiva e analisarmos de forma mais abrangente as consequências geradas por ela, aliadas às consequências construídas e produzidas pelas relações sociais. (BUENO, 1998). O conceito de normalização, segundo Wolfensberger (1972), reconhece às pessoas com deficiência os mesmos direitos de outros cidadãos do mesmo grupo etário, em aceitá-los de acordo com a sua especificidade própria, proporcionando-lhes os serviços da comunidade, que contribuiu para desenvolver as suas potencialidades, de modo a que o seu comportamento se aproximou dos modelos considerados “normais”. Para Mantoan (1997), “a normalização visa tornar acessível às pessoas socialmente desvalorizadas as condições e os modelos de vida análogos aos que são disponíveis, de modo geral, ao conjunto de pessoas de um dado meio, ou, sociedade”. Segundo Fávero (2006), na integração, a sociedade admite a existência das desigualdades sociais e, para reduzi-las, permite a incorporação de pessoas que consigam adaptar-se, por méritos próprios. Segundo Glat (1995), a integração “é um processo espontâneo e subjetivo, que envolve direta e pessoalmente o relacionamento entre seres humanos”. Na opinião de 61 Rodrigues (2006), “a integração pressupõe uma ‘participação tutelada’, uma estrutura com valores próprios aos quais, o aluno ‘integrado’ se tem que adaptar”. Enquanto a inclusão parte do princípio da não exclusão. Pressupondo que todos fazem parte de uma mesma comunidade e não de grupos distintos. Assim, enquanto a normalização requer um comportamento ‘normal’ por parte do deficiente, a integração, prevê incorporação condicional àquele que consegue adaptar-se e por fim, a inclusão visa a adoção de ações para evitar a exclusão de qualquer pessoa. O Dicionário de Direitos Humanos (PIOVESAN, 2006) discerne tal diferenciação, caracterizando o comportamento dos conceitos quando contextualizados e suas aplicações, apontando o direito à seguridade dos direitos universais, que preveem em absoluto o direito à inclusão social. Santana e Bergamo (2005) trabalhando a questão da Cultura Surda abordam elementos referentes à formulação de aspectos grupais e discriminatórios. Segundo os autores, a separação entre grupos humanos é produzida socialmente, bem como sua integração, na medida em que toda forma de preconceito, toda discriminação, todo comportamento humano está subordinado à cultura que os constrói, propaga, veicula e sedimenta. De acordo com esta perspectiva, são as normas sociais que “autorizam” essa separação, normas que organizam toda a nossa vida social, modos de falar, de vestir-se, de atuar no mundo, de pensar etc. “Essa luta pela inclusão é uma forma de ‘garantia’ de afastamento da ‘anormalidade’ e aproximação das minorias, normais embora diferentes”. (SANTANA; BERGAMO, 2005) Quando tratamos sobre questões referentes aos processos de inclusão que abordem movimentos sociais frente à deficiência física, é forçosa a prudência de evitar 62 dimensionamentos emocionais e sim racionalmente propostos de análise, para que, a discussão não se perca na zona comum, mistificada de 'ex-inclusão social'. Mas, em que consiste a inclusão? Para Werneck (1993), “incluir não é tratar igual, pois as pessoas são diferentes! [...] Incluir é abandonar estereótipos”. Incluir significa uma inserção total e incondicional dos sujeitos, sem segregação, sem discriminações. Segundo Nascimento (2000), o excluído não é apenas aquele que se encontra em situação de carência material, mas aquele que não é reconhecido como sujeito [...]. Enquanto a integração prevê incorporação condicional àquele que consegue adaptarse, a inclusão garante a adoção de ações para evitar a exclusão de qualquer pessoa. Para Klein (2004, p.54) a inclusão e/ou exclusão é um “binômio que facilmente remete à ideia de um espaço, de um lugar onde se pode estar dentro ou fora, estar de um lado ou de outro de uma suposta fronteira”. O exercício da inclusão, não representa nada mais que reivindicar aplicação do princípio de igualdade, na forma como é constitucionalmente garantida no Brasil. Incluir, portanto é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e/ou grandes, nos ambientes físicos (espaços interno e externo, equipamentos, aparelho e utensílio, mobiliário e meios de transporte etc.) e na mentalidade de todas as pessoas, portanto do próprio Deficiente Auditivo/Surdo. Mattos (2002) discutindo inclusão, avalia que, em outros países, principalmente Espanha, França e Itália, que iniciaram o processo de inclusão dos anos 80, as discussões e os projetos tiveram um caminho natural de evolução. Aqui no Brasil, as decisões são marcadas e estabelecidas por efeito cascata. 63 Por isso acredito que antes de falar sobre, é preciso falar com, e ouvindo, entender o que o público focal tem a dizer a respeito de si mesmo e do que espera. O maior risco é o de estarmos fazendo a coisa certa do jeito errado ou a coisa errada do jeito certo. 64 3 Capítulo 3 Políticas Públicas para todos: Elaboração que contempla as particularidades. Somente no momento em que nos debruçarmos sobre o fenômeno social da deficiência auditiva, levando em consideração as restrições efetivamente impostas por uma condição intrinsecamente adversa (a surdez), aliada às condições sociais das minorias culturais, determinadas por diferenças de classe, raça e gênero, estaremos avançando no sentido de contribuir efetivamente para o acesso à cidadania, acesso esse historicamente negado [...] (BUENO, 1998) Disponibilizar os direitos só será produtivo se o processo considerar as diferenças. Já não cabe, um discurso quadrático (inflexível), onde não se observa as nuances de uma realidade tão excludente que, por tentar se tornar inclusiva, pode cometer desencontros no trajeto. É preciso abandonar posturas desqualificadas no ver e tratar a questão. Para tanto, qual seria a forma de viabilizar ações concretas que respondam às necessidades e especificidades individuais? Quais setores da Sociedade precisam se organizar e tomar a iniciativa de agir em prol de uma causa tão relevante? Certamente a primeira pergunta evoca o mecanismo das Políticas Públicas e a Legislação para viabilizarem e efetivarem ações de atenção e à segunda pergunta, Sassaki (1997) responde: “Quanto mais sistemas comuns da sociedade adotarem a inclusão, mais cedo se completará a construção de uma verdadeira sociedade para todos, a sociedade inclusiva.” (SASSAKI, 1997). Partindo do pressuposto que a política urbana tem por objetivo, ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo assim a regulação da ordem pública visando o bem coletivo; a percepção da Comunidade Deficiente Auditiva/Surda será o resultado de uma gestão que não ignora a importância da inclusão respaldada na coerência e não no discurso. Mas, toda a conjectura de ações deve proceder a articulação minuciosa que contemple as particularidades do Público alvo, para que sua efetivação não seja superficial nem tampouco refém de processos ou interesses econômicos. 65 Considero porém, a importância de uma ponderação sem romantismos. A Política existe e subsiste com base em custos e deliberações condicionadas a uma série de considerações, às quais não vou me ater, mas que são reais e representam o ‘start’ ou o ‘pause’ de ações inclusivas. Não podemos ignorar que, como em qualquer outra frente de atenção pública, a Política Pública em prol da inclusão do Deficiente Auditivo/Surdo gera custos, o que também nos remete a um fato acolhedor em épocas eletivas: Este público também vota. E como tal, tem o direito à cidadania além eleição. Mas, sob o contexto capitalista contemporâneo, cabe a pergunta: Quanto custa incluir? Oliveira (1997) diagnostica o uso do termo exclusão principalmente como um instrumento ético e político de denúncia diante da crescente erosão da cidadania promovida pela, denominada globalização. É claro que o contexto é político-econômico, mas é preciso perceber a problemática da exclusão como intrínseco à vida cotidiana, o que significa que não podemos isolar a discussão aos campos da saúde e educação. A viabilidade econômica não deve suplantar a edificação social de uma cidade que adota uma postura inclusiva. E para tanto, deveria arquitetar socialmente seu Planejamento, com intuito supremo de dispor a Política, seus dispositivos e equipamentos para todos. Ratzka (2001) aponta que, frequentemente, argumenta-se que é muito oneroso o custo para se incluir as minorias. Porém, lembra a existência de estudos, demonstrando que muitos investimentos na área de inclusão de pessoas deficientes, acarretam economias futuras à sociedade, que ultrapassam em muito seus custos. Segundo o autor, mesmo diante de toda a discussão sobre o teor financeiro do processo inclusivo, conclui: (...) E direitos humanos “não devem ser discutidos em termos de custos ou lucros.” (RATZKA, 2001) 66 Basta provocar a capacidade capitalista, de visar e transformar tudo em lucro, a percepção da lucratividade com a inclusão. Com uma demanda mundial que, segundo a Organização Mundial de Saúde, corresponde a 10% de toda a população do mundo, as Pessoas com deficiência possuem necessidades especiais intrínsecas às dificuldades e limitações, mas necessitam ter sua Identidade reconhecida, rompendo com a postura social-capitalista excludente, dirigida por uma mentalidade globalizada que as segrega. Considerando o ônus social da exclusão o custo-benefício de uma Política inclusiva suplantará qualquer custo processual, tratando a inclusão como mercadoria, a cidade se porta como uma empresa. E se não for possível desvincular o papel da cidade de seu viés econômico, basta compilar dados que comprovam os benefícios de uma empresa que aplica o empowerment e elevar ao nível de gestão municipal. De acordo com Sassaki (1997), a abordagem ideal das instituições inclusivas através de seus profissionais e colaboradores é considerar seus usuários como cidadãos com direito à maior autonomia física e social, independência para agir, tomar decisões e mais espaço para praticarem o empowerment. Assim, a promoção de uma mentalidade que assume o Deficiente Auditivo/Surdo enquanto cidadão que possui direitos e deveres, também contemplará sua autonomia participativa. Uma das grandes tendências atuais em termos de ferramentas de gestão organizacional vem sendo a prática do empowerment, ou seja, segundo Araújo (2001), o fortalecimento do poder decisório dos indivíduos da empresa, ou criação de poder decisório para os indivíduos. 67 A edificação de uma nova mentalidade político-econômica advém de uma construção da percepção indiscriminada de todos os agentes. E é sob este paradigma que a expressão e o significado social de empowerment1 se enquadra. Esta autonomia para exercer participação político-social é muito representativa para uma Comunidade que tanto tem a oferecer em suas potencialidades. Onde eu concordo com Foucault (apud SKLIAR 2003) quando o autor afirma que, a inclusão não é o contrário da exclusão, e sim um mecanismo de poder disciplinar que a substitui, ocupando sua espacialidade. Portanto, a construção só pode vir pela recuperação do espaço da exclusão, pela valorização das realidades que, por não se reprimir à lógica capitalista, podem oferecer resistência necessária para abrir caminhos para a efetiva cidadania. Multidimensional, a exclusão pode adquirir diferentes feições econômicas, políticas e culturais. (NASCIMENTO, 2000) Além de pluralizar aspectos interacionistas, o processo multiplicador de possibilidades, faz da inclusão social, uma das características contemporâneas da sociedade que são apresentadas como a nova questão social. Então os paradigmas sociais e pedagógicos se estabelecem sob parâmetros sociais convexos. Jurado evoca Michel Foucault, quanto à formalização de uma sociedade mais útil e unificadora, onde os processos políticos devem visar, sobretudo a excelência da interação humana (JURADO, 2002). Quando a sociedade, representada por seus representantes políticos e/ou diferentes grupos de representação social, perceberem o Deficiente Auditivo/Surdo como parte integrante do movimento social, a diversidade será uma ferramenta associativa e não 1 O termo empowerment significa a descentralização de poderes pelos vários níveis hierárquicos da organização, o que permite a criação de maior motivação nos trabalhadores proporcionada por uma maior liberdade de iniciativa, com naturais benefícios para a organização como um todo. (NUNES, 2007) Empowerment aqui é parafraseada no contexto. Largamente utilizada no contexto empresarial, aqui é tomado enquanto atitude de ‘deixar o outro participar com autonomia’. 68 discriminatória, aumentando o nível perceptivo social, determinante no processo de Integração, ou melhor, ainda se permitir e facilitar a inclusão. Entendo ‘sine quo non’ que a Cidade, enquanto poder público, proceda ao advento da percepção do Deficiente Auditivo/Surdo, entendendo a importância de permitir e promover seu acesso à vivência urbana, seus benefícios culturais e infraestruturais. E como isso se dará? Um conjunto elaborado de Políticas Públicas poderá certamente responder e respaldar ações planejadas de minimização de barreiras sistêmicas. Não podemos mais limitar nossas análises aos campos da Saúde e Educacionais. Estes representam a base de atenção mínima e salutar que precisa ser despendida em favor do deficiente. Mas não podem ser as únicas áreas, apenas podem e devem representar a alavanca de uma série de serviços e práticas inclinadas à inclusão. Tais princípios subjazem aos objetivos da Política Pública definidos no Estatuto da Cidade, quais sejam, o de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (Estatuto da Cidade, art. 2º - Saule Júnior, 2002). Prevendo na função social da cidade, o exercício do direito dos cidadãos à cidade, consubstanciado no acesso à moradia digna, infraestruturas, equipamentos e serviços públicos necessários e suficientes à melhoria da qualidade de vida urbana, bem como ao patrimônio ambiental e cultural do município. A função social da cidade elege a inclusão social como um novo paradigma da gestão urbana, apontando para o que Saule Júnior (2002) chama de “a construção de uma nova ética urbana”. Percebo a exclusão concordando com a perspectiva de Luciano de Oliveira, quando chama a atenção para o fato de que a problemática da exclusão há tempos está presente nas discussões sobre a situação social do Brasil e que passou a prestar aos mais diversos usos. 69 Essa constatação o leva a discorrer sobre a natureza epistemológica do conceito e sua aplicação no cenário nacional e internacional. Para o autor, chamar todos e quaisquer grupos sociais desfavorecidos de excluídos pode levar a contrassensos, sendo necessário assimilarmos as suas origens e naturezas distintas, assim como tratarmos a questão com estratégias diferentes (OLIVEIRA,1997). O que me leva a olhar mais de perto do grupo focal deste estudo, optando porém por uma perspectiva da própria Comunidade. Buscar ouvir e entender a perspectiva da Pessoa por trás do estigma, ouvir o que ela tem a dizer. Esta atitude amplificada, embasada de conscientização político-social, evitará desmandos e políticas estranhas ao público focal. 3.1 Planos Urbanos e a Deficiência Auditiva/Surdez: aprimoramentos. Dados e fatos: A incongruência entre a demanda e a assistência. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000), aponta que o número deficientes físicos no Brasil gira em torno de aproximadamente 14,5% (25 milhões de pessoas). Deste total 5,7 milhões são pessoas portadoras de deficiência auditiva. Expressivos dados numéricos, que motivam a provocação deste estudo na busca por uma percepção aguçada via Políticas Públicas que preconizem a Inclusão social desta Comunidade. Uma década já se pôs sobre estes dados, o que aponta para o que reserva o último censo, realizado em 2010, ainda não divulgado. Tal incidência numérica relativa à deficiência auditiva evidencia a urgência em buscar novas Políticas, bem como, o aprimoramento das já existentes. Em escala municipal, São José dos Campos, divulgou o primeiro Censo da Pessoa com Deficiência, realizado no período 2009/2010. A pesquisa apontou que, 11% da população 70 joseense apresenta uma ou mais deficiências, destes, 13,8% são Surdos (sem especificação de graduação). Estes números representam uma demanda significativa, e numericamente reconhecida. O que significa que, os Deficientes Auditivos/Surdos, agora, são um número, e números requerem respostas. Afinal, como a própria Prefeitura apontou no Censo: O objetivo desta realização é conhecer, de forma mais profunda, o perfil da população em questão e a realidade socioeconômica em que ela se insere, o que era, em parte, desconhecido para o município de São José dos Campos, (SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2010). A resposta do Poder Público Joseense, através do gabinete de acessibilidade, à crescente jornada rumo à inclusão, apenas comprova a necessidade de um despertamento qualitativo e quantitativo frente a uma demanda a muito existente e tão irrisoriamente assistida. Promulgada em 10 de julho de 2001, a Lei 10.257, conhecida como o Estatuto da Cidade, regulamenta o capítulo "Política urbana" da Constituição Federal de 1988. Esta Lei tornou obrigatória a elaboração de Planos Diretores participativos para municípios com mais de 20.000 habitantes. Em seu texto, o Estatuto prevê a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais (BRASIL, 2001). Em seu Artigo 2º, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) de São José dos Campos, promulgado em 2006 -, incorpora esta diretriz acenando para o desenvolvimento integrado e harmônico e o bem-estar social da comunidade de São José dos Campos (SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2006). Em consonância com tais objetivos, dedica parte de seus artigos à Pessoa com Deficiência. Todavia, quando visto mais detalhadamente, é possível perceber que tais intenções acabam se convertendo em letra morta. No que nos interessa mais diretamente, o 71 Plano não discrimina os diferentes tipos de deficiências e, em nenhum momento, as expressões surdo ou deficiente auditivo são mencionadas. O Plano, nos poucos artigos que se referem aos Portadores de Necessidade Especiais, o faz sem menção a medidas concretas e adequadas aos diferentes tipos de deficiência. Uma exceção é feita às pessoas com dificuldade de locomoção (segmento que inclui Pessoa com Deficiência e idosos), quando, em seu artigo 31 (alínea IV), estabelece o dever do município de “assegurar transporte escolar com as adaptações necessárias aos alunos que apresentem dificuldades de locomoção, seja pelo aspecto motor ou de conduta”. Numa formulação aproximada, seu artigo 57 (alínea V) recomenda “ possibilitar, às pessoas com necessidades especiais, condições adequadas e seguras de acessibilidade autônoma aos meios de transporte urbano”. Contudo, este é o único segmento que encontramos particularizado no PDDI de São José dos Campos. (SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2006). O caso joseense não é uma exceção. Ele representa uma tendência, observável em outros instrumentos de políticas públicas, de tratar de Pessoas com Deficiência sem particularizar cada qual de seus segmentos e o tipo de atendimento que lhe deveria ser destinado. Assim, uma situação análoga pode ser encontrada no Plano Diretor Estratégico de São Paulo, promulgado em 2002 (SÃO PAULO, 2004). Também ali encontramos uma generalização semelhante, o que nos habilita a sustentar a hipótese de que as políticas públicas ainda expressam um grande desconhecimento da situação concreta de cada segmento. Em geral, o que encontramos em instrumentos como estes apresentam duas características. Em primeiro lugar, a ‘indiferenciação’ das necessidades especiais; o que pode conduzir a um tratamento indiferenciado dirigidos a deficientes visuais, auditivos/surdos, cadeirantes, como se as diferenças entre eles não fossem tão pronunciadas, quanto as que existem entre estes e os não deficientes. 72 Uma segunda característica seria a restrição das propostas de políticas públicas ao ambiente escolar. Em conjunto, elas em grande medida segregam as Pessoas com deficiência num espaço especializado. Arriscamo-nos a dizer que os Deficientes Auditivos/Surdos têm este desconhecimento potencializado dada a sua “invisibilidade”, a ausência de marcas visíveis de sua condição, sendo muito fácil confundi-los com a população ouvinte. O percentual das pessoas com deficiência auditiva/surdez também intervêm no processo. Os dados que dispomos ainda se referem ao recenseamento realizado pelo IBGE em 2000 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). Nos microdados encontramos a informação de que apenas 0,4% da amostra se declara incapacitado ou com grande dificuldade de audição. Os demais são representados por aqueles que declaram não possuir qualquer restrição (96,9%), alguma dificuldade (2,3%) ou que não responderam (0,3%). A estas informações do censo 2000, agregamos ainda, as informações coletadas pela própria Prefeitura de São José dos Campos. Entre 2009 e 2010, a municipalidade realizou uma coleta de dados referentes à população portadora de necessidades especiais. Do universo pesquisado, composto exclusivamente de Pessoas com deficiência, apenas cerca de 13,8% declaram deficiência auditiva/surdez, um número semelhante aos com deficiência visual (13,7%) e bastante inferior aos que relatam deficiência intelectual (31,2%). Os números apontam para uma demanda significativa, que aponta para pessoas aguardando atenção de Políticas igualmente significativas, que atendam suas especificidades. Dentre estas especificidades está o ‘não lugar’. É inconcebível embora fato que, um grupo de pessoas sejam incógnitas às Políticas e direitos, o que faz da inclusão não um milagre social ou uma bem aventurança da sociedade majoritária, e sim uma necessidade urgente de possibilitar o exercício de um direito humano de ‘SER’ e portanto estar. 73 O que torna pertinente a discussão sobre a inclusão do Deficiente Auditivo/Surdo sob a perspectiva da organização territorial, sublinhando a sua importância na formação de uma identidade e na sua constituição como ator político. De outra parte, vamos nos remeter à ocupação de um “território virtual” por este segmento da população. Defendem alguns a necessidade de territorialização da cultura surda, inclusive buscando alternativas ao espaço escolar. Assim, como a cultura surda não possui um território geográfico para acontecer (é o que se observa em muitas das cidades brasileiras, inclusive grandes centros), ela depende de encontros proporcionados pelos sujeitos que a compõem. Tais encontros não podem ser vistos como espontâneos ou naturais; são encontros provocados, estipulados e alterados pelos próprios sujeitos surdos: Enfim, a língua de sinais, o olhar surdo, a luta e a necessidade de comunidade são marcas surdas que enunciam uma diferença que precisa de movimento e de espaço para acontecer – daí a preocupação de algunssurdos com o esmaecimento da luta por parte das gerações mais novas e pela desvinculação da comunidade surda em relação ao espaço escolar surdo. A diferença surda necessita ser despedagogizada; para tanto, darautonomia e condições, inclusive financeiras, para o movimento surdo estruturar-se parece ser uma condição pela qual muitos surdos lutam, nos dias de hoje. (VEIGA NEO apud LOPES, 2006) Tal posição, contudo, deve ser relativizada. Primeiro, porque processos espontâneos podem em grande medida constituir territórios que, num momento posterior, podem se institucionalizar como tal e, inclusive, vir abrigar serviços destinados a públicos específicos que ali se instalam. Frente a um quadro de exclusão, que atinge não só os Deficientes Auditivos/Surdos, percebe-se nas grandes cidades a formação de “pedaços”, na feliz expressão de Magnani, a apropriação do já existente ou mesmo a construção de novos lugares; territórios de sociabilidade daqueles que se identificam seja integralmente, seja por aspectos particulares da pessoa (MAGNANI; TORRES, 1996). Por outro lado, distinguir espaço segregado e espaço próprio, podemos requalificar a escola como um espaço do Deficiente Auditivo/Surdo, lugar de sociabilidade entre iguais, um elemento que pode impulsionar um processo de formação de sua identidade no campo 74 político. É esta a lição que nos oferece o processo de formação das primeiras associações de surdos no país: Em 1950, na cidade de São Paulo, alguns surdos que tinham liderança e ex-alunos do INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), costumavam encontrar-se para um bate-papo na praça da Matriz ou em alguma rua-ponto, independentemente de sua classe social. Essa prática teve sua origem com os alunos do INES, que se reuniam para conversar quando saíam das aulas. Tal comportamento se justificava principalmente pela possibilidade de trocarem informações na sua própria língua, sem o controle dos ouvintes e, também, pelo prazer de estarem juntos. Sempre que um surdo tinha tempo disponível, ele procurava se reunir com outros surdos em algum ponto de encontro. Naquele período, também existiam as atividades de esporte, porém elas eram realizadas em conjunto com ouvintes devido à dificuldade que tinham para encontrar espaços para praticarem esportes entre si. Esses grupos, apesar de se reunirem permanentemente para um bom "bate-papo", não tinham ideia da existência das Associações de Surdos. Essa reunião de surdos nas ruas de São Paulo não está distante da historia dos surdos de todas as capitais e cidades brasileiras. Quase todas as Associações de Surdos, nos dias de hoje, têm o início de sua história nas reuniões em algum ponto de encontro, tanto nas ruas quanto nas praças. São raras as Associações de Surdos que iniciaram suas atividades na casa de surdos ou de algum ouvinte. (MACEDO, 2000). A influência da escola especializada na formação de uma identidade surda ainda se faz presente. Acima nos referimos à formação de um território de surdos no bairro do Tatuapé em São Paulo. Ali também se encontra um telecentro, instalado na estação ferroviária urbana. Este local tem sido apropriado por grupos de surdos, alunos de uma escola de educação especial de São Paulo: […] O Acessa SP CPTM Tatuapé é um ponto de encontro de adolescentes surdos que, já incluídos digitalmente, acessam a internet todos os dias e, como qualquer outro jovem, participam de redes sociais como Orkut e MSN. […] Quase todos são alunos da Escola Municipal de Educação Especial Helen Keller, localizada no bairro da Aclimação – fundada em 1952 para apoio à educação de alunos da rede de ensino municipal portadores de deficiência auditiva. A escola atende hoje 300 estudantes. Ensina Libras (Língua Brasileira de Sinais) e leitura labial para uso cotidiano dos alunos. Desde 1992, a Helen Keller possui laboratório de informática – por isso a inclusão digital já se dá na própria escola. (CONEXÃO URBANA, 2010) Contudo, este território que se formou no bairro paulistano, ainda pode ser associado a um alto grau de excepcionalidade. Ali, conjugam-se facilidade de acesso com a acolhida dos comerciantes como elementos que viabilizam o início do processo. O mesmo não ocorreu em São José dos Campos, quando houve reação negativa de comerciantes, consumidores e administração de um Shopping Center fez com que os 75 Deficientes Auditivos/Surdos deixassem de se reunir no local. O grupo que sempre se encontrava na praça de alimentação agora está recluso à parte externa da praça. “Onde há política, há espaço público e onde há espaço público, há diálogo; e onde há diálogo, há direitos”. (ARENDT) O exemplo de São José dos Campos que, como afirmamos, não é único, demonstra o muito a ser feito neste terreno para o exercício de uma cidadania plena. Acredito numa política de valor, porque entendo que elaborar uma política sem respeitar o público para o qual ela está sendo realizada, banalizará a proposta e fará desta política uma política pobre. Os modelos de intervenção devem ser pensados afim de consolidar uma Política pública nacional em âmbito municipal. Ações específicas relativas ao avanço da informação, uma reordenação e aprimoramento da atenção do serviço público municipal de atenção à saúde auditiva e a capacitação dos profissionais que atuam diretamente como público focal, mas estão despreparados para a conjuntura de atenção que a realidade pede. Conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. (SASSAKI, 1997, p. 41). Legitimar a Política pública é um processo prático, que só se dará mediante uma lógica de gestão articulada frente a demanda social. O objetivo em pensar a política em benefício das particularidades, construirá uma sociedade realmente para todas as pessoas, sob a inspiração de novos princípios. E são estes princípios, que nortearão novas proposições e ações, considerando a celebração das diferenças, o direito de pertencer, a valorização da diversidade humana, tendo sempre como norte a noção de igual importância das minorias, cidadania com qualidade de vida (SASSAKI, 1997). 76 É no bojo destas discussões sobre a importância de se realizar uma Política Pública de qualidade para um público alvo tenha qualidade de vida, é que o verdadeiro movimento da Inclusão Social se efetiva. Tendo como pressuposto a diversidade como intrínseca à natureza humana. E, somente uma sociedade capaz de orientar suas Políticas ao patamar de se tornarem públicas para todos os públicos poderá se considerar uma Sociedade Inclusiva. 3.2 Legislar: Direitos concebidos díspares de direitos consolidados “Os direitos do homem já há algum tempo se transformaram numa ideologia que mascara a ausência de um projeto político.” (Cornelius Castoriadis) O índice de deficiência no Brasil, que atinge dez por cento da população, fato reconhecido pela Organização das Nações Unidas, só recentemente resultou em preocupação constitucional. O respaldo da legislação precede as ações públicas, mas não efetivam o direito. A Comunidade em questão luta há mais de um século na busca por direitos que efetivem uma melhor vivência da Deficiência. Schwartzman (2003) defende que a inclusão “não pode ser feita por força de leis ou porque ela é politicamente correta. Trata-se de um processo complexo, que precisa ser desenvolvido a passos cuidadosos”. Enquanto reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer. Como realça Norberto Bobbio (1992), os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. 77 Para Hannah Arendt (1990), os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. A própria resolução 2.542/75 da ONU (1975), cuidou de produzir Recomendações Internacionais referentes à Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência. Entendo que, esta iniciativa zela pela coerência entre discernir direitos, conceder e garantir direitos. Radio Justiça (2008) Analisando a importância da Convenção da ONU, ressalta que, em Agosto de 2009, o Brasil ratificou a convenção dos direitos das pessoas com deficiência junto com o seu protocolo facultativo, que permite a qualquer cidadão do país denunciar junto à Organização das Nações Unidas, qualquer violação ao tratado. Inclusive pode-se afirmar que a presente Convenção terá força de norma Constitucional podendo ser considerada uma nova Constituição para as pessoas com deficiência. Outro ponto destacado pelo autor foi a forma como se concebeu o texto. “[...] e o que distingue essa convenção das outras, é que o conteúdo foi feito com ajuda direta de ONGs de pessoas com deficiência que tiveram voz ativa na elaboração dos artigos.” (RADIO JUSTIÇA, 2008). É importante lembrar que a partir deste, um importante Documento de Acessibilidade e Direitos Humanos dos Surdos, foi produzido pela FENEIS (2005) do Rio Grande do Sul, o compilado une direitos constitucionais previstos e reivindicações da comunidade Surda. Documentos como este revelam o quanto estamos distantes da aproximação entre o ideal e o real, já que dependem de seus aprimoramentos e novas percepções precisam ser acompanhadas por uma consciência patente da sociedade. Uma mudança na concepção de deficiência não se promove, certamente, a partir de decisões tomadas em assembleias nem por meio de leis. Implica uma nova visão de mundo e de homem, um novo paradigma capaz de valorizar e respeitar efetivamente a diversidade, de tal maneira que quaisquer pessoas com as mais variadas diferenças, em relação à média da população ou a padrões de normalidade estabelecidos por 78 outros critérios, em termos das condições anátomo-fisiológicas, psicossociais, sócioeconômicas e etno-culturais, encontrem oportunidade de uma vida digna e a mais plena possível, dentro das fronteiras impostas pela realidade da limitação eventualmente determinada por tais condições ou a elas inerente. (OMOTE, 1994). Entendo que a Política de atenção não deve se resumir a uma ou outra questão, mas reconheço que a Saúde Auditiva representa o berço das Políticas públicas de atenção a este público. Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou a existência de 278 milhões de pessoas no mundo com perda auditiva moderada a profunda. Em decorrência do aumento da população e da expectativa de vida, o número de indivíduos com problemas auditivos vem crescendo. Estima-se que 42 milhões de pessoas acima de 3 anos de idade são portadoras de algum tipo de deficiência auditiva, de moderada a profunda (OMS). Há fontes que citam que, as perdas auditivas na população mundial estão acima de 57 milhões. Deste número: 5,7 milhões estão no Brasil, 450 mil no Estado de São Paulo e 150 mil na Cidade de SP. Em São José dos Campos, o primeiro Censo apontou uma demanda que urgente requer medidas de inclusão. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000) mostram que, no ano 2000, havia aproximadamente vinte quatro milhões e meio de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência das quais, em torno de cinco milhões apresentavam deficiência auditiva. A deficiência auditiva é considerada como um grave problema de saúde pública. Isto se dá devido a incidência e privação sensorial no desenvolvimento infantil. A proposta de uma legislação nacional alavanca toda uma área, como aconteceu com a área de Audiologia e os serviços de saúde auditiva, mas é indispensável que questões inerentes de cada região sejam discutidas, para que atinjam necessidades daquela população específica, deste modo, contribuam para o fortalecimento das ações desenvolvidas no país. Além disso, a divulgação desses resultados evitará questões pontuais, mas com ótimo desempenho, não sejam realizadas de maneira isolada em cada serviço, priorizando a qualidade dos mesmos. (BEVILACQUA, 2009). 79 Com o que concordo visto que a condição social do Deficiente Auditivo/Surdo e sua vivência social dependem de uma visão holística, que contemple diagnóstico, tratamento e reabilitação precisos. Processos otimizados de atendimento especializado e de infraestrutura para atender à especificidade das alterações auditivas. Esta visão global permitirá que a Deficiência não seja o foco, mas a particularidade primária a ser recondicionada. No entanto e para tanto, é preciso recondicionar o meio, a consciência e os planos de ação para que a civilidade, a cidadania e a dignidade sejam garantidas por uma Política Pública recondicionada ao Público Deficiente Auditivo/Surdo. “Deficiente é a cidade e não as pessoas. Uma sociedade inclusiva não pode segregar os espaços e sim igualar as oportunidades”. (Mara Gabrilli) Para Edna de Mattos (2002), a magia da inclusão está na postura da sociedade como um todo, reconhecendo que, para além de terem necessidades especiais, as pessoas com deficiência têm direitos, direito ao acesso à escola pública, ao convívio social, ao lazer, ao prazer, ao trabalho. Vivemos num momento de grandes avanços frente à deficiência auditiva/surdez mas, questões como a fragmentação política e gestões desarticuladas operam um desserviço à Pessoa e à família que convive com a necessidade diária de superar limites impostos pela deficiência física e, que portanto precisam se desvencilhar das ineficiências políticas. Para não se tornar letra morta, como em muitos âmbitos legais, direitos previstos de atenção à saúde auditiva devem receber uma atenção específica dos gestores, para evitar que o avanço da área clínica, não se perca por falta de uma rede que se perpetue dentro do processo de atendimento. Camargo (apud BEVILACQUA et al., 2010), analisa a produção física e financeira da Unidades Federadas, dos procedimentos em saúde auditiva (num dado intervalo de tempo) e conclui a necessidade de aprimoramento na organização da rede de saúde auditiva. 80 Quando, porém, as Políticas específicas são elaboradas, há um desarranjo em sua abrangência e disseminação, e quando não, a falta de gestão eficiente e comprometida fragiliza todo o processo. No Brasil, a Saúde Auditiva ganhou atenção especial em 2004, quando da publicação da Portaria referente à Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Bevilacqua et al. (2010) referem que, segundo a Academia Brasileira de Audiologia, o momento é oportuno para organizar diferentes discussões, relatos de experiências e bases teóricas para colaborar no desenvolvimento e implantação desta Política. As autoras afirmam que, a Academia Brasileira de Audiologia, entende que o desenvolvimento e aprimoramento da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva se dará pelo diálogo aberto entre os profissionais dos serviços, sociedades científicas, conselhos e gestores nos âmbitos Nacional, Estadual e Municipal. O que nos remete novamente a questão das redes que precisam se organizar e se comprometer com a questão da saúde auditiva. Otimizar uma integração de setores para que o processo de triagem, diagnóstico, intervenção, tratamento e reabilitação sejam um ‘continuum’ que se estabeleça sobre sólidas bases de Políticas Públicas de Atenção á Saúde Auditiva sem entraves e desencontros. Fatores que por si só, implicam na importância urgente de integração entre os níveis de atenção. No Campo as Saúde Auditiva, São José possui uma política de atenção muito bem direcionada na maternidade do Hospital Municipal da Cidade. O recém nascido faz o teste da orelhinha antes da alta, e em caso de alteração a própria fonoaudióloga que realizou o exame já agenda o retorno na carteirinha da criança para o re-teste. Depois da alta, é que fica clara a necessidade de aprimoramento na assistência, apontado por vários autores nos anais dos Congressos “Políticas Públicas, Serviços e Sistemas 81 em Saúde Auditiva” (Unesp Bauru). Várias são as análises sobre a ausência de uma rede intrincada de informações e acompanhamento não apenas aos recém-nascidos mas, a todas as faixas etárias com alterações auditivas. A gestão de qualidade não se estende fora da maternidade. Após o diagnóstico não existe um atendimento à família no sentido de acolhimento e orientação. E é neste momento que toda uma conjuntura de leis e políticas já estabelecidas não se efetivam para muitos deficientes auditivos/surdos. Isto, porque tais políticas não alcançam a todos. Em outros momentos e situações de diagnóstico não se percebe uma rede de informação e respaldo. No que reitero que, não basta elaborar e construir Políticas, se elas não se tornarem acessíveis, capacitadas, específicas e intrincadas às especificidades. Mesmo com um primeiro atendimento ao recém nascido, o município não possui uma rede de atendimento global. A família não é atendida pelo município nas demais áreas que exigem atenção no contexto da inclusão. Enfim, são políticas desencontradas e imaturas que, já estão implantadas e/ou sendo elaboradas, mas que, infelizmente e para uma demanda tão significativa ainda não representam uma resposta a contento. Isto posto, concluo que a Política pública precisa de tratamento, alías [...] “o mundo precisa tanto de “tratamento” quanto as pessoas deficientes.” e ousamos dizer que talvez o mundo precise mais de tratamento do que os portadores de deficiência! (VASH, 1998). Na construção da análise da importância sobre como a Sociedade entende a questão da Deficiência Auditiva/Surdez e a atenção no processo de atender à Saúde Auditiva, percebo empiricamente a gravidade e a urgência do que os autores supracitados apontam: aprimoramento. Toda a extensão da rede de atenção precisa se conjecturar e se aprimorar para atender a um Público que, além das implicações oriundas da deficiência física, sofre da inexistência 82 de Políticas específicas e/ou ineficiência de Políticas pouco públicas e se Públicas, pouco específicas ao Público Deficiente Auditivo/Surdo. Organizar os setores e integrá-los sob a perspectiva humanizada de operar uma rede de atenção efetiva e eficaz, depende de uma visão holística da questão das alterações auditivas A organização é, acima de tudo, interação que institui e que mobiliza seres nos âmbitos do simbólico, do sensível, do político, do ético, do estético e do religioso; religioso entendido aqui, enquanto solidariedade, necessidade de religar-se a algo ou a outrem, face à natural inospitalidade do mundo vivido pelo insuficiente Ser do homem. (MACEDO, 1991.) Bevilacqua (2009), mentora e organizadora dos Seminários de Políticas Públicas, Serviços e Sistemas em Saúde Auditiva (FOB-USP/Bauru), trata destas e outras questões, apontando sempre a necessidades dos setores convergirem, visando a integração, o diálogo entre as etapas que englobam o cuidado com a Pessoa com Deficiência Auditiva e lança luz sobre a questão do núcleo familiar. Na terceira edição do seminário, ela aponta: [...] Pensamos que, o momento atual é muito integrante e interessante; somos protagonistas deste momento histórico, de tudo que esta acontecendo ao nosso redor, e nossos desafios são lançados no sentido de transformarmos a realidade dos Serviços de Saúde Auditiva.(BEVILACQUA, 2009). Em todas as esferas, se o princípio estabelecido objetivas a qualidade de vida do Deficiente Auditivo/Surdo e compreendê-lo de maneira integral, certamente muitas arestas serão compreendidas pelo escopo de fragilidades sanadas no processo de desenvolver e aprimorar Políticas, Serviços e Sistemas. O que se absorve do conteúdo dos Seminários e discussões, é uma preocupação legítima sobre o quanto é preciso melhorar. E esta busca pela excelência visa a cidadania da Pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez. Penso que não basta estarmos caminhando, é preciso estar na direção e sentidos concretos e com objetivos reais, comprometidos com pessoas reais, que saltam de trabalhos como este, e sobrevivem à condições reais. Entendo que há um tempo na política e um tempo para a Política, mas como a Lívia Mariana (minha filha), os demais Deficientes 83 Auditivos/Surdos não possuem uma tecla ‘stand by’ eles estão aqui agora, e suas necessidades idem. Tomo a liberdade aqui, de não me referir mais a ‘eles’, mas a nós, porque me entendo Deficiente de Direitos quando percebo a realidade político-social, sobre a qual escrevo, na vida da minha família. Logo, com a licença solicitada, me incluo: Nós, precisamos do plural, da junção dos setores, do diálogo, da integralidade de atenção, precisamos de todas as esferas de poder comprometidas com sua responsabilidade com o direito humano de alcançar a cidadania e não apenas discursar sobre ela. Faz-se necessário frisar, que a questão da integralidade defendida neste escopo, está pautada no ato de tecer juntos, interativamente, o que é incontornavelmente plural. E alcançar este status de unidade, fomentará uma possibilidade prática de exercer direitos, minimizando o ‘apartheid social’. No âmago da questão do Direito e da cidadania, o ‘aphartheid social’ opera uma discriminação velada onde não cabe mais questionar se existe mesmo ou não marginalização, porque ela existe. O que fica é uma nova consciência de onde reside o duelo, porque ele existe: Direitos Humanos versus (?) O antagonismo não pode ser mais incumbência da Deficiência Auditiva/Surdez, já que cerceamento não se cabe somente na limitação sensorial. Mas, diante do que colocamos, entendo ser mais propício pensar em: Direitos humanos 84 versus Direitos consolidados Já que entre o direito e o exercício do direito, existe um vão suficiente para marginalizar de forma profundamente indigna e desumana porque elimina o ‘ethos’ que deveria suplantar as diferenças e unir a sociedade no que ela tem de comum: Direitos. 85 Considerações finais “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos" (ARENDT, 1990) O desafio apontado no título deste trabalho, está justamente na construção de uma sociedade inclusiva, construída por políticas articuladas, processos de cuidado e sistemas plausíveis, construídos por instâncias que visionem a Pessoa, o ser humano e sua condição global afetada pela Deficiência sensorial auditiva. A evolução no modo como se cuida, prescreve uma qualificação do processo, que depende de uma requalificação da Política Social de atenção. Eu, enquanto autora deste estudo acredito na força das provocações, dos questionamentos e da criticidade que movimenta a busca pela mudança, pelo aprimoramento e pela excelência que procede do exercício destes. A Lívia Mariana, minha bebê, como muitos outros bebês por este país ainda não está reconhecida pelo IBGE de 2010, enquanto Deficiente Auditiva (porque não foi considerada neste ínterim no último recenseamento). Independente de não ter sido ‘contabilizada’, ela já faz parte desta desconhecida demanda, que junto com ela, cresce a cada dia. Então, enquanto mãe de uma Deficiente Auditiva/Surda, não abro mão da esperança de ver no futuro meus questionamentos obsoletos, silenciados por medidas e ações plausíveis, que respondam a contento às necessidades intrínsecas e extrínsecas com as quais nos deparamos todos os dias. Enquanto assistia a Deficiência Auditiva/Sudez acontecendo no universo alheio, minha zona de conforto da análise, me poupava da verdade sobre o que e quanto a Política não alcança. Desde o diagnóstico de surdez bilateral profunda, da Lívia Mariana, vivo diariamente o desafio de não me tornar cética quanto aos avanços sociais necessários para 86 garantir que ela, desfrute de uma cidadania plena ou, pelo menos, ativada por uma democracia substancial. E concordo quando Müller (2000) ressalta que “a democracia é uma das formas de Estado que, no plano da ética política, não são compatíveis com a exclusão”. ; mas com uma ressalva: A democracia, o estado, a ética, e a política não compatibilizam com a exclusão, porém é irônico perceber que a democracia se omite diariamente da realidade do Deficiente Auditivo/Surdo. As famigeradas Políticas Sociais existentes apresentam um caráter democrático que ‘cabe’ ou se camufla numa cômoda setorização como se ela pudesse se apresentar desfacetada em ações isoladas. Ou seja, ora a Pessoa com Deficiência Auditiva tem atendida suas especificidades, ora suas especificidade são ignoradas... A democracia e a cidadania exigem um terreno sólido de direitos para se tornarem efetiva. Como então, estas podem ser usufruídas de maneira legítima se a legislação não se materializa no cotidiano? Praticabilidade de direitos e acessibilidade à integração dos serviços devem funcionar como um duplo dispositivo social dos Direitos humanos e constitucionais. Plausíveis, eles ativariam uma qualidade de vida a partir de conceitos ‘básicos’ como: saúde, educação, mobilidade urbana, transporte, cultura e lazer. É preciso compreender a família quando tratamos de Políticas, porque a família da Pessoa com Deficiência, representa o núcleo sobre o qual convergem todas as ações e ‘não ações’, e do qual emergem as respostas sobre os verdadeiros pontos a serem articulados e aprimorados. 87 Não olhar sob esta perspectiva, é minar todo um trabalho de atenção já que a família deve ser o alvo, o núcleo onde as ações coincidirão com a realidade do Deficiente Auditivo/Surdo, e através dela interagir com o meio. Negligenciar este contexto é fragilizar todo o trabalho de atenção fomentado pela prática inclusiva. Para tanto, o marco zero deste processo de percepção social e prática inclusiva deve se estabelecer sobre uma rede de informações que respalde a família, usando como recursos de atenção as Políticas Públicas, Leis e ações de conscientização sob os valores da diversidade humana e a filosofia da possível vida independente do Deficiente Auditivo/Surdo. Este enfoque holístico deve considerar a esfera do desenvolvimento humano, respaldado e fomentado pelo desenvolvimento político-social, engajados na luta por uma ‘melhor vivência’ dos direitos humanos e a conscientização latente e patente sobre a não discriminação do Deficiente Auditivo/Surdo. ‘Ad impossibilia nemo tenetur’ , o termo latino afirma que ninguém é obrigado a fazer o impossível, no entanto cumpre ao Poder Público o papel de fazer o que for possível na busca por uma melhor vivência do Deficiente Auditivo frente à real busca diária por uma sobrevivência digna. A Política Pública ética e comprometida provê proteção à família e o Deficiente Auditivo/Surdo, contra os profissionais mais compromissados com a ganância mercadológica do que com a pessoa com deficiência; do modelo de atendimento público municipal, marcado de desencontros e não informações quanto às possibilidades de tratamento. Ou ainda, olhar pelas crianças deficientes auditivas/surdas em idade escolar ou mesmo na creche, que não recebem atenção específica exigida pela particularidade de seu potencial de desenvolvimento cognitivo e de linguagem. 88 Não é preciso que todas as particularidades se traduzam em Políticas de Assistência simplesmente porque não precisamos de milhares de Políticas de atenção desalinhadas. A necessidade reside na objetividade das Políticas Públicas inclusivas que não percam de vista todas as subjetividades da problemática. E isto se dá, na medida em que o foco da Política entenda o Público a ser atendido de maneira global e não isolada e embasada na deficiência isoladamente, mas no aspecto global do indivíduo. Cabe lançar luz sobre uma verdade fundamental: Elaborar políticas para Deficientes Auditivos/Surdos, não significa elaborar políticas deficientes. Como oportunamente nos traz Veiga Neto: “O mundo mudou e, com ele, mudou também nosso próprio entendimento sobre nós e sobre o próprio mundo”, porém “junto a uma maior democratização da informação, continuam se aprofundando as desigualdades”. Veiga-Neto (apud LOPES, 2006, p.45) Entender a questão do Deficiente Auditivo/Surdo passa obrigatoriamente por entender a Pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez. Assim, fica a necessidade de continuação deste estudo, na busca por novos olhares que acrescentem outras nuances e perspectivas que certamente cabem, pois ainda são tímidas as discussões frente à plenitude do que pode ser discutido e melhorado. E, quando não couberem mais discussões, ou a Deficiência Auditiva/Surdez terá deixado de existir ou terá sido alcançada a plena rede de atenção necessária para garantir a cidadania plena e consolidada por um princípio norteador: Ser uma Pessoa com Deficiência Auditiva/Surdez, não significará mais, ser uma Pessoa Deficiente de Direitos. 89 Em tempo de pensar... RELATO DE UM SURDO Cássio de Souza, historiador. "Eu sou apenas surdo. O som é um espetáculo. Senti-lo em minhas cordas vocais, leva-me a imagina-lo o tempo todo. Na verdade, eu apenas não escuto. O porque destas portas fechadas? Igrejas, escolas, teatros, cinemas, postos de trabalho, faculdades e todos os outros lugares onde sou bem-vindo só por meio de um intérprete de sinais. Em que mundo estou? Do raiar do sol até a ascensão da lua, nada parece Ter sido feito para mim. Escutar parece ser algo que distingue os ouvintes como superiores. Principalmente, quando eles nos classificam como deficientes. Deveríamos nos sentir culpados de sermos surdos? A sociedade só nos aceita quando nos tornamos "ouvintes" através das leituras labiais. A vida foi feita em benefício da compreensão mútua. Ignorar o surdo é como neutralizar uma planta que estava para ser árvore. Já não sinto a verdade. O mundo parece uma enorme mentira, daquelas que me sufocam, oprimem e silenciam meus sinais." (SOUZA, 2000) 90 REFERÊNCIAS AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência - em companhia de Hércules. São Paulo: Robe Editorial, 1995. (Encontros com a psicologia). AMARAL, L. A. Espelho convexo: o corpo desviante no imaginário coletivo, pela voz da literatura infantojuvenil.1992. 399 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992. p. 60-75. ARAÚJO, L. A. D. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Distrito Federal: Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos/CORDE. 2001. 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