Incerteza e risco: Ajundando os alunos do
ensino fundamental a compreender
correlações
Terezinha Nunes & Peter Bryant
Department of Education
University of Oxford
Apoio
The Nuffield Foundation
• Entre a certeza de eventos determinados e a
incerteza dos eventos aleatórios encontra-se
um mundo imperfeito em que existem
associações significantivas entre eventos. Esse
é o mundo das correlações.
• Embora as correlações não possam levar à
certeza, ela podem ser muito úteis em
situações cotidianas e nas ciências.
• Existe uma associação entre a quantidade de
alimento que uma pessoa consome e o
aumento ou redução de seu peso. Essa
associação não é perfeita. No entanto, ela
pode ser usada por médicos e nutricionistas
para aconselhar as pessoas que precisam de
emagrecer ou desejam emagrecer.
• Risco é uma incerteza que pode ser expressa
numericamente, por exemplo através da
probabilidade ou frequência relativa de um
evento considerando-se dados empíricos
(Gigerenzer, 2002,p. 26).
• Na vida diária, falamos em risco somente quando
um evento é negativo mas na literatura médica e
psicológica o termo não tem essa conotação.
Podemos falar, por exemplo, do risco de que uma
pessoa tenha cancer dado um resultado positivo
num teste diagnóstico ou de que ela não tenha
cancer, dado um resultado negativo.
• Ambos os resultados são importantes porque
levam a decisões e ações diferentes
• A palavra risco tem ainda um outro significado, relacionado à
gravidade do evento e à probabilidade de sua ocorrência.
• Esse significado foi explorado no dilema de Pascal (Mlodinow,
2009): Pascal considerou que, na ausência de qualquer prova,
podemos presuupor que a probabilidade de que Deus exista é
0,5, e usou essa probabilidade para decidir se uma pessoa
racional deve ou não seguir as leis de Deus.
• O risco que corremos se seguirmos as leis de Deus é igual a 0,5
(probabilidade de que Deus não existe) x a perda de alguns
prazeres nessa vida, que é limitada. O risco que corremos se não
seguirmos as leis de Deus é 0,5 (probabilidade de que Deus
existe) x a perda da vida e da felicidade eternas. Portanto, Pacal
concluiu que toda pessoa razoável deveria seguir as leis de Deus
pois o risco de seguir as leis de Deus é consideravelmente menor
do que o risco de não seguir as leis de Deus.
• As correlações são medidas da associação e direção
da associação entre duas variáveis. Um coeficiente
de correlação igual a 1 indica que existe uma
correlação perfeita e positiva entre duas variáveis.
Um coeficiente igual a -1 indica uma associação
perfeita e negativa entre duas variáveis. Em ambos
os casos, a correlação pode ser útil para a tomada de
decisões.
• Um coeficiente igual a zero indica que não há uma
associação entre as variáveis. Nesse caso, saber o
valor de uma variável não nos ajuda na tomada de
decisões.
• As correlações nos ajudam a estabelecer a
probabilidade (risco) de um evento a partir de dados
empíricos conhecidos. Por exemplo, se uma comissão
de inquérito precisa decidir se o risco de morte quando
uma pessoa é operada do coração num determinado
hospital é maior do que quando a pessoa é operada
em outro hospital, a comissão precisa usar correlações.
• Como nem todos os pacientes operados no hospital em
questão morrem e nem todos os operados nos outros
hospitais sobrevivem, essencialmente, a questão é se a
chance de morte no hospital sendo investigado é
consideravelmente maior do que em outros hospitais.
Essa questão pode ser analisada através de análises de
correlações.
• Descobertas científicas importantes teriam sido
ignoradas se os pesquisadores esperassem uma
relação perfeita entre as variáveis.
• Quando Florey e seus colaboradores testaram a
penicilina pela primeira vez em pacientes humanos, a
associação entre receber penicilina e cura da infecção
não foi perfeita: 2 dos primeiros 6 pacientes tratados
com penicilina morreram. Mas Florey compreendia que
não era possível considerar somente a percentagem de
sobreviventes entre os pacientes que tomaram
penicilina para saber sua eficácia: é preciso saber
também a percentagem de sobreviventes entre os
pacientes que não tomaram penicilina.
• O raciocínio correlacional é visto como um
elemento essencial nas ciências e no
raciocínio científico cotidiano (scientific
literacy) (Gigerenzer, Swijtink, Porter, Daston,
Beatty, & Kruger, 1989; Robinson, 1968; Ross
& Cousins, 1993).
• É também considerado como uma forma
essencial de antecipar o futuro e otimisar
nossas possibilidades de realização pessoal
(Alloy & Tabachnik, 1984).
• Os estudos sobre correlações podem ser
classificados de diferentes formas.
Distinguimos:
– Estudos diagnósticos: descrevem a compreensão
de correlações e os fatores que influenciam essa
compreensão – podem ser quantitativos ou
qualitativos
– Estudos de intervenção: tentativas de melhorar o
raciocínio correlacional de grupos
– Estudos teóricos: visam analisar o conceito e
oferecem previsões sobre os estudos diagnósticos
e de intervenção
Conceitos envolvidos no raciocínio
correlacional (Bryant & Nunes, 2011)
• A compreensão das correlações depende da
coordenação de diversos conceitos
– eventos aleatórios e não aleatórios
– espaço amostral
– raciocínio proposicional
• busca de informações relevantes
• reação às contradições
– quantificação das probabilidades
– compreensão de relações inversas
Aspectos que influenciam o desempenho
nas tarefas
• Forma de apresentação das informações
– casos individuais, tabelas ou gráficos
– complexidade da tabela (2x2 ou 2x3)
• Habilidades usadas na análise de dados
– registar eventos
– construir tabelas
– fazer previsões
A compreensão de processos aleatórios
• Eventos podem parecer associados sem que sejam realmente
associados
• O objetivo de analisar a correlação entre dois eventos é
estabelecer se sua associação aparece com maior
probabilidade do que apareceria aleatoriamente
• Aprender a distinguir processos aleatórios de processos
determinados (por definições subjetivas ou baseadas em
frequências)
• Batanero, Estepa, Godino & Green (1996) observaram que
alguns estudos usam implicitamente uma concepção
determinística e rejeitam a idéia de associação quando esta
não é perfeita.
Considerando a possibilidade de
co-ocorrência aleatóriamente
• Smedslund (1963) entrevistou enfermeiras formadas ou em
treinamento (N=95) em Denver e Oslo
• As enfermeiras recebiam informações sobre o aparecimento
de um sintoma (por exemplo, dor de cabeça) e o diagnóstico
do paciente
• Elas deveriam decidir se o sintoma era útil para diagnosticar a
doença
• Se um sintoma aparecia em muitas doenças, as enfermeiras
concluíam que esse sintoma era relevante para o diagnóstico
daquela doença, mesmo que não aparecesse em muitos casos
Definir o espaço amostral
• A fim de analisar as associações, precisamos
estabelecer quais são os casos possíveis e quais são
os casos que confirmam ou vão contra a hipótese de
uma associação entre as variáveis
Pessoas com
gripe
Apresentam
conjuntivite
Não apresentam
conjuntivite
Pessoas sem
gripe
O raciocínio proposicional
• A tendência a buscar apenas informações que
confirmem a hipótese, sem buscar
informações que possam falsificá-la
• Nesse cartões, há sempre uma letra de um
lado e um número do outro. Teste a hipótese
de que atrás de uma vogal há sempre um
número par.
A
B
2
3
• Nickerson (1998) define a tendência à confirmação
como a seleção e uso não-intencional de dados
relativos a uma hipótese
• Evans (1989) sugere que esse talvez seja o erro de
inferência mais comum na literatura sobre o raciocínio
humano
• Dawes (2001) sugeriu que muitos profissionais
sucumbem a essa tendência em virtude de sua
experiência. Quando um psicólogo clínico afirma que
uma certa condição psicológica não desaparece sem a
interferência profissional, ele em geral baseia essa
afirmação em sua experiência, que por definição exclui
as pessoas que não buscaram tratamento psicológico e,
ainda assim, solucionaram seu problema.
• Inhelder e Piaget observaram que muitos dos adolescentes
em seu estudo focalizavam apenas os casos sim-sim (no caso,
olhos azuis e cabelos louros)
• Alguns reconheciam que os casos não-não também eram
relevantes
• Seu método de acrescentar casos para mudar a relação
parece ter despertado em aguns adolescentes a consciência
de que todos os casos são relevantes
• Smedsland não encontrou nenhuma enfermeira que indicasse
compreender que a utilidade do sintoma no diagnóstico da
doença dependia da razão entre os casos positivos e os casos
negativos
• Batanero, Estepa, Godino & Green (1996) também
observaram essa seletividade
Quantificação das probabilidades de modo
proporcional
• Considerar se a frequência dos casos positivos
(sim-sim + não-não) é proporcionalmente
maior do que a frequência dos casos negativos
(não-sim + sim-não) e se a diferença poderia
ter ocorrido por acaso
Reação às contradições
• Mesmo em situações em que os eventos são determinados,
alguns alunos ignoram a contradição e continuam a manter
suas hipóteses
• Outros modificam suas hipótese mas não a descartam
(argumentando, por exemplo, que a correlação funciona
em alguns casos e não em outros devido a um terceiro
fator)
• Outros descartam suas hipóteses
• Existe uma associação entre a idade ou escolaridade e
esses comportamentos mas mesmo os adultos podem não
descartar suas hipóteses diante de evidências
contraditórias
• Batanero, Estepa, Godino & Green (1996)
investigaram fatores que influenciam o
desempenho de estudantes nos problemas de
correlação
– A existência de uma crença anterior (associação
entre estudar para uma prova e ser aprovado)
torna a tarefa mais difícil quando os dados não
confirmam a crença anterior
A relação entre habilidades e raciocínio
• Nous and Raven (1973) e Ross and Cousins (1993)
focalizaram as competência necessárias para se
analisar se existe correlação entre duas variáveis
• Essas competênciam eram:
• Organisar as informações em tabelas e gráficos
• Fazer previsões (por exemplo: se o valor na variável A
aumenta, o valor na variável B também aumenta)
• Localizar os dados relevantes para as previsões
• Sintetisar os dados
• Formular conclusões
• Os alunos melhoraram nas habilidades mas não no
raciocínio correlacional
O raciocínio proposicional e a eliminação
de contradições
• Os estudantes do grupo de intervenção
melhoraram nas competências básicas mas
não melhoraram seu desempenho nas
questões sobre correlações, continuando a
usar as idéias que tinham anteriormente
sobre a questão (e.g. os jovens maiores
nadam mais rapidamente porque seus braços
são mais longos)
Modo de apresentação da informação
• Casos individuais
• Tabelas
• Gráficos
• Os alunos formam conclusões mais adequadas sobre uma
associação quando as informações são apresentadas em
gráficos
• Sucesso na tarefa de gráficos não mostra correlação com o
desempenho em problemas sobre aleatoriedade e
quantificação de probabilidades
• Sucesso na tarefa de tabelas mostra uma correlação média
com o desempenho nas outras tarefas
Analisando as relações a partir da quantificação
de probabilidades
• Inhelder & Piaget observaram que muitos
adolescentes consideravam apenas a frequência
nas células sim-sim.
• Quando os pesquisadores aumentaram o número
de cartões nas células não-não, que também são
resultados positivos, muitos adolescentes
dissociaram as duas categorias de análise,
dizendo que os casos não-não são irrelevantes.
• Quando as células relevantes eram quantificadas,
nem sempre essa quantificação era proporcional
• Vass, Schiller and Nappi (2000) usaram uma
abordagem distinta e focalizaram os conceitos
necessários à compreensão das correlações
• Seguindo hipóteses propostas por Inhelder e
Piaget (1958) e Karplus, Adi e Lawson (1980),
sugeriram que a compreensão das correlações
depende da compreensão de quantificação de
probabilidades e proporcionalidade
• Três grupos em seu estudo:
• Controle
• Intervenção 1, que recebeu três dias de instrução em
quantificação de probabilidades e proporções
• Intervenção 2, que recebeu instrução nesses dois conceitos nos
dois primeiros dias e no terceiro dia recebeu instrução sobre
correlações
• Os dois grupos de intervenção melhoraram
significativamente do pre- para o pos-teste mais do que o
grupo de controle.
• As médias dos dois grupos de intervenção foram quase
idênticas
• Essa é uma demonstração significativade que a
compreensão dos conceitos de probabilidade e proporção é
importante para a compreensão das correlações
Número de horas estudando para a prova
Menos de 5
horas
horas
Passou
Não passou
Total
Entre 5 e 10
horas
Mais do que
10 horas
Compreendendo as relações inversas
Alguns alunos parecem crer que só existe uma associação entre duas variáveis
quando a relação é direta
Uma relação inversa é frequentemente interpretada como a ausência de
relação (Batanero et al)
A existência de interação com uma terceira variável é uma hipótese que parece
não ocorrer aos alunos (Ross & Cousins)
Conclusões
• O raciocínio correlacional envolve vários conceitos
• A análise teorica sugeriu resultados que de fato
apareceram nas diversas pesquisas
• Nossos estudos mostram correlações médias e
significativas entre desempenho em tarefas que
avaliam a compreensão de processos aleatórios,
espaço amostral e quantificação de probabilidades
com inferências sobre associação quando os
resultados foram apresentados em tabelas mas não
em gráficos
• Essas correlações não refletem simplesmente
uma maior habilidade em matemática pois a
correlação com compreensão de números
negativos não foi significante
• Resta saber a relação entre raciocínio
proposicional também seria importante
• Estudos de correlação podem mostrar apenas
a associação mas não podem identificar causa
e efeito
• Estudos de intervenção são necessários mas
são caros, de difícil realização e interpretação
52
52
40
24
16
40
Do people with a cold also tend to develop eye infections? Yes
No
Explain why…………………………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………………………
People who have
skin allergies
People who do
not have skin
allergies
People who do
not take much
exercise
13
3
People who take
exercise
regularly
2
12
Do you think that there is a connection between not taking exercise and
having skin allergies?
Yes
No
Explain why you think so .........................................................................................
……………………………………………………………………………………………….
Better eye sight
in the right eye
Better eye sight
in the left eye
Right-handed
people
10
13
Left-handed
people
4
6
Do you think that there is a connection between having better eye sight in one eye
and having a preference to use the hand on the same side of the body?
Yes
No
Explain why you think
so……………………………………………………………………………………………
…
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Incerteza e risco: Ajundando os alunos do ensino