As Duas Faces de Obama
Ariel Finguerut
Onde quer que você tenha um governo eficiente você tem uma ditadura
Harry Truman (presidente dos EUA entre 1945 – 1953)
O mês de julho tem sido dos mais agitados para Barack H. Obama, tanto
em termos pessoais como para seu governo que ainda terá três anos e
meio pela frente. Por um lado, há sérias acusações contra seu gabinete,
a mais grave envolve Eric H. Holder, equivalente no Brasil a Ministro da
Justiça. Holder teve que se manifestar e ainda deve explicações sobre
investigações indevidas contra grupos conservadores por parte da IRS,
equivalente à Receita Federal e contra o jornalista James Rossen da Fox
News. Rossen investigou um teste nuclear realizado pela Coreia do
Norte que o governo dos EUA não tornou público. Holder precisa agora
explicar que tratamento deu ao caso e se realmente buscou enquadrar
Rossen na lei de espionagem e se assim fez, por que mentiu quando em
testemunho no Senado, no começo de junho, negou ter feito tal
enquadramento. Segundo dados apresentados pela própria Secretaria de
Justiça, Rossen teve em 2010 seus telefones e e-mails pessoais e
profissionais monitorados e espionados pelo governo. Há também outro
caso semelhante envolvendo espionagem contra repórteres da
Associated Press.
Não está claro o que levou o governo dos EUA a espionar repórteres e
grupos conservadores. E também ainda é preciso investigar quais foram
as motivações para tais ações e qual foi o envolvimento do presidente.
Se grupos conservadores foram investigados com o intuito de retalia-los
politicamente ou então se ficar comprovado que o próprio Secretário de
Justiça, Eric Holder, mentiu para a Justiça, o segundo mandado de
Obama pode ter um roteiro parecido com o de Bill Clinton que, em
seu segundo mandato, sofreu com ameaças de impeachment e com
desgastantes disputas e embates jurídicos. Com a diferença de que a
economia estava bem no tempo de Clinton ao contrário do atual cenário.
Quanto ao futuro de Holder no gabinete, Obama tem tentado se mostrar
distante e indiferente. Porém o mesmo não tem sido possível em torno
do incidente internacional envolvendo Edward Snowden, ex – analista de
sistema da agência de Segurança Nacional (NSA em inglês), que revelou
ao mundo mecanismos e estratégicas sistemáticas de espionagem virtual
realizados pelo governo dos EUA. Segundo Snowden, a NSA e outras
agências do governo dos Estados Unidos espionam e armazenam dados
privados de usuários comuns, entre e-mails, chamadas telefônicas,
mensagens instantâneas, buscas em sites de pesquisa, em mapas
virtuais etc. Para além de espionar seus próprios cidadãos, o governo
dos EUA estaria também agindo indiscriminadamente em outros países.
Algumas perguntas ainda estão sem respostas. Por exemplo, qual o
critério para se estabelecer um alvo a ser espionado? Qual é
efetivamente o envolvimento ou cooperação de grandes corporações do
setor de software e das ciências da informação ou de outros governos na
coleta de dados e espionagem? Uma vez descobertos, estes programas
de espionagem serão desativados? Envolvidos serão punidos? Se sim,
por quem, em qual instância? A acusação será de crime contra a
humanidade? Obama deveria perder o Nobel da paz, mesmo que
simbolicamente?
Ainda há muito por descobrir e discutir e não está claro o que o governo
americano faz com as informações coletadas e, sobretudo, até que ponto
o usuário comum de serviços pela internet está livre do monitoramento e
da espionagem por parte dos governos dos Estados Unidos.
Numa primeira reação, Obama declarou que ninguém está vigiando
nossos e-mails, ligações telefônicas ou pesquisas que fazemos
cotidianamente pela internet, mas em seguida também declarou não ser
possível uma sociedade com cem por centro de privacidade e ao mesmo
tempo cem por cento segura. Obama estaria reclamando indiretamente
por uma opção, escolheríamos privacidade na medida em que abriríamos
mão da segurança ou, ao contrário, abriríamos mão da privacidade em
troca de uma sociedade mais segura. É nítida a sensação de que tal
como declarou em 2010, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, a maior
rede social da internet, Obama não acredita em privacidade. Neste
sentido, tanto os escândalos em torno de Eric Holmer como os
deflagrados por Snowden mostram uma face pouco empática aos direitos
civis em geral e à privacidade em particular. Eis a face 100% segurança,
0% privacidade do presidente. A dicotomia de Obama de escolher entre
segurança e privacidade é muito semelhante à dicotomia proposta por
George W. Bush inaugurando a chamada guerra ao terror, logo após s
ataques de 11.09.01, Ou vocês estão conosco ou estão contra nós. E
não deixa de ser irônica esta semelhança.
Obama, além de ser o primeiro presidente negro da história dos
EUA também é o primeiro presidente a abraçar e demonstrar entusiasmo
com as chamadas tecnologias da informação[1] . A começar pelo seu
livro de 2006 (em português- A Audácia da Esperança) com a forte
simpatia pelo Google, empresa que pôde visitar ainda como senador e
que considera, ao lado de outras grandes corporações do Vale do Silício,
apontadas como o futuro da economia global, seguindo pela sua
campanha exitosa de 2008 com forte papel da internet, chegando já
como presidente a usar regularmente instrumentos de comunicação
direta com interlocutores virtuais como, por exemplo, via
Blackberry (marca pioneira de smartphone), além de aparições surpresa
em sites como Reddit e eventual uso do Twitter além de outras redes
sociais. Todavia, toda esta conectividade do presidente não o fez se
solidarizar com jornalistas ou pessoas comuns ao redor do mundo
vítimas da espionagem aleatória e arbitrária de seu governo.
A solidariedade foi manifestada no caso do assassinato de Trayvon
Martin. Trata-se de um jovem negro que foi morto por um homem branco
em caso que se estende nos tribunais desde 2006. Martin não estava
armado, foi aleatoriamente interpretado como suspeito, perseguido e
morto num caso cuja sentença emitida por um tribunal da Flórida
considerou que o atirador, George Zimmerman, é inocente. Antes da
sentença, Obama já havia declarado que Martin poderia ser seu filho e,
após a sentença declarou que ele próprio, Obama já foi tratado com a
mesma desconfiança que o jovem Trayvon passou, com a diferença do
final trágico para o segundo. Em síntese, neste caso, Barack Obama
como líder político, como presidente e como cidadão americano se viu no
lugar de uma pessoa que foi vítima de uma violência, de uma injustiça de
uma ação extrema. Eis a face da empatia do presidente Obama.
A postura de duas faces de Obama gera estranhamento e mal estar, pois
suas promessas de campanha e posturas assumidas como candidato,
tanto em 2008 como 2012, sinalizaram e criaram a expectativa para um
outro desdobramento. Sua palavra de ordem sempre foi mudança, tanto
durante as campanhas como ao longo de seu governo. Claro que
prometer mudanças pode ser vago, mas o contexto sempre foi claro,
mudanças em relação ao governo George W. Bush. Quais mudanças
exatamente?
Poderíamos pensar na política externa, com mais respeito e
engajamento com instituições e regimes internacionais, o que seria um
grande passo e uma grande postura de mudança em relação ao governo
Bush, mas sobretudo se pensarmos na política doméstica, a mudança
seria de um governo menos conservador em temas sociais. Neste
sentido se avançou, principalmente no reconhecimento e extensão de
diretos e causas do movimento gay que Obama soube oportunamente
abraçar politicamente. Não podemos também esquecer a luta da sua
administração pela universalização na saúde, o chamado Obamacare
que, apesar de já aprovado, ainda se estende em disputas judiciais e
sofre grande resistência dos Estados da União. Mas desde quando
privacidade e direitos civis como livre imprensa e livre expressão não são
temais sociais importantes? E por que regredir nestas áreas?
A famosa frase “o preço da liberdade é a eterna vigilância” com autoria
atribuída e disputada por vários autores poderá ganhar nas próximas
décadas mais um possível referente, Barack H. Obama. Com o
agravante de que, em tempos de internet, somente sendo paranoico e
com uma tecnologia sequer imaginada por George Orwell para ser
possível sonhar em manter a grande rede sob plena vigia. E é sempre
bom estarmos atentos e questionarmos quem vigia os vigilantes ou quem
policia a polícia.
Sem um bom equilíbrio entre segurança e privacidade é inevitável
pensarmos que esta busca pela vigilância sem freios pode ser a maior
evidência da própria decadência dos EUA.
[1] A titulo de curiosidade vale lembrarmos que foi Herbert Hoover, presidente entre 1929 e 1932, o primeiro
ocupante da Casa Branca a contar com seu próprio telefone. Obama em 2008 foi o primeiro com
um smartphone.
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