Universidade
Federal do Pampa
Aline Basso da Silva
Bruna Cristiane Furtado Gomes
APOIO MATRICIAL E REDE DE CUIDADO
INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL: vivências e
percepções de profissionais de saúde do
Município de Uruguaiana
Trabalho de Conclusão de
Curso
URUGUAIANA
2010
Aline Basso da Silva
Bruna Cristiane Furtado Gomes
APOIO MATRICIAL E REDE DE CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE
MENTAL: vivências e percepções de profissionais de saúde do Município de
Uruguaiana
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Universidade Federal do Pampa, para a
obtenção
do
título
de
Bacharel
Enfermagem.
Orientadora Profª Ms: Odete Messa Torres
Uruguaiana
2010
em
DEDICATÓRIA
―Pretendeis misturar o fogo com a água, pois a Loucura e a Prudência
não são menos opostas que esses dois elementos contrários. — Não obstante
sentir-me-ei lisonjeada por vos convencer disso, desde que continueis a prestar-me
vossa gentil atenção.
Se a prudência consiste no uso comedido das coisas, eu desejaria
saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente: o sábio que,
parte por modéstia, parte por medo, nada realiza, ou o louco, que nem o pudor (pois
não
o
conhece)
nem
o
perigo
(porque
não o vê) podem demover de qualquer empreendimento.
O sábio absorve-se no estudo dos autores antigos; mas, que proveito
tira ele dessa constante leitura? Raros conceitos espirituosos, alguns pensamentos
requintados, algumas simples puerilidades — eis todo o fruto de sua fadiga.
O louco, ao contrário, tomando a iniciativa de tudo, arrostando todos os
perigos, parece-me alcançar a verdadeira prudência. "
Elogio à loucura - Erasmo de Roterdan
Dedicamos
aos
profissionais
da
saúde,
ainda
sonhadores que mesmo diante de tantas barreiras e
dificuldades... Não desistem de sonhar
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa compõe um pouco de história, um pouco de trajetória de vida,
de pensamento, de emoção e de sonhos. Concluir uma formação, para nós, não
seria somente fechar mais um ciclo, e sim, trazer para um cenário de prática durante
anos de formação algum questionamento a mais, pensamentos, reflexões, dúvidas e
utopias. Lembrando o início de tudo até o presente momento a muitas pessoas que
devemos agradecer, impossíveis de ser esquecidas, e que compuseram um enorme
retalho na colcha de retalhos de nosso ser, de nosso crescimento pessoal,
intelectual, humano, de ser humano.
Aos nossos pais, nossos primeiros orientadores na vida, que serviram de
base para apoiar nossos afetos e desafetos com o caminho. Que possibilitaram a
realização de muitas conquistas pelo amor, pela dedicação e companheirismo de
apoiar e motivar o filho.
`A Deus Que permitiu que este trabalho se concretizasse apesar de tantos
obstáculos encontrados durante a caminhada e muitos momentos de instabilidade
emocional que fez com que a fé nos fizesse levantar e seguir em frente.
À Odete nossa orientadora, que muitas vezes acolheu nossas angustias,
nossas revoltas, esclarecendo-nos, e conduzindo até o final desta pesquisa.
Obrigada por sua atenção, paciência e amizade, por ter possibilitado o nosso
crescimento e apoiado a nossa trajetória acadêmica.
À Thomas, professor de Ciências Sociais, muito querido por nós, que desde o
primeiro dia de aula, nos mostrou os diversos ângulos que compõem a Saúde, nos
fez repensar inúmeras questões de assistência em Enfermagem, nos mostrando que
os seres humanos são muito mais que um corpo físico, perpassando ao emocional,
a cultura, as representações sociais, as narrativas, a vida humana. E que com
certeza, fez pensarmos a Saúde para além do Biológico
À Bia, incrível professora de Saúde Coletiva, que revelou o grande papel do
mestre na graduação, trazendo em cada aula a motivação pela mudança, o senso
de humor, a realidade escondida em cada teoria belíssima que estudávamos a
experiência de vida e de olhar para vida. Enfim, as práticas e ensinamentos desta
professora incentivaram a reflexão, a crítica e o trabalho que compôs esta pesquisa.
Aos profissionais do centro de Atenção Psicosocial (CAPS), e das Unidades
Básicas de Saúde (UBS), a razão deste trabalho. Que nos permitiram espaço para
realização desta pesquisa, e a disponibilidade da participação em cada encontro.
Dedicamos este estudo a eles e ao município de Uruguaiana, e esperamos que
possa subsidiar futuros estudos que beneficiem o cenário em questão.
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada no município de Uruguaiana
com a integração de três serviços, sendo duas Unidades Básicas de Saúde e um
Serviço Especializado em Saúde Mental. Esta pesquisa teve por objetivo: analisar as
percepções de equipes de saúde da atenção básica e do CAPS sobre o
matriciamento em redes de cuidado integral em saúde mental no município de
Uruguaiana, a partir da identificação de experiências de apoio Matricial em saúde
mental destas equipes, da compreensão da vivência destes profissionais sobre o
tema, bem como, a identificação de linhas e traçados que apontem a configuração
de uma rede de cuidado integral em Saúde Mental neste município. Para a
concretização deste estudo utilizou-se da metodologia Qualitativa de Minayo (2007)
e a Análise Institucional de Lourau (1993). Este percurso metodológico permitiu as
pesquisadoras uma análise socioanálitica de diversos contextos e instituições
utilizando da implicação coletiva (LOURAU, 1993) e o contato com subjetividades,
singularidades, temas desconhecidos e análises macro/micro, externas/ internas de
realidades e serviços (MINAYO, 2007). Para atingir os resultados da pesquisa
utilizou-se da categorização dos dados em grupos de análises seguindo uma lógica
das principais discussões levantadas durante a realização da coleta de dados. Estas
análises e reflexões visam trazer à tona novos olhares sobre o tema de Apoio
Matricial e Redes de Cuidado Integral, refletindo sobre políticas, sistemas, modelos
assistenciais, barreiras e desafios identificados pelas realidades expostas pelos
serviços participantes do estudo.
Palavras chave: Apoio Matricial; Equipe de Referência; Atenção Integral à
Saúde
ABSTRACT
This is a qualitative research conducted in the city of Uruguaiana with the
integration of three services, two basic health units and a specialized mental health.
This study aimed to: analyze perceptions of health teams in primary care and CAPS
on the matricial network of integrated care in mental health in the municipality of
Uruguaiana, by identifying support Matrix experience in mental health of these
teams, understanding the experience of these professionals on the subject, as well
as the identification of lines and strokes that indicate the configuration of a network of
comprehensive mental health care in this county. To achieve this study we used
qualitative methods, integrating qualitative methodology Minayo (2007) Institutional
analysis and Lourou (1993), this methodological approach allowed the researchers
an analysis of Socio various contexts and institutions using the collective implication
(LOUROU, 1993) and contact with subjectivities and singularities, themes and
analyzes unknown macro / micro, external / internal realities and services (MINAYO,
2007). To achieve the results of the research used in categorizing the data analysis
groups following a logic of the main arguments raised during the data collection.
These reviews and reflections designed to bring out new perspectives on the issue of
Matrix Support Networks and comprehensive care, reflecting on policies, systems,
models of care, barriers and challenges identified by the realities exposed by the
departments studied.
Keywords: Matrix Support; Reference Team, Comprehensive Health Care
Lista de Ilustrações
Figura 01: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................40
Figura 02: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................40
Figura 03: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................41
Figura 04: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................42
Figura 05: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................42
Figura 06: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................43
Figura 07: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................43
Figura 08: desenho Construído pelos profissionais da saúde.........................44
Foto
01:
Profissionais
realizando
leitura
do
estado
da
arte...................................................................................................................54
Foto. 02: Profissionais construindo painel conceitual no I encontro
institucional......................................................................................................54
Foto
3:
Equipes
Integradas
debatendo
conceitos
de
Apoio
Matricial...........................................................................................................57
Listas de Abreviaturas e Siglas
ACS- Agentes comunitários de Saúde
CAPS- Centro de Atenção Psicossocial
UBS- Unidade Básica de Saúde
ESF- Estratégia da saúde da Família
S- Serviço
E- entrevistado
SP- Situação problema
NAPS- Núcleo de Atenção Psicossocial
SIS - Sistema de Informação em Saúde
PNI - Programa Nacional de Imunizações
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .................................................................................................. 4
Lista de Ilustrações ..................................................................................................... 8
Listas de Abreviaturas e Siglas ................................................................................... 9
SUMÁRIO ................................................................................................................. 10
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 12
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
1.1 Objetivo geral ............................................................................................................. 15
1.1.1 Objetivos específicos............................................................................................... 15
2 REFERENCIAL TEORICO ..................................................................................... 16
2.1 Sobre a História da saúde Mental: dos movimentos mundiais à Reforma Psiquiátrica
brasileira .......................................................................................................................... 16
2.2 Apoio Matricial: uma proposta de mudança do modelo ―medicalizante‖ e
concretização da Reforma Psiquiátrica ............................................................................ 19
2.3 Saúde Mental na Atenção Básica: organizando ações ............................................... 21
2.4 Os Componentes da Rede ......................................................................................... 24
3. PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................ 28
3.1 Cenários da Pesquisa ................................................................................................ 31
3.2 Os Sujeitos da Pesquisa ............................................................................................ 33
3.3 Encontros ................................................................................................................... 34
3.4 A Coleta, Análise de Dados e Registro das Informações............................................ 35
3.5 Considerações Éticas ................................................................................................. 36
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................. 37
4.1 Encontros e descobertas ............................................................................................ 41
4.1.1 Saúde Mental e Equipe Multiprofissional: Frente a frente ........................................ 41
4.1.2 Primeiros Passos: auto percepção dos profissionais e seu cenário ......................... 48
4.2.O confronto com o novo: conceitos e realidades ........................................................ 55
4.2.1 Apoio matricial e redes de cuidado integral em saúde mental: construindo conceitos
......................................................................................................................................... 55
4.2.2.Ficção e realidade: o confronto de encontros .......................................................... 60
4.3 A subjetividade humana e desafios da pesquisa qualitativa ....................................... 66
4.3.1 Dialética e indentitária: entre o discurso e o gesto ................................................... 67
4.3.2 Apoio Matricial: utopias, barreiras e desafios........................................................... 72
4.3.2.1 Barreiras relacionadas à demanda excessiva ....................................................... 73
4.3.2.2 Barreiras organizacionais ..................................................................................... 76
4.3.2.3 Barreiras Políticas e de Comunicação .................................................................. 77
4.3.2.4 Obstáculo subjetivo e cultural ............................................................................... 79
5. Plano de Ação para a Efetivação do Apoio Matricial no município de Uruguaiana:
um compromisso deste estudo ............................................................................................ 81
6. REFLEXÕES SOBRE UM PROCESSO INSTITUÍNTE ......................................... 85
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 86
APENDICÊS I - Questionário semi- estruturado I ...................................................... 91
APÊNDICES II - Questionários II / avaliação das atividades ..................................... 92
APÊNDICES III - Situação problema 01 .................................................................... 93
APÊNDICES IV - Situação problema 02 .................................................................... 96
APÊNDICE V – Termo de consentimento livre e esclarecido .................................... 98
APÊNDICE VI - Readequações da pesquisa em resposta ao pedido da Secretária
Municipal de Saúde ............................................................................................................. 99
ANEXO I - Autorização da pesquisa pelo Secretário da Saúde ............................... 100
ANEXO II – Autorização do Centro de Atenção Psicossocial, (CAPS II) Asas da
Liberdade........................................................................................................................... 101
12
APRESENTAÇÃO
Este
trabalho
surgiu
a
partir de
nossa
experência
acadêmica
no
desenvolvimento de atividades práticas curriculares da disciplina de Saúde Mental II,
junto aos serviços de saúde do municipio de Uruguaiana, onde tivemos
oportunidades de vivenciar situações complexas enfrentadas por trabalhadores no
exercício de suas atividades profissionais no campo da saúde mental e coletiva.
Durante estas atividades práticas os acadêmicos deveriam acompanhar
profissionais da atenção básica e do CAPS, na tentativa de realizar o Apoio
Matricial, com isso observamos que a prática de matriciamento em redes de cuidado
integral em saúde mental estava longe de se tornar uma prática efetiva nesse
municipio, em decorrência de diversas barreiras, necessitando, portanto de ações
que viabilizem sua efetiva implementação.
Essa experiência se constituiu em um desafio e um estímulo para o
desenvolvimento de uma pesquisa de campo, na qual pudessemos conhecer o
entendimento de profissionais de saúde a respeito do conceito do quem vêm a ser o
Apoio Matricial em redes de Cuidado Integral em saúde Mental, bem como desvelar
a apartir das falas dos mesmos os nós críticos que dificultam sua implementação
efetiva.
O desejo de realizar esta pesquisa vem ao encontro com nossa trajetória
acadêmica, onde nos direcionamos para a área de Saúde Mental, e Saúde Coletiva,
onde busacamos cada vez mais conhecer os princípios e diretrizes do Sistema
Único de Saúde, as políticas públicas e realcioná-los a nossa realidade
locorregional.
Por fim esta pesquisa foi desenvolvida buscando contribuir para as práticas
de Saúde Mental e coletiva no município, desejando, assim, servir de subsídio para
novas pesquisas, ações, reflexões que contribuam para a transformação da
realidade.
13
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trata da análise das percepções de equipes de saúde sobre
Apoio Matricial e Redes de cuidado Integral em Saúde Mental no municipio de
Uruguaiana. A mesma surgiu a partir de reflexões na disciplina curricular de Saúde
Mental II do Curso de Enfermagem que proporcionou um melhor entendimento sobre
o tema, provocou a curiosidade sobre o que dificulta a efetivação da rede integral em
Saúde Mental.
Ao estudar a rede de saúde mental, precisamos levar em consideração sua
criação e relevância a partir de uma trajetória política do Sistema Único de Saúde
(SUS) que ampliou olhares para atenção Integral em Saúde Mental com a Reforma
Psiquiátrica.
Conforme Oliveira, Martinhago e Moraes (2009) a rede em saúde mental tem
um horizonte democrático e participativo no contexto das políticas públicas de saúde
no Brasil e tem o objetivo de buscar um novo lugar social para as pessoas com
sofrimento psíquico, promovendo a interação cotidiana entre a saúde mental e a
sociedade.
Segundo Buchele et al (2006) o Ministério da Saúde expandiu o conceito de
saúde na tentativa de reverter o modelo assistencial centrado na doença para um
modelo de atenção integral à saúde, em que haja a incorporação progressiva de
ações de promoção e recuperação da saúde, bem como a prevenção das doenças.
No contexto da Política de Saúde Mental, inserida no Sistema Único de
Saúde a proposta da Reforma Psiquiátrica baseia-se em três metas: o processo de
desistitucionalização, a redução da internação hospitalar em manicômios e a rede de
atenção à saúde mental (OLIVEIRA, MARTINHAGO, MORAES, 2009).
Para a concretização da Reforma Psiquiátrica e a promoção da integralidade
em saúde mental, é necessário um trabalho em rede de cuidado, de base territorial e
atuação
transversal
estabelecimento
de
com
outras
vínculos
e
políticas
específicas
acolhimento.
Este
que
trabalho
busquem
o
implica
a
multiprofissionalização, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade. Uma proposta
transdisciplinar que atua como quebra de barreiras das hierarquias de saberes,
permitindo, assim, a re-estruturação do trabalho assistencial (BRASIL, 2003;
OLIVEIRA, MARTINHAGO, MORAES, 2009).
14
O apoio matricial, tema central desta pesquisa, é considerado pelo Ministério
da Saúde como um arranjo organizacional que visa outorgar suporte técnico em
áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas
de saúde para a população (BRASIL, 2003).
O apoio matricial possibilita criar uma assistência integrada, desconstruindo a
lógica de encaminhamentos, ou seja, quando um usuário de saúde mental
necessitar do apoio do serviço será atendido pela equipe de Referência. Esta equipe
é fundamental na organização do apoio matricial, pois têm a responsabilidade de
conduzir um caso individual, familiar ou comunitário, objetivando ampliar a
construção de vínculo entre profissionais e usuários (CAMPOS, 1998). A construção
de vínculo proporciona segurança aos usuários e suas famílias diante de
dificuldades, respeitando as individualidades e contexto social.
Desta forma, a pesquisa buscou fundamentar-se nas políticas de saúde
mental que visam proporcionar atenção digna e humanizada para os usuários do
serviço, refletindo sobre a integralidade nas práticas de cuidado e as dificuldades de
notá-las e desenvolvê-las nos cotidianos de trabalho em Saúde. Além das
dificuldades, é importante ressaltar as potencialidades esquecidas pelas demandas
e serviços, interrompidas por barreiras políticas locais, hierarquias e saberes não
compartilhados por não haverem espaços propícios para reflexão das práticas em
saúde, tornando-as mecanizadas.
Voltando o olhar para essas questões, considera-se necessário para
efetivação da reforma psiquiátrica e criação da rede integral em saúde mental, a
reflexão de todos os profissionais envolvidos no cuidado. Assim, os esforços desta
investigação dirigiram-se para identificar as dificuldades e potencialidades dos
serviços, promovendo um espaço protegido de reflexão e construção de saberes.
Este espaço ocorreu através de encontros com estas equipes, onde foi
debatido o tema. Durante os encontros as pesquisadoras mantiveram um olhar
atento acerca das percepções e experiências trazidas pelos participantes da
pesquisa, valorizando o conhecimento de cada profissional envolvido. Esta idéia é
trazida por Campos (1998) quando refere a importância de assegurar o cumprimento
do objetivo primário de cada organização, quer seja produzir saúde e educar e, ao
mesmo tempo, permitir e estimular os trabalhadores a ampliar sua capacidade de
reflexão, de co-gestão, valorizando a realização profissional e pessoal. O mesmo
acrescenta sobre a necessidade de criar espaços de democracia ampliada,
15
processos produtores de sujeitos-cidadãos, grupos aptos a impor resistência às
determinações
adversas
do
meio.
Este
processo
retrata
a
busca
pela
autonomização dos sujeitos das equipes, formando grupos capazes de lidar com os
saberes, refletir acerca dos problemas encontrados, criarem soluções e estratégias
de ação junto à comunidade, a fim de suprir as necessidades para qualificação da
saúde local.
1.1 Objetivo geral
Analisar as percepções de equipes de saúde da atenção básica e do CAPS
sobre o matriciamento em redes de cuidado integral em saúde mental no município
de Uruguaiana.
1.1.1 Objetivos específicos
- Identificar experiências de apoio matricial em saúde mental no município;
- Compreender como os profissionais de saúde vivenciam experiências de apoio
matricial em saúde mental;
- Identificar linhas, traçados, desenhos que apontem para a configuração de uma
rede de cuidado integral em saúde mental para o município de Uruguaiana.
16
2 REFERENCIAL TEORICO
2.1 Sobre a História da saúde Mental: dos movimentos mundiais à Reforma
Psiquiátrica brasileira
Percebe-se que na sociedade sempre existiu a doença mental, sendo que os
indivíduos ―loucos‖ ou fora dos padrões impostos pela sociedade deveriam ser
isolados dos cidadãos considerados ―normais‖. Na obra de Foucaut (1972) ―A
História da loucura‖ o mesmo relata que o momento histórico em que se decidiu
confinar do meio "sadio" os considerados anti-sociais, a Grande Internação do
século XVI, foi atribuída uma mesma pátria aos pobres, aos desempregados, aos
correcionários e aos insanos. Esta limpeza realizada nas cidades, típica do sistema
capitalista dispunha de manter indivíduos inaptos, inúteis e perigosos longe dos
olhos da sociedade capitalista, excluindo os incapacitados ao trabalho e produção
na economia vigente.
Neste contexto, Macedo (2006) acrescenta que a loucura sempre foi
encontrada na sociedade em várias épocas, manifestando o indivíduo louco como
―diferente‖, esta definição sugeria incapacidade de convivência social e coletiva. Por
isso, a exclusão do indivíduo da sociedade, como a negação de sua cidadania o
tornou inapto em viver em coletividade, separando-os do convívio com o outro.
Fazendo uma analogia com o pensamento de Foucaut (1972), observou-se
na Idade Clássica aos reputados insanos o lugar de segregação que, durante a
Idade Média, fora reservado aos leprosos. Finda – ou ao menos reduzida – a
ameaça representada por estes últimos, restaram vazios os espaços físicos, sociais
e ideológicos que ocupavam, que vieram a ser tomados pelos loucos, impondo
assim, a necessidade de separação do corpo social.
Segundo Macedo (2006)
o surgimento da Psiquiatria moderna em 1794, trouxe consigo a
individualização do sujeito portador de distúrbio mental, esta psiquiatria
surgiu quase duzentos anos após o início das Grandes Internações. Tratase da Primeira revolução Psiquiátrica, onde a loucura foi ―definida‖ como
doença, revolução essa liderada pelo médico francês Philippe Pinel, o qual
agia em consonância com os ideais racionalistas e humanitários próprios da
Revolução Francesa (TABORDA ET AL, 2004 p.32).
17
Esta Psiquiatria trabalha o chamado ―tratamento moral‖ que revolucionou a
saúde mental dando o primeiro passo que foi discutir a loucura como doença, tendo
tratamento e precisando ser analisada por especialistas. Conforme Macedo (2006)
foi inserida, então, a noção de que a loucura não é irremediável. Não houve extinção
do isolamento aplicável aos doentes mentais, mas estes passaram a ser recolhidos
em asilos, onde recebiam auxílio humanitário e médico, alimentação e atividades
terapêuticas.
Porém o ―tratamento moral‖ não dava soluções humanas e dignas para a
pessoa com sofrimento psíquico, o processo da Revolução Industrial, trouxe uma
explosão no número de asilos, e um aumento na demanda de doentes mentais que
não podiam ser acompanhados por uma assistência terapêutica individual. Assim,
Macedo (2006) afirma terem-se reduzidos os índices de melhoria, a falta de
expectativa na recuperação e a degradação destes espaços, que se transformaram
em reais depósitos humanos, refletindo na reclusão os mesmos mecanismos
opressores que o mundo exterior impunha ao sofrimento psíquico.
No Brasil a Psiquiatria teve início com primeiros estabelecimentos específicos
para doentes mentais que foram construídos no país na segunda metade do século
XIX, a começar pelo Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, anexo à Santa Casa de
Misericórdia da Corte II, criado pelo Decreto 82 de 1841, funcionando desse ano até
1852 como hospícios provisório. Desta forma também foram criados asilos em
outros lugares, que se assemelhavam a verdadeiros presídios do que espaços para
tratamento psiquiátrico, assistencial e humano (MACEDO, 2006).
Com o decreto Lei 1.232 de 1903, promulgado no governo do presidente
Rodrigues Alves e responsável por "Reorganizar a assistência aos alienados".
Estava evidente a influência da Lei francesa de 1838 neste decreto, que encerrava,
além da intenção de unificar a assistência psiquiátrica no país, o estímulo à
construção de asilos estaduais e a proibição definitiva do cerceamento de doentes
mentais, "alienados" na verdade, em prisões (MACEDO, 2006).
Além disso, foi determinada a humanização do tratamento do doente metal
ressaltando a não exclusão do mesmo. Neste período, a doença mental está
associada a três dimensões: médica, jurídica e social, a psiquiatria possui em si
estas três dimensões, sendo ao mesmo tempo médica (assistencial) e vinculada ao
controle da ordem pública. (AMARANTE et al 1998).
18
A realidade brasileira vivenciou o processo da Reforma Psiquiátrica a partir da
década de 1970, com crescentes manifestações de vários setores da sociedade no
sentido de reduzir o cerceamento da liberdade individual na forma de manicômios.
Além disto, preconizou-se um novo enfoque no modelo assistencial, através da
promoção da saúde mental, ao invés dar direção apenas ao distúrbio psíquico já
instalado e a forma de tratamento (MACEDO, 2006). Com esse importante passo, e
a ideia de uma melhora na saúde mental no fim dos anos 80, surgiu o Movimento
dos Trabalhadores em Saúde Mental, lançando o lema "Por uma sociedade sem
manicômios" e estimulando a produção legislativa de vários estados no sentido de
proceder à desistitucionalização.
Amarante (2007) refere que a história da saúde mental no Brasil é uma
narrativa de lutas e sonhos envolvendo diversos atores sociais suas trajetórias,
mobilizações, discussões e rupturas.
Desta forma, a Política Nacional brasileira foi evoluindo na Saúde Mental
chegando ao seu ápice com o decreto lei 10.216/2001, na década de 1960, com o
saber psiquiátrico convulsionado pelo surgimento da corrente antipsiquiátrica, a qual
questionava a psiquiatria convencional enquanto conhecimento científico, indicando
fragilidades nas
bases que fundamentam a existência da doença mental. Este
movimento conforme Nassere (2007) caracterizou-se pelas primeiras lutas
antimanicomiais no Brasil, pelo intuito de discutir e pensar novas práticas para a
Saúde Mental e a segregação dos manicômios. A corrente antipsiquiátrica defendia
que a loucura não é doença, mas um reflexo da sociedade e da família que mostram
desequilíbrios, como também do meio onde o indivíduo se encontra inserido, e sua
cura seria localizar e trabalhar estas causas.
A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei
Paulo Delgado conseguem a aprovação em vários estados brasileiros as primeiras
leis que determinam a substituição progressiva dos leitos hospitalares psiquiátricos
por uma rede integrada de atenção à saúde mental (BRASIL, 2005). Para a ação
desta lei foram expandidos os Centros de Apoio Psicosocial (CAPS), Núcleo de
Atenção Psicosocial (NAPS) e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização
e classificação dos hospitais psiquiátricos.
Finalmente, na história da saúde mental brasileira acontece no final do ano de
2001, em Brasília, a III Conferência Nacional de Saúde Mental. Dispositivo
fundamental de participação e de controle social contando com a participação ativa
19
de usuários dos serviços de saúde, seus familiares, movimentos sociais e
profissionais de saúde (BRASIL, 2005). Com esta conferência foi possível perceber
a democratização dos serviços, pois contou com a participação popular, fornecendo
assim, contribuições políticas e teóricas para a Política de Saúde Mental no Brasil.
A Reforma Psiquiátrica direciona seus esforços para a busca de mudança no
modelo de atenção, sendo que suas principais propostas nunca fogem do contexto
de desistitucionalização, a redução da internação hospitalar em manicômios e a rede
de atenção à Saúde mental. Amarante (2007) retrata, porém, que estamos longe de
substituirmos o modelo ―medicalizante‖. Todavia a busca pela integralidade é um
processo lento e árduo, que depende a inclusão do usuário da Saúde Mental como
ator social, e também a sociedade como facilitador do mesmo.
É
importante
ressaltar
que
para
ocorrerem
a
integralidade
e
a
desistitucionalização é necessário perceber a dimensão sociocultural do ser
humano. Segundo Basaglia (1999) desinstitucionalizar não é somente modificar as
formas de atenção à loucura, mas propiciar transformações na cultura, na sociedade
exclusora das diferenças, enfim, produzir modificações na racionalidade social sobre
este fenômeno. Assim, acrescenta Amarante (2006) que considerar a dimensão
sociocultural também é muito importante, para modificar e melhorar a relação da
sociedade com as pessoas com algum tipo de sofrimento psíquico.
2.2
Apoio
Matricial:
uma
proposta
de
mudança
do
modelo
“medicalizante” e concretização da Reforma Psiquiátrica
A Reforma Psiquiátrica requer a articulação da saúde mental com a atenção
básica,
superando
a
modelo
de
atenção
biomédico,
hospitalocêntrico
e
institucionalizado, partindo para um modelo que favoreça uma assistência integral e
territorializada.
A concretização deste processo que propicia uma atenção integral ao
indivíduo faz com que os CAPS e os hospitais não sejam os únicos centros de
referência para o atendimento ao portador de sofrimento psíquico (OLIVEIRA,
MARTINHAGO E MORAES, 2009). Nesse sentido, busca-se a transformação das
20
práticas em saúde mental, a partir de uma articulação em redes, coresponsabilizando os profissionais da atenção básica com os CAPS e os Hospitais.
Essa transformação é possível com o apoio matricial, uma proposta de
articulação da rede de Saúde Mental com as Unidades Básicas de Saúde (UBS),
permitindo e/ou facilitando o direcionamento dos fluxos da rede, visando à
implementação de uma clínica ampliada, co-responsabilizando as equipes,
promovendo saúde e a diversidade de ofertas terapêuticas através de um
profissionais de saúde mental que acompanhe periodicamente as UBS, e demais
serviços de saúde, possibilitando o a formação de redes intersetoriais (OLIVEIRA,
MARTINHAGO E MORAES, 2009).
O arranjo matricial visa disparar a ampliação da clínica ampliada, das equipes
interdisciplinares de saúde e reorientar a demanda para a saúde mental
(FIGUEIREDO, 2006). Esse arranjo possibilita a diminuição dos encaminhamentos
desnecessários a serviços especializados, rompendo com a lógica da hierarquização
do cuidado, onde um paciente que entra em crise ou exarcebação dos sintomas
deva ser encaminhado somente à internação hospitalar.
Segundo campos (2000) o apoio matricial trata-se de uma metodologia de
trabalho complementar, prevista em sistemas hierarquizados, a saber: mecanismos
de referência e contra-referência, protocolos e centros de regulação. Desta forma o
apoiador matricial tem o intuito de oferecer retaguarda assistencial como também
suporte técnico e pedagógico as equipes de referências.
A equipe de referência deve ser responsável pela condução dos casos
individuais, familiares ou comunitários, com o objetivo de ampliar as possibilidades
de construção de vínculo entre profissionais e usuários. Conforme Campos e Domitti
(2007) a responsabilidade de condução refere-se à tarefa de encarregar-se da
atenção ao longo do tempo, ou seja, de maneira longitudinal. Nesse sentido o
conceito de equipe de referência pressupõe a adoção de uma lógica semelhante
para profissionais que trabalhem em policlínicas ou hospitais.
O Apoio Matricial é considerado um arranjo, porque ele só é possível atrelado
a uma forma de organizar os serviços que garanta um sistema de referência entre
profissionais e usuários (FIGUEIREDO, 2000). Analisando a ideia deste autor,
compreende-se que para viabilizar este processo organizacional é indispensável à
criação de vínculo entre usuário e profissionais. O usuário, por sua vez, quando
21
procurar pelo atendimento em saúde mental encontrará uma equipe de referência
para garantir a resolutividade do problema.
Apropriando-se da idéia de Figueiredo (2000), produzir a ampliação da clínica
significa também que os profissionais possam, em alguns momentos, colocar seu
saber prévio, o saber que vem garantido com a técnica, com o procedimento padrão,
para se ampliar o contato intersubjetivo que se dá na relação profissional/paciente e
para que ocorram reflexões em cada situação, sobre a melhor intervenção a fazer.
Portanto,
para a efetivação do apoio matricial torna-se fundamental a
reflexão, e o compartilhamento dos saberes técnico e saberes cientificos, a
discussão conjunta das práticas dos cotidianos dos serviços de saúde, e a
integração das equipes multidisciplinares envolvidas no cuidado.
Para isso, o apoio matricial possui a necessidade da construção de um
projeto terapêutico integrado que deve respeitar as singularidades e necessidades
de cada usuário, tornando fundamental uma relacão entre a equipe de referência e
os apoiadores neste plano terapêutico. Campos (2007) indica três planos que
tornam a prática do apoio matricial possível.
―(1) atendimentos e intervenções conjuntas entre o especialista matricial e
alguns profissionais da equipe de referência; (2) Programar uma série de
atendimentos ou de intervenções especializadas, mantendo contato com a
equipe de referência, que não se descomprometeria com o caso, ao
contrário, procuraria redefinir um padrão de seguimento complementar e
compatível ao cuidado oferecido pelo apoiador diretamente ao paciente, ou
à família, ou à comunidade;(3) é possível ainda que o apoio restrinja-se à
troca de conhecimento e de orientações entre equipe e apoiador; diálogo
sobre alterações na avaliação do caso e mesmo reorientação de condutas
antes adotadas, permanecendo, contudo, o caso sob cuidado da equipe de
referência‖ (CAMPOS, 2007, p. 401).
Com isso, o apoio matricial vem a contribuir com a saúde mental no sentido
de voltar os olhares da saúde mental para a atenção básica, buscando sua
contribuição na construção de saberes para aumentar a capacidade resolutiva da
equipe local. Isso se caracteriza como construção de um raciocínio integral sobre
casos individuais, busca de novos caminhos para se alcançar a prática terapêutica
com sucesso, juntamente com o apoio coletivo dos membros da equipe de saúde.
2.3 Saúde Mental na Atenção Básica: organizando ações
22
Os princípios fundamentais de articulação da Saúde Mental na Atenção
Básica são a (1) noção de território, a (2) organização da Saúde Mental em rede, (3)
a intersetorialidade, (4) a integralidade, (5) a desistitucionalização, (6) a reabilitação
psicossocial e (7) a construção de autonomias possíveis de usuários e familiares
(BRASIL, 2003).
A organização das ações de Saúde Mental na atenção básica tem como eixos
de suporte: o apoio matricial da Saúde Mental às equipes da Atenção Básica, a
responsabilidade compartilhada, a desconstrução da lógica do encaminhamento, a
priorização dos casos mais graves, o aumento da capacidade resolutiva no
atendimento e a formação e supervisão continuada (BRASIL, 2003).
Conforme Oliveira, Martinhago e Moraes (2009) a organização da rede tem
como eixo o território, que não se limita apenas na área geográfica. Uma vez que é
composto pelas famílias, instituições, associações e comunidade. Esta teia
caracteriza-se como um mecanismo que engloba todos os componentes sociais e
não apenas os serviços de saúde promovendo com isso a autonomia e cidadania
das pessoas com transtornos mentais.
Neste sentido, para que haja a organização do apoio matricial é necessário
que os membros das equipes do CAPS utilizem o apoio matricial às diferentes
equipes da atenção básica programando sua carga horária para encontros
semanais, e formas de contato, para as demandas inesperadas ou intercorrências.
Nos municípios que não existem CAPS é imprescindível que as equipes contem com
no mínimo um psiquiatra, dois profissionais de nível superior e auxiliares de
enfermagem, devendo referenciar de seis a nove equipes na atenção básica. Em
municípios de pequeno porte, a equipe pode ser composta de um médico
generalista com capacitação em Saúde Mental e um profissional de nível superior
(BRASIL, 2003).
As equipes de Saúde Mental precisam realizar ações de atendimento
conjunto, discussão de casos, supervisão e formação continuada. É imprescindivel a
noção de clínica ampliada, a elaboração de projetos terapêuticos que considerem a
dinâmica familiar buscando a família como peça chave na ajuda de escolha de uma
terapêutica mais humanizada que respeite a individualidade do paciente e questões
sócio-culturais (OLIVEIRA, MARTINHAGO E MORAES, 2009). O desenvolvimento
de ações conjuntas é outro passo a ser seguido pela equipe, onde se encontra a
priorização dos casos de transtornos mentais severos, o uso abusivo de álcool e
23
outras drogas, pacientes egressos de internações psiquiátricas, pacientes atendidos
nos CAPS, tentativas de suicídio, vítimas de violência doméstica intradomiciliar.
O trabalho interdisciplinar precisa também envolver a equipe em um
pensamento interdisciplinar, sem a intenção de ensinar nem de aprender, mas de
viver e agir, sobretudo que os seus membros se mobilizem pela causa, a
inexistência desse pensamento dificulta o cuidado integral (BUCHELE, 2006). Desta
forma, é importante destacar a ampliação da clínica promovendo a discussão dos
casos pela equipe, ampliando as questões subjetivas e buscando estratégias para
os problemas elencados, tendo em foco o atendimento integral ao usuário.
Para a formação desta atenção integral, o profissional de saúde deve ser
incentivado a trabalhar com as famílias e com a comunidade, estimulando o vínculo,
como também construindo espaços de reabilitação psicosocial na comunidade.
Conforme Buchele (2006) a equipe que se compromete com o acolhimento, com a
escuta do usuário, automaticamente responsabiliza-se e busca a resolutividade do
problema de saúde. Portanto para qualificar a relação trabalhador-usuário é
fundamental estabelecer parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania.
Neste sentido, para que as ações de Saúde Mental sejam desenvolvidas na
Atenção Básica é importante a capacitação das equipes em Saúde Mental,
caracterizando a formação como prioritária para inclusão da Saúde Mental na
atenção básica (BRASIL, 2003).
A Coordenação de Saúde Mental, em seu Programa Permanente de
Formação para a Reforma Psiquiátrica, propos em 2003, a implantação de Núcleos
nas regiões de Capacitação e Produção de Conhecimento no interior dos Pólos de
Educação Permanente em Saúde. Estes pólos foram instrumentos de apoio e
cooperação para os municípios que estiverem realizando ações em Saúde Mental
no sentido de qualificar a rede de cuidado e repensar novas visões e estratégias
para a formação de profissionais (BRASIL, 2003), durante a primeira etapa de
implementação da Política Nacional de Educação Permanente em saúde no período
de 2003 á 2005.
É fundamental, no contexto da Reforma Psiquiátrica, o incentivo as
qualificações profissionais, bem como a motivação da autonomia dos usuários, e a
participação da família como parceira na adesão ao tratamento.
Assim, a qualificação profissional tem por objetivo estímular a formação
permanente e não somente capacitações pontuais, a estratégia de qualificação a ser
24
desenvolvida pelos núcleos se comunica com a da implantação das equipes de
apoio matricial, pois essas podem atuar na linha da formação continuada e em
serviço, problematizando situações-problemas junto às equipes da atenção básica
(BRASIL, 2003). Essas ações de Educação Permanente possibilitam a qualificação
dos profissionais de saúde promovendo transformações no ambiente de trabalho
pelo estímulo a reflexão e o trabalho em grupos transdisciplinares.
2.4 Os Componentes da Rede
A Rede de Cuidado Integral é composta por linhas de cuidado que são a
imagem pensada para expressar os fluxos assistenciais seguros e garantidos ao
usuário, no sentido de atender às suas necessidades de saúde (FRANCO, 2004).
Para formação destas linhas de cuidado é necessário o pacto realizado entre todos
os atores que controlam os serviços de saúde.
Para promoção da saúde integral ao usuário da Saúde Mental é fundamental
a compreensão da linha de Cuidado Integral, que traz em sua definição a unificação
de ações preventivas, curativas e de reabilitação; bem como o acesso a todos os
recursos tecnológicos que o usuário necessita, partindo da atenção básica até o
cuidado de alta complexidade (FRANCO,2004).
A partir da definição de linhas de cuidado integral, pode-se desenvolver a
Rede de Cuidado Integral em Saúde Mental. Esta rede é composta por vários
serviços e profissionais da saúde que têm no usuário o elemento estruturante do
processo de promoção em saúde, o que caracteriza conforme proposto por Franco
(2004) uma quebra do tradicional modo de intervir sobre o campo de necessidades
dos usuários, o trabalho não é de forma partilhada e sim integralizada, reunindo na
cadeia produtiva um saber-fazer cada vez mais múltiplo.
Na organização deste processo de Rede de Cuidado Integral ao usuário da
Saúde Mental encontram-se na sua formação e execução os programas, políticas e
serviços que compõem este processo. O programa Estratégia de Saúde da Família
(ESF) permite que se evitem encaminhamentos desnecessários para níveis
complexos da atenção (OLIVEIRA, MARTINHAGO E MORAES, 2009).
Este
programa trata-se de um plano de organização dos serviços de saúde ordenadora
25
da atenção básica no SUS, com o objetivo de reorganizar a prática assistencial com
novas bases e critérios, em substituição ao modelo assistencial vigente, ainda
ambulatorial e biomédico, centrado na queixa-conduta (GUISARD ET ALL, 2006)
Nesse sentido, a Saúde Mental vem buscando a reformulação da atenção
psiquiátrica com base na atenção básica de saúde e no contexto do modelo de
sistemas locais de saúde (BUCHELE, 2006). Assim, as ações em Saúde Mental
preconizam a organização de uma rede de serviços de forma hierarquizada e
regionalizada contemplando a ESF. A Saúde Mental, então, é incluída em um plano
de um sistema descentralizado, regionalizado e hierarquizado. Esta ação deve ser
desenvolvida no município com uma proposta integrada aos serviços de saúde, com
caráter interdisciplinar, científico, social, cultural e humanizado.
Conforme a Política Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2002), apoiada na
lei 10.216/02, busca consolidar um modelo de atenção à Saúde Mental aberto e de
base comunitária, com uma rede de serviços e equipamentos variados tais como os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os serviços residenciais terapêuticos, os
centros de convivência e cultura e os leitos de atenção integral. O programa de volta
para casa, também se engaja na proposta oferecendo bolsas para egressos de
longas internações em hospitais Psiquiátricos (BRASIL, 2002).
Os Centros de Atenção Psicosocial conforme Oliveira, Martinhago, e Moraes
(2009) são dispositivos estratégicos para contribuir com a organização da rede de
atenção em saúde mental, tendo como função:
Organizar a rede de atenção aos portadores de transtornos mentais,
prestando assistência em regime de atenção diária, promovendo a inserção
social dos usuários através de ações intersetoriais, regulando assim, a porta
de entrada da rede na sua área de atuação e dando suporte à atenção à
Saúde Mental (OLIVEIRA, MARTINHAGO E MORAES, 2009, p. 12).
O objetivo do processo de atenção do CAPS, segundo os mesmos autores, é
o acolhimento e a atenção às pessoas com transtornos mentais graves e
persistentes, procurando o fortalecimento dos laços sociais do usuário de seu
território. O mesmo diferencia-se pelo porte, capacidade de atendimento, clientela
atendida e organiza-se no país de acordo com o perfil da população de cada
município.
Os CAPSs devem ser do tipo I para municípios com população entre vinte
mil a setenta mil habitantes. O CAPS tipo II para municípios com
populações ente setenta mil a duzentos mil habitantes. O CAPS
atendimento infantil para municípios com duzentos mil habitantes para
crianças e adolescentes com transtornos mentais, o CAPS Alcóol e Droga
(ad) para municípios com mais de setenta mil habitantes para atendimento
especializado de dependência química. E finalmente o CAPS III para
26
populações acima de duzentos mil habitantes, para atendimento complexo,
incluindo finais de semanas e feriados (OLIVEIRA, MARTINHAGO E
MORAES, 2009, p. 16).
Outro componente da Rede de Atenção Integral em Saúde Mental, são as
residências terapeuticas. Oliveira, Martinhago e Moraes (2009) as definem como:
Moradias integradas a constituídas para responder às necessidades de
habilitação de pessoas com transtornos mentais graves, incluindo egressas
de hospitais psiquiátricos, que se internaram por longo tempo, e não
possuam suporte social e laços familiares (OLIVEIRA, 2009, p.18).
Assim, este serviço visa à garantia do direito à moradia e assistência destes
moradores, viabilizando a sua inserção social. A residência terapêutica é uma
estratégia de inclusão social, sua organização deve acolher no máximo oito
moradores e contar com um profissional cuidador que será um suporte de apoio
para os moradores nos conflitos diários e suas dificuldades de adaptação ao
contexto social. Cada residência deve ter a referência de um serviço de saúde e
operar junto à rede de atenção à Saúde Mental dentro da lógica do território.
Já os centros de convivência e cultura compõem a rede de atenção
substitutiva em Saúde Mental e oferecem aos portadores de transtornos mentais
espaços de socialização, produção cultural e intervenção na cidade (OLIVEIRA,
MARTINHAGO E MORAES, 2009). Este componente da rede tem significado
estratégico com efetiva inclusão social, não realizam atendimento terapêutico e
médico, mas sim, são centros funcionando como significativas incubadoras de
experiências de geração de renda, não apenas no campo da saúde e
fundamentalmente no campo da cultura.
O último componente da rede é o Programa de Volta para Casa, que se trata
de um auxílio- reabilitação mensal com o objetivo de contribuir para o processo de
inserção social que passaram por longas internações em hospitais psiquiátricos.
Com esta política aponta-se para o fim da idéia de que usuários com grande
dificuldade de convivência em sociedade e com transtornos graves não tenham a
tentativa de inserir-se no meio social, buscando a integralidade do atendimento ao
paciente (OLIVEIRA, MARTINHAGO E MORAES, 2009).
Com as políticas de organização em redes, visa-se também a discussão de
formas de participação dos usuários nos serviços públicos de saúde. Visto que,
atualmente vem se discutindo no campo da saúde a participação efetiva da
população apontando problemas e soluções referentes as demandas locais, com o
27
intuíto de promover avanços na qualidade dos serviços e ações de saúde. Portanto,
as instituições que atendem ao usuário em Saúde Mental passam a ser
democratizadoras através do momento em que se promovem: maior democratização
da informação, valorização dos usuários, como sujeitos no processo do cuidado e
não somente como objeto de práticas e prescrições, conscientização dos usuários
quanto aos seus direitos e ao seu papel na defesa dos próprios interesses
(ANDRADE, 2002).
28
3. PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa com caráter qualitativo com a integração da análise
institucional e a metodologia qualitativa. A abordagem qualitativa responde a
questões particulares, trabalhando com o universo dos significados, valores e
atitudes (MINAYO, 2007).
Conforme Minayo e Deslandes (2007) o homem se distingue por pensar sobre
o que faz e interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada
com seus semelhantes. Nesta análise, com toda a sua complexidade, trata-se de um
tema abrangente, que engloba a concretização da Reforma Psiquiátrica que,
segundo Desviat (1999), surgiu para questionar a instituição asilar e a prática
biomédica e humanizar a assistência. Desta forma, para atingir o objetivo de
humanização
e
desistitucionalização
é
necessária
a
democratização
do
conhecimento entre os atores sociais de uma equipe profissional na saúde,
resgatando suas percepções e reflexões sobre o tema.
O método qualitativo é um método muito usado na antropologia e na
sociologia, e atualmente vem ganhando espaço em áreas como a psicologia, a
educação, a enfermagem e a administração de empresas (NEVES, 1996). Esse
método tem melhor aplicabilidade quando utilizado para investigações de grupos e
segmentos delimitados e focalizados. Nesta lógica, esta pesquisa foi realizada com
a participação de três campos de observação e prática, constituídos pela
UBS07/ESF I, UBS 14/PSF II, e o CAPS II, serviços de saúde vinculados ao Sistema
Único de Saúde (SUS) de Uruguaiana.
Outra questão que justifica a escolha do método qualitativo de integração
entre metodologia qualitativa e análise institucional é devido à pesquisa se tratar de
uma análise de diversidades de sujeitos quando se trabalha a interdisciplinaridade,
como também, de questões políticas e institucionais quando estuda-se a Instituição
e a intersetoriedade .
A escolha do tema de pesquisa surgiu a partir de reflexões durante os
estágios curriculares da Disciplina de Saúde Mental II, onde se trabalhou com essas
equipes a lógica de matriciamento em redes de cuidado integral em saúde mental.
As pesquisadoras identificaram que este tema não se tornou uma ação contínua no
município, provocando a curiosidade a cerca da dificuldade de sua implantação
29
efetiva, pois se notava sutis delineamentos que demonstravam uma prática
incipiente e com muitos desafios..
Considerando o potencial desta prática incipiente, ocorreu nas pesquisadoras
a indagação do que as equipes de profissionais destes serviços de saúde conhecem
sobre o tema, como o associam a suas práticas profissionais, para que possam
implementar um apoio matricial efetivo.
Analisando que tais atuações possuem pouca visibilidade para a promoção do
apoio e integração entre as equipes, justificou-se a necessidade de aprofundamento
teórico-prático deste tema no município. E desta forma, foi trabalhado o tema,
visando assim, a contribuição para a implementação do apoio matricial para a Rede
de Saúde Mental na cidade de Uruguaiana.
Neste contexto, utiliza-se da metodologia e Minayo (2007) a qual afirma que o
método qualitativo permite desvelar processos sociais pouco conhecidos, propicia a
construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias
durante o período de investigação, permitindo a sistematização progressiva de
conhecimento até atingir a compreensão do processo em estudo. Neste sentido,
considera-se que com esta metodologia seja possível dar maior visibilidade aos
processos instituintes, como idealiza Lourau (ALTOÉ, 2004), para a compreensão do
tema de matriciamento.
Os aspectos conceituais referentes ao tema em análise passaram a ser objeto
de atenção no processo investigativo, tendo em vista a necessidade de subsidiar os
debates provocados na execução da pesquisa. Minayo (2007) contribui revelando
que marco teórico conceitual possibilita o discurso argumentativo e as noções
trazidas no processo de coleta de dados. Assim, analisando a obra da autora podese ressaltar a necessidade do estado da arte que permite com que o pesquisador
possua a capacidade de refletir sobre o que leu, debater, fazer análises e críticas
sobre as obras já existentes, construindo suas hipóteses e formas de investigação.
Desta maneira, a pesquisa foi construída através da busca por fontes e
conhecimentos sobre matriciamento de redes de cuidado integral em saúde mental,
e suas perspectivas na melhora na qualidade da atenção. Esta busca norteou a
condução dos encontros e as formas metodológicas de abordagens junto aos
participantes.
Nos pressupostos metodológicos, integra-se a metodologia qualitativa com a
Análise Institucional. A Análise Institucional é uma opção metodológica que utiliza
30
uma abordagem que desenvolve conceitos que são instrumentos para a análise e
intervenções em instituições facilitando a compreensão das percepções das equipes
de saúde da atenção básica e do CAPS sobre o matriciamento em redes de cuidado
integral em saúde mental no município de Uruguaiana. Entre os conceitos utilizados
para realização da pesquisa com a proposta da Análise Institucional, aponta-se em
especial a implicação coletiva que trata da inclusão do pesquisador no processo de
trabalho trazendo conhecimentos e problematizações para os pesquisados,
provocando a reflexão de todos os envolvidos no estudo e finalmente resultando em
uma transformação coletiva (ALTOÉ, 2004).
Lourau (1994; 1997) e Guatari (1987) apud L’ABBATE (2003) propõe que os
trabalhos que envolvem a Análise Institucional destacam a relevância da utilização
do conceito de instituição, em seus três momentos (instituído / instituinte /
institucionalização),
a
percepção
da
transversalidade,
a
elucidação
dos
analisadores, permitindo o contato com suas próprias implicações, através da
relação direta com a situação de trabalho, identificando possibilidades e/ou
impossibilidades para a atuação e intervenção, junto a processos que geram
implicações. Esse método permite analisar conjunturas relacionadas diretamente à
situação de trabalho, obtendo maior clareza de possibilidades e impossibilidades de
atuar e intervir nos processos que envolvem a implicação coletiva da equipe.
Lourau (1993) afirma que a Analise Institucional trabalha a contradição,
tentando seguir a lógica dialética em oposição à lógica identitária. Este método tem
como características analisar suas próprias contradições. Percebe-se que essas
contradições são também evidentes na metodologia qualitativa quando Minayo
(2007) afirma que o ser humano é um ser mutável e ao mesmo tempo permanente.
Para a autora esse é permanente, por ser autor das instituições, das leis e visões de
mundo, e ao mesmo tempo é mutável, pois as mesmas possuem ritmos diferentes,
são provisórias, passageiras e tendem para a transformação.
Embasando-se nas teorias destes autores foi trabalhada a contradição da
dialética com a identidade, buscando a singularidade dos sujeitos e sua interação na
coletividade, como também, o desafio de notar supostas transformações da visão
dos profissionais sobre os temas e práticas abordadas. Estes objetivos foram
buscados com o uso dos questionários, dos exercícios coletivos de resolução de
situações problemas e rodas de conversas, entre outras dinâmicas.
31
Dando continuidade ao estudo do método utilizado, outra questão a ser
ressaltada é trazida pela metodologia da Análise Institucional, que trabalha o estudo
integrado de diferentes instituições, como é o caso do trabalho entre CAPS e as
UBSs. Considerando que estes serviços possuem identidades diferentes, mas
objetivos em comum em promover a saúde da população, a humanização e a busca
pela autonomia dos sujeitos. Desta forma, Carvalho (2002, apud L’ABBATE, 2003),
contribui afirmando que a Análise Institucional abrange um conjunto complexo de
saberes e práticas relacionados ao campo da saúde, envolvendo desde
organizações que prestam assistência à saúde da população até instituições de
ensino e pesquisa e organizações da sociedade civil, justificando-se assim o uso
desta integração metodológica em todo o processo investigativo que subsidiou a
pesquisa.
3.1 Cenários da Pesquisa
Esta pesquisa foi realizada na cidade de Uruguaiana que está situada na
micro-região da campanha ocidental, especificamente na fronteira oeste do Estado
do Rio Grande do Sul. Sua área é de 5.713 km 2 com uma população de 123.743
habitantes (BRASIL, 2008).
A principal atividade econômica deste município volta-se para a agropecuária,
com sua extensa lavoura de arroz, gado de corte e reprodução. O Município de
Uruguaiana é o maior porto seco da América Latina, com 80% da exportação
nacional (BRASIL, 2008).
Nesta cidade, foram escolhidos três serviços para serem palcos da coleta de
dados que subsidiaram este estudo, são eles: PSF II- localizado no bairro União das
Vilas, UBS- Posto 14 – Bairro Tabajara Brites, e CAPS II - Asas da Liberdade,
serviço especializado referência de Saúde Mental do município. Estes serviços
foram escolhidos por demonstrarem interesse em efetivar o Apoio Matricial.
Segundo (MARTINS et al, 2008) bairro União das Vilas, que compreende as
Vilas Pró-Morar, Pró-Ficar, Cristal e Áreas Verdes possuem em torno de 15 mil
habitantes, sendo que 5 mil desses são assistidos pelo ESF II. Das estratégias,
programas e ações de saúde propostos pelo Ministério da Saúde, os que são
32
realizados no ESF II – Posto 7 são: Pré-natal, Imunizações, Viva Mulher e HiperDia.
Por sua vez, Gomes et al (2008) relatam que a UBS - Posto 14, inserida no
bairro Tabajara Brites, abrange aproximadamente 4.100 habitantes, distribuídos em
6 micro-áreas e cada agente é responsável em média por 250 famílias. A UBS 14
oferece os serviços ambulatoriais, consultas de enfermagem e realização de
procedimentos específicos. Os principais programas desenvolvidos na UBS 14 são:
Sistema de Informação em Saúde (SIS) Pré-natal, Programa Nacional de
Imunizações (PNI), Hiperdia, Sistema de Informação em Saúde (SIS) - colón.
Identifica-se com o relato dos autores que os dois bairros apresentam
problemas em comum, como baixas condições socioeconômicas, saneamento
básico precário, Agentes Comunitários de Saúde (ACS) insuficientes para suprir o
atendimento das micro-áreas e dificuldade de transporte para usuários e
funcionários obterem acesso ao centro da cidade. Estes problemas, dentre outros,
limitam a atuação das equipes de saúde interferindo na qualidade da atenção aos
usuários. Neste sentido, a ampliação das ações de saúde, para a integração da
saúde mental na atenção básica, torna-se o principal desafio da gestão e dos
trabalhadores no serviço.
A estruturação dos serviços de saúde mental no Município de Uruguaiana, a
partir da mudança de modelo da atenção manicomial, fruto da Reforma Psiquiátrica,
perpassa o Ambulatório de Saúde Mental, a internação psiquiátrica em Hospital
Geral, através da Santa Casa de Uruguaiana, e o Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) tipo II, Asas da Liberdade.
Segundo Basso, Ereno e Rosário (2009) o CAPS II ―Asas da Liberdade‖ foi
criado em 2002, com a proposta institucional de constitui-se como um serviço extrahospitalar de assistência pública, aos problemas de saúde mental, individual e
coletiva. As atividades incluídas na instituição baseiam-se em consultas, terapia
medicamentosa, oficinas de canto, expressão corporal, artes, atividades de vida
diária, entre outras, a partir de um atendimento multidisciplinar.
O município de Uruguaiana demonstra-se carente na atenção em saúde
Mental, visto que possui apenas o CAPS II para suprir a demanda dos usuários
advindos da rede de Saúde Mental. Esta rede é incipiente, e não possui profissionais
capacitados para o cuidado integral em saúde mental que atendam na atenção
básica. Esta cidade apresenta também indicadores de uso abusivo de álcool e
outras drogas, caracterizando uma epidemia local, e não dispõe de um CAPS AD
33
álcool e outras drogas para estes casos. Este fato ocasiona um super lotamento do
serviço especializado em saúde mental, que acaba por atender diversos usuários
com necessidades diferentes e situações complexas que requerem também uma
atenção e apoio aos familiares.
O cenário em questão foi palco desta pesquisa envolvendo os três serviços
de saúde em uma discussão a cerca do Apoio Matricial e redes de cuidado integral
em saúde mental, onde o foco foi analisar as percepções dos profissionais
envolvidos sobre este tema. Durante os encontros realizados para coleta de dados
da pesquisa foi considerada a realidade do município, os papéis dos profissionais
em uma equipe multidisciplinar, e as experiências trazidas pelos mesmos que
sugerissem a configuração de uma rede de cuidado integral em saúde mental.
3.2 Os Sujeitos da Pesquisa
A pesquisa integrando os três serviços UBS 14/PSF II, UBS 07/ PSF I e
CAPS
II
de
Uruguaiana
tiveram
como
sujeitos
pesquisados
equipes
multidisciplinares de cada serviço. A UBS 14/PSF II e a UBS 07/PSF I contaram com
a participação de uma Enfermeira, um técnico em Enfermagem e dois ACSs de
serviço. O CAPS II esteve presente com a participação de três Psicólogas, três
oficineiras, uma enfermeira, duas técnicas de enfermagem, uma auxiliar de serviços
gerais, um nutricionista, e uma terapeuta ocupacional, contando também com a
participação de outros profissionais que participaram aleatoriamente dos encontros
integrados, totalizando 25 participantes, que foram codificados de forma geral
através de numeração.
O convite para participação da pesquisa ocorreu através da inserção das
pesquisadoras no campo, com o desdobramento do projeto ―Apoio Matricial e Redes
de Cuidado Integral em Saúde Mental‖ vinculado a Universidade Federal do Pampa.
Durante a coleta de dados da pesquisa não foram aplicados critérios de
exclusão, visto que, por se tratar de um estudo que visou a reflexão e transformação
das práticas profissionais, valorizou-se a disponibilidade do profissional em Saúde a
participar do processo, sendo que o pesquisado
que compareceu a um único
34
encontro foi considerado objeto de análise pela proposta da integração do método
qualitativo e análise institucional.
3.3 Encontros
Realizou-se 04 encontros, envolvendo reuniões de equipes, rodas de
conversas, oficinas, construções e discussões de Situações Problemas (SP).
Os horários, locais e amostra das equipes foram combinados com a
Secretaria Municipal de Saúde (ANEXO I), visto que, a mesma alegou dificuldades
de
participação
das
equipes
em
horário
de
atendimento
dos
serviços,
disponibilizando as terças- feiras à tarde para a realização das reuniões integradas
com as equipes de saúde e coleta de dados da pesquisa. Os encontros ocorreram
contemplando as seguintes etapas metodologicas:
I Encontro – apresentou como objetivo (1) o conhecimento da equipe; (2) a
apresentação dos acadêmicos e do projeto de pesquisa; (3) a identificação do
conhecimento dos participantes sobre os temas propostos, e como o associam em
suas práticas profissionais; e (4) finalizando com a aplicação de um questionário que
visou conhecer o perfil individual dos membros da equipe, e suas percepções sobre
o tema (Apêndice I).
II Encontro – iniciou com (1) a retomada dos questionários do I Encontro,
realizando-se uma devolutiva aos participantes; (2) a discussão sobre a história da
loucura, do processo de apoio matricial e da rede de serviços em saúde mental com
a proposta de reflexão teórica - prática; (3) a construção em grupo de situaçõesproblema que envolvam o matriciamento em saúde mental no Município de
Uruguaiana; (5) avaliação das atividades diárias.
III, e IV Encontros - (1) discussão das situações-problema; (2) elaboração de
planos de trabalho.
35
3.4 A Coleta, Análise de Dados e Registro das Informações
Para registrar as atividades desenvolvidas as pesquisadoras utilizaram, com
ciência e autorização dos participantes, através do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCL) (Apêndice IV), câmeras digitais fotográficas, câmera filmadora,
atas de reuniões e registro em diário de campo, como métodos facilitadores da
análise e avaliação dos dados obtidos. Os questionários semi-estruturados aplicados
durante o processo de pesquisa foram redigidos pelos participantes no final dos
encontros.
A análise temática dos dados procedeu a partir da pré- análise, exploração do
material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação que conforme Minayo
(2007), deve abranger a leitura flutuante do material coletado, constituição do corpus
do universo da pesquisa que responda aos objetivos, formulação das hipóteses e
objetivos que permitam abertura de indagações e rumos interpretativos, visando
buscar categorias que organizem e desenvolvam o conteúdo. E por fim, o analise e
interferência do pesquisador trazendo pistas e novas dimensões teóricas e
interpretativas sugeridas pela leitura do material.
Neste contexto, as pesquisadoras realizaram a análise do material coletado e
a partir da exploração dos mesmos, emergiu as seguintes categorias e
subcategorias:
(1) Encontros e Descobertas, com as subcategorias: Saúde Mental e Equipe
Multidisciplinar: Frente a frente; Primeiros Passos: Auto- Percepção dos profissionais
e seu cenário.
(2) O Confronto com o Novo: Conceitos e Realidades, contendo as
subcategorias: Apoio Matricial e Redes de Cuidado Integral em Saúde Mental:
construindo conceitos; Ficção e Realidade: o confronto de encontros.
(3) Subjetividade Humana e os desafios da pesquisa qualitativa, com as
seguintes subcategorias: Dialética e Identitária: O discurso e o gesto; Apoio
Matricial: Barreiras, utopias e desafios.
(4) A proposta: Plano de ação para efetivar o apoio matricial no município de
Uruguaiana. Estas cinco categorias são refletidas e analisadas teoricamente nos
resultados e discussões deste estudo.
36
Ao longo da coleta de dados utilizou-se de três diferentes questionários. A
utilização do questionário I (APÊNDICE I) teve por objetivo conhecer o perfil dos
integrantes da equipe e seu conhecimento prévio sobre o assunto. Por sua vez, o
questionário II (APÊNDICE II) possibilitou aos participantes avaliarem as abordagens
que foram utilizadas, tornando possível a reflexão sobre as metodologias utilizadas.
3.5 Considerações Éticas
Este estudo teve por bases os conceitos éticos da pesquisa envolvendo seres
humanos de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde/Ministério da Saúde, especialmente no que se refere ao Consentimento Livre
e Esclarecido, em que o participante tem total liberdade para participar, recusar-se
ou desistir sem nenhum prejuízo para si e para o pesquisador (BRASIL, 1996).
A ética trata-se da ciência do dever, da obrigatoriedade, a qual rege a conduta
humana. A ética trabalha conceitos como liberdade, valor, consciência e
sociabilidade, também a moral e como é transformada em seus juízos morais
(CAMPOS; GREICK; VALE, 2002).
Para que os entrevistados tivessém seus direitos resguardados, esta
pesquisa foi submetida ao comite de ética em Pesquisa da UNIPAMPA , o qual
aprovou arealização d apesquisa sob o parecer nº 011.2010.
Foram facultadas a participação ou não do estudo, onde se explicitou que
caso, o sujeito que desistisse
da pesquisa
não lhe acarretaria dano algum. A
realização da pesquisa contou com a concordância dos participantes com assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Anexos IV). Neste TCLE
constaram as informações quanto ao conteúdo da pesquisa, seus objetivos, de
forma a proporcionar a compreensão, buscando a participação voluntária.
37
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
A Reforma Psiquiátrica requer a articulação da Saúde Mental com a Atenção
Básica, isso devido à importância de superar o modelo de atenção fundado no
modelo biomédico, hospitalocêntrico e institucionalizado, partindo para um modelo
que favoreça uma assistência integral e territorializada.
Para concretização da mesma, reflete-se que é necessário fazer com que os
CAPS e os hospitais não sejam o único centro de referência para a atenção aos
usuários da Saúde Mental, buscando-se a consolidação de novos serviços com
novas visões sobre o sofrimento psíquico e suas formas de intervenção, a partir de
uma articulação em redes e co-responsabilidade dos profissionais da atenção básica
com o CAPS e o Hospital. Nesta proposta, esses serviços integrados substituem o
modelo manicomial, gerando uma verdadeira transformação do modelo clássico em
Psiquiatria. Com a transformação do modelo manicomial torna-se possível mudar as
tradicionais perspectivas em Saúde Mental, promovendo a saúde junto às
comunidades e mantendo os usuários vínculados as suas famílias e inseridos na
sociedade (AMARANTE, 2007).
Pode-se observar segundo Figueiredo (2006) e Braga (2000) que a
implantação de equipes mínimas de saúde mental na atenção básica, cuja
necessidade seria a prevenção e tratamento conforme o nível de complexidade, não
é suficiente para o rompimento das práticas tradicionais. Na prática ocorre a
hierarquização do cuidado, onde um paciente que entra em crise ou possui
exacerbação dos sintomas psiquiátricos acaba sendo encaminhado para a
internação hospitalar, como de praxe neste tipo de intervenção.
Para trabalhar este tema de grande relevância para construção e reflexão das
práticas de cuidado embasadas nos princípios do SUS, principalmente a
Integralidade, optou-se por uma pesquisa de caráter qualitativo que exigia a
implicação coletiva dos participantes da mesma, fazendo com que os pesquisados
não
fossem
apenas
objeto
de
análise,
e
sim,
fruto
de
transformação,
questionamento, reflexão e descoberta do desconhecido. Desconhecido este, longe
da cientificidade, perfeição, conceitos políticos e padrões de saberes concebidos e
trazidos pelo conhecimento acadêmico. Ou seja, esta pesquisa buscou a
subjetividade e singularidade dos sujeitos o que conforme Minayo (2007) é uma das
38
características da pesquisa social, que torna possível compreender a simultaneidade
das diferentes culturas e diferentes tempos num mesmo espaço, isto é, o global e o
local, convivendo e sendo ao mesmo tempo mutáveis e permanentes.
Para esta autora a pesquisa social estuda o ser humano que é o autor das
instituições, das leis, das visões de mundo, que em ritmos diferentes são todas
provisórias, passageiras, trazendo em si mesma as sementes de transformação
(MINAYO, 2007). Transformação esta, abordada também na metodologia de Lourau
(1993) a qual propõe a noção de implicação coletiva em instituições, ou seja, tenta
não fazer um isolamento entre o ato de pesquisar e o momento em que a pesquisa
acontece na construção do conhecimento. Refere-se a um conjunto de condições no
ato da pesquisa.
Seguindo as metodologias referenciadas por Lourau (1993) e Minayo (2007)
esta pesquisa utilizou dos encontros com a integração das equipes, na busca pela
implicação coletiva de todos os participantes, onde as pesquisadoras participaram
ativamente da construção de conhecimento, isso ocorreu na forma de rodas de
conversa, debates conceituais, estímulo a criação e resolução de situações
problemas e oferta de materiais científicos construídos pelas pesquisadoras.
Dessa forma, as metodologias escolhidas para a realização da pesquisa vêm
de encontro com a proposta de Campos e Domitti (2007) no modo de fazer
matriciamento a partir da criação de espaços coletivos protegidos, buscando
construir uma análise e uma interpretação sintética, bem como pensando linhas de
intervenção e comprometimento entre os sujeitos envolvidos. Neste sentido,
realizamos encontros integrando os trabalhadores dos serviços, criando espaços de
discussões e reflexões sobre questões vivenciadas na realidade dos cotidianos que
configurassem algum traço, linha ou sugestão de Apoio Matricial na prática de
cuidado desempenhada pelos profissionais destes serviços
Na realização da pesquisa, primeiramente foi aplicado um questionário
(APÊNDICE I) que objetivava investigar como cada integrante reconhecia seu papel
em uma equipe multidisciplinar, sua percepção inicial em relação à Saúde Mental, o
conhecimento a cerca do tema de Apoio Matricial e, por fim, como o identificava em
sua prática e realidade local. Após, a equipe de cada serviço construiu um conceito
de apoio matricial e sua implicação para a efetivação na prática cotidiana do serviço.
Para isso, foi disponibilizado o material do capítulo II deste estudo.
39
Dando continuidade a pesquisa, realizamos o primeiro encontro integrado das
equipes, onde foi trabalhado através de slides e explanação a história da saúde
mental e da loucura (FOUCAULT 1972; MACEDO 2006; TABORDA et al 2004;
AMARANTE et al 2008; BRASIL 2005), conceitos e objetivos do apoio matricial e
equipe de referência (OLIVEIRA MARTINHAGO E MORAES 2009; FIGUEIREDO
2006; CAMPOS 2000) organizações da saúde mental na atenção básica (BRASIL
2003; BUCHELE et al 2006; BRASIL 2003) e por fim apresentaram-se os
componentes da rede (FRANCO, 2004;OLIVEIRA, MARTINHAGO, e MORAES
2009; ANDRADE, 2002).
Dessa forma, proporcionou-se o debate entre os membros da equipe a
respeito do tema, e por fim, os mesmos foram estimulados a confeccionar uma
Situação - Problema. (SP) em grupos multiprofissionais e interinstitucionais. As
pesquisadoras utilizaram o tema central das situações problemas, tornando-as
complexas, e capazes de promover debates, estimulando a equipe a encontrar
proposta de solução adequada, para isso os pesquisados deveriam utilizar-se dos
princípios do apoio matricial, do vínculo do CAPS com a atenção básica, dos
conceitos de equipe multiprofissional e equipe de referência, e rede de cuidado
integral em saúde mental. As SP (Apêndice I, e Apêndice II ) propostas provocaram
debates teóricos-práticos, associando os aspectos teóricos da pesquisa às práticas
profissionais.
Os encontros subseqüentes tiveram como foco a resolução e discussão das
situações problemas sobre as linhas do Apoio Matricial, onde os participantes
associavam a ficção das situações problemas com a realidade por eles vivenciada.
Em meio às discussões e dinâmicas, os profissionais foram solicitados a
construir novamente um conceito de apoio matricial com base nas reflexões
realizadas ao longo dos encontros. No penúltimo encontro, foi distribuída a situação
problema dois (SP2) a um representante de cada serviço para que cada equipe se
comprometesse em discutir a SP2 nos serviços durante a semana. Salienta-se que a
discussão deveria envolver os profissionais que não participavam da pesquisa,
promovendo o debate e reflexão de todos os membros da equipe e pautando a
saúde mental nos serviços.
E para finalizar a pesquisa, o último encontro, solicitou-se que os participantes
em grupo construíssem estratégias, ações, planos, e agendas que efetivassem o
apoio matricial entre o CAPS e as UBSs envolvidas na pesquisa.
40
Este último e decisivo encontro, planejado para execução dos planos de
trabalho e propostas de avaliação, provocou a reflexão a respeito da relevância da
pesquisa no campo, pois no encontro anterior uma das atividades propostas foi à
confecção de debates de uma nova situação-problema em cada serviço para ser
trazida para o grande grupo. Portanto, as equipes das UBs não compareceram na
coleta de dados, e a equipe do CAPS II que estava presente não havia realizado a
discussão da SP2 no serviço. Esta ausência e descompromisso aponta a
significativa necessidade do tema permanecer na agenda destes serviços, com risco
de perda da potência das ações aqui desencadeadas.
Neste encontro, observou-se a partir dos relatos e atitudes dos participantes
as grandes dificuldades e problemas enfrentados em relação à organização,
hierarquização, desmotivação e barreiras políticas, culturais e de comunicação que
dificultam a implantação de novas abordagens no processo de cuidado e
implantação da rede de cuidado integral em saúde mental no municipio de
Uruguaiana.
A pesquisa foi concluída nesta etapa, tendo em vista a satisfatória coleta de
dados para a análise da pesquisa e as dificuldades apontadas pelos serviços para a
manutenção dos encontros, estando previsto um momento para a devolutiva desta
aos respectivos serviços.
O último encontro, a ser realizado separadamente em cada instituição, com o
objetivo de avaliar a pesquisa através de um questionário semi-estruturado, não foi
realizado, isso devido ao não comparecimento dos participantes que representavam
a atenção básica no último encontro integrado. Visto que, sem a participação da
atenção básica torna-se inviável a construção de planos e ações para a efetivação
do apoio matricial.
A seguir será descritas e analisadas as categorias emergidas desta pesquisa.
41
4.1 Encontros e descobertas
Nesta categoria será abordada a forma de aproximação das pesquisadoras
com o campo e com os participantes da pesquisa, expondo como ocorreu o encontro
com o desconhecido e as descobertas trazidas nesta interação mutua de diferentes
profissionais.
4.1.1 Saúde Mental e Equipe Multiprofissional: Frente a frente
Para dar início a pesquisa, optou-se por entrar contato em com a visão dos
profissionais a respeito da saúde mental através de desenhos representativos por
eles elaborados. Esta proposta é justificada pela necessidade de analisar e
conhecer como os participantes da pesquisa compreendem o universo da saúde
mental, quais suas representações e significados simbólicos sobre este tema, visto
que, para se trabalhar apoio matricial e redes de cuidado integral em saúde mental
não podem desconsiderar afinidades, distanciamentos e motivações em relação ao
tema da Saúde Mental que podem interferir nos resultados da pesquisa.
A partir desta idéia, no primeiro encontro interinstitucional foi distribuído aos
profissionais de saúde participantes da pesquisa, uma folha, canetas coloridas, e
lápis, onde foi proposta a realização de um desenho que representasse a sua
percepção sobre a Saúde Mental.
Os participantes da pesquisa, após refletirem sobre o tema expressaram sua
criatividade e sentimentos através de diversos desenhos, na seqüência, as
pesquisadoras, selecionaram e analisaram as imagens que despertaram maior
relevância.
42
FIGURA 1 - Desenho construído por profissional da saúde
Em análise a esta imagem desenhada por um profissional de Saúde observase a relação da saúde mental com a instabilidade, onde um lado da figura
representa a tranqüilidade e outra em face de tempestuosidade. Observa-se também
que este desenho não relacionou a saúde mental com a instituição, e sim
demonstrou que o tema advém da contradição e instabilidade da mente humana,
focando as questões que comprometem a saúde mental no individuo.
FIGURA 2 - Desenho construído por profissional da saúde
Em análise a esta imagem pode-se apresentar duas hipóteses de reflexões, a
primeira pode ser uma afirmação de que quando refletimos sobre a saúde mental,
relacionamos com problemas advindos somente da mente humana, nesta visão, o
corpo e o lado social tornam-se pequenos perto da mente. A segunda hipótese pode
43
estar relacionada a uma crítica realizada pelo profissional a esta fragmentação.
Percebe-se também uma forte valorização da mente no desenho, ou seja, a corpo é
moldado em proporções menores em relação à cabeça.
FIGURA 3 - Desenho construído por profissional da Saúde
Lançando olhares para o terceiro desenho presume-se uma relação da saúde
mental com o paradigma da loucura, e institucionalização. Onde a solução para o
―doente mental‖ seria uma instituição de repouso, um local isolado do convívio
social.
FIGURA. 4 - Desenho construído por profissional da saúde
44
Esta imagem, por sua vez relaciona-se com padrões sociais, valores
concebidos pela comunidade, voltando novamente ao paradigma da loucura. Onde a
sociedade impõe o que é ―certo‖ e o que é ―errado‖, como por exemplo, nesta
imagem o sujeito tem uma longa caminhada e escalada até ―aprender‖ ou
―reaprender‖ a vida.
FIGURA 5 - Desenho construído por profissional da saúde
O desenho representado pela figura 5 propõe a saúde mental focalizando na
mente humana, onde o profissional da saúde apresenta em seu desenho uma face
humana, com diversos questionamentos, dúvidas e incertezas, demonstrando,
também, várias faces de humor e emoções de um mesmo indivíduo.
Sob outro olhar este desenho também pode representar as dúvidas e
questionamentos das equipes de saúde frente ao tema da saúde mental, sugerindo
o desejo e a vontade de aprender e questionar.
FIGURA 6 - Desenho construído por profissional da saúde
45
Esta outra imagem provoca nas pesquisadoras a suposição de que para este
participante da pesquisa, sua visão sobre a saúde mental relaciona-se com a
igualdade, respeito as diferenças, a inclusão social, e a comunicação. Evidenciado
pela representação dos sujeitos em uma roda, sem hierarquização e a diversificação
dos traços de cada pessoa representada no desenho, onde uns são maiores e
outros menores.
FIGURA 7 - Desenho construído por profissional da saúde
Em relação a esta reprodução gráfica da saúde mental, observa-se que o
participante da pesquisa desenha uma cabeça sem o corpo sob a sombra de uma
árvore. Esta representação pode ser indicativa da relação da saúde mental
exclusivamente ligada a mente humana, onde neste desenho a árvore sugere a
hipótese de proteção da mente. Esta imagem também permite transceder a uma
visão complexa na qual o indivíduo, com suas particularidades, como o sofrimento
psíquico, interage com a natureza, demonstrando a interferência desta nos
processos de saúde e adoecimento psíquico.
46
FIGURA 8 - Desenho construído por um profissional da saúde
Esta grafia, por sua vez, nos remete novamente ao estigma dos padrões de
normalidade impostos pela sociedade. Esta hipótese fundamenta-se na leitura
escrita abaixo do desenho onde o profissional afirma que a saúde mental é
representada por:
“Uma pessoa sem chão, sem orientação, totalmente perdida no meio da
sociedade, olhando para todos os lados, naquele mundo que ele vê
diferente da mente dele.”E2
Esta subcategoria, denominada ―Saúde Mental e Equipe Multiprofissional: Frente
a frente‖ foi escolhida para iniciar a pesquisa e tornar possível um contato inicial com
a visão e as realidades dos serviços pesquisados a respeito de suas percepções
sobre o tema da saúde mental, visto que, seria irrelevante abordar Apoio Matricial e
Redes de Cuidado em Saúde Mental sem considerar as afinidades e ou
distanciamentos da equipe em relação a área.
Neste sentido, as pesquisadoras propuseram esta forma de interação inicial
com os participantes do estudo partindo da hipótese que o trabalho em redes e o
matriciamento é construído com a participação da atenção básica e do serviço
especializado. Desta forma, para sua concretização é necessário o vínculo entre
profissionais da equipe especializada e profissionais da atenção básica, e destes
profissionais com o usuário, ou seja, para a criação deste processo de vínculo deve-
47
se considerar a visão que este profissional tem sobre Saúde Mental, bem como,
seus conceitos e pré-conceitos que irão influenciar na atenção a este usuário.
Para justificar esta hipótese utiliza-se da reflexão de Campos (2007) que
refere que o Apoio Matricial tem como uma de suas propostas a criação de vínculo
entre equipe multidisciplinar e o usuário da Saúde Mental. Para Pinheiro e Mattos
(2003) este vínculo tem por objetivo reformar o tratamento psiquiátrico caminhando
em direção a Integralidade, para estes autores a atenção integral e uma forma de
transbordar a doença e penetrar nas dimensões da vida do sujeito.
Neste contexto, a criação do vínculo possui uma importante maneira de
reconhecer o usuário da Saúde Mental como um indivíduo pertencente de um
contexto
sócio-cultural,
possuindo
suas
singularidades,
particularidades
e
complexidades que devem ser levadas em conta na atenção à saúde. Para isso, é
necessário o rompimento de paradigmas sobre a loucura que segundo Amarante
(2007) constitui a base para a criação do modelo de terapia tradicional ou pineniano,
onde a pessoa com sofrimento mental é considerada uma ―alienada‖. Esta alienação
provoca nestes indivíduos a incapacidade de compreender a realidade e viver em
sociedade. O mesmo autor refere que este conceito da razão possui raízes no
Iluminismo, onde um homem que não tem razão se aproxima do grotesco,
necessitando ser excluído, tratado, vigiado e controlado.
Partindo destas questões e paradigmas que permearam e ainda permeiam a
loucura, é importante refletir que na sociedade atual, apesar da irracionalidade do
tratamento pineniano ser denunciada na década de 70, ainda o mesmo existe nas
práticas de saúde, onde o tratamento é centrado na internação hospitalar. Este
modelo funciona há mais de 200 anos e é o predominante na maioria dos países
(AMARANTE, 2007).
Assim, é impossível desconsiderar os paradigmas históricos e culturais que
são levantados quando o assunto é Saúde Mental. Trazendo esta reflexão para
realidade desta pesquisa, percebe-se ainda a ligação da Saúde Mental com a
institucionalização, com a desrazão da mente humana, a incapacidade e doença.
Neste sentido Foucaut (1992) ressalta que na renascença, a Nau dos Loucos
ocupava um espaço fundamental. Ele transportava tipos sociais que embarcavam
em uma grande viagem simbólica em busca de fortuna e de revelação. Estes barcos
transportavam os loucos, que eram expulsos das cidades para territórios distantes.
Para este autor esta circulação era simplesmente de utilidade social, visando a
48
segurança dos cidadãos, onde o desejo de embarcar os loucos em um navio
simbolizava a inquietação em relação a loucura na Idade Média.
Estas questões de exclusão explicitadas na obra de Foucaut (1992) possuem
visibilidade
em
muitos
tratamentos
clínicos
baseados
na
Internação
e
Institucionalização de sujeitos, visto que, não promovem inserção destes indivíduos
na sociedade, voltando olhares somente para incapacidades e diagnósticos, e não,
para a contextualização, histórias de vida, e como se desencadeou este problema.
Desta forma, Amarante (2007) contribui dizendo que a equipe em saúde deve
ser móvel para se adequar um pouco a cada situação e organizar-se em torno do
paciente. Deve-se também atingir ações intersetoriais que busquem a inclusão
destes sujeitos nos espaços sociais, a idéia não é segregar, e sim, integrar.
Por fim, esta sub-categoria, ―Saúde Mental e Equipe Multiprofissional: Frente
a frente‖, buscou trazer reflexões a cerca das concepções de Saúde Mental na visão
dos profissionais estudados, bem como, relacionar estas idéias e percepções com a
história da Saúde Mental, e os paradigmas que envolvem a percepção da loucura na
história cultural das comunidades, e que ainda influenciam e refletem na sociedade
contemporânea.
4.1.2 Primeiros Passos: auto percepção dos profissionais e seu cenário
Nesta categoria inseriu-se a avaliação inicial do tema pelos participantes da
pesquisa, bem como sua inserção na equipe multidisciplinar e sua visão e
percepção inicial sobre matriciamento e realidades e vivências no município.
Para chegar a este contato inicial com a equipe multidisciplinar e o cenário
palco da realização da pesquisa utilizou-se um questionário semi- estruturado inicial
(Apêndice I) e por seguinte, uma dinâmica realizada em cada instituição. Nesta
dinâmica, primeiramente as pesquisadoras disponibilizaram materiais de apoio sobre
o tema, após a leitura cada equipe construiu dois painéis, onde o primeiro tinha
como proposta de construção o ―Conceito de apoio Matricial‖, e o segundo a
pergunta sobre ―Qual o seu papel na equipe em relação a este tema‖.
Analisando e refletindo sobre os resultados apresentados pelo questionário I
aplicado na atenção básica, relacionando-o com a Política de Atenção Básica do
49
Sistema Único de Saúde, e levando em consideração as funções e atribuições de
cada membro da equipe multidisciplinar, chegou-se aos seguintes resultados quanto
ao papel do profissional na equipe de saúde.
“Minha função é promover a integração da comunidade com a unidade em
saúde.” (E2)
―Minha função é fazer com que cheguem no posto todos aqueles que
visitamos.‖ (E3)
“Meu papel é a realização de visitas domiciliares, estar bem informado
sobre questões da saúde e do SUS.”( E6)
“Meu papel na equipe é a realização de visitas domiciliárias.” (E7)
Conforme a Política de Atenção Básica, Brasil (2007), o profissional Agente
Comunitário de Saúde (ACS) tem como principais funções desenvolver ações que
busquem a integração da equipe e a população adstrita à UBS, desenvolvendo
ações educativas, orientações quanto aos serviços disponíveis, atividades de
promoção da saúde, prevenção de agravos de doenças, isso por meio de visitas
domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas. Observa-se que nas falas
dos sujeitos da pesquisa estas funções são nitidamente identificadas.
O profissional de enfermagem tem como papel realizar o planejamento,
gerenciamento e avaliação de atividades desenvolvidas pelo ACS, consultas de
enfermagem, assistência integral nos serviços, nos domicílios e demais espaços
comunitários, educação permanente e gerenciamento da unidade (BRASIL, 2007).
Estas funções também foram relatadas pelas profissionais de enfermagem
envolvidas na pesquisa, como pode-se observar nas seguintes falas:
―Meu papel na equipe é a coordenação da Estratégia da Saúde da Família
(ESF), atendimento individual, atividades de Educação em saúde e
capacitação profissional.”(E1)
“Meu papel é supervisionar a Enfermagem, gerenciar, realizar consultas de
Enfermagem e planejar ações com as equipes.” (E5)
A mesma política afirma que o técnico de Enfermagem tem a função de
realizar procedimentos conforme regulamento no exercício de sua profissão, ações
de educação em saúde conforme o planejamento da equipe, entre outros.
“Minha função é fazer curativos, aplicações, entrega de medicações,
atendimentos ao dentista da UBS, vacinas.” (E4)
50
“Meu papel na equipe é o atendimento ambulatorial, realização de técnicas,
atendimento ao médico, auxiliando em consultas e procedimentos.” (E8)
Neste contexto, percebeu-se que a identificação de suas funções na equipe
apresenta-se clara na maioria dos participantes, que reconhecem sua importância
no serviço quando questionados pelo instrumento de análise.
Em relação às potencialidades e fragilidades do serviço de saúde mental, um
dos entrevistados não respondeu a pergunta, e os demais participantes revelaram
as seguintes falas:
“Sobre as potencialidades e fragilidades da Saúde Mental no município
destaco como potencialidades a equipe comprometida, profissionais
preparados, uma estrutura organizada e como fragilidades no atendimento
em Saúde Mental destaca a demanda centralizada e a falta do CAPS alcóol
e drogas”. E1
“As potencialidades destaco o CAPS que tem grande importância para
comunidade e deveria existir um ou dois funcionário do CAPS nas unidades
básicas”. E2
“Como fragilidades da Saúde Mental vejo a falta de profissionais no contato
com o paciente”. E3
“Em relação às potencialidades destaco o CAPS, pois o mesmo possui
profissionais capacitados e espaço físico adequado, as fragilidades é que
deveria ter mais profissionais e é um serviço centralizado.”E7
“Como fragilidades da Saúde mental, destaco a falta de capacitação de
profissionais da atenção básica.” E8
Observa-se que as falas trazem a necessidade de atualização técnica e
cientifica das equipes de saúde da atenção básica para trabalharem com questões
referentes
à
Saúde
Mental,
destacando-se
também
a
necessidade
de
descentralização do serviço especializado.
Outro participante faz a seguinte contribuição:
“Sobre as potencialidades e fragilidades da Saúde Mental no município
destaco como potencialidades a equipe comprometida, profissionais
preparados, uma estrutura organizada e como fragilidades no atendimento
em Saúde Mental destaca a demanda centralizada e a falta do CAPS alcóol
e drogas”. E1
51
Esta última fala, por sua vez, destaca o importante papel da Unipampa como
apoiadora neste processo incipiente no municipio.
Quanto às percepções sobre o Apoio Matricial, os profissionais de uma das
equipes da atenção básica revelam as seguintes falas:
“É um programa piloto que iniciou suas atividades em junho de 2010, muito
bem vindas pela necessidade que passamos na UBS, pela dificuldade de
atendimentos em alguns pacientes, principalmente o atendimento clínico,
com o matriciamento houve uma aproximação da ESF com o CAPS. Por ser
pioneiro, enfrentamos algumas dificuldades com a adesão dos funcionários
ao trabalho da equipe de apoio”. E1
Esta fala revelada por este profissional relaciona o Apoio Matricial ao
momento em que o CAPS inicia estas atividades diretamente na UBS. Desconsidera
as ações de Apoio Matricial realizadas nos semestres de 2009/2 e 2010/1,quando a
Unipampa, na disciplina de Saúde Mental II aproximou o CAPS e a UBS em ações
conjuntas de Apoio Matricial em seus territórios.
Outro profissional da saúde faz a seguinte referência em relação ao Apoio
Matricial:
“Considero bom o matriciamento em Uruguaiana, pois a psicóloga costuma
ir ao posto e fazer chás com os usuários”. E3
Esta fala refere-se ao momento de aproximação das equipes do serviço
especializado com a atenção básica, onde a equipe tinha o entendimento de que o
Apoio Matricial iniciava-se com a aproximação dos usuários.
Ao analisar as potencialidades fragilidades da saúde mental conforme as
percepções dos profissionais pode-se observar que esta equipe, reporta ao CAPS a
responsabilização pelos usuários da Saúde Mental, revelando na maioria dos relatos
que realizam encaminhamentos para o serviço especializado quando em contato
com um caso de Saúde Mental. A equipe destaca a dificuldade que os profissionais
da atenção básica possuem no manejo com o usuário da Saúde Mental e suas
inseguranças na abordagem a estes sujeitos. O que sugerem a necessidade de
atualização técnica e emocional para a construção de um caminho seguro para a
criação das redes em Saúde Mental.
Quanto às percepções sobre o tema Apoio Matricial, um dos participantes da
pesquisa destaca a seguintes fala:
52
“Em relação ao tema da pesquisa, não existe na realidade local atividades
de matriciamento, começam a se pensar sua implantação e
assessoramento. Se faz necessário apoio em todos os sentidos, pois há
dificuldades da compreensão da rede pelos gestores.”(E5)
Esta afirmativa aponta para um arranjo incipiente do Apoio Matricial em
Uruguaiana, anteriormente identificado pelas pesquisadoras, o qual provocou a
realização desta pesquisa.
Na seqüência outros profissionais da atenção básica relatam suas
percepções em relação ao tema abordado:
“Em relação a percepção do tema destaco a dedicação das pesquisadoras
e refere ser uma idéia nova no SUS.(E6)”
“Este tema tem um grande caminho para percorrer no município, falta
integrar mais as equipes, onde a UBS não esta preparada para atender
pessoas com sofrimento psíquico.” (E7)
“Minha percepção em relação ao tema proposto e a realidade do município
é que a atenção básica deve estar preparada para atender pacientes de
saúde mental, descentralizando o CAPS.” (E8)
“O apoio matricial não existe no município, é relevante para o atendimento a
pacientes com necessidades especiais.” (E9)
Analisando essas falas e levando em consideração as observações e
registros em diário de campo, observa-se um distanciamento perceptível deste
processo em suas práticas de cuidado na realidade dos serviços de saúde
envolvidos. Outro fato que pode ser observado é a concentração de conhecimento
em alguns membros da equipe, o que dificultou a comunicação e troca de
informações entre eles, onde alguns de seus membros tinham dificuldades de exporse, sugerindo a necessidade de promoção de novos encontros.
Ao aplicar o questionário I (Apêndice I), na instituição especializada em saúde
mental, observa-se que as oficineiras definem seu papel na equipe de saúde da
seguinte forma:
“Meu cargo é destinado á preservar e orientar o uso de materiais de oficina,
dirigir oficinas com conhecimento em artes manuais, disciplinares e éticas.”
(E9)
“O meu papel na equipe é ensinar trabalhos manuais com funções
terapêuticas, como sou oficineira convivo com eles direto, sou uma amiga
que escuta e conversa quando estamos trabalhando na oficina ou quando
fizemos feiras e ficamos em uma roda de conversa.”(E10)
53
“O meu papel na equipe de saúde é prestar um atendimento direto com o
usuário em oficinas terapêuticas, realizando atendimento de grupos
especiais vencendo limites.” (E11)
As psicólogas do serviço definem seu papel:
“Responsável por realizar psicoterapia individual e grupal, matriciamento
posto 14, avaliação, diagnósticos, encaminhamentos para oficineiras, e
demais serviços, atendimento aos grupos de álcool e usuários de drogas.
Avaliação em caso de baixa hospitalar”(E12)
“Entendo a psicologia no CAPS de um modo amplo, ampliado. Já fiz de
tudo, coordenei oficinas, fiz buscas, internações. Atualmente atendo
individualmente, em grupos, coordeno grupos de familiares AD, faço
atendimento domiciliar, bem como visitas. Sou responsável por alguns
pacientes que não tem mais famílias e foram deixados de lado por elas,
tenho a curatela de 03 usuários, realizando um cuidado extra CAPS.
Também estou realizando o apoio matricial no posto 07. Gosto mais do
trabalho coletivo, fora da minha sala, me identifico com esta forma de fazer
saúde mental”(E13)
A equipe de enfermagem define sua inserção no serviço especializado em
saúde mental da seguinte forma:
“O meu papel na equipe é ser responsável técnica pela equipe de
enfermagem; coordenar as funções de cada um da equipe, supervisionar e
administrar medicações.”E14
“O meu papel na equipe é cuidar da assistência para um melhor
atendimento em outros setores aos usuários.”E15
“Meu papel na equipe é o atendimento aos pacientes administrando
medicações tanto via oral como injetável fazendo buscas e internações,
higienização dos pacientes, encaminhando os pacientes para consultas
médicas tanto para o clinico como para o psiquiatra, agendar consultas para
as psicólogas, auxiliar os pacientes na higienização.” E16
Ao pesquisar as percepções dos participantes do serviço especializado em
saúde mental a cerca do apoio matricial em redes de cuidado integral, observou-se o
interesse pelo tema, conhecimento mais acentuado sobre o tema em comparação
54
com a atenção básica, entretanto revela a dificuldade de implementar ações
voltadas ao apoio matricial, reportando a falta de capacitação profissional.
“O matriciamento seria uma atividade de apoio de uma equipe especializada
à equipe de atenção básica de saúde em ações de saúde menta.l”(E9)
“Andamos ainda em passos lentos, é algo novo no município, considero
Importantíssimo esse trabalho, já que responsabiliza a rede no cuidar em
saúde mental.”(E14)
“Percebo que estamos conseguindo aos poucos interferir nos profissionais
da saúde de saúde mental neste contexto da atenção básica, mesmo que
este processo seja lento e que alguns profissionais ainda não aceitam.‖
(E17)
“O matriciamento em redes é muito bom, porém tem que ter capacitação
para o trabalhador.”(E16)
Em relação às potencialidades e fragilidades do atendimento em saúde
mental, na visão dos profissionais dos serviços especializados, emergiram as
seguintes falas:
―Como potencialidades da Atenção em saúde mental ela destaca o CAPS, e
como fragilidades a falta de conhecimento e força do poder público
município.‖ (E14)
“As potencialidades estão nas equipes especializadas e organizadas,
embora existam muitas necessidades, como um CAPS AD, e um CAPS
infantil, uma unidade de psiquiátrica na santa casa de Uruguaiana para
atender melhor os usuários do município.” (E12)
“Como fragilidade do atendimento em saúde mental destaca pouca
aceitação do trabalho em rede com o hospital, encontramos grande
dificuldade, e como potencialidades o grande potencial da equipe
multidisciplinar do CAPS.” (E17)
Estas falas reveladas pelos profissionais da equipe especializada denotam o
reconhecimento pelo trabalho realizado por eles, entretanto revelam também as
dificuldades enfrentadas em relação ao contexto social, cultural e político.
55
4.2.O confronto com o novo: conceitos e realidades
Esta categoria possui um caráter exploratório das percepções dos sujeitos
pesquisados a respeito do tema, buscando desmistificar realidades do cenário de
estudo e estimular a construção de novos conceitos e saberes baseados nestas
percepções e vivências sobre o Apoio Matricial e Redes de Cuidado Integral no
município.
4.2.1 Apoio matricial e redes de cuidado integral em saúde mental:
construindo conceitos
Esta categoria trata-se de um estudo realizado a partir dos conceitos de apoio
matricial sugeridos pelos participantes. Para fazer com que os pesquisados
expusessem os conceitos de apoio matricial utilizou-se duas metodologias. A
primeira metodologia realizada em cada instituição no I encontro, e a segunda no III
encontro integrado entre as equipes da atenção básica e do CAPS, após reflexões e
debates a cerca dos conceitos.
Para a realização em cada instituição, disponibilizou-se aos participantes
cartazes e canetas coloridas, as pesquisadoras solicitaram que os participantes
construíssem dois painéis com os seguintes questionamentos ―Conceitue Apoio
Matricial‖ e ―qual o seu papel na equipe em relação ao tema‖. Salienta-se que neste
momento foi disponibilizado um referencial teórico contendo conceitos de apoio
matricial, ou seja, os sujeitos da pesquisa puderam realizar um consulta bibliográfica
durante a realização desta atividade.
56
Foto 1 - Profissional da saúde realizando leitura do
material
Foto 2 - Profissional da saúde construindo painel
conceitual no primeiro encontro
Assim, em resposta a esta dinâmica o painel conceitual confeccionado pelos
profissionais conforme revelou os seguintes conceitos:
“(1) O apoio matricial é uma mudança do modelo medicalizante e
concretização da reforma psiquiátrica; (2) trata-se de um trabalho
complementar; (3) Um trabalho com orientação; e, por fim, que (4) o apoio
matricial se trata de uma rede de cooresponsabilização.” (S1)
“(1) O apoio é a integração da equipe da UBS e CAPS; (2) ampliação do
atendimento ao usuário do CAPS pela equipe da UBS e CAPS; (3) criação
de vínculo usuário profissional; (4) mais conhecimento e capacitação para
atender pacientes do CAPS.” (S2)
“(1) ampliação da clínica da equipe interdisciplinar; (2) responsabilização da
atenção básica em saúde mental; (3) adoção de uma lógica para os
profissionais; (4) nova visão da loucura e suas formas de intervenção.”(S3)
57
Em resposta para painel que questiona os papéis das equipes de saúde
obtivemos como resultado:
“(1) apoio, vínculo, mediadora com apoio, apoio; (2) aprender e repassar;
(3) ter uma equipe de referência.” (S1)
“(1) assistir ao usuário planejando ações e complementar com a equipe; (2)
dar continuidade ao atendimento iniciado pela equipe do CAPS na UBS; (3)
orientar os usuários e famílias.” (S2)
“(1) proporcionar o vínculo entre usuários e profissionais; (2) colocar o saber
prévio e o saber técnico; (3) passar segurança no manejo; (4) compartilhar
responsabilidades; (5) propiciar discussão de casos de atendimento e
formação continuada; (6) elaborar projetos terapêuticos.” (S3)
Para analisar estes dados utizou-se da observação participante e o diário de
campo, onde podemos perceber que após a leitura do material didático
disponibilizado aos pesquisados, os mesmos apresentaram maior facilidade em
expor o tema. Esta observação entra em contrastante com o questionário I onde
muitos relatam desconhecer o tema ou respondem de forma breve.
Ao questionarmos sobre a percepção dos pesquisados em relação ao apoio
matricial e o papel de cada um neste contexto, um dos profissionais afirmam que:
“O serviço deve ser mais humanizado (...) todos os pacientes que
identificamos com algum problema na saúde mental mandamos para o
CAPS” (E6)
Esta fala revela uma contradição da prática com a lógica de Apoio Matricial,
que procura reduzir encaminhamentos ao serviço especializado.
Outro profissional afirma:
“No meu ponto de vista ainda não podemos ter uma resposta, pois está
iniciando e os resultados foram poucos.” (E17)
“Estamos apenas engatinhando sobre o assunto poucos lugares conhecem
o nome e o porquê do matriciamento” (E11)
Neste momento não se pode deixar de ressaltar e considerar que este tema é
inovador nas políticas de saúde do SUS, e pouco conhecido em vários municípios.
Além disso, como em muitos relatos no decorrer de nossa pesquisa, denotam a
58
dificuldade estrutural destes serviços envolvidos, como: estrutura física inadequada,
profissionais insuficientes para atender a demanda excessiva, desconhecimento de
seus direitos por parte dos usuários, hábitos culturais dos usuários que demonstram
o não rompimento de paradigmas vinculados a reforma psiquiátrica e falta de CAPS
AD. Essas questões levantadas tornam-se barreiras que dificultam o acesso a
informação e diálogo entre os profissionais, visto que, a estrutura dos serviços
analisados não permite um ambiente de reflexão, uma qualidade do atendimento e
motivação para os profissionais inovarem suas práticas de cuidado.
Essas barreiras por nós identificadas também são referenciadas por Campos
(2007) que a define como uma fragilidade que dissolve a responsabilidade sob os
casos acompanhados, bem como torna quase impossível a integração comunicativa
das abordagens diagnósticas e terapêuticas, este obstáculo leva a perda de eficácia
e aumento da iatrogênia verificada em serviços de saúde. Este fato pode ser
identificado nos seguintes relatos:
“É necessário apoio em todos os sentidos, pois há dificuldades da
compreensão da rede pelos gestores (...) as equipes não tem preparo para
o atendimento em Saúde Mental e há falha na rede de todos os setores do
município.” (E5)
“Muitas vezes nos tornamos frágeis perante determinadas situações, das
quais não podemos resolver. O sistema de atenção em saúde mental no
nosso município ainda é muito isolado. Não dá pra integrar entre partes,
acredito que deveria haver outra visão dos gestores, um olhar mais
carinhoso, um olhar mais comprometido.” (E16)
Refletindo sobre o autor e os relatos dos profissionais, nota-se o desafio de
tornar possível a efetivação desta política no município, desafio este que requer o
envolvimento de várias esferas de gestão e não só os profissionais responsáveis
pelo cuidado direto com o paciente. Lembrando também que o usuário deve ter uma
atenção especial ao falar de redes de cuidado integral, já que o mesmo possui um
processo histórico de abandono e discriminação social, precisando também ser
preparado para este tipo de atenção em saúde. Os usuários vinculados aos serviços
especializados, resistem á atenção integral constituída através de uma linha de
cuidado em Saúde Mental no município, este, portanto, aponta novo desafio ao
Apoio Matricial.
59
Dando continuidade a pesquisa e buscando identificar uma evolução dos
pesquisados em relação ao tema, no 3º encontro integrado entre as equipes da UBS
e CAPS solicitou-se novamente a criação de um conceito de apoio matricial. Porém
desta vez os grupos foram compostos por profissionais interdisciplinares e
interinstitucionais.
Foto 3 - Equipes Integradas debatendo sobre o conceito de Apoio Matricial
Os grupos conceituaram o apoio matricial como:
“Uma rede de assistência e apoio entre os profissionais da rede e usuários
da comunidade, com o objetivo de dar um acompanhamento intensivo e
mais segurança aos profissionais da rede pública.” (G1)
“Uma união de todos da rede, envolvendo familiar, bairro, colégios,
assistência social, hospital, postos de saúde, promotoria, conselho tutelar, e
o CAPS, todos em prol da comunidade. (G2)
“Rede de atenção integrada, que envolve a família, os usuários, e os
serviços em saúde mental, com a finalidade de apoio e cooperação,
buscando na totalidade a qualidade de vida dos envolvidos.” (G3)
A análise dos conceitos criados pelos participantes da pesquisa envolvendo a
troca entre os serviços ocorreu através da comparação com o conceito criado por
Campos (2007) o qual afirma que o apoio matricial é uma forma garantir retaguarda
especializada a equipes e profissionais encarregados pela atenção. Essa
metodologia abrange mecanismos de referência e contra-referência, protocolos e
centros de regulação. O mesmo oferece retaguarda assistencial e suporte técnicopedagógico às equipes de referência. E seu sucesso depende da construção
compartilhada de diretrizes clínicas e sanitárias entre os componentes de uma
60
equipe de referência e os especialistas que oferecem apoio matricial, formando um
mecanismo de co-responsabilização (CAMPOS, 2007).
Ao comparar as construções teóricas das equipes com a citação do autor,
observa-se que todos os conceitos por eles construídos referenciam a rede de
cuidado integral e sua importância para a efetivação da atenção integral em saúde
mental, porém não relatam como pode ser construída esta rede através do apoio
matricial, ou seja, não referem à função do apoiador matricial e da equipe de
referência neste contexto.
A construção da rede, a definição dos papéis do apoiador matricial e da
equipe de referência é a base para a efetivação do matriciamento em redes.
Campos (2007) corrobora afirmando que a associação do apoio matricial e da
equipe de referência permite ampliar as possibilidades de realizar clínica ampliada e
promover a integração dialógica entre distintas especialidades e profissões, juntos
buscam a ampliação do trabalho clínico, garantindo maior eficácia e eficiência ao
trabalho em saúde, investindo na autonomia dos usuários.
A ampliação da concepção de Apoio Matricial dos participantes da pesquisa
está contida nos objetivos desta investigação, e foi possível ser efetivada a partir
destes resultados que avaliam processualmente as respostas dos mesmos.
4.2.2.Ficção e realidade: o confronto de encontros
A reforma e ampliação da clínica e das práticas de atenção integral à saúde
dependem da instituição e dos relacionamentos entre os sujeitos as compõem
(CAMPOS, 1999). Sugere-se para esta ampliação da clínica um processo que
estimule o vínculo entre equipes de saúde e os usuários, porém se faz importante
refletir sobre os processos humanos é contraditório do cotidiano, que servem para
estudar a noção de implicação e instituição importantes para este tema, essas são
trabalhadas na metodologia de Lourau (1993) para o autor o ser humano é
geralmente gerido pela heterogestão, ou seja, permite a autogestão a outras
61
pessoas, o que para Marx seria a ―alienação‖, para esses a análise das implicações
em cada pessoa se torna doloroso, bem como, a análise dos lugares que ocupamos
no mundo.
Neste contexto, inclui-se a linha que parte esta pesquisa, baseada no contato
com os diferentes ângulos e contradições que englobam uma instituição, para que
assim seja possível compreender a visão que os profissionais têm sobre o tema do
Apoio Matricial em sua realidade local e institucional, isso inclui dificuldades e
potencialidades encontradas durante a implicação
coletiva,
pesquisador e
pesquisado, pesquisado e pesquisado, e pesquisado e coletivo. Nesta implicação
coletiva é importante a busca pelo ―instituínte‖ denominado por Lourau (1993) o ato
de transformação e autogestão de um sujeito pertencente a uma instituição.
Desta forma, ressalta-se a complexidade da tarefa diante aos diversos
mundos e olhares apresentados pelos participantes durante o momento de
implicação coletiva na coleta de dados, onde se procurou estimular a crítica e o
poder de transformação de cada sujeito.
Diante disto, a proposta principal dos encontros foi a criação, a identificação,
a reflexão, o trabalho coletivo e a troca de conhecimentos entre os pesquisados,
atitudes necessárias quando o assunto é apoio matricial e Redes de Cuidado
Integral em Saúde Mental. Esta proposta vem ao encontro das reflexões de
Figueiredo (2005) quando afirma que o apoio matricial é interdisciplinar e depende
de trocas de saberes entre equipes especializadas em saúde mental aos demais
profissionais da Saúde. Ampliar a clínica se faz ao coletivo, diante de invenções e
experimentações que lidam com o auxílio para equipe aumentar a escuta, o vínculo,
e compreender as subjetividades dos usuários.
Para
alcançar as propostas
expostas anteriormente,
promoveram-se
encontros interdisciplinares e interinstitucionais, onde equipes da atenção básica
tinham contato com a realidade do CAPS e vice-versa, e desta forma, pudessem
expor suas dúvidas, vivências e anseios em relação aos temas. Uma das
abordagens escolhidas nos encontros de maior ênfase foi a proposta de situaçõesproblemas criadas por pequenos grupos, de acordo com suas realidades, após as
pesquisadoras tornaram-nas mais complexas, e enfim, foram devolvidas para serem
solucionadas pelos grupos e discutidas em grande grupo.
Conforme Pereira e Nunes (2008) as situações problemas possuem o papel
de disparar processos de reflexão e de teorização no grupo. Favorecendo a relação
62
com a realidade dos participantes e possibilitando a exploração do tema. Os
mesmos autores retratam que esta metodologia permite explicitar os saberes prévios
de uma equipe, identificar necessidades de aprendizagem e construir novos
significados e saberes que possibilitem novas competências.
Então, a primeira situação problema 1 (Apêndice III) foi criada por grupos
interdisciplinares e interinstitucionais, a maioria dos grupos elencou trabalhar o
problema do uso de álcool e outras drogas, focalizando principalmente nos sinais e
sintomas característico do modelo biomédico.
Após foram escolhidas algumas situações problemas, tendo em vista que a
equipe ao criar a situação-problema focalizou apenas no tema central, uso de álcool
e outras drogas e no tratamento, as pesquisadoras consideram pedagógico
reformular e inserir um contexto familiar e comunitário.
No encontro seguinte redistribuiu-se as situações problemas para quatro
grupos distintos, para que
a partir de perguntas norteadoras descrevessem
propostas para solucionar o problema. Por fim, discutia-se em grande grupo as
possibilidades de solução para o caso em questão. Salienta-se que quando o grupo
realizou a primeira exposição dos resultados em plenária, as pesquisadoras não
realizaram nenhum tipo de intervenção, justifica-se a escolha desta abordagem para
não interferir nas respostas encontradas pelos grupos, evitando trocas de opiniões
durante as discussões realizadas pelos profissionais.
Em análise as respostas obtidas através das situações-problemas, percebese diante do material coletado que a equipe multidisciplinar em totalidade conhece a
existência e o papel da rede, reconhecem a UBS como porta de entrada para a
atenção em saúde mental, fazendo inclusive citações de componentes intersetoriais
advindos do território da UBS que fazem parte da comunidade, importantes para a
atenção em saúde.
Nesta mesma situação-problema, outra questão relevante é em relação aos
encaminhamentos, em que a paciente chegou ao serviço especializado sem uma
referência da UBS. Os membros da equipe especializada referem ser comum em
sua realidade, e em resposta a mesma questão da situação-problema, um grupo
refere que este encaminhamento pelos familiares é adequado visto que o indivíduo
já era usuário do CAPS. Em todas estas interferências anula-se o papel da atenção
básica no cuidado ao usuário da saúde mental.
63
“O encaminhamento foi feito pelos familiares, pois ela já era usuária do
CAPS. E nenhum serviço se envolveu neste processo.” (E2)
Outro participante retribuíu afirmando que:
“Isso é comum acontecer aqui, muitas vezes vem familiares pedindo ajuda,
no nosso caso, às vezes, vem encaminhados do ambulatório de saúde
mental, às vezes vem da escola. Mas a maioria vem pelo familiar, até
mesmo algum conhecido ou gente estranha que observou algo diferente e
vem nos procurar, um morador da rua ou vizinho da comunidade.” (E8)
Esta fala aponta para a realização de diagnósticos e identificações de sinais e
sintomas pela rede de apoio, no lugar da UBS, que deveria ser a porta de entrada.
Outra questão que emergiu das análises dos dados coletados, foi à forte
referência da equipe aos planos terapêuticos, voltados para a instituição CAPS,
responsabilizando este pela condução da atenção em saúde a este paciente. Todos
os grupos destacaram termos como planos de cuidado semi-intensivo e intensivo,
avaliação psiquiátrica e psicológica e oficinas terapêuticas. Podemos observar nesta
fala onde se questiona os grupos sobre os mecanismos de superação que poderiam
ser utilizados para solucionar o caso, onde um grupo enfatiza que:
“Ah, sobre os mecanismos de superação nós discutimos muito, por que nos
perguntávamos que mecanismos seriam esses, se seriam os mecanismos
internos da pessoa, ou os mecanismos que os serviços podem oferecer.
Bem, por que se for os que os serviços podem oferecer seria a medicação,
o tratamento medicamentoso, a oficina, entendeu? Mas a parte social
também conta. Vocês entenderam assim?” (E13)
Nesta fala observa-se a ausência da concepção de rede, não é acessado
mecanismos que envolvam os serviços e possibilitem constituir Rede Integral em
Saúde Mental.
A situação problema tinha como propósito a análise do caso para se chegar a
um entendimento de como a UBS e o CAPS proporcionariam uma atenção
terapêutica integral ao usuário a partir de um plano terapêutico individual e integrado
que proporcionassem o vínculo com o sujeito respeitando a individualidade e a
singularidade do sujeito.
O plano terapêutico em saúde mental visa qualificar as alternativas na
abordagem
do
trinômio
saúde-doença-reabilitação,
envolvendo
ações
que
64
possibilitem a ampliação da autonomia do usuário da saúde mental, como também a
qualificação dos profissionais envolvidos no cuidado através das discussões de
casos (BRASIL, 2004).
Neste contexto, as pesquisadoras perseguiam ao longo da pesquisa a
compreensão dos profissionais sobre a relevância de elaborar o plano terapêutico
individual de forma integrada visando alcançar as necessidades e singularidades de
cada usuário. Ou seja, esperava-se que durante as propostas de condução dos
casos, as equipes descrevessem sua abordagem ao usuário, família e comunidade,
incluindo no planejamento a realização de visitas domiciliárias, articulações com a
rede de cuidado integral, a escuta dos sujeitos em relação as suas principais
necessidades, e de forma seriam realizadas os registros e comunicações entre os
membros da equipe multidisciplinar.
Entretanto, na pergunta que solicitava a construção do plano terapêutico, dos
quatro grupos envolvidos, apenas um grupo apresentou o plano que abordasse um
planejamento de ações que visassem alcançar a integralidade da atenção
considerando o contexto social e as individualidades do sujeito. O plano construído
por este grupo apresenta-se da seguinte maneira:
―(1) Intervenção para conter o surto psicótico; (2) Quando o indivíduo
retornar para o seu lar deve ser assistido e acompanhado pela rede integral
em saúde mental e pela UBS de referência, a qual possui uma equipe de
matriciamento; (3) Visitas domiciliárias regulares pela equipe e ACS; (4)
envolvimento do usuário em oficinas terapêuticas.‖ (G1)
Em contrapartida o segundo grupo relatou como sugestões de planos
terapêuticos:
“(1) Consulta com Psiquiatra para avaliação da Patologia; (2) avaliação
psicológica para avaliação do Plano Terapêutico; (3) definição do Plano:
Intensivo, UBS: Participação; Família: Participação.” (G2)
A partir da análise e reflexão deste plano, observa-se a centralização da
figura do profissional médico Psiquiatra na definição do processo patológico e da
Psicóloga como profissional indicada e detentora do conhecimento para a realização
da abordagem terapêutica melhor indicada para o caso. Este fato também é
evidenciado na seguinte fala:
65
“Aqui na nossa realidade no serviço funciona assim, o paciente chega passa
pelo psiquiatra, quando tem, porque quando não tem psiquiatra ele vai
direto pra psicóloga. Ai o psiquiatra avalia, define a medicação que ele vai
utilizar, encaminha para a psicóloga e para a terapeuta ocupacional,
o
psicólogo faz o plano terapêutico e encaminha para a oficina”(E18)
Outra questão que pode ser observada analisando os planos terapêuticos
relaciona-se a participação da família, onde o grupo não explicitou de que forma
abordou esta família e como a envolveu na criação do plano terapêutico. Observa-se
também, que a UBS foi apenas convidada a participação do plano terapêutico já
definido pelo Psicólogo.
O terceiro grupo descreveu o seguinte plano terapêutico individual:
“(1) Avaliação Psicológica, Psiquiátrica e Ocupacional para depois ingressar
nas oficinas em um plano intensivo, participando diariamente das oficinas;
(2) encaminhamento do filho para tratamento de dependência química.”
(G3)
Em análise a esta sugestão de plano terapêutico individual, percebe-se o
CAPS novamente como referência pelas especialidades: Psiquiatra, Psicóloga e
terapeuta ocupacional. Cabe lembrar que os grupos de profissionais eram
multiprofissionais, intersetoriais e por vezes interdisciplinares. Observa-se também
que o grupo não citou a participação da UBS, salienta-se também que esta questão
de integração entre UBS e CAPS na Saúde Mental para efetivação do matriciamento
e da Rede Integral em Saúde Mental foi debatida desde o primeiro encontro na
implicação coletiva entre pesquisadoras e participantes da pesquisa.
Outro grupo participante da pesquisa merece ênfase por ser o único a
envolver outros componentes da rede no processo de atenção ao usuário da Saúde
Mental, considerando como plano terapêutico ideal para o caso a seguinte
proposição:
“(1) Definição da modalidade de tratamento: Intensivo; (2) medicações
adequadas; (3) envolvimento da UBS; (4) envolvimento dos agentes
comunitários de Saúde; (5) envolvimento do clube de mães, igrejas,
associações de bairro; (6) avaliação Psicológica.” (G4)
66
Neste plano observa-se uma identificação do papel da rede na busca de uma
atenção a este problema quando citam a UBS, o clube de mães, as associações, e
as igrejas. Descreve-se a participação do agente comunitário com ênfase no
esquema, citando-o a frente da avaliação Psicológica, o que sugere que durante a
avaliação psicológica serão consideradas informações trazidas pelos agentes
comunitários, pelos profissionais da UBS e da rede. Porém, não é explicitado com
clareza como será abordada a família e o usuário e como ocorrerá a construção do
vínculo entre profissionais e profissionais, e entre profissionais - usuários.
Salienta-se que todas as propostas de planos terapêuticos destacaram as
modalidades de tratamento dando prioridades para o tratamento intensivo e
baseadas na institucionalização e medicalização do sujeito. Inclusive um dos
profissionais faz a seguinte referência em relação a construção de um plano
terapêutico.
“Não tem como construir um plano terapêutico sem saber o diagnóstico do
paciente, tem que saber se ele esta em surto, ou bipolaridade, e o tempo do
tratamento e da internação vão depender disso.” (E17)
Considera-se relevante a abordagem medicamentosa e intensiva devido à
exarcebação do caso revelado pela situação-problema. No entanto, é necessário
refletir que os planos construídos pelos grupos não demonstram a continuidade da
atenção a este usuário após a estabilização dos sintomas, ou seja, não revelam que
ações viabilizariam para ocorrer à inserção dos sujeitos na sociedade, e a
manutenção e acompanhamento do caso pela atenção básica.
4.3 A subjetividade humana e desafios da pesquisa qualitativa
Esta categoria trata-se de uma análise da Subjetividade dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, desvelando o desafio da complexidade humana exposta por
suas palavras, ações, gestos e contextos que revelam a história e o cotidiano destas
pessoas na atenção a Saúde, envolvendo os sonhos construídos e as barreiras
67
encontradas. Assim, esta categoria subdivide-se em Dialética e Indentitária: entre o
discurso e o gesto, e Apoio Matricial: Utopias, barreiras e desafios.
4.3.1 Dialética e indentitária: entre o discurso e o gesto
Segundo Minayo (2007) a pesquisa social é um estudo dos ―subjetivos‖ que
visa compreender a lógica interna dos grupos, das instituições e dos atores
envolvidos. Seguindo o caminho da pesquisa social, este estudo dedicou-se também
a análise interna dos três serviços estudados, fazendo observações aos discursos
utilizados pelos sujeitos da pesquisa, quais suas atitudes e falas durante os
encontros e de que forma suas colocações eram evidenciadas em suas práticas em
saúde ao longo de suas histórias nos serviços. Esta questão é abordada por Minayo
(2007) quando refere que análise interna de grupos pode ser realizada por:
―(1) Valores culturais e representações sobre sua história e temas
específicos; (2) relações entre indivíduos, instituições e movimentos sociais;
(3) processos históricos, sociais e de implementação de políticas públicas e
sociais.‖ (MINAYO, 2007, p23).
Desta forma, observam-se os três serviços como componentes de um todo
que é a atenção em Saúde Mental, analisando cada serviço em um contexto
particular, porém, que pertence a um contexto amplo e totalitário. Ou seja, durante a
realização dos encontros as pesquisadoras estiveram atentas as identidades e falas
de cada componente da equipe interdisciplinar considerando as questões expostas
acima por Minayo (2007), e por fim analisando estas questões particulares de cada
equipe na construção do todo que é a atenção em Saúde Mental.
Este tipo de análise do subjetivo vai ao encontro no conceito de dialética
referenciado por Minayo (2007) que retrata este tema no ponto de vista filosófico,
como a dissolução de dicotomias tais como quantitativo/ qualitativo, macro/ micro,
interioridade/ exterioridade. Considerando que todos é parte integrante da totalidade,
devendo ser compreendidos e interpretados, tanto no nível de representações
sociais como das determinações essenciais.
Diante disto, a análise e interpretação das falas, gestos e expressões: de
angústia, medo, alegria, motivação, desgaste, agressão foram incorporadas ao
68
corpo deste estudo. Trazendo que no ponto de vista metodológico qualitativo a
complexidade e a diferenciação devem ser consideradas para o trabalho de
antagonismo, de conflito e de colaboração entre os grupos sociais e no interior de
cada um deles (MINAYO, 2007). Este antagonismo pode ser gerador da contradição
que também são retratadas na metodologia qualitativa por Minayo (2007) que refere
que o ser humano é um ser mutável e ao mesmo tempo permanente. Para a autora
este é permanente, por ser autor das instituições, das leis e visões de mundo, e ao
mesmo tempo é mutável, pois as mesmas possuem ritmos diferentes, são
provisórias, passageiras e tendem para a transformação.
Estas questões subjetivas e contraditórias corroboram com a Análise
Institucional de Lourau (1993) que afirma que esta metodologia trabalha a
contradição, tentando seguir a lógica dialética em oposição à lógica identitária. Este
método tem como características analisar suas próprias contradições. Este autor
refere que a análise das implicações é o cerne do trabalho socioanálitico, isso quer
dizer que durante a implicação coletiva dos grupos podem ocorrer graves
contradições que devem ser refletidas pelo pesquisador. Lourau (1993) trás como
exemplo de situações relevantes para o processo qualitativo socioanálitico a
seguinte contribuição:
―Uma equipe pode conhecer os pressupostos políticos e ideológicos de um
pesquisador e, necessariamente, não se contrapor a estes. Pode-se ter um
acordo ideológico, e também referências políticas comuns e, no entanto, a
situação de intervenção cria tensões e conflitos.‖ (LOUROU, 1993; p36)
Neste contexto, esta pesquisa embasou-se nas teorias destes autores que
trabalham subjetividades, contradições, dialéticas e identidades de sujeitos
componentes da pesquisa social. Estas teorias buscam retratar singularidades dos
sujeitos e sua interação na coletividade, como também, o desafio de identificar
supostas transformações da visão dos profissionais sobre os temas e práticas
abordados nos encontros.
Estas
questões
teoricamente
embasadas
nesta
subcategoria
são
evidenciadas e analisadas a seguir. Em relação à compreensão da situaçãoproblema na prática destes profissionais, os mesmos relatam:
“Este texto que estamos trabalhando aqui este mal elaborado, no sentido de
que não é assim que funciona na realidade.” (E17)
69
Em contrapartida, outro profissional refere:
“A realidade do hospital apresentado na situação problema é condizente
com a realidade do município não poderia ser diferente.” (E20)
Nesta fala a profissional relaciona a SP com a realidade dos serviços de
saúde do município. Durante os discursos e discussões nas rodas de conversa,
observa-se que os profissionais relatam vários problemas advindos da política, das
administrações, do modelo Medico hegemônico ainda centralizado no curativismo e
nas necessidades dos serviços:
“Quando fala ali no texto que o paciente procurou o hospital, e no pronto
socorro foi estabilizado o caso, quer dizer que deram uma medicaçãozinha
pra ele, mas não significa que foi estabilizado... o surto estabiliza na
urgência? o paciente precisa de internação, mas ai não tem leito.” (E13)
“Eu acho que o problema do hospital não esta só em não ter leito, mas eu
acho que começa na qualificação profissional, não tem profissionais
capacitados, para atender os usuários da saúde mental.” (E1)
“Estas dificuldades de implantação do Apoio Matricial não é dos
profissionais, isto é da política! Por exemplo, nos hospitais sempre esbarra
na administração, então não dá!”(E20)
Percebe-se nestes discursos dos profissionais, a exposição da realidade dos
serviços do município. Onde os mesmos, quando questionados sobre a
possibilidade de elaboração do plano terapêutico individual integrado, permanecem
por alguns segundos calados, ocorrendo um momento de tensão no grupo, onde
uma profissional se sobressai afirmando:
“É, até pode, mas neste texto não tem conteúdo, falta conteúdo, não tem
como dizer. Por que o mecanismo que tu vai ter que usar é a conversa, no
nosso caso aqui ela teria que passar por todos os profissionais. Ai fazemos
uma reunião e vemos o que pode ser feito.” (E18)
Nesta fala, analisa-se que a profissional não define claramente sua opinião
sobre a possibilidade ou impossibilidade de construir um plano terapêutico integrado,
voltando-se de forma critica para a situação problema referindo que essa não possui
70
conteúdo suficiente para a criação de um plano, estando na mesma clara a
descrição do caso (Apêndice III).
Salienta-se, porém que foi questionada a possibilidade e impossibilidade da
realização do plano nas realidades dos serviços, e isto não foi contemplado na
resposta que se voltou a ficção como uma hipótese de fuga.
Elucidou-se durante este debate que existe a criação deste plano terapêutico,
percebido nos relatos dos profissionais, no entanto, apenas realizado no serviço
especializado. Nota-se, então, que este plano esta vínculado ao serviço
especializado e não atinge as UBSs.
“O plano terapêutico parte de um planejamento familiar, e o planejamento
familiar quem faz é a assistente social que trabalha na rede. Só que não é o
planejamento pra uma pessoa, é o planejamento familiar. Tem que ajudar
todos, até os que não apresentam ter problemas.” (E12)
Quando as pesquisadoras questionam que o plano terapêutico deve ser
construído em conjunto pelo CAPS e UBS levando em consideração a
contextualização do sujeito e que isso não foi demonstrado nos relatórios
apresentados pelos grupos, ocorre novamente um atrito, onde uma das profissionais
se sobressai no grupo referindo:
“Isto que tu esta dizendo, a gente faz, a gente só não colocou no papel. Mas
a gente nunca que vai olhar para um paciente sem lembrar que ele tem uma
família” (E19)
Outra profissional corrobora:
“Tanto é que a gente descobre coisas é com a família.” (E13)
Em um dos momentos finais do terceiro encontro integrado, uma das
profissionais questiona as pesquisadoras com a seguinte pergunta:
―Qual a maior dificuldade que vocês estão encontrando para aplicar o
matriciamento nas equipes?‖ (E17)
Neste momento, como resposta a pergunta, as pesquisadoras referem que
seu papel não é a realização do matriciamento, e sim um apoio teórico e estímulo a
71
Reflexão do tema, que as mais indicadas a responder a pergunta seriam as
apoiadoras que estão dando início na prática do apoio matricial, bem como as
profissionais envolvidas neste processo.
Então uma das apoiadoras relata:
―No início a nossa maior dificuldade era que a equipe participasse. Nós
chegávamos no posto e quem participava mais era a comunidade e a
Enfermeira. Então, nossa dificuldade no início foi esta. Até que tivemos uma
reunião do projeto com as meninas e elas nos esclareceram que o
matriciamento era para a equipe. Foi então que nos reunimos novamente
com a Enfermeira e entendemos que seria bom a participação de todos os
trabalhadores, chamamos o médico, na outra semana já estava toda a
equipe nos esperando, ai o medico participou. Agora na última o dentista já
participou, estamos estudando, realizando estudo de caso. Tudo a partir do
que a equipe trás, eu não levo nada pronto.‖(E13)
Uma das profissionais da UBS refere:
“Esta sendo bom, é um tempo para gente pensar, as meninas também
desabafam as dificuldades e tal. Eu não vejo a hora de chegar na sexta de
tarde, por que e um tempo para a gente pensar , trocar experiências. Pena
que a gente não consegue reunir toda a equipe, mas a gente tenta fazer o
máximo.” (E1)
Outra profissional relata:
“Agora a gente já consegue reunir toda a equipe, claro que falta os médicos,
mas a gente já consegue discutir entre a equipe. Esclarecer um pouco, para
que todos possam entender o que é.” (E5)
Neste contexto, nota-se que a pergunta da profissional durante a pesquisa
pode vir a denotar uma grande visão de responsabilização da Universidade com a
implantação do matriciamento para estes profissionais, onde os mesmos
demonstram fragilidades para alcançar o objetivo na prática. Em contrapartida, os
profissionais mais envolvidos no processo demonstram atitude positiva ao relatar as
práticas iniciais e sua evolução no serviço. Esta atitude positiva entra em contraste
com os discursos dos demais profissionais, onde a maioria ressalta muito mais as
barreiras e fragilidades do que as potencialidades para implantar o tema na prática.
72
Neste sentido, é importante ressaltar que durante o discurso e o gesto, muitos
membros
das
equipes
envolvidas,
iniciavam
demonstrando
interesse
e
responsabilização, porém em relação a muitos de seus gestos representavam
desmotivação, instabilidade, irritabilidade e inquietude. Estas subjetividades
sugerem que os profissionais possuem grandes potencialidades para reflexão, para
questionamentos, desejos e sonhos de trazer melhorias para a atenção à saúde, e
criar possibilidades para qualificar seu espaço de trabalho. No entanto, esses
sonhos esbarram em outros obstáculos, que não dependem destes profissionais, e
isso gera a desmotivação e instabilidade emocional quando são provocados a
lembrar e refletir sobre estas barreiras.
Para esta discussão de obstáculos dedica-se a próxima categoria, a qual se
aprofunda os debates e discussões sobre cada um dos obstáculos identificados na
voz dos participantes da pesquisa.
4.3.2 Apoio Matricial: utopias, barreiras e desafios
Essa pesquisa trouxe consigo um grande desejo de contribuir para a
efetivação do apoio matricial no município de Uruguaiana, algo desafiador, e ao
mesmo tempo necessário.
Esta necessidade vem ao encontro dos desafios enfrentados pelo cotidiano
dos serviços de saúde, onde a produção de saúde e a autonomia exigem novas
práticas e saberes que possam ampliar a capacidade de intervir no contexto local e
recriar o próprio espaço.
O apoio matricial por sua vez incentiva a criação de um espaço que permite
reflexão sobre as práticas de saúde, e a construção de saberes entre equipes
muldiciplinares. Para isso é fundamental que ocorram relações horizontais entre os
sujeitos implicados no cuidado transcendendo a lógica de hierarquização.
No decorrer da pesquisa observou-se, que os profissionais da saúde
construíram conhecimento sobre o significado do apoio matricial, os conceitos, as
exigências, e as transformações exigidas para que este fosse efetivado, como pode
ser observado nas seguintes falas:
73
“A entrada no CAPS deveria ser a última instância do tratamento. Deveria
se pensar primeiramente na UBS. A UBS e a comunidade devem ser o
primeiro lugar para iniciar o tratamento, no caso aqui (CAPS) é quando o
paciente já não tem mais chance, já ta sofrendo, não dá pra ser tratado na
comunidade.” (E12)
“Eu acho que o objetivo do texto que estamos vendo aqui sobre o apoio
matricial, é ver de que forma vamos dar apoio pra UBS, de que forma
vamos fazer isso, como vai ser esse fluxograma CAPS-UBS-ACS, na nossa
realidade.” (E13)
Ao analisar as falas acima se observa a preocupação da participante em
relação a ―como fazer‖, como construir os laços do apoio matricial entre a atenção
básica e o CAPS. Porém, o apoio matricial exige ações que vão além de uma
―receita‖ de como reorganizar a atenção prestada por serviços especializados em
saúde mental, requer encontros para arranjos próprios adequados aos serviços.
Contudo, a efetivação do apoio matricial no municipio esbarra em barreiras,
que dificultam, e impossibilitam sua concretização efetiva. Essas barreiras também
foram relatadas por Campos e Domitti (2007) onde os autores referem os obstáculos
estruturais, excesso de demanda e carência de recursos, obstáculos políticos e de
comunicação, como barreiras que dificultam o trabalho integrado em saúde. algumas
dessas barreiras citadas pelos autores foram identificadas nesta pesquisa, e serão
discutidas a seguir:
4.3.2.1 Barreiras relacionadas à demanda excessiva
O método de trabalho do apoio matricial prevê uma relação dialógica e
transversal entre a equipe de saúde, a discussão de casos e um compartilhar de
responsabilidades. Porém os serviços de saúde do municipio, tanto da atenção
básica como do CAPS, não proporcionam estes espaços, são consumidos pela sua
demanada de atenção em saúde, e não reorganizam, as práticas, e ainda possuem
deficit de profissionais como pode observar nos relatos apresentados.
74
“Eu acho que para o apoio matricial dar certo a UBS tinha que ter ACS com
cobertura de 100% da área, e ai agente consegue acompanhar os fluxos
dos pacientes da saúde mental, através de visitas semanais. Só que
estamos numa realidade que não possibilita isso, uma realidade de cem mil
pessoas para dois ACS... Mas sem isso é impossível, claro que pode
acontecer aleatoriamente pode acontecer, mas é impossível acompanhar de
perto.” (E1)
Salienta-se que alguns destes relatos foram discutidos em outras categorias,
porém agora apresentam-se com outras interpretações devido a sua relevância na
contextualização da pesquisa, como é o caso desta citação:
“A realidade do hospital apresentado na situação problema é condizente
com a realidade do município não poderia ser diferente. A cidade tem 127
mil habitantes, no modelo político em que vivemos não poderia ser
diferente.” (E20)
“A assistência ao usuário de álcool e drogas é muito difícil para nós, pois
temos apenas um CAPS, não existe CAPS AD. Nem sabemos quando vai
existir. E ficamos nos perguntando e quando existir, quem é que vai
trabalhar nele? Será que vão chamar outros profissionais? Ou nós vamos
ter que trabalhar nele também. Fica difícil” (E17)
“É de uns anos pra cá, cresceu muito a demanda de pacientes usuários de
álcool e drogas, está bem difícil o atendimento para eles.” (E12)
Quando as pesquisadoras questionam como ocorre a atenção ao usuário de
álcool e drogas, um dos profissionais refere:
“Sim eles tem o atendimento, sim. Mas é como da pra fazer, como se pode
adaptar, eles tem assistência medicamentosa e uma oficina especifica para
eles nas terças-feiras.”(E17)
Segundo Campos e Domitti (2007) o Apoio Matricial é dinâmico e depende de
relações interpessoais, que visam à ampliação da visão sobre o processo saúde
doença e intervenção, sem diluir a responsabilidade pelos casos. Para a criação
deste processo não se pode esquecer que o número de serviços oferecidos para a
população brasileira ainda é insuficiente (REIS, 2001).
Estas referências trazidas pelos autores podem ser observadas nas falas
acima quando os mesmos dirigem reflexões a cerca de suas realidades nos
75
serviços, onde há carência de recursos para atingir a demanda excessiva de
usuários. Desta forma fica evidente nas falas dos pesquisados que esta demanda
excessiva, o aumento da procura por atendimento, e falta de recursos, e
profissionais, configura-se em uma barreira para a implantação do Apoio Matricial.
Neste sentido, os autores também propõem uma solução para esta
dificuldade:
Entre outros arranjos, também o apoio matricial poder ser relevante para
racionalizar o acesso e o uso de recursos especializados, alterando-se
ainda a ordenação predominantemente multidisciplinar do sistema para uma
outra mais consentânea com a interdisciplinaridade. Esse arranjo permite
um uso racional de recursos, quando cria oportunidade para que um único
especialista integre organicamente seu trabalho com o de várias equipes de
referência. (CAMPOS e DOMITTI, 2007,p.404)
Analisando e refletindo sobre esta citação, observa-se que os autores trazem
a solução de colocar um profissional especialista em várias unidades para dar o
apoio a equipe da atenção básica. Porém, esta solução pode servir para organizar a
atenção em saúde mental no serviço especializado, visto que está vai demandar
apenas um profissional do serviço especializado acompanhando a UBS.
Neste contexto, considerando os discursos da pesquisa aqui apresentada
observa-se que os problemas perpassam um único serviço, onde neste caso se faz
necessário pensar na falta de profissionais na UBS, para atingir a demanda de
Saúde Mental da comunidade. Vale aind aconsiderar que o Apoio matricial em
Saúde Mental é uma prática que requer um certo preparo da equipe da atenção
básica. Este fato pode ser evidenciado na seguinte fala de um profissional da
atenção básica:
“É a gente sente dificuldade de lidar com este tipo de paciente, por que
demora mais tempo, tu tem que fazer mais visitas, saber como falar,
demora mais tempo pra estabelecer um contato com eles.” (E7)
Por fim, observa-se que é inviável uma solução plausível para este caso, sem
o envolvimento de profissionais, gestores, e usuários dos serviços. Assim, se faz
necessário a participação popular, a reivindicação de direitos, e autonomização de
sujeitos, para que juntos possam desamarrar os nós críticos desses serviços.
76
4.3.2.2 Barreiras organizacionais
Em relação às barreiras estruturais, Campos e Domitti (2007) afirmam que
existem obstáculos na própria maneira como as organizações vêm se estruturando,
que contrariam a interdisciplinaridade e o diálogo. Segundo os autores esses
obstáculos precisam ser conhecidos, enfrentados, removidos ou enfraquecidos para
que seja possível trabalhar na lógica de uma equipe interdisciplinar e sistemas de
co-gestão.
Analisando os dados coletados, observa-se na pesquisa algumas falas de
profissionais da saúde que demonstram esta centralização de saberes na instituição
especializada. Como por exemplo, nas narrativas:
“Eu acho que de repente os usuários enxergam que agente aqui no CAPS,
o atendimento é mais rápido, é melhor, não é nem questão de referência, é
questão de solução.” (E15)
“No CAPS eles vão encontrar profissionais para aquela área que eles estam
precisando.” (E10)
Outra questão observada nas falas relaciona-se a insegurança demonstrada
pelos profissionais da UBS, em se tornar uma equipe de referência e assumir a
responsabilização pelo caso. Evidenciado pela seguinte fala:
“A gente é um pouco afastado dos usuários do CAPS... saúde mental com
psicólogo é bem mais fácil deles contar. Por exemplo, nós estamos na casa
deles e eles tentam esconder a realidade, principalmente os usuários de
crack. Eles tentam esconder a dependência, pra eles vir até a unidade é
difícil, eles sentem vergonha, como se perdessem a dignidade.”(E1)
Neste discurso sugere-se a hipótese da dificuldade de tratar um caso de
forma interdisciplinar. Para alcançar a interdisciplinariedade, as equipes precisam
trabalhar esta noção de fragmentação e especialização dos saberes, precisam
buscar o diálogo, a transversalidade, horizontalidade, a troca de experiências e a
construção de saberes coletivos. Neste sentido esta transformação possibilita
reorganizar o modelo de assistência ainda perceptível em algumas ações deste
serviço, que carcteriza-se pelo Modelo Biomédico.
O Modelo Biomédico segundo Guedes, Nogueira e Junior (2006) foi criado a
partir da racionalidade médica, buscando a objetivação de casos, ou seja, o usuário
77
é fragmentado em sinais e sintomas, onde as subjetividades, muitas vezes, não são
levadas em conta. Outra forte característica desse modelo é a centralização e
hierarquização de saberes, onde ocorre a supervalorização do processo de cura e
tratamento. Assim, apesar de diversas reflexões sobre a transcendência do modelo
biomédico, percebe-se que a sociedade contemporânea, ainda continua arraigada
neste modelo, gerando dificuldades de consolidar uma rede de atenção integral em
saúde.
Esta rede de atenção integral a saúde é baseada na integralidade, uma das
diretrizes do SUS, que conforme Merhy (2006) tem por objetivo a construção de
novos modos de agir em saúde, com a lógica do compromisso, com a produção da
vida, devendo estar articulada as intenções que ambicionam um agir micropolítico
como dobra de fazeres macro, como ecologista deve imaginar seu fazer aqui e
agora olhando para o mundo geral e o amanhã. Seguindo a lógica deste autor as
organizações em saúde devem olhar para a integralidade, não com a esperança de
obter resultados imediatos, e sim em longo prazo.
Trazendo para a realidade dos serviços pesquisados, reflete-se que para
ocorrer a mudança destas organizações de saúde, na busca pela construção da
integralidade e da interdisciplinariedade, deve-se primeiramente pensar e repensar
antigas abordagens de cuidado ainda focalizados na solução imediata e
centralizada, na ênfase evidente ao diagnóstico e tratamento.
Estas formas de
abordagens devem ser substituídas por planos terapêuticos individuais e integrados
construídos pela interdisciplinariedade de uma equipe, enfatizando individualidades,
contextos, complexidades e a construção de vínculo para este usuário. Ou seja, um
desafio que rompe barreiras e antigos paradigmas, porém não é construído de um
dia para outro.
4.3.2.3 Barreiras Políticas e de Comunicação
Ao referenciar as barreiras políticas e de comunicação, Campos e Domitti
(2007) relacionam-nas com as concentrações de poder que permeiam as
instituições, impossibilitando a gestão compartilhada. Os atores afirmam também
que o apoio matricial, e as equipes de referência dependem de um grau de
78
compartilhamento do poder entre distintos profissionais componentes de uma equipe
e desses com outros especialistas.
Guisard et al (2006) contribui para o debate referindo que alguns indícios nos
fazem questionar se os desenhos institucionais de configurações do SUS
respondem plenamente aos desafios de democratização das políticas do setor,
perspectiva que orienta o direito constitucionalmente assegurado a saúde. Esta
autora aponta também que grandes são as resistências micro e macro-políticas que
revelam potentes obstáculos nos cotidianos dos serviços. Desta forma relacionamse as teorias dos autores a realidade da pesquisa, onde evidenciou-se o obstáculo
políticos e de comunicação explícitos nos diálogos abaixo:
“Estas dificuldades de implantação do Apoio Matricial não é dos
profissionais, isto é da política! Por exemplo, no hospital sempre esbarra na
administração, então não dá!”(E19)
“A dedicação não é tratar o usuário, é o bolso mesmo. Este tipo de
internação (Saúde Mental) não é bem vinda, isto é a realidade!”(E22)
“Eu acho que tem várias coisas que dificultam, por exemplo, o paciente
chega para a consulta médica, e eu não posso ficar ali grudada 24 horas
com o médico, e ele encaminha direto para o CAPS. Então, tudo bate nesta
questão médica, o médico encaminha para o CAPS, não sabe, não quer
nem saber, não conhece, e o paciente vai encaminhado para o CAPS.‖(E5)
Como se pode observar com os discursos dos profissionais estudados, essas
dificuldades políticas e de comunicação, dificultam as práticas, como também geram
a desmotivação dos profissionais de saúde, estes por sua vez não são estimulados
a repensar seu agir em prol de mudanças, e também possuem baixa autonomia
sobre seus processos de trabalho.
Assim, Castanheira (2000) corrobora com este resultado quando afirma que
existem conflitos entre necessidades institucionais de estabelecer normas para o
atendimento e as necessidades imediatas trazidas pelos usuários, Ou ainda conflito
entre interesses de grupos de trabalhadores, e de cada trabalhador individual, com
as normas da instituição de um lado e com as demandas de usuário de outro. Neste
contexto, refletindo sobre os autores e as realidades evidenciadas durante a
pesquisa observa-se que as normas institucionais podem não estar adequadas as
necessidades imediatas dos usuários, bem como o interesse coletivo ou individual
79
de um profissional da saúde fragmenta-se entre as normatizações e as demandas,
sugerindo a necessidade de articulação destes processos.
4.3.2.4 Obstáculo subjetivo e cultural
Segundo Campos e Domitti (2007) esta barreira caracteriza-se no modo de
funcionamento das instituições contemporâneas, onde há dificuldades de criticar e
tomar decisões de maneira compartilhada, voltando-se para o individualismo e
competição entre profissionais. Portanto criam-se ambientes de concorrência e as
pessoas tendem a cristalizar-se em identidades reativas, que induzem a desconfiar
do outro e defender-se da critica do outro. Outra questão é o profissional construir
segurança
na
identidade
do
núcleo
especializado,
não
criando
ações
interdisciplinares pela dificuldade de abertura com o diferente, de suas antigas
atuações como profissionais. Esta referência a Campos e Domitti (2007) pode ser
observada nesta fala que já foi analisada em outra categoria, porém demonstra um
exemplo dos obstáculos subjetivos e culturais que envolvem o índividuo.
“A gente se vê um pouco afastada dos usuários do CAPS. A saúde mental
com as psicólogas é bem mais fácil para eles contarem. Por exemplo, nós
estamos perto deles na casa deles. E eles tentam esconder a realidade,
principalmente os usuários de crack. Para eles vir ate nos ate a UBS é
difícil, eles tem vergonha é como se ferisse a dignidade deles”. (E1)
Desta forma, Campos e Domitti (2007) referem que esta barreira subjetiva e
cultural somam-se as dificuldades encontradas nos serviços e as dificuldades de
interação entre profissionais. Porém, durante a pesquisa identifica-se que a questão
cultural e subjetiva perpassa as questões somente institucionais, chegando a
comunidade, ao usuário e sua família que possuem um desconhecimento a respeito
da atenção transdisciplinar, já que no contexto histórico e cultural da atenção em
saúde, a Saúde Mental sempre esteve ligada aos manicômios, exclusão e modelo
Pineano de assistência.
Desta forma, identificamos algumas das falas dos profissionais que revelam a
subjetividade que envolve o usuário e a família:
80
―A família não participa! A gente convida para reuniões e elas não vão! A
família ainda esta naqueles moldes antigos, trás o usuário e diz: olha é com
vocês!‖ (E14)
“Eu sinto que muitas vezes a dificuldade está na própria família. Eu sei por
que tem muitos pacientes que atendo eu digo que tem o posto perto da
casa deles, tem uma enfermeira, um médico, tem oficinas, tem ginástica,
mas eles não procuram! Eu sinto que a resistência está na própria família.”
(E12)
“E isso é da cultura deles também, por que antes os pacientes estavam em
modelo de manicômio e depois passou para o CAPS, e eles ficaram sem
esse vínculo com a UBS.” (E1)
“O CAPS é bom pra eles porque esta longe da casa deles, é outra
realidade, distante da casa deles ninguém vai saber o que eles vem fazer
aqui, aqui eles conversam, aqui eles são outras pessoas.”(E1)
A atenção básica corrobora:
“Eu também percebo assim porque a gente está na casa deles, a gente
conhece eles, conhece a família e eles querem esconder isso [sofrimento
psíquico] de nós. Quando a gente pergunta: como está o fulano? Eles se
surpreendem, ah, ela conhece!”(E1)
Em análise as narrativas destes profissionais, nota-se que a construção de
redes integrais não dependem exclusivamente dos serviços, e sim de uma reflexão
coletiva da sociedade, onde incluí-se políticas, profissionais, instituições, e usuários.
Também é importante ressaltar que toda sociedade faz parte de um contexto
histórico e cultural que sempre considerou a pessoa em sofrimento psíquico como
um sujeito sem condições de conviver em sociedade, e este ―rótulo‖ faz com que o
próprio usuário da saúde mental se exclua, se sentido incapaz de conviver na
sociedade.
Se faz necessário pensar estratégias de mudanças destes paradigmas
efetivamente inserindo os usuários da Saúde Mental na sociedade, compartilhando
ações entre serviços especializado e atenção básica, qualificando os profissionais
para a clínica ampliada, para a atenção integral em Saúde Mental e efetivação de
uma efetiva rede de cuidados.
81
5. Plano de Ação para a Efetivação do Apoio Matricial no município de
Uruguaiana: um compromisso deste estudo
Este estudo possui uma linha de condução metodológica, onde se buscou a
análise da percepção dos profissionais de saúde dos três serviços envolvidos,
através da compreensão à respeito do Apoio Matricial, pelo entendimento de como
os profissionais o identificam em suas práticas, aproximando-se de linhas e traçados
que configuram desenhos do tema no município.
Para alcançar estes objetivos os encontros eram baseados na implicação
coletiva, que sugerem também a construção em conjunto dos resultados. Assim a
proposta das pesquisadoras foi integrar as instituições de saúde interessadas no
tema, através de encontros que possibilitassem o contato das realidades da atenção
básica e do serviço especializado.
Este contato teve o propósito da reflexão a partir da realidade exposta por
cada serviço, levando a construção do plano de ação que efetivasse de forma
eficiente o apoio matricial de acordo com as realidades dos serviços.
Este plano de ação não foi construído pelas equipes, pois no último encontro
não participaram os serviços da atenção básica, impossibilitando a elaboração de
um plano integrado, visto que, apoio matricial depende da integração e reflexão dos
serviços envolvidos, neste caso a atenção básica e o CAPS.
Neste sentido as pesquisadoras propõem um plano de ação para contribuir
com a efetivação do Apoio Matricial no município, partindo dos resultados desta
pesquisa e reflexão teórico prática com foco as necessidades dos serviços.
O apoio matricial visa dar suporte especializado para as equipes de
referência, neste contexto o apoiador matricial, é um especialista com conhecimento
teórico e prático sobre Saúde Mental. Já o papel da equipe de referência é
acompanhar um caso individual e coletivo de forma transversal, ou longitudinal,
baseando-se na criação de vínculo e co-responsabilização com a atenção a este
usuário (CAMPOS, DOMITTI, 2007)
Seguindo esta lógica, para a efetivação do apoio matricial e criação da equipe
de referência Campos (2000), propõe um plano de ação que deve contemplar o
atendimento e intervenção conjunta entre o especialista matricial e alguns
profissionais da equipe de referência. O autor salienta que o apoiador deve
82
programar uma série de atendimentos ou de intervenções especializadas, mantendo
o vínculo com a equipe de referência, que procuraria redefinir um padrão de
seguimento complementar e compatível ao cuidado oferecido pelo apoiador. O autor
também destaca que o Apoio Matricial pode ainda restrinja-se à troca de
conhecimento e de orientações entre equipe e apoiador; diálogo sobre alterações na
avaliação do caso e mesmo reorientação de condutas antes adotadas,
permanecendo, contudo, o caso sob cuidado da equipe de referência (CAMPOS,
2000).
Desta forma, a partir do embasamento teórico adquirido durante a leitura
deste referencial, entre outros, e trazendo-os para a realidade do município, e
descobertas vivenciadas nas práticas da pesquisa. As pesquisadoras propõem o
seguinte plano de ação para efetivar o apoio matricial no município de Uruguaiana,
considerando realidades, subjetividades, percepções e vivências dos profissionais
que participaram da pesquisa:
(1) Se faz necessário que o serviço especializado, primeiramente promova
reuniões para possibilitar discussões entre os profissionais da própria instituição.
Neste momento, o foco deverá ser as abordagens terapêuticas utilizadas neste
serviço, avaliando e repensando as práticas de atenção a saúde que vem sendo
oferecidas aos usuários.
(2) Em um segundo momento, deve-se buscar fortalecer a atenção básica,
onde o serviço especializado, então, buscará aproximar-se da atenção básica,
contextualizando a saúde mental, criando um vínculo com a equipe da UBS,
esclarecendo dúvidas iniciais, anseios, e desmistificando paradigmas da ―loucura‖.
(3) Dando continuidade ao plano de ação, o apoiador matricial, participará de
abordagens ao usuário da saúde mental juntamente com a equipe da atenção
básica, seu foco deverá ser avaliar como a equipe se sente no contato com este
usuário, quais as principais dúvidas, quais foram as primeiras ações, isso subsidiará
a reflexão de como deve ser os próximos encontros entre Apoiador Matricial e a
equipe de referência da atenção básica possibilitando a qualificação da equipe da
UBS.
(4) Criar a equipe de referência, pela construção coletiva dos profissionais
envolvidos neste processo, e a partir deste momento a equipe de referência tem
como objetivo conhecer e reconhecer quais são os usuários de saúde mental
pertencentes ao seu território, identificando-os, bem como promovendo ações
83
preventivas. Neste sentido, o foco da equipe de referência será em visitas
domiciliárias aos usuários, contextualizar os casos, e criar o vínculo.
(5) Dando continuidade, a equipe de referência tomou contato com a
realidade dos usuários, a partir de agora, esta equipe passa a dar a referência da
UBS, como porta de entrada para a atenção a este usuário.
(6) Os casos mais complexos serão visualizados por esta equipe de
referência, a partir do contato com a realidade dos usuários de seu território. Assim
esta equipe comunicará e contará com o apoiador matricial, vinculado ao serviço
especializado.
(7) O apoiador matricial estimulará a reflexão desta equipe de referência em
relação a cada caso, o foco do apoiador matricial e da equipe de referência será a
construção do plano terapêutico individual e integrado para cada usuário.
(8) O plano terapêutico individual e integrado estará adaptado para as
individualidades, necessidades e contextualização socioeconômica e cultural deste
usuário de saúde mental. Bem como, serão associados componentes da rede
conforme cada necessidade. A ênfase será inclusão social, aderência ao tratamento
clínico, suporte e inclusão dos familiares no plano.
(10) Assim, deve-se considerar, que quando um usuário apresentar uma
exacerbação dos sintomas, e fugir do controle da UBS, será atendido pelos serviços
especializados, porém, estes serviços especializados deverão manter a atenção
básica informada. Isto se faz necessário pela necessidade de reformulação do plano
e reinserção deste sujeito na comunidade.
(11) E para finalizar o plano, deve-se garantir a realização de reuniões
semanais entre apoiador matricial e equipe de referência, para a reflexão das
abordagens,
trocas
de
experiências,
exposições
de
dúvidas
e
anseios,
complexidades advindas da inserção da equipe de referência no contato com o
usuário da saúde mental. Esta ação justifica-se também como uma forma de avaliar
o andamento das ações desenvolvidas pelos apoiadores e equipe de referência.
Este plano de efetivação do Apoio Matricial apresentado a cima, por si só não
tem valor, se não houver a implicação coletiva, o apoio político, o envolvimento de
gestores, a participação das equipes, a continuidade de encontros que assegurem a
criação de espaços protegidos para a troca de saberes.
Lembrando também, que se deve resgatar a motivação dos profissionais da
saúde para a relevância de seu papel social de garantir a igualdade de acesso aos
84
direitos humanos. Para isso, precisam-se transpor barreiras que dificultam a
implantação do apoio matricial, identificadas e analisadas nas narrativas destes
sujeitos durante a coleta de dados da pesquisa.
85
6. REFLEXÕES SOBRE UM PROCESSO INSTITUÍNTE
Após meses de estudo, reflexão e trabalho, finaliza-se esta pesquisa,
trazendo consigo diversos olhares sobre as vivências e realidades expostas pelos
encontros com os profissionais de saúde estudados, das intuições analisadas, e das
questões políticas levantadas.
O objetivo de analisar as percepções de profissionais da atenção básica e do
CAPS foi alcançado, entre subjetividades, conflitos, narrativas, relatos de vivências e
obstáculos identificados, nota-se sim, como é desafiadora a pesquisa qualitativa, o
encontro com o outro, a contradição humana, o contato com o desconhecido.
Reflete-se também, como é provocador a análise do outro, esse repleto de
contradições, enredos e contextos, que nunca devem ser desconsiderados, mas,
porém, acabam em hipóteses, que não podem ser analisadas objetivamente.
Ressalta-se que durante esta pesquisa houveram muitas dificuldades, como a
dificuldade de promover os encontros integrados entre os serviços, de oportunizar
espaços protegidos de reflexões em que todos os participantes se sentissem à
vontade para questionar, contribuir, relatar experiências, e debater as questões
abordadas.
Deve-se, refletir também sobre as potencialidades desta pesquisa, que foi a
integração destes serviços promovendo o choque de encontros, bem como, o
reconhecimento de realidades distintas com um intuito em comum, a promoção da
saúde. Estas realidades trouxeram à tona, um corpus de análise, que ultrapassa
conceitos, teorias e a implantação do Apoio Matricial, esbarrando, assim, em
questões estruturais, políticas, organizacionais, subjetivas e culturais.
Por fim, considera-se este estudo como um passo inicial de uma longa
caminhada em busca do instituínte para implantação de práticas efetivas de apoio
matricial e cuidado integral em Saúde Mental em Uruguaiana. Salienta-se que a
construção deste trabalho visou a contribuição para a atenção em Saúde Mental do
município, desejando, assim, servir de subsídio para novas pesquisas, ações,
reflexões que contribuam para a transformação da realidade.
86
REFERÊNCIAS
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91
APENDICÊS I - Questionário semi- estruturado I
Questionário I
1. Identifique seu cargo e suas principais funções.
2. Como você percebe o matriciamento em redes de cuidado integral em saúde
mental no município de Uruguaiana?
3. Quais os papéis das equipes de saúde da atenção básica e do CAPS neste
contexto?
4. Caracterize potencialidades e fragilidades na atenção em saúde mental no
município.
5. Avalie o 1º encontro () (:/) (). Sugestões de melhorias.
92
APÊNDICES II - Questionários II / avaliação das atividades
Questionário II
1. Qual(is) a(s) sua(s) opinião(ões) sobre os temas abordados: saúde mental,
apoio matricial e rede de cuidado integral em saúde. Qual seu interesse por
cada tema em uma escala de 1-5.
2. Comente e avalie, em uma escala de 1-5, a(s) metodologia(s) na(s) qual(is)
o(s) tema(s) vem sendo abordado(s).
3. Quais sugestões dariam para contribuir com estas metodologias.
4. Descreva potencialidades e fragilidades de cada metodologia e aponte
sugestões.
5. Quais dúvidas não foram esclarecidas em relação aos temas trabalhados.
93
APÊNDICES III - Situação problema 01
Maria 40 anos, usuária do CAPS, moradora das áreas Verdes, do Bairro
Longe de Tudo, mãe de 4 filhos, 3 adolescentes, com 12, 14 3 16 anos, e um adulto,
com 28 anos casado. Há dois meses, Maria perdeu seu filho de 16 anos, usuário de
Crack, vitima de violência. Este filho representava grande valor afetivo para Maria,
sendo que a mesma foi incansável nas tentativas de ajudar o filho a superar o vicio.
Após a morte do adolescente, a usuária apresentou sintomas como: negação,
isolamento social, pensamento suicida e irritabilidade. Foi encaminhada ao CAPS
por familiares, onde participava as segundas e quartas de tarde nas oficinas de
artesanato, porém demonstrava apatia, desinteresse e baixa comunicação com os
demais usuários e equipe. Durante uma consulta com a Psicóloga a usuária revelou
que seu filho de 14 anos esta fazendo o uso de álcool e drogas. Na semana
seguinte a equipe do CAPS foi acionada pela UBS, pois a paciente entrou em surto
Psicótico, agredindo o filho adolescente e em seguida tentando suicídio, com o uso
de todas as medicações disponíveis. O Pronto Socorro foi acionado e estabilizou o
surto, porém o Hospital justificou falta de leitos psiquiátricos e encaminhou a usuária
de volta para casa. Como continuidade no tratamento terapêutico os familiares
retornaram a usuária ao CAPS. No entanto, a equipe do CAPS observou que a
usuária piorou globalmente seu caso, apresentando surtos psicóticos freqüentes,
crises de agressividade, isolamento social acentuado, e ameaças freqüentes de
suicídio.
1. Como ocorreu o encaminhamento de Maria ao CAPS? Quais serviços de
Saúde se envolveram no processo?
2. Como foi organizado o plano terapêutico individual da usuária no CAPS?
Quais as atividades e freqüência de atendimento?Como ocorreu a adesão
da usuária ao tratamento? Quais os mecanismos de superação das
dificuldades foram acessados?
3. Qual a participação do Hospital no cuidado a esta usuária?
4. Quais processos de controle social e participação social podem ser
acionados para o enfrentamento deste caso?
5. Como se configura a rede de cuidado em Saúde Mental acessada por
Maria? Quais os componentes acessados e os que não foram acessados?
94
6. Quais os profissionais/equipes envolvidas no cuidado? Quais poderiam se
envolver?
7. Elabore um Plano Terapêutico para a condução ideal neste caso levando
em consideração o Apoio Matricial e a Rede de Cuidado Integral em
Saúde Mental?
95
96
APÊNDICES IV - Situação problema 02
Francisco, 17 anos, solteiro, freqüenta a sexta série do ensino fundamental,
vem apresentando transtorno de conduta e atualmente fazendo uso de crack.
Francisco mora com os pais, sua mãe é hipertensa e seu pai apresenta sérios
problemas cardíacos. O casal costuma buscar tratamento medicamentoso na UBS,
próximo a sua residência, freqüentando sistematicamente o grupo HIPERDIA. A
enfermeira da UBS percebeu que há aproximadamente 03 meses o casal não vem
comparecendo a unidade para retirar as medicações de uso contínuo e participar
dos grupos. A enfermeira e a agente comunitária em saúde (ACS) realizaram uma
Visita Domiciliária (VD) para esta família.
Durante a VD o pai relata tristeza profunda, que vem passando noites sem
dormir e perdeu peso nos últimos meses, e que está muito preocupado com o filho,
pois o mesmo está internado no hospital e sua mãe permanece como
acompanhante. Após a equipe questionar o motivo da internação, o pai receia em
falar, porém confessa que o filho costuma trocar o dia pela noite, diversas foram às
vezes que o recolheram de ruas e valas com muitos ferimentos por agressões. O pai
relata ainda que quando Francisco não usa crack, acaba fazendo uso de álcool
associado a medicações controladas.
Atualmente
Francisco
vem
apresentando
surtos
de
agressividade,
principalmente contra mulheres, afirma ouvir coisas e apresenta discurso
desconexo, isolamento social e familiar, também tentou agredir sua mãe. Roubou
objetos em casa e também na rua.
Antes de ser internado o pai relata que encontrou o filho contorcendo-se e
tremendo, afirmando que se sentiu constrangido em procurar auxilio na UBS,
buscando então atendimento no CAPS. Este por sua vez, buscou avaliação
psiquiátrica e psicológica para Francisco, porém relatou a exacerbação do caso e
encaminhou para o hospital, que embora relutante, aceitou ofertar cuidados
intensivos para este usuário.
O pai emociona-se ao falar com a enfermeira da UBS, refere que não sabe o
que fazer quando o filho voltar para casa, pois impedi-lo de ir a escola foi uma
solução imediata que ele encontrou. Este acredita que na escola Francisco
encontrará com os colegas e amigos que o incentivaram ao uso de crack e que seu
tratamento será, desta forma, prejudicado.
97
1. Como ocorreu o encaminhamento de Francisco ao CAPS? Quais os serviços
de Saúde envolveram-se em TODO o processo?
2. Construa um fluxograma exemplificando o papel da Rede de Cuidado Integral
em Saúde Mental envolvida neste caso.
3. Qual é o vínculo da UBS com esta família? E como deveria ser este vínculo,
considerando a rede de cuidado integral?
4. Qual a participação do hospital no cuidado deste usuário? Qual a relação
deste com os demais serviços de saúde mental deste município?
5. Quais os profissionais em saúde foram envolvidos neste processo? Qual foi o
papel deles diante do caso? E qual deveria ser?
6. Considerando a contextualização do caso, como devem proceder às equipes
de cuidado multidisciplinar para superar as dificuldades encontradas? Aponte
caminhos para os problemas de saúde mental desta família.
7. Elabore um plano terapêutico, para a condução IDEAL deste caso, levanto
em conta o Apoio Matricial e a Rede de Cuidado Integral em Saúde Mental.
98
APÊNDICE V – Termo de consentimento livre e esclarecido
Eu, ..............................................., concordo em participar voluntariamente da
pesquisa Apoio Matricial: vivências e percepções dos profissionais de saúde do
município de Uruguaiana. Esta pesquisa é um estudo que pretende trabalhar as
percepções das equipes da atenção básica ESF II - Posto 7 (Bairro União das Vilas)
e UBS – Posto 14 (Bairro Tabajara Brites) e do CAPS Asas da Liberdade no
município de Uruguaiana acerca da importância do apoio matricial e do atendimento
em redes de cuidado integral em saúde mental.
Tem como objetivo geral ―analisar as percepções das equipes de saúde da
atenção básica e do CAPS sobre o matriciamento em redes de cuidado integral em
saúde mental no município de Uruguaiana‖ e especificamente: (I) estimular a
reflexão dos profissionais em saúde a respeito do tema; (II) conhecer e analisar
como os profissionais de saúde vivenciam experiências de apoio matricial; (III)
identificar linhas, traçados, desenhos que apontem para a configuração de uma rede
de cuidado integral em saúde mental em Uruguaiana.
A condução da pesquisa ocorrerá em 6 encontros através de seminários e
dinâmicas. Serão realizadas reuniões, rodas de conversa, oficinas, discussão de
artigos e filmes. Para a coleta de dados será utilizado questionário semi-estruturado
onde não ocorrerá a identificação do participante, a fim de garantir o anonimato dos
mesmos. Para o registro de informações serão utilizadas câmeras fotográficas (com
ciência e autorização dos participantes ao assinarem este TCLE), atas de reuniões e
diários de campo.
Sua participação na pesquisa consiste participar das reuniões e responder
aos questionários propostos pelas pesquisadoras. Os dados e análises coletadas
durante a pesquisa subsidiarão futuras publicações. Esta pesquisa está de acordo
com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, seguindo, desta forma, os
conceitos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos. A sua participação nesta
pesquisa é livre e voluntária, podendo desistir a qualquer momento sem que isso
acarrete prejuízo para si. Este documento foi elaborado em duas vias idênticas pela
qual uma ficará com você. Suas dúvidas podem ser esclarecidas pelo conjunto das
pesquisadoras, cujos contatos foram acima disponibilizados.
Assinatura do Participante
99
APÊNDICE VI - Readequações da pesquisa em resposta ao pedido da
Secretária Municipal de Saúde
100
ANEXO I - Autorização da pesquisa pelo Secretário da Saúde
101
ANEXO II – Autorização do Centro de Atenção Psicossocial, (CAPS II) Asas da
Liberdade
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