Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
Gabinete do Desembargador Federal Cid Marconi
APELAÇÃO CRIMINAL 12719-RN (0001786-35.2014.4.05.8400)
RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Apelação
Criminal manejada por Severino Basílio de Lima, em face da sentença que,
pela prática do crime de peculato previsto no art. 312, do Código Penal –CP,
condenou-o à pena de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez)
dias-multa, correspondendo cada dia-multa ao valor de 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas
restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade em
entidade a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais e uma interdição
temporária de direitos consubstanciada na proibição do exercício de cargo,
função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, pelo período do
cumprimento da pena.
Segundo a inicial, o ora Apelante, atuando como correspondente
bancário da Caixa Econômica Federal - CAIXA através de sua empresa
(Severino Basílio de Lima-ME) no Município de Lagoa de Pedras/RN, teria se
apropriado, no ano de 2012, de valor correspondente a uma reserva de
dinheiro (suprimento de fundos) repassada pela instituição bancária para a
conta da dita empresa, com o intuito de garantir a realização do pagamento de
benefícios sociais, tendo ele se apropriado dos valores mediante o depósito a
menor da diferença entre os pagamentos efetuados pelos clientes e o
recebimento de valores empreendido pelo correspondente bancário, além de
não ter prestado as contas dessa diferença, o que gerou à empresa pública
federal um prejuízo de R$ 61.248,91 (sessenta e um mil duzentos e quarenta e
oito reais e noventa e um centavos).
No recurso, o Réu sustenta a atipicidade da conduta em face da
ausência de dolo, porque, além de não ter a gerência das contas indicadas
pela CAIXA como originárias da fraude, não fora comprovado qualquer saque
em seu favor para uso próprio do dinheiro, esclarecendo que os valores
contabilizados como faltantes foram consumidos com os juros e encargos das
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operações regulares de pagamentos, requerendo, ao final a sua absolvição –
fls. 116/121.
Contrarrazões do MPF às fls. 125/132.
O opinativo da douta Procuradoria Regional da República foi no
sentido do improvimento da Apelação do Réu, esclarecendo que as provas
colhidas na instrução criminal atestam a autoria delituosa, afirmando que ele
deixou de devolver o saldo remanescente dos pagamentos à CAIXA, além de
não apresentar provas da impossibilidade de prestar contas dos valores,
havendo plena intenção de se apropriar dos valores –fls. 144/146.
É o Relatório. Ao eminente Revisor.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: A sentença
atacada não merece qualquer censura ou glosa.
Entendo estar provada a materialidade e a autoria do delito.
Adoto como razões de decidir a mesma fundamentação da sentença
condenatória, que analisou de forma percuciente a matéria:
“
Quanto à materialidade e autoria do delito em vergaste,
vislumbra-se que foi assinado entre a CAIXA e a empresa
Severino Basílio de Lima-ME, da qual o réu é o proprietário, o
Contrato de Prestação de Serviços de Correspondente CAIXA
AQUI em Município Não-Assistido de Unidades da CAIXA Serviços Financeiros e Recepção de Propostas de Produtos
acostado às fls. 24/32, pelo qual citada empresa acordou em
desempenhar em nome da CAIXA, no Município de Lagoa de
Pedras/RN, as funções previstas na cláusula segunda do
contrato, sendo remunerada, para tanto, com os valores
dispostos no Anexo I.
Tais funções consistiam, em síntese, em realizar pagamentos de
benefícios sociais; possibilitar a movimentação da conta-corrente
pelos clientes, como efetuar saques, retirar extratos etc.; e
receber pagamentos diversos e depósitos dos correntistas,
obrigando-se o correspondente a depositar na conta 043,
exclusiva para a prestação de contas desses recebimentos e
pagamentos de valores, a diferença dessas transações, sob pena
de ser efetuado o débito automático da(s) quantia(s) na contacorrente da pessoa jurídica do correspondente, consoante
previsão constante nos parágrafos da cláusula sétima do contrato
abaixo transcritos:
(...)
Neste aspecto, a testemunha arrolada na denúncia, Luciana
Rodrigues Ferreira, supervisora de canais da CAIXA, função que
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gerencia os correspondentes e unidades lotéricas, disse, nos
intervalos entre 2min59s e 3min10s e 3min22s e 3min45s de seu
depoimento registrado no CD de fl. 87, que a conta 043 tem
função exclusiva de prestação de contas; que ela não fica
negativa porque não gera juros nem encargos; e que, caso os
depósitos não sejam feitos na conta 043 da forma acordada, o
sistema da CAIXA automaticamente retira os valores da conta
003, conta-corrente vinculada ao CNPJ do correspondente,
fazendo incidir, pela utilização de dinheiro de terceiros, da Caixa,
mais especificamente, juros e encargos.
Referida testemunha, cujo depoimento foi corroborado pelo da
outra testemunha elencada na denúncia, Nadelson Lima de
Carvalho, gerente da CAIXA - Agência Parnamirim/RN, também
esclareceu que, para bem executar as tarefas como
correspondente, a CAIXA geralmente disponibiliza às empresas,
nos dez últimos dias úteis do mês, um suprimento de fundos, que
é depositado na conta 003 do correspondente, a fim de que
tenha provisão suficiente para efetuar o pagamento dos
programas sociais, principalmente.
In casu, a testemunha Luciana Rodrigues declarou
categoricamente, no intervalo entre 15min52s e 16min40s de seu
depoimento, que o denunciado recebeu esse suprimento da
CAIXA, equivalente ao valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fato
confirmado pelo próprio réu, no intervalo entre 07min36s e
07min51s de seu interrogatório, também gravado no CD de fl. 87,
o que aniquila a tese da defesa técnica de que esse depósito não
teria sido feito.
Ocorre que, tendo recebido o suprimento de fundos no valor de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o réu não depositou a diferença
das transações, não fez a prestação de contas na conta
operação 043, tampouco comunicou à CAIXA a impossibilidade
de o fazer, o que ocasionou o débito automático das quantias na
conta-corrente da empresa, consoante se infere dos extratos
bancários juntados às fls. 06/12 do Inquérito Policial em apenso.
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Dessa forma, havendo o depósito de reserva de dinheiro na
conta do correspondente e inexistindo a prestação de contas
prevista no contrato, tem-se a apropriação desse valor pelo réu,
configurando-se, pois, o crime em testilha.
Neste ponto, interessante mencionar o intervalo entre 06min30s
e 07min05s do depoimento de Luciana Rodrigues, no qual a
testemunha afirmou que, antes da situação narrada na denúncia,
já teriam ocorrido casos isolados de apropriação pelo réu, de
valores mais baixos, porém eles teriam sido cobertos pelo
denunciado, o que não ocorreu na hipótese dos autos - R$
5.000,00 (cinco mil reais).
Por outro lado, a tese da defesa, de que o réu não agiu com dolo
e que a CAIXA agiu indevidamente, ao cobrar juros e taxas
exorbitantes, não encontra respaldo nos autos, pois o
denunciado, segundo previsão contratual e depoimento da
testemunha Luciana Rodrigues (intervalo entre 05min35s e
06min16s de seu depoimento), recebeu treinamento e
acompanhamento para operacionalizar o sistema da instituição
bancária, estando ciente, ao assinar o contrato, dos encargos
que poderiam advir, caso não cumprisse os ditames do trato,
consoante se extrai das cláusulas a seguir transcritas:
(...)
Pelos elementos constantes nos autos, depreende-se, portanto,
que o réu, na condição de correspondente da CAIXA, agiu
consciente e deliberadamente ao arquitetar engenho criminoso
para apropriar-se de dinheiro pertencente à empresa pública
federal, visando à satisfação pessoal, configurando a prática de
peculato, a teor do art. 312, caput, do Código Penal”–fls.
Também o Apelante não logrou provar a impossibilidade de
prestação de contas dos valores, embora, contrariamente ao alegado em sua
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Apelação, ele, na qualidade de comerciante, detivesse a gerência da empresa
e os conhecimentos técnicos necessários para prestar as informações.
Ficou comprovado, através da análise do “
modus operandi”
, que
o Apelante agiu com a vontade livre e consciente de assenhorear-se, ou pelo
menos, de desviar o dinheiro da CEF, de que tinha a posse em razão do
exercício da atividade, seja em benefício próprio, seja em benefício de outros,
causando prejuízo à instituição bancária, conduta que perfaz, nitidamente, o
ilícito previsto no art. 312, do Código Penal.
No tocante à aplicação da pena, verifico que o Juiz aplicou a
pena no mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão, porque as circunstâncias
judiciais foram favoráveis ao Apelante. Ausentes atenuantes, agravantes,
majorantes e minorantes, torno a pena definitiva.
Mantenho também o pagamento de 10 (dez) dias-multa,
correspondendo cada dia-multa ao valor de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo vigente à época dos fatos, bem como a substituição da pena privativa
de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação
de serviços à comunidade em entidade a ser indicada pelo Juízo das
Execuções Penais e uma interdição temporária de direitos consubstanciada na
proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo, pelo período do cumprimento da pena.
Forte nestas considerações, nego provimento à Apelação do
Réu. É como voto.
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APTE : SEVERINO BASILIO DE LIMA
ADV/PROC : LIDIERY BARBOSA BEZERRA MARIZ
APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATOR
: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI –3ª TURMA
ORIGEM: JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA/RN –JUIZ MÁRIO AZEVEDO JAMBO
(Substituto)
EMENTA
PENAL. PECULATO. CORRESPONDENTE DA CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL. APROPRIAÇÃO DE NUMERÁRIO MEDIANTE A
AUSÊNCIA DE CONTABILIZAÇÃO DOS VALORES. PREJUÍZO
COMPROVADO.
AUTORIA
E
MATERIALIDADE
DELITIVAS
POSITIVADAS. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Agente que, valendo-se da função de correspondente da Caixa
Econômica Federal, apropriou-se de valores de que tinha a posse,
utilizando-se do artifício de registrar o depósito a menor da diferença
entre os pagamentos efetuados pelos clientes e o recebimento de
valores empreendidos pelo correspondente bancário, além de não ter
prestado as contas dessa diferença, configurando-se o delito previsto
no art. 312 do CP.
2. A materialidade delitiva resultou devidamente positivada não apenas
através dos procedimentos administrativos da CEF, mas dos
depoimentos testemunhais colhidos em Juízo, sob o crivo do
contraditório e, concludentes no sentido de que o réu, utilizando-se da
condição de correspondente da CAIXA, teria se apropriado
indevidamente do montante de R$ 61.248,91 (sessenta e um mil
duzentos e quarenta e oito reais e noventa e um centavos).
3. Apelante que, na qualidade de correspondente da CAIXA, tendo
recebido, nos dez últimos dias úteis do mês de outubro de 2012, um
suprimento de fundos no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
depositado na conta 003 para prover o pagamento dos programas
sociais, não depositou a diferença das transações e não fez a prestação
de contas na conta operação 043, tampouco comunicou à CAIXA a
impossibilidade de o fazer, o que ocasionou o débito automático das
quantias na conta-corrente da empresa para repor os valores devidos à
CAIXA.
4. Presença do dolo, pois o Réu detinha poder gerencial da empresa,
além de conhecimentos técnicos para a atividade, tendo recebido da
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CAIXA treinamento e acompanhamento para operacionalizar o sistema
da instituição bancária, estando ciente, ao assinar o contrato, dos
encargos que poderiam advir caso os valores referentes à diferença de
transações não fossem depositados na conta da instituição.
5. O crime de peculato exige a presença do aspecto subjetivo, ou seja, o
animus de dispor de um objeto material, público ou particular, dele se
assenhoreando, e causando um prejuízo comprovado ao Erário Público.
Ficou comprovado, através da análise do modus operandi, que o
Apelante agiu com a vontade livre e consciente de apropriar-se de
numerário do qual tinha a posse em razão da sua qualidade de
correspondente, auferindo vantagem financeira.
6. Apelante que, sopesados os requisitos do art. 59, do referido Código,
teve a pena fixada no mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão, além
do pagamento de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos.
7. Substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas
de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade em
entidade a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais e uma
interdição temporária de direitos consubstanciada na proibição do
exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato
eletivo, pelo período do cumprimento da pena.
8. Apelação do Réu improvida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são
partes as acima identificadas.
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, por unanimidade, negar provimento à Apelação do Réu, nos termos do
relatório, voto do Desembargador Relator e notas taquigráficas constantes nos
autos, que passam a integrar o presente julgado.
Recife (PE), 03 de setembro de 2015.
Desembargador Federal CID MARCONI
Relator
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