Artigo do Prof. Osvaldo Della Giustina publicado em seu blog, no Portal da Unisul
Editorial nº. 06 - Mover a Massa de Consciência
Quem retornar ao texto que produzir anteriormente para este blog verificará que atribuí o processo de
crescimento da candidatura Barack Obama à indicação do Partido Democrata para disputar a presidência
dos Estados Unidos, ao crescimento da massa de consciência, que acontece também no país líder do
capitalismo, ou policia do mundo, como se iludem os conservadores na trilha de Mr. Bush.
Cito outros líderes com os quais aconteceram semelhantes processos e constato que as esperanças
despertadas acabaram em frustração, cada frustração a seu modo, cada uma por suas razões. Mas em
todas, as esperanças tiveram, em sua origem, um traço comum, o clamor por mudanças, mudanças.
Esperanças de mudar.
Não conhecia, à época Barack Obama. Minha afirmação de que os Estados Unidos jamais seriam os
mesmos se os americanos, e seus sistemas lhe permitissem chegar à Presidência, se baseava, antes no
gosto de caldo rescaldado, ou no “déja vu” de seus adversários fossem Hilary Clinton, ou qualquer
herdeiro de Mr. Bush.
As coisas caminharam e Barack Obama, o que os marketeiros imaginaram que jamais teria chance, até
por que, por um destino implacável ou Obama de seu nome lembrava no inconsciente coletivo o inimigo
nº 1 dos Estados Unidos (negócios à parte) Osama Bin Laden. Pareciam até razoáveis os marketeiros e
suas análises.
Agora, praticamente indicado candidato (e para o fenômeno da massa de consciência que o impulsiona
não há grande diferença, se será indicado ou eleito, ou não será), graças ao meu inglês de Oxford entendi
algumas palavras, e quase frases de seu discurso de quase candidato: valores, retomada de valores?
Mudanças? E vi milhares de cartazes – change, change, change, mudança, mudança...
Não sabia até que ponto Barack Obama representava aquela massa de consciência, clamado por valores,
impulsionada pela esperança de mudar.
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Passava outro dia pelo aeroporto do Rio de Janeiro e no meio do lixo dos autores e dos best-sellers
marketizados que infectam as livrarias – inclusive as universitárias, algumas na UNISUL, deparei com o
livro de Barack Obama, a Audácia da Esperança, escrito por ele mesmo, não por um goodwriting
contratado como é comum. Comprei.
Segui lendo a introdução, enquanto voava Rio/Brasília. No meio do vôo, lá por Belo Horizonte, a
densidade do escrito me fez voltar à primeira página, caneta na mão a sublinhar a linha de valores ou a
audácia da esperança que constituem o estofo do quase candidato “que jamais teria chance”. - OBAMA o do inconsciente coletivo, o quase negro, o aparentado dos muçulmanos, o quase apátrida, não
comprometido com o fundamentalismo nacional que mantém a guerra e os negócios, o não abençoado
pelos sistemas, o quase jovem da geração rebelde dos anos 60.
O que esta levando Obama a empolgar as entranhas da sociedade americana despertando-a além da
superfície comprometida com os sistemas, com os preconceitos, com o poder e o policiamento do mundo,
com o anátema aos excluídos ou aos diferentes, enfim com o que parecia ou parece ser a sociedade
americana?
Ou teimamos em ignorar que os valores, a essencialidade, a alma da sociedade, como das pessoas e das
instituições, em geral amortecidas pela demora da mudança, pela frustração da esperança, ou pela pressão
dos sistemas têm nada a ver, ou têm muito pouco a ver, com as estruturas e os valores que teimamos
manter, ou impor?
Ou, tendo consciência desta massa de valores subjacentes, somos capazes apenas de despertá-la ou movê-
la, mas não somos capazes de operacionalizá-la, isto é criar instrumentos de organizar a sociedade depois
da revolução tecnológica, tornando coerentes com ela as estruturas e as normas que regem a economia, a
política, as relações humanas, a cultura, a ética – enfim, somo incapazes de criar a nova civilização,
mudada do tamanho das mudanças da tecnologia.
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O que diz Barack Obama?
“O que incomoda é a disparidade entre a magnitude de nossos desafios e a pequenez de nossa
política – a facilidade com que somos distraídos por coisas insignificantes, a maneira crônica como
evitamos decisões difíceis, nossa aparente incapacidade de chegar a um consenso para atacar qualquer
grande problema”.
Ou: “penso bastante na relação entre as mazelas das regiões urbanas mais pobres e o colapso cultural que
as atinge e que não será solucionado apenas com dinheiro, e que nossos valores e nossa vida espiritual
tem tanta importância quanto nosso PIB”.
Transcrevo agora um trecho de sua Introdução ao livro citado, A Audácia da Esperança.
“Meus encontros com eleitores não apenas confirmaram a decência fundamental do povo americano
como também me lembraram que no âmago da sociedade estão idéias que continuam a impulsionar
nosso inconsciente coletivo; um conjunto de valores que nos une apesar das diferenças, um fio
comum de esperança que faz que nossa experiência comum de democracia funcione. Esses valores e
idéias encontram expressão não apenas nas placas de mármore dos monumentos ou no texto dos livros de
história. Eles permanecem vivos em nosso coração e na mente da maioria dos americanos – e inspiram
nosso orgulho, senso de dever e sacrifício.
Reconheço os riscos inerentes a este discurso. Numa era de globalização e mudanças tecnológicas
vertiginosas, política inescrupulosa e guerras culturais intermináveis, não parecemos possuir nem ao
menos uma língua em comum com a qual discutir nossos ideais, quanto mais as ferramentas necessárias
para chegar a um consenso sobre as maneiras de trabalharmos em conjunto, como nação para trazer esses
ideais à tona. A maioria de nós conhece as artimanhas dos publicitários, dos redatores de discursos, dos
analistas políticos e das pesquisas. Sabemos como as palavras podem ser usadas a serviço de objetivos
cínicos, e como os sentimentos mais nobres podem ser subvertidos em nome do poder, da
conveniência, da ganância e da intolerância. Até mesmo os livros didáticos de história usados no
ensino médio observam como, desde o princípio, a realidade da vida americana se afastou dos seus mitos.
Em um panorama como esse, um discurso de idéias compartilhadas ou valores em comum pode
parecer inocente ao extremo, se não perigoso – uma tentativa de mascarar diferenças importantes no
âmbito da política e da atuação ou, o que é pior, um meio de encobrir as queixas daqueles que se sentem à
margem dos nossos arranjos institucionais.
Mas minha opinião é que temos escolha. Não é necessária uma pesquisa para atestar que a ampla
maioria dos americanos – republicanos, democratas ou independentes – está ciente da zona morta
em que a política se encontra, onde pessoas e grupos procuram defender interesses pessoais e
minorias ideológicas buscam impor sua própria versão da verdade absoluta. Sejamos republicanos
ou democratas, sentimos falta de honestidade, rigor e senso comum no discurso político, e temos aversão
ao que parece ser um menu contínuo de escolhas falsas ou restritas. Sejamos religiosos ou seculares,
pretos, brancos ou mulatos, sentimos – acertadamente – que os desafios mais importantes do país estão
sendo ignorados, e que se não mudarmos logo o curso das coisas podemos ser a primeira geração em
muito tempo a deixar como legado um país mais fraco e dividido do que aquele que herdamos.
Talvez com uma intensidade maior do que em qualquer outro momento da nossa história recente,
precisamos de um novo tipo de política, que seja capaz de escavar e construir algo novo a partir dos
conceitos que nos unem como povo”.
E termina a introdução refletindo sobre o significado da pergunta que lhe fez um jornalista quando eleito
Senador , à caminho de seu Gabinete:
“pergunto se o senhor conseguirá ser honesto, agora que é Senador dos Estados Unidos?”
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Concluindo: não sei quem falou em maioria silenciosa, aqui na UNISUL falamos com freqüência na
alma que nos impulsiona; no livro Participação e Solidariedade falo em massa de consciência que cresce
no mundo, em torno de novos valores, ou valores essenciais.
Gostaria de ter Barack Obama no Conselho Superior da Cátedra UNISUL Participação e
Solidariedade. Não é possível, mesmo porque só falamos e só escrevemos em português, que nos limita
às fronteiras nacionais, mesmo que a tecnologia virtual nos permitisse estar presentes no mundo.
Não será a disparidade entre a magnitude do desafio e a pequenez de nossa política, que nos limita?
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