INTENSIVO REGULAR BÁSICO
Disciplina: Direito Civil
Tema: Teoria Geral dos Contratos
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
MATERIAL DE APOIO I
1. Visão Geral dos Contratos no novo CC
O Código Civil de 2002 disciplinou os contratos da seguinte forma:
a)
Título V – Dos contratos em Geral, subdividido em dois Capítulos (Capítulo I - “Das
Disposições Gerais” - e Capítulo 2 - “Da Extinção do Contrato”). Tais capítulos são
ainda estruturados em Seções, que versam sobre aspectos gerais da matéria
contratual;
b)
Título VI – Das Várias Espécies de Contratos, subdividido em 20 capítulos,
compartimentados em várias outras Seções, cuidando dos Contratos em Espécie1.
Nota-se, no estudo dessa disciplina, que o codificador inovou, ao tratar de temas não regulados pelo
Código anterior, a exemplo do contrato preliminar, do contrato com pessoa a declarar, da resolução por
onerosidade excessiva (aplicação da teoria da imprevisão), da venda com reserva de domínio, da venda
sobre documentos e do contrato estimatório.
Além disso, disciplinou contratos novos, como a comissão, a agência/distribuição, a corretagem e o
contrato de transporte, deixando de fazer referência a alguns outros institutos, como, por exemplo, a
cláusula comissória na compra e venda (art. 1163 do CC-16).
Perdeu-se, todavia, a oportunidade de se regular, pondo fim a infindáveis dúvidas, algumas
importantes modalidades contratuais já de uso corrente, como o leasing, o franchising, o factoring, o
consórcio, os contratos bancários e os contratos eletrônicos.
Apesar dessas omissões, entretanto, devemos reconhecer que, em geral, o trabalho do codificador, na
seara contratual, foi bem desempenhado, sobretudo por haver realçado a necessidade de imprimir
sociabilidade à noção de contrato.
2. Princípios do Direito Contratual
Segue o painel dos princípios que analisaremos em sala de aula:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
o
o
o
o
o
o
2.1.
princípio
princípio
princípio
princípio
princípio
princípio
da
da
da
da
da
da
autonomia privada ou do consensualismo;
força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda);
relatividade subjetiva dos efeitos do contrato;
função social do contrato;
boa-fé objetiva;
equivalência material.
Observações acerca do princípio da função social do contrato
Devemos, de logo, ressaltar que a função social do contrato traduz conceito sobremaneira aberto e
indeterminado, impossível de se delimitar aprioristicamente.2
HUMBERTO THEODORO JR., citando o competente professor PAULO NALIN, na busca por delimitar as
suas bases de intelecção, lembra-nos, com acerto, que a função social manifestar-se-ia em dois níveis3:
1
Contratos em Espécie integram a grade do Curso Modular do LFG.
Sobre o tema, confira-se a excelente obra: Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção: Rubens
Limongi França, 2ª Ed. São Paulo: Método, 2002, FLÁVIO TARTUCE.
3
THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 43.
2
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a)
b)
2.2.
intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondose o respeito à lealdade negocial e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência
material entre os contratantes;
extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu
impacto eficacial na sociedade em que fora celebrado.
Observações acerca do princípio da boa-fé objetiva
Além das finalidades interpretativa, integradora e delimitadora de direitos subjetivos, o princípio da
boa-fé objetiva ainda tem a função constitutiva (normativa) de deveres anexos ou de proteção,
implícitos em qualquer contrato4.
CONTRATO VÁLIDO ------------------------ RELAÇÃO OBRIGACIONAL:
(FONTE PRIMORDIAL
DE OBRIGAÇÕES)
a) dever jurídico principal: prestação de DAR,
FAZER ou NÃO FAZER;
b) deveres jurídicos anexos ou satelitários
(decorrentes
da
BOA-FÉ
OBJETIVA):
lealdade
e
confiança,
assistência,
informação, confidencialidade ou sigilo etc.
A boa-fé objetiva, pois, é o principio ou norma reguladora desses deveres, cuja enumeração não pode
ser considerada taxativa5.
3.
Formação dos Contratos
O contrato se forma quando as manifestações de vontade, em geral contrapostas, contemporizam-se,
conciliando os interesses divergentes, e formando o denominado consentimento.
O consentimento das partes é a pedra de toque de todo contrato:
PARTE 1
-------------
CONSENTIMENTO -------------
PARTE 2
Na denominada “fase de puntuação”, as partes discutem, ponderam, refletem, fazem cálculos, estudos,
redigem a minuta do contrato, enfim, contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar
a uma proposta final e definitiva.
No dizer de GUILLERMO BORDA,
4
Sobre a o tema: CORDEIRO, Antônio Menezes. Da Boa-Fé Objetiva no Direito Civil. Portugal: Almedina, 2001. Em nosso sentir, obra máxima em língua
portuguesa no estudo do princípio.
5
“Entre os deveres com tais características encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de
não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de
aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro,
de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos
colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que
podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja
por expressa disposição legal (CDC, arts.12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar
contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento
da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o
patrimônio da contraparte, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a
fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento
em razão do contrato ou de negociação preliminares, pagamento, por parte do devedor etc” (COSTA, Judith Martins-. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo:
RT, 1999, p.439).
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“Muchas veces las tratativas contractuales se desenvuelven através de um tiempo más o menos
prolongado, sea porque el negocio es complejo y las partes quieren estudiarlo em todas sus
consecuencias o porque quien lo firma no tiene poderes suficientes o por cualquier otro motivo”.6
A característica básica desta fase é justamente a não vinculação das partes à uma relação jurídica
obrigacional, muito embora possa, em tese, haver responsabilidade civil pré-contratual por quebra de
boa-fé objetiva, caso haja lesão à legítima e firme expectativa de contratar alimentada por uma das
partes, à luz do princípio da confiança. Dependerá da análise do caso concreto à luz da principiologia
constitucional aplicada às relações de direito privado, consoante veremos em sala.
Esses atos preparatórios, característicos da fase de puntuação, não se identificam com o denominado
contrato preliminar, figura jurídica que será estudada em momento oportuno.7
A proposta de contratar, também denominada de policitação, consiste na oferta de contratar que uma
parte faz à outra, com vistas à celebração de determinado negócio (daí, aquele que apresenta a oferta
é chamado de proponente, ofertante ou policitante).
Trata-se de uma declaração receptícia de vontade.
O Código Civil, ao disciplinar o tema, na Seção II, do Capítulo I, Título V (Da Formação dos Contratos),
embora não haja elencado os seus elementos constitutivos, regulou-a, nos seguintes termos:
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
Observe-se, portanto, que a proposta de contratar obriga o proponente ou policitante, que não poderá
voltar atrás, ressalvadas apenas as exceções capituladas na própria lei (arts. 427 e 428).
Cuida-se, no caso, do denominado princípio da vinculação ou da obrigatoriedade da proposta,
diretriz normativa umbilicalmente ligada ao dogma da segurança jurídica.
Da análise desse dispositivo, concluímos que o legislador reconhece a perda da eficácia cogente da
oferta, nas seguintes situações especiais:
a)
b)
c)
se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar dos termos dela mesma – é o caso
de o proponente salientar, quando da sua declaração de vontade (oferta), que reserva o
direito de retratar-se ou arrepender-se de concluir o negócio. Tal possibilidade, entretanto,
não deverá existir nas ofertas feitas ao consumidor, na forma da Lei n. 8078/90 (CDC);
se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar da natureza do negócio – cite-se
como exemplo, seguindo o pensamento de CARLOS ROBERTO GONÇALVES, “das
chamadas propostas abertas ao público, que se consideram limitadas ao estoque
existente”8;
se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar das circunstâncias do caso –
nesse caso, optou o legislador por adotar uma dicção genérica, senão abstrata, que dará
ao juiz a liberdade necessária para aferir, no caso concreto, e respeitado o princípio da
razoabilidade, situação em que a proposta não poderia ser considerada obrigatória.
Nessa mesma linha, vale registrar ainda que a proposta pode ter prazo de validade.
É o que dispõe o art. 428 do CC-02 (correspondente ao art. 1.081, CC-16):
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
6
BORDA, Guillermo A. Manual de Contratos. 19 ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, p. 33.
Contrato preliminar e outras figuras correlatas integram a grade do Curso Modular.
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos (Sinopses Jurídicas). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16.
7
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I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se
também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação
semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar
a resposta ao conhecimento do proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo
dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a
retratação do proponente.
Para que entendamos tais situações, é preciso definir o que se entende por “pessoa presente” e
“pessoa ausente”.
Presentes são as pessoas que mantém contato direto e simultâneo uma com a outra, a exemplo
daquelas que tratam do negócio pessoalmente, ou que utilizam meio de transmissão imediata da
vontade (como o telefone, por exemplo). Observe-se que, em tais casos, o aceitante toma ciência da
oferta quase no mesmo instante em que a mesma é emitida.
Ausentes, por sua vez, são aquelas pessoas que não mantém contato direto e imediato entre si, caso
daquelas que contratam por meio de carta ou telegrama (correspondência epistolar).
Não tendo regulado os contratos eletrônicos, entendemos que tais regras, constantes no Código Civil,
devem, mutatis mutandis lhes ser aplicadas.
Nessa linha de raciocínio, poderemos considerar, entre presentes, o contrato celebrado
eletronicamente em um chat (salas virtuais de comunicação), haja vista que as partes envolvidas
mantêm contato direto entre si quando de sua formação, e, por outro lado, entre ausentes, aquele
formado por meio do envio de mensagem eletrônica (e-mail), pois, nesse caso, medeia um lapso de
tempo entre a emissão da oferta e a resposta.
Fora dessas hipóteses (arts. 427, segunda parte e art. 428), portanto, a proposta obriga o
proponente e deverá ser devidamente cumprida, caso haja a conseqüente aceitação.
E o que se entende por aceitação?
Trata-se da manifestação de vontade concordante do aceitante ou oblato que adere à proposta que
lhe fora apresentada.
Cumpre-nos observar que se a aceitação for feita fora do prazo, com adições, restrições, ou
modificações, importará em nova proposta. Ou seja, caso a aquiescência não seja integral, mas feita
intempestivamente ou com alterações (restritivas ou ampliativas), converter-se-á em contraproposta,
nos termos do art. 431 do Código Civil.9
Nessa mesma linha, se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do
proponente, este deverá comunicar o fato imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por
perdas e danos (art. 430).
Finalmente, vale salientar que a aceitação poderá ser expressa ou tácita, consoante se pode concluir da
análise do art. 432 do Código Civil:
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou
o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a
tempo a recusa.
9
Norma muito semelhante vem prevista no Código Civil Argentino: “Art. 1152. Cualquiera modificación que se hiciere em la oferta al aceptarla, importará la
propuesta de um nuevo contrato”.
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Por fim, importante questão a ser enfrentada diz respeito à formação do contrato entre ausentes,
especialmente o pactuado mediante correspondência epistolar.
Aliás, como carecemos de uma disciplina específica dos contratos eletrônicos, a matéria aqui exposta
poderá, mutatis mutandis, ser adaptada àqueles negócios pactuados via e-mail.
Fundamentalmente, a doutrina criou duas teorias explicativas a respeito da formação do contrato entre
ausentes10:
a) teoria da cognição para os adeptos dessa linha de pensamento, o contrato entre
ausentes somente se consideraria formado, quando a resposta do aceitante chegasse ao
conhecimento do proponente.
b) teoria da agnição (dispensa-se que a resposta chegue ao conhecimento do
proponente):
b.1. sub-teoria da declaração propriamente dita – o contrato
se formaria no momento em que o aceitante ou oblato redige,
datilografa ou digita a sua resposta. Peca por ser extremamente
insegura, dada a dificuldade em se precisar o instante da resposta.
b.2. sub-teoria da expedição - considera formado o contrato, no
momento em que a resposta é expedida.
b.3. sub-teoria da recepção – reputa celebrado o negócio no
instante em que o proponente recebe a resposta. Dispensa, como
vimos, que leia a mesma. Trata-se de uma sub-teoria mais segura
do que as demais, pois a sua comprovação é menos dificultosa,
podendo ser provada, por exemplo, por meio do A.R. (aviso de
recebimento), nas correspondências.
Mas, afinal, qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo?
CLÓVIS BEVILÁQUA, autor do projeto do Código Civil de 1916 era, nitidamente, adepto da sub-teoria
da expedição, por reputá-la “a mais razoável e a mais jurídica”.11
Por isso, boa parte da doutrina brasileira, debruçando-se sobre o art. 1086 do Código revogado,
concluía tratar-se de dispositivo afinado com o pensamento de BEVILÁQUA:
Art. 1086 (caput). Os contratos por correspondência epistolar, ou telegráfica, tornamse perfeitos desde que a aceitação é expedida, ... (grifamos)
Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositivo com o correspondente do Código em vigor, teremos a
nítida impressão de que foi adotada a vertente teórica da expedição:
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é
expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.
(grifamos)
Note-se, entretanto, que o referido dispositivo enumera situações em que o contrato não se reputará
celebrado: no caso do art. 433; se o proponente se houver comprometido a esperar a resposta (nesta
hipótese, o próprio policitante comprometeu-se a aguardar a manifestação do oblato); ou, finalmente,
se a resposta não chegar no prazo assinado pelo policitante.
10
Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., pág. 25 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade. vol 3. 25 ed.
São Paulo: Saraiva, 1997.
11
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações.São Paulo: RED, 2000, p. 238.
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Ocorre que se nós observarmos a ressalva constante no inciso I desse artigo, que faz remissão ao art.
433, chegaremos à inarredável conclusão de que a aceitação não se reputará existente, se antes dela
ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.
Atente para essa expressão: “se antes dela ou com ela CHEGAR ao proponente a retratação do
aceitante”.
Ora, ao fazer tal referência, o próprio legislador acabou por negar a força conclusiva da expedição, para
reconhecer que, enquanto não tiver havido a RECEPÇÃO, o contrato não se reputará perfeito, pois,
antes do recebimento da resposta ou simultaneamente a esta, poderá vir o arrependimento do
aceitante.
Dada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite, como vimos, a retratação do
aceitante até que a resposta seja recebida pelo proponente, entendemos que o nosso Código Civil
adotou a sub-teoria da recepção, e não a da expedição12.
Nessa linha, inclusive, enunciado da Terceira Jornada sufraga a tese da recepção, inclusive para a
contratação pela via eletrônica:
E. 173 – Art. 434: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico,
completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente.
4.
Classificação dos Contratos
a) Quanto à Natureza da Obrigação.
a.1) Contratos Unilaterais, Bilaterais ou Plurilaterais - na medida em que o contrato
implique em direitos e obrigações para ambos os contratantes ou apenas para um deles, será bilateral
(ex.: compra e venda) ou unilateral (ex.: depósito), podendo se falar em contrato plurilateral (ou
multi-lateral), na medida em que haja mais de dois contratantes com obrigações (contrato de
constituição de uma sociedade ou de um condomínio);
a.2) Contratos Onerosos ou Gratuitos – Quando a um benefício recebido corresponder um
sacrifício patrimonial (ex: compra e venda), fala-se em contrato oneroso. Quando, porém, fica
estabelecido que somente uma das partes auferirá benefício, enquanto a outra arcará com toda
obrigação, fala-se em contrato gratuito ou benéfico (ex: doação pura (sem encargo) e comodato).
a.3) Contratos Comutativos ou Aleatórios. Quando as obrigações se equivalem, conhecendo
os contratantes, ab initio, as suas respectivas prestações, como, por exemplo, na compra e venda ou
no contrato individual de emprego, fala-se em um contrato comutativo. Já quando a obrigação de
uma das partes somente puder ser exigida em função de coisas ou fatos futuros, cujo risco da não
ocorrência for assumido pelo outro contratante, fala-se em contrato aleatório, previsto nos arts.
458/461, como é o caso, por exemplo, do contratos de seguro, jogo e aposta, bem como como o
contrato de constituição de renda.
Sub-divisão dos Contratos Aleatórios:
a) Contrato de Compra de Coisa Futura, com Assunção de Risco pela
Existência (emptio spei): nessa primeira espécie, prevista expressamente no art.
458, o contratante assume o risco de não vir a ganhar coisa alguma, deixando à
sorte propriamente dita o resultado da sua contratação;
b)
Contrato de Compra de Coisa Futura, sem Assunção de Risco
pela Existência (emptio rei speratae): nessa segunda hipótese, prevista no art.
12
Nesse sentido, tb., GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos (Sinopses Jurídicas). 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p.20/21.
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459, CC-02 (art.1.119, CC-16)13, não há a assunção total de riscos pelo
contratante, tendo em vista que o alienante se comprometeu a que alguma coisa
fosse entregue;
c)
Contrato de Compra de Coisa Presente, mas Exposta a Risco
assumido pelo Contratante: a última modalidade codificada é a que versa sobre
a venda de coisa atual sujeita a riscos, prevista nos art.46014.
a.4) Contratos Paritários ou por Adesão - Na hipótese das partes estarem em iguais
condições de negociação, estabelecendo livremente as cláusulas contratuais, na fase de puntuação,
fala-se na existência de um contrato paritário, diferentemente do contrato de adesão, que pode ser
conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes pré-determina (ou seja, impõe) as
cláusulas do negócio jurídico
a.5) Contratos Evolutivos - Classificação proposta pelo Prof. ARNOLDO WALD, para se referir a
figuras contratuais, próprias do Direito Administrativo, em que é estabelecida a equação financeira do
contrato, impondo-se a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato, pelo que o
mesmo viria com cláusulas estáticas, propriamente contratuais, e outras dinâmicas, impostas por lei.
b) Classificação dos Contratos quanto à Disciplina Jurídica (civis, comerciais, trabalhistas,
consumeristas e administrativos).
c) Classificação dos Contratos quanto à Forma.
c.1) Solenes ou Não-Solenes - Quanto à imprescindibilidade de uma forma específica
para a validade da estipulação contratual;
c.2) Consensuais ou Reais - Em relação à maneira (forma) pela qual o negócio jurídico
é considerado ultimado, ainda nesta classificação quanto à forma, os contratos podem ser
consensuais, se concretizados com a simples declaração de vontade, ou reais, na medida que exijam
a entrega da coisa, para que se reputem existentes.
d) Classificação dos Contratos quanto à Designação (nominados e inominados) - pode-se falar na
existência de contratos nominados e contratos inominados, na medida em que tenham
terminologia ou nomenclatura definida e prevista expressamente em lei ou, em caso
contrário, sejam apenas fruto da criatividade humana.
e) Classificação dos Contratos quanto à Pessoa do Contratante.
e.1) Pessoais ou Impessoais – Quanto à importância da pessoa do contratante para a
celebração e produção de efeitos do contrato, podem tais negócios jurídicos ser classificados em
contratos pessoais ou contratos impessoais. Os primeiros, também chamados de
personalíssimos, são os realizados intuitu personae, ou seja, celebrados em função da pessoa do
contratante, que tem influência decisiva para o consentimento do outro, para quem interessa que a
prestação seja cumprida por ele próprio, pelas suas características particulares (habilidade,
experiência, técnica, idoneidade etc). Nessas circunstâncias, é razoável se afirmar, inclusive, que a
pessoa do contratante torna-se um elemento causal do contrato (ex: contrato de emprego). Já os
contratos impessoais são aqueles em que somente interessa o resultado da atividade contratada,
independentemente de quem seja a pessoa que irá realizá-la.
e.2) Individuais ou Coletivos - Tem-se como parâmetro também o número de sujeitos
envolvidos/atingidos. No contrato individual, sua concepção tradicional se refere a uma estipulação
entre pessoas determinadas, ainda que em número elevado, mas consideradas individualmente. Já no
13
CC-02: “Art.459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá
também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.
Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido”.
14
CC-02: “Art.460. Se for aleatório, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o
preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato”
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contrato coletivo, também chamado de contrato normativo, tem-se uma transubjetivização da
avença, alcançando grupos não individualizados, reunidos por uma relação jurídica ou de fato.
f) Classificação dos Contratos quanto ao Tempo.
f.1) Instantâneos (execução imediata ou execução diferida) - Por
contratos
instantâneos, compreendam-se as relações jurídicas contratuais cujos efeitos são produzidos de uma
só vez (ex: compra e venda a vista de bens móveis, em que o contrato se consuma com a tradição da
coisa). Tal produção concentrada de efeitos, porém, pode se dar ipso facto à avença ou em data
posterior à celebração (em função da inserção de um termo limitador da sua eficácia), subdividindo-se,
assim, tal classificação em contratos instantâneos de execução imediata ou de execução diferida.
Tal subclassificação também tem interesse prático, tendo em vista que, nos contratos de execução
diferida, é aplicável a teoria da imprevisão, por dependerem de circunstâncias futuras, o que, por
óbvio, inexiste nos contratos de execução imediata.
f.2) De duração (determinada ou indeterminada) - Já os contratos de duração, também
chamados de contratos de trato sucessivo, execução continuada ou débito permanente15, são
aqueles que se cumprem por meio de atos reiterados, como, por exemplo, o contrato de prestação de
serviços, compra e venda a prazo e o contrato de emprego. Tal duração pode ser determinada ou
indeterminada, na medida em que haja ou não previsão expressa de termo final ou condição
resolutiva a limitar a eficácia do contrato.
g) Classificação dos Contratos quanto à Disciplina Legal Específica (típicos e atípicos) - Quando há
uma previsão legal da disciplina de determinada figura contratual, estaremos diante de um
contrato típico; na situação inversa, ou seja, em que o contrato não esteja
disciplinado/regulado pelo Direito Positivo, vislumbraremos um contrato atípico.
h) Classificação pelo Motivo Determinante do Negócio (causais e abstratos) - Classificação (lembrada
por SILVIO RODRIGUES), que toma, por base, o motivo determinante do negócio, para
dividi-los em contratos causais e contratos abstratos. Os primeiros estão vinculados à causa que
os determinou, podendo ser declarados inválidos, se a mesma for considerada inexistente,
ilícita ou imoral. Já os contratos abstratos seriam aqueles cuja força decorre da sua própria
forma, independentemente da causa que o estipulou. Seriam os exemplos dos títulos de
crédito em geral, como um cheque.
i) Classificação pela Função Econômica (de troca, associativos, de prevenção de riscos, de
crédito e de atividade)
a) de troca: caracterizado pela permuta de utilidades econômicas, como, por exemplo,
a compra e venda
b) associativos: caracterizado pela coincidência de fins, como é o caso da sociedade e
da parceria;
c) de prevenção de riscos: caracterizado pela assunção de riscos por parte de um dos
contratantes, resguardando a possibilidade de dano futuro e eventual, como nos
contratos de seguro, capitalização e constituição de renda;
d) de crédito: caracterizado pela obtenção de um bem para ser restituído
posteriormente, calcada na confiança dos contratantes e no interesse de obtenção de
uma utilidade econômica em tal transferência. É a hipótese típica do mútuo
feneratício (a juros);
e) de atividade: caracterizado pela prestação de uma conduta de fato, mediante a qual
se conseguirá uma utilidade econômica. Como exemplos, podem ser lembrados os
contratos de emprego, prestação de serviços, empreitada, mandato, agência e
corretagem.
15
“Débito permanente é o que consiste em uma prestação tal que não é possível conceber sua satisfação em um só momento; mas, do contrário, tem de ser
cumprida durante certo período de tempo, continuadamente. A determinação de sua duração resulta da vontade das partes, mediante cláusula contratual em que
subordinam os efeitos do negócio a um acontecimento futuro e certo, ou da declaração de vontade de um dos contratantes pondo termo à relação (denúncia). São,
por conseqüência, por tempo determinado ou indeterminado” (GOMES, Orlando. Contratos, 24 ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.79).
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j) Contratos Reciprocamente Considerados
j.1. Classificação quanto à Relação de Dependência (principais e acessórios) - Os
contratos principais são os que têm existência autônoma, independentemente de outro. Por exceção,
existem determinadas relações contratuais cuja existência jurídica pressupõe a de outros contratos, a
qual servem. É o caso típico da fiança, caução, penhor, hipoteca e anticrese.
j.2. Classificação quanto à Definitividade (preliminares e definitivos) - Por fim, quanto à
definitivamente, podem ser os contratos ser classificados em preliminares e definitivos. Os contratos
preliminares (ou pactum de contrahendo), exceção no nosso ordenamento jurídico, nada mais são do
que negócios jurídicos que têm por finalidade justamente a celebração de um contrato definitivo.
Este tópico foi elaborado por RODOLFO PAMPLONA FILHO (co-autor da obra Novo Curso de Direito Civil
– Saraiva) - E-mail: [email protected].
5.
ANEXOS
TEXTOS COMPLEMENTARES
O princípio da boa-fé nos contratos
Antônio Junqueira de Azevedo16
RESUMO
Tece críticas referentes ao art. 421 do Projeto do Código Civil, onde está presente a cláusula geral da
boa-fé nos contratos. Como insuficiências, destaca: a) não se pode saber se o artigo representa norma
cogente ou dispositiva; b) o artigo se limita ao período que vai da conclusão até a execução do
contrato, não prevendo a aplicação da boa-fé nas fases pré e pós-contratuais. Como deficiências do art.
421, cita a ausência de disposições sobre: deveres anexos, cláusulas faltantes e cláusulas abusivas. A
última crítica é que o Projeto assenta-se em um paradigma ultrapassado, centrado na figura do
julgador, devendo o paradigma atual centrar-se na Constituição, em normas cogentes.
ABSTRACT
The text criticises the Art. 421 of the Civil Code Project where the general clause on good faith in
contracts is established. As inadequacies, it states that: a) it is not possible to know if the article is a
reasonably necessary or specific norm, b) the article is only about the period between the conclusion
and the execution of the contract, not predicting the good faith application in the phases before and
after the contract. It also considers as inadequacies of the Art. 421 and mentions that there are not
dispositions about attached rights, missing and abusive clauses. The last criticism is that the Project is
based in an outmoded paradigm, centred in the judge figure. The actual paradigm should centred itself
in the Constitution, in reasonably necessary norms.
O tema "Boa-fé nos contratos" é uma homenagem que faço ao Prof. Clóvis do Couto e Silva.
Meu intuito é fazer a crítica de um projeto de lei. Sinto-me nisso como quem cumpre um dever.
A presença da boa-fé no Projeto está em três artigos: em um sobre o exercício de direito, em outro
sobre interpretação — como se deve interpretar os negócios jurídicos — e no que me diz respeito boafé nos contratos, no art. 421, cujo texto é o seguinte: Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.
O artigo é insuficiente, deficiente e, além de tudo, revela que está num paradigma anterior aos tempos
em que estamos vivendo. Ele está no paradigma do sistema que alguns dizem aberto, de cláusulas
gerais e conceitos indeterminados. No meu modo de entender, já estamos, no mundo, hoje, em outro
paradigma.
O primeiro paradigma se baseava inteiramente na segurança da lei — naquela idéia de que a lei deve
ser universal, geral, prever tudo com precisão e, tanto quanto possível, ser completa. O papel do juiz,
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nesse paradigma, era o de um autômato. É o famoso juiz "boca da lei", la bouche de la loi, na
linguagem de Montesquieu.
Esse paradigma, no começo do século XX, foi alterado, foi substituído pelo segundo paradigma, que
hoje alguns estão chamando de "sistema aberto". Nesse sistema, o ponto central deixou de ser a lei e
passou a ser o juiz. Para isso, passou-se a utilizar conceitos indeterminados e cláusulas gerais.
A boa-fé é um conceito indeterminado. Quando se refere ao tipo de comportamento exigido — por
exemplo, dos contratantes — configura-se em cláusula geral.
O artigo referido, com a evolução do Direito, é hoje insuficiente por várias razões. Uma delas é que não
sabemos se representa uma norma cogente ou se é uma norma dispositiva. O Projeto de Código Civil
não levou em consideração códigos modernos, como o Uniform Comercial Code (Código Comercial
americano) — na verdade, ainda que tenha horror aos americanos, os Estados Unidos são a Nação que
está impondo as suas regras e nada mais lógico que, pelos menos, se verificasse aquilo que é o código
prescritivo, normativo, no mundo americano. O Uniform Comercial Code diz sobre a boa-fé: The
obligation of good faith may not be disclaimed by agreement, ou seja, no Direito americano está muito
claro que a obrigação de boa-fé não pode ser afastada por contrato. Portanto, ele está imposto como
cogente, mas, o mesmo artigo do Código americano é ainda mais completo porque acrescenta que as
partes podem, por contrato, determinar quais os standards by with the performance of such obligation
is to be measured, ou seja, o standard pelo qual a "performance", a execução da obrigação, será
executada. Naturalmente há determinações possíveis pelas partes, segundo o tipo de área de atividade
e de negócio que estão fazendo. Já nas Ordenações do Reino se dizia que quem compra cavalo no
mercado de Évora não tem direito aos vícios redibitórios. Se um sujeito vai negociar no mercado de
objetos usados, em feira de troca, a boa-fé exigida de um vendedor não pode ser igual à de uma outra
loja ou outro negócio, em que há um pressuposto de cuidado. Portanto, no caso do Projeto, não se
sabe se a norma é cogente e não se fala se as partes podem adotar outros standards ou quais
standards e assim por diante.
Segunda insuficiência: o art. 421 se limita ao período que vai da conclusão do contrato até a sua
execução. Sempre digo que o contrato é um certo processo em que há um começo, prosseguimento,
meio e fim. Temos fases contratuais — fase pré-contratual, contratual propriamente dita e póscontratual. Uma das possíveis aplicações da boa-fé é aquela que se faz na fase pré-contratual, fase
essa em que temos as negociações preliminares, as tratativas. É um campo propício para o
comportamento de boa-fé, no qual ainda não há contrato e podem-se exigir aqueles deveres que uma
pessoa deve ter como correção de comportamento em relação ao outro.
Cito um caso entre a Cica e plantadores de tomate, no Rio Grande do Sul, no qual, em pelo menos 4
acórdãos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu que a Companhia Cica havia criado
expectativas nos possíveis contratantes — pequenos agricultores —, ao distribuir sementes para que
plantassem tomates e, depois, errou ao se recusar a comprar a safra dos tomates. Houve, então,
prejuízo dos pequenos agricultores, baseado na confiança despertada antes do contrato, fase précontratual. Logo, o caso do art. 421 deveria também falar em responsabilidade pré-contratual ou
extensão do comportamento de boa-fé na fase pré-contratual.
Faço um parêntese para exemplificar, transformando em hipótese o que li nos jornais de hoje sobre o
caso da Ford com o Governador do Rio Grande do Sul. A Ford, durante os dois anos em que teria
procurado montar a sua indústria, certamente teve muitos gastos e, de repente, o negócio não teria
sido efetivado. O problema da responsabilidade pré-contratual é justamente esse, qual seja, o dos
gastos que se fazem antes do contrato e quando há a ruptura. Se essa hipótese da Ford for précontratual — no caso, suponho ter havido algum contrato anterior — mas se não houvesse, e se fosse
apenas um problema de negociações, antes de qualquer efetivação do negócio, haveria dois
pressupostos da responsabilidade pré-contratual: a confiança na realização do futuro negócio e o
investimento na confiança. Faltariam, talvez, outros dois pressupostos: o de poder atribuir uma
justificação à confiança que alguém teve e, em segundo lugar, o de que essa confiança tenha sido
causada pela outra parte. Assim, poderíamos duvidar se o Governador chegou a criar essa confiança e,
portanto, provocou a despesa da indústria; e, ainda, se a indústria não confiou demais e assim por
diante. São problemas em aberto, mas de qualquer maneira, o meu primeiro ponto sobre a
responsabilidade pré-contratual é que há uma omissão do Projeto de Código Civil, no artigo em causa.
A terceira insuficiência é na fase pós-contratual, porque se está dito "boa-fé na conclusão" e "na
execução", nada está dito sobre aquilo que se passa depois do contrato. Isso também é assunto que a
doutrina tem tratado — a chamada "responsabilidade pós-contratual" ou post pactum finitum. Darei
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três exemplos para comprovação de que, após o contrato encerrado, ainda há possibilidade de exigir
boa-fé dos contratantes:
1 O proprietário de um imóvel vendeu-o e o comprador o adquiriu por este ter uma bela vista sobre um
vale muito grande, construindo ali uma bela residência, que valia seis vezes o valor do terreno. A
verdade é que o vendedor gabou a vista e aí fez a transferência do imóvel para o comprador — negócio
acabado. Depois, o ex-proprietário, o vendedor foi à prefeitura municipal, verificou que não havia a
possibilidade de construir um prédio em frente, mas adquiriu o prédio em frente ao que tinha vendido e
conseguiu na prefeitura a alteração do plano diretor da cidade, permitindo ali uma construção. Quer
dizer, ele construiu um prédio que tapava a vista do próprio terreno que havia vendido ao outro — esse
não era ato literalmente ilícito. Ele primeiramente vendeu, cumpriu a sua parte. Depois, comprou outro
terreno, foi à prefeitura, mudou o plano, e aí construiu. A única solução para o caso é aplicar a regra da
boa-fé. Ele faltou com a lealdade no contrato que já estava acabado. É, portanto, post pactum finitum.
2 Uma dona de boutique encomendou a uma confecção de roupas 120 casacos de pele. A confecção fez
os casacos, vendeu-os e os entregou para essa dona da boutique. Aí, liquidado esse contrato, a mesma
confecção fez mais 120 casacos de pele idênticos e vendeu-os para a dona da boutique vizinha. Há,
também, evidentemente, deslealdade e post pactum finitum.
1. Um indivíduo queria montar um hotel e procurou o melhor e mais barato carpete para
colocar no seu empreendimento. Conseguiu uma fornecedora que disse ter o preço
melhor, mas que não fazia a colocação. Ele pediu, então, à vendedora a informação de
quem poderia colocar o carpete. A firma vendedora indicou o nome de uma pessoa que
já tinha alguma prática na colocação do carpete, mas não disse que o carpete que estava
fornecendo para esse empresário era de um tipo diferente. O colocador do carpete pôs
uma cola inadequada e, semanas depois, todo o carpete estava estragado. A vendedora
dizia: cumpri a minha parte no contrato, entreguei, recebi o preço, o carpete era esse, fiz
favor indicando um colocador. Segundo a regra da boa-fé, ela não agiu com diligência,
porque, no mínimo, deveria tê-lo alertado — uma espécie de dever de informar e de
cuidar depois de o contrato ter terminado — a propósito do novo tipo de carpete. Há
responsabilidade pós-contratual.
Portanto, o art. 421 está insuficiente, pois só fala em conclusão — o momento em que se faz o contrato
— e execução. Não fala nada do que está para depois, nem falava do que estava antes. Finalmente,
ainda a propósito das insuficiências, o artigo fala apenas em execução, no momento final, e muitas
vezes o caso na verdade não chega a ser de execução, mesmo que dilatemos a expressão em
português "execução".
A respeito da "substancial performance", ou seja, o contratante que executa em grande parte as suas
obrigações e somente não executa uma pequena parte, por não executar essa pequena parte não seria
razoável que se rescindisse o contrato. O caso dessas cláusulas que permitem uma resolução por um
contratante tendo em vista o inadimplemento de outro, é de inexecução e não propriamente de
execução. Mas uma cláusula resolutiva pode ser empregada com má-fé. O Código deveria ter dito
"execução" ou "extinção da obrigação". Não só o Código Comercial americano, a que vinha me
referindo, fala em "performance" ou enforcement; outros códigos mais novos, a exemplo do de
Quebec, também se referem à execução ou à extinção da obrigação. Até o Código da Louisiana tratou
do assunto.
Refiro-me a esses códigos porque são desta década. O que estou citando do Código Comercial
americano é da última edição, de 1990; o Código da Louisiana, edição de 1999, que foi revista; e o
Código de Quebec entrou em vigor em 1994.
Os autores do Projeto de Código Civil não tiveram conhecimento dessas leis, porque elas são
posteriores. Mas esse é o ponto: ficamos com um Projeto de Código Civil feito antes de os atuais
estudantes de Direito terem nascido! O mundo mudou muito; as coisas ficaram não-factíveis na
situação em que estamos.
Até aqui falamos das insuficiências; temos ainda as deficiências e o problema dos paradigmas — o
assunto é vasto.
Com relação às deficiências, a regra da boa-fé tem uma espécie de função que chamo de "pretoriana"
em relação ao contrato. O chamado "Direito Pretoriano", no Direito romano, foi aquele que os pretores
introduziram para ajudar, suprir e corrigir o Direito Civil. Havia o Direito Civil estrito (o Direito Civil
mais rigoroso) e o Direito Pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel corrigendi e juris civilis gratia.
Essa tríplice função existe na cláusula geral de boa-fé, porque justamente a idéia dessa cláusula no
contrato é ajudar na interpretação do contrato, adjuvandi, suprir algumas das suas falhas, acrescentar
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o que nele não está incluído supplendi e eventualmente corrigir alguma coisa que não é de direito no
sentido de justo corrigendi. Esse é o papel da cláusula de boa-fé nos contratos feitos.
São essas três funções os pontos que, nos países europeus, na doutrina da boa-fé, mais são
salientados. Houve um certo movimento, desde o começo do século, a propósito da boa-fé, ela já teve
até mais importância do que tem hoje e nos últimos anos tem havido até um certo refluxo da mesma,
mas continua fundamental para os contratos.
A interpretação de acordo com a boa-fé está bem tanto no art. 421 como no primeiro artigo da Parte
Geral sobre interpretação dos negócios jurídicos. Mas as outras duas funções, aquela que é supplendi e
a outra que é corrigendi, não estão no Projeto. No caso da função supplendi, há dois aspectos: um é o
problema dos deveres anexos. A cláusula de boa-fé — sempre comentada por todos os tratadistas, por
todos os manuais — cria deveres anexos ao vínculo principal. Existe aquilo a que as partes
expressamente se referiram e, depois, há deveres colocados ao lado, ora ditos secundários, ora
anexos, especialmente o dever de informar, mais um dever negativo, o de manter sigilo sobre alguma
coisa que soube da outra parte, ou até deveres ditos positivos, como o de procurar colaborar com a
outra parte (daí até uma visão talvez excessivamente romântica, de que os contratantes devem
colaborar entre si).
Esses deveres anexos, nos Códigos a que estava me referindo, hoje estão expressos. O Código Civil
holandês, por exemplo, trata do assunto no art. 242 do Livro das Obrigações e diz que as partes devem
respeitar aquilo que convencionaram. Ou seja, o contrato não produz somente os efeitos que foram
convencionados entre as partes, mas igualmente aqueles que, segundo a natureza do contrato,
decorrem das exigências da razão e da eqüidade. Razão e eqüidade é a maneira como o Código Civil
holandês se refere à boa-fé. Os autores holandeses evitaram a palavra "boa-fé", para que não
houvesse confusão com a chamada "boa-fé subjetiva" — a boa-fé no sentido de conhecimento ou
desconhecimento de uma situação. Como o caso da cláusula geral da boa-fé não é um problema de
boa-fé subjetiva, mas sim objetiva, no sentido de comportamento, os holandeses preferiram mudar a
expressão para "exigências da razão e da eqüidade". De qualquer maneira, falam da boa-fé criando
deveres. Idem o art. 1.434 do Código do Quebec que, no caso, já fala em boa-fé. O Projeto, para estar
pelo menos de acordo com os dias de hoje, deveria ter expressa a regra da criação dos deveres
anexos.
O outro ponto, a propósito do supplendi das funções da cláusula de boa-fé, refere-se às cláusulas
faltantes. Às vezes as partes fazem o contrato e, por omissão, falta de previsão ou incapacidade
redacional, não incluem alguma cláusula; teremos, então, uma omissão. Também o Código da
Louisiana prevê a falta de cláusula e atribui à boa-fé a idéia de pôr a cláusula que falta no lugar da
omissão.
A terceira função corrigendi a que me referi e é talvez a pior omissão do Projeto do Código Civil no
tema: "cláusulas abusivas". O nosso Código do Consumidor, que veio muito depois do Projeto do
Código Civil, está mais atualizado do que este. O assunto das cláusulas abusivas não só tem um elenco
no art. 51 do Código como até o Ministério da Justiça publicou mais 29 — no mês de março de 1999 —
cláusulas abusivas em matéria de planos de saúde, de cartão de crédito, de transporte aéreo etc.
O que se passa no resto do mundo, a propósito disso, são referências à boa-fé, como maneira de evitar
as cláusulas abusivas. Por exemplo, no Código de Quebec, em que se define o que é cláusula abusiva, é
feita a distinção entre contrato de consumo (le consommateur) e contrato de adesão, porque pode
haver contrato de adesão de quem não é consumidor. Considera, portanto, abusiva a cláusula que leva
à desvantagem o consumidor, ou aderente a cláusula que, de uma maneira excessiva e irrazoável
(déraisonnable), vá contra as exigências da boa-fé. Mais adiante torna a acrescentar que é abusiva
especialmente a cláusula tão afastada das obrigações essenciais que desnatura o contrato. O Código
Civil holandês também define, em seu art. 248, o que é cláusula abusiva e assim por diante.
Apontei insuficiências e deficiências a propósito da boa-fé nos contratos. Agora, passarei a uma visão
mais global, que demonstra que o paradigma do Projeto de Código Civil está ultrapassado. Em primeiro
lugar, qualquer cientista hoje na Biologia, na Física ou na Química conhece um historiador das ciências
chamado Thomas Kuhn, que escreveu um livro chamado A estrutura das revoluções científicas —
Tradução por Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1975. 262 p. (Debates;
115). Não trata de Direito, mas define o que é paradigma, dizendo que o mundo intelectual caminha
por mudanças de paradigma. Um paradigma foi, por exemplo, na Astronomia, o de Ptolomeu; outro, o
de Copérnico. Um paradigma é o da geometria de Euclides; outro, o da geometria não-euclidiana. Um
da Biologia antes da genética, dos gens; outro, o da genética, e assim por diante.
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No caso do Direito — e isso é senso comum —, aquele paradigma do século passado, da lei, do juiz
autômato, da lei geral, universal, em que o juiz não tinha papel algum, ficou ultrapassado.
Veio, então, um segundo paradigma, no qual o juiz ganhou um papel importante, inclusive com os
trabalhos sobre hermenêutica, o que trouxe mudanças ao tipo de solução. E é isso o que Kuhn diz a
propósito de paradigma, que é uma espécie de modelo de solução que uma determinada área do
conhecimento apresenta para os problemas. O paradigma na visão de Kuhn é um modelo que serve a
um grupo que se dedica a algum tipo de conhecimento, para solucionar os problemas que se
apresentam.
O mundo inteiro, em todas as áreas, está acostumado a trabalhar com problemas. Todo biólogo tem
problema; todo físico tem problema. A maneira como se soluciona o problema é o paradigma, e isso
aprendemos na escola. O professor transmite para o aluno; o aluno aprende e será operador do Direito
com o paradigma que recebeu. Daí uma certa dificuldade quando o paradigma está em mudança ou
quando o anterior entrou em crise. Muitos juristas, muitos professores, no caso do Direito, recusam as
inovações.
Após o da lei, o paradigma dito do juiz, daquele tempo em que o Estado era intervencionista, era
aquele que usava os famosos conceitos jurídicos indeterminados, as cláusulas gerais; os conceitos
indeterminados eram principalmente o que chamo de "bando dos quatro" — à moda daquela revolução
cultural comunista —, quais sejam: função social, boa-fé, ordem pública e interesse público.
O problema todo desses quatro conceitos é que eles não têm conteúdo, são vazios do ponto de vista
axiológico. Eles servem para retórica, e o mundo de hoje não se conforma mais com esses conceitos
vazios. O paradigma, que antes era da lei, passou a ser o do juiz e hoje é o do caso concreto e da
Constituição. Hoje estamos fugindo do juiz. Essa fuga não é um problema do Judiciário, ele vai decidir o
que é da missão dele, que é conflito real, o caso difícil, que exige ponderação. Mas o juiz é um julgador
e, quando não há necessidade desse julgador, não é preciso o juiz. Nesse sentido, há uma fuga do juiz.
Aponto não só a Lei da Arbitragem, que é evidente, mas as instituições como a Bolsa de Mercadorias e
Futuros, como a CVM — Comissão de Valores Mobiliários — a OAB, Conselho de Medicina e várias
outras instituições cujos problemas não deságuam no Judiciário. Fiquei perplexo quando tive de tratar
de um assunto acadêmico — uma tese sobre a Bolsa de Mercadorias e Futuros — e verifiquei que todos
os dias há milhões e milhões de reais que se transferem entre pessoas que negociam na Bolsa de
Mercadorias e Futuros. Nenhum caso da Bolsa de Mercadorias e Futuros está no Poder Judiciário! As
pessoas estão fugindo da estrutura do Judiciário, própria do paradigma anterior. As escolhas, hoje em
dia, recaem em apelar para a Constituição e outros tipos de soluções. O Projeto de Código Civil
infelizmente volta a insistir na presença do juiz para muita coisa. O Projeto está no paradigma do
Estado inchado.
Os conceitos indeterminados — o "bando dos quatro" a que me referi — continuam a ser usados hoje,
mas agora com diretrizes materiais. A Constituição, sobre a função social, não se limitou a dizer que a
propriedade tem função social, como está no art. 5º. Na verdade, disse o que era função social no art.
182, § 2º, para os imóveis urbanos e para a propriedade rural no art. 186. Ou seja, dá diretrizes, não é
um jogo de palavras retórico.
Com relação à boa-fé, todos os códigos modernos dão diretrizes. O Código Civil holandês diz que a boafé deve ser vista de acordo com o Direito holandês, de acordo com o interesse das partes, combinado
com o interesse coletivo. Procura-se dar ao juiz alguma diretiva; uma diretriz para o conceito.
Evidentemente, há normas de ordem pública — um tipo de situação da qual se fala tanto — que são as
cogentes: estas continuam, sem problema. O problema real do conceito indeterminado de ordem
pública é quando se fala em "princípio" de ordem pública e não em "regra" de ordem pública. A regra
de ordem pública é a cogente, mas, quando se fala em princípio e que aí não tem definição, a
tendência hoje é recusar esse emprego vago. Na verdade, deve-se fazer a distinção entre ordem
pública de direção — que era aquela econômica, própria da primeira metade do século — e a ordem
pública de proteção às pessoas mais fracas — que se reflete em normas cogentes. A ordem pública de
direção, hoje encarada como princípio, está limitada à dignidade humana. Quando alguma norma,
alguma decisão, algum contrato quebra a dignidade humana, podemos dizer que ela quebra o princípio
de ordem pública; mas daí extravasar para uma ordem pública de ordem econômica já não está no
mundo de hoje.
Todo código implica um certo desgaste social e um trabalho muito grande para os operadores do
Direito. O meu ponto de vista é que o Projeto de Código Civil é um pouco, só um pouco mais adiantado
do que o Código Civil vigente. Claro, porque um é de 1916 e o outro é de 1970. Porém, não concordo
— tendo em vista as mudanças do mundo de hoje — em adotarmos, para o ano 2000, um Projeto, que
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é de 1970, por uma pequena melhora em relação ao Código Civil. Não vale, tudo posto na balança, o
desgaste que isso representa e aquilo que vai resultar para nós. A questão não é só o Código Civil, e
sim, todo o Direito Civil, e o Direito Civil como está é superior ao Direito Civil como ficaria, se fosse
aprovado o Projeto.
Antonio Junqueira de Azevedo é Professor da Universidade de São Paulo.
APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO DO TRABALHO
“ Quebra da boa-fé objetiva e violação positiva do contrato”
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO POSITIVA DO
CONTRATO. O conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies de deveres, os deveres
de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à prestação que caracteriza o tipo
contratual, constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de serviços, pelo empregado, e a paga
de salário, pelo empregador. Os segundos dizem respeito a deveres de conduta, dentre eles os
deveres de proteção à legítima confiança, de não defraudar imotivadamente a confiança
legitimamente despertada na parte contrária, sob pena de inadimplemento obrigacional na modalidade
conhecida como violação positiva do contrato. Hipótese em que o Banco, ao declarar que não mais
editaria propostas semelhantes, induziu os seus empregados - e, particularmente, o reclamante - a
aderir ao PAI-50.
Declarando-a, assumiu a responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação
da promessa geradora de confiança. Apelo provido.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM.
Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas, sendo recorrente JORGE EDUARDO VIEIRA e recorrido BANCO
DO BRASIL S.A..
Inconformado com a sentença de fls. 113/115, que indeferiu o pedido de pagamento de indenização,
em razão da quebra dos deveres da boa-fé objetiva no contrato, interpõe o reclamante Recurso
Ordinário, pelas razões de fls.119/134.
Com contra-razões (fls. 138/145), vêm os autos conclusos.
É o relatório.
ISTO POSTO:
1. INDENIZAÇÃO - DANO DECORRENTE DA QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA
Não se conforma o recorrente com a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização
equivalente às diferenças entre os benefícios estabelecidos pelo PAI - 50 - Plano de Afastamento
Incentivado e os estabelecidos pelo PEA - Plano de Estímulo ao Afastamento, em razão do
descumprimento, pelo recorrido, dos deveres da boa-fé objetiva no negócio jurídico realizado. Busca a
reforma da decisão.
Com razão o recorrente.
O conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies de deveres, os deveres de prestação
e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à prestação que caracteriza o tipo contratual,
constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de serviços, pelo empregado, e a paga de salário,
pelo empregador (deveres primários de prestação). Os deveres de prestação, correspondentes ao
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direito à prestação, não esgotam, contudo, o conteúdo da relação obrigacional, sintetizando Judith
Martins-Costa:
"A relação obrigacional (...) não concretiza, tão-somente, o "direito a pretender uma prestação" (como
o dever principal de prestação), mas engloba, finalisticamente coligados, também deveres de
prestação colaterais e outros deveres de conduta, incluso os deveres de proteção, deveres
instrumentais (anexos à obrigação principal ou autônomos) além de poderes formativos (ou "direitos
potestativos"), ônus, expectativas legítimas que não se confundem com direitos adquiridos e meras
legitimações a receber atos jurídicos de uma certa relevância"1.
Assim defluem do contrato, por conta dos princípios da boa-fé objetiva e a proteção à legítima
confiança, deveres de proteção, entre os quais o dever de não defraudar imotivadamente a confiança
legitimamente despertada na contraparte, como assegura Mário Júlio de Almeida Costa, em seu livro
tantas vezes citado como repositório da doutrina européia mais atualizada:
"As exigências pragmáticas do tráfico jurídico e uma legítima aspiração a um direito objectivamente
justo postulam que não se atenda apenas à intenção ou vontade do declarante, mas também à sua
conduta e à confiança do destinatário".2
No plano dogmático, pela expressão "princípio da confiança", diz a doutrina, "se está hoje a indicar a
fonte produtora de deveres jurídicos e o limite ao exercício de direitos e poderes formativos, tendo em
vista a satisfação das legítimas expectativas criadas, no alter, pela própria conduta".
Com efeito, tendo em vista a dimensão social e econômica alcançada pelas relações obrigacionais,
espera-se das partes cooperação e confiança na realização dos negócios jurídicos. Atuam aí os
princípios da proteção da boa-fé objetiva - criando deveres de cooperação, informação e lealdade - e,
fundamentalmente, da confiança - vinculando as partes à não frustrar imotivadamente as expectativas
legítimas criadas por sua conduta.
Explica a doutrina:
"Considerados individualmente, pode-se dizer que os deveres de lealdade constringem as partes a não
praticar atos (comissivos ou omissivos), anteriormente à conclusão do contrato, durante a vigência
dele ou até após a sua extinção, que venham frustrar as legítimas expectativas encerradas no ajuste,
ou dele legitimamente deduzidas.3
Assim, tais deveres vedam ao contratante obstaculizar a execução do contrato, proibindo este, por
exemplo, de prevalecer-se de uma situação que contribuíra para criar, em prejuízo do parceiro
contratual, ou de uma condição que ajudara a não-implementar "auxiliando o acaso", como,
ironicamente, refere a doutrina francesa a propósito do art. 1178 do Code Civil" 4.
Há, assim, instrumentalmente voltados para a proteção da legitima confiança, o nascimento de
deveres de proteção, que devem ser observados pelos contratantes, sob pena de inadimplemento
obrigacional na modalidade conhecida como violação positiva do contrato. Os deveres de proteção
mais se impõem quanto maior é a assimetria entre os contratantes, encontrando expressão manifesta
no Direito do Trabalho. Com efeito, se por um lado a confiança é um dos fundamentos dos negócios
jurídicos, por outro a constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma
declaração negocial, assinalando-se:
"Nenhuma ordem jurídica poderia tolerar que os negócios jurídicos fossem atos de leviandade,
mutáveis segundo o arbítrio exclusivo de uma das partes, sem nenhuma consideração aos legítimos
interesses do alter. Pelo contrário, os negócios jurídicos pressupõem declarações marcadas pela
seriedade, sendo, como são, dotados de conseqüências jurídicas, uma vez que as declarações
negociais são, por sua própria função, especialmente capazes de gerar um qualificado grau de certeza
- e, portanto, de confiança - sobre os significados da conduta da contraparte. A manifestação negocial,
assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na
confiança"5.
Na espécie, a legitima expectativa do reclamante derivou de declaração unilateral do reclamado,
quando do período de adesões ao PAI-50 (de dezembro de 2003 a fevereiro de 2004), no sentido de
que não haveria edição de proposta semelhante no futuro. O documento de fl. 38, não impugnado
pelo Banco, trata de informações prestadas pelo empregador acerca da adesão ao PAI-50: "Os
funcionários de Brasília puderam esclarecer, ontem, 10, dúvidas sobre o Plano de Afastamento
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Tema: Teoria Geral dos Contratos
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
Incentivado - PAI 50 com representantes da Unidade de Responsabilidade Socioambiental do Banco do
Brasil. No encontro, realizado na sede do sindicado do DF, o gerente executivo da RSA, Joel Bueno,
reiterou que não haverá a edição de uma proposta semelhante no futuro e que o prazo para adesão
não será prorrogado, encerrando-se às 19 horas da próxima sexta-feira, 13..."(grifei).
Por essa declaração, dotada de inegável eficácia negocial, declarou o Banco que não mais editaria
propostas semelhantes, induzindo os seus empregados - e, particularmente, o reclamante - a aderir
ao PAI 50. Não fosse essa declaração, nenhum compromisso poderia ser imputado ao Banco.
Declarando-a, assumiu a responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação
da promessa geradora de confiança6.
Sabe-se que as declarações unilaterais receptícias, uma vez recebidas pelos
destinatários, vinculam obrigacionalmente, constituindo verdadeira fonte obrigacional. Essa vinculação
se dá porque mesmo os negócios unilaterais, registrando Menezes Cordeiro:
"O Direito tutela (e cristaliza) o negócio jurídico pela necessidade de proteger a confiança que ele
suscita nos destinatários e, em geral, nos participantes da comunidade jurídica. Tendo,
voluntariamente, dado azo ao negócio, o declarante não pode deixar de ser responsabilizado por
ele"7.
Há, assim, estreita ligação entre eficácia de vinculação das promessas e demais negócios unilaterais e
o princípio da confiança. Observe-se a doutrina:
"Trata-se, evidentemente, de uma confiança adjetivada - a confiança legítima (também dita
"expectativa legítima"). O qualificativo "legítima", aposto à idéia de confiança ou de expectativa
confere objetividade ao princípio, afastando-o das puras especulações psicológicas. (...) Assim
objetivada e dotada que é de conteúdo moral e de relevância econômica, a confiança acaba por
compor o núcleo do Direito das Obrigações atual e, vinculada que é à boa-fé objetiva, transforma-se
em fonte de eficácia jurídica, servindo, também como fundamento da vinculabilidade dos negócios
jurídicos"8.
Tal declaração unilateral, criando uma expectativa legítima na parte contrária, vincula juridicamente o
sujeito que as produziu. O rompimento da conduta declarada, que pautou o comportamento alheio, se
constitui, portanto, em verdadeiro inadimplemento negocial.
A propósito, nesse sentido, a lição de Jorge Cesa Ferreira da Silva:
"Aplicada sobre a relação obrigacional, portanto, a boa-fé - incluindo-se nela a idéia de confiança desenvolve uma eficácia que se inicia com os primeiros contatos negociais entre as partes, passa pelo
desenvolvimento do vínculo e sua interpretação e atinge os deveres posteriores à prestação" 9 .
Resta claro, portanto, que o Banco produziu, efetivamente, uma declaração negocial, com conteúdo
hábil a definir a decisão do empregado de vinculação ao negócio jurídico, qual seja, a adesão ao PAI50.
Os programas de afastamento lançados pelo empregador, como, inclusive, admite o banco em sua
defesa, têm o intuito de operar uma redução no seu quadro de pessoal, oferecendo aos empregados
determinados benefícios que constituam incentivo para seu afastamento do posto de trabalho, através
de distrato.
Não atingido o percentual de adesões esperado com o plano antigo, lançou o empregador, após menos
de quatro meses, novo plano, com os mesmos requisitos, estabelecendo, no entanto, maiores
incentivos. É manifesto o descumprimento do dever de proteção por parte do empregador, pelo
rompimento da conduta a que se vinculara mediante a declaração negocial e que condicionou a
adesão do empregado, o que se traduz em verdadeiro inadimplemento obrigacional gerador de danos
ao reclamante. Houve, ademais, induzimento errôneo à adesão em plano menos benéfico, do que
decorreu, objetivamente, o dano.
Frente aos prejuízos sofridos em decorrência da adesão ao plano menos benéfico, ante a quebra da
confiança pelo empregador, faz jus o trabalhador ao pagamento de indenização correspondente.
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
Não há que se falar em ofensa ao ato jurídico perfeito, uma vez que a realização do negócio não
observou "a lei vigente ao tempo em que se efetuou", na forma do art. 6º,
§1º da Lei de Introdução ao Código Civil, porquanto afronta ao estabelecido no art. 422 do Código
Civil.
Dou provimento ao apelo, para condenar o reclamado a pagar ao reclamante indenização
correspondente a um salário bruto e à indenização mensal no valor de R$456,74 (quatrocentos e
cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), até a data em que adquirir condições temporais
para a aposentadoria, independente de sua concessão, ou até a data da efetiva aposentadoria pelo
INSS, o que ocorrer primeiro, nos termos estabelecidos na cláusula 02, item "a", I e IV,
respectivamente, do Livro de Instruções Codificadas de fls. 46/50, que dispõe sobre o PEA.
Ante o exposto,
ACORDAM os Juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade de
votos, em dar provimento ao recurso ordinário do reclamante para condenar o reclamado ao
pagamento de indenização correspondente a um salário bruto e à indenização mensal no valor de
R$456,74 (quatrocentos e cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), até a data em que
adquirir condições temporais para a aposentadoria, independente de sua concessão, ou até a data da
efetiva aposentadoria pelo INSS, o que ocorrer primeiro, nos termos estabelecidos na cláusula 02,
item "a", I e IV, respectivamente, do Livro de Instruções Codificadas de fls. 46/50, que dispõe sobre o
PEA. Valor da condenação que se arbitra em R$20.000,00, para todos os efeitos legais. Custas de
R$400,00 revertidas ao reclamado.
Intimem-se.
Porto Alegre, 6 de setembro de 2006 (quarta-feira).
RICARDO MARTINS COSTA - Juiz Relator
1 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Vol. V, Tomo I, 2 ed, 2005, pp. 2739 e
45-50
2 ALMEIDA COSTA, Mario Júlio, Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de
um contrato, Coimbra, 1984, p 48, grifei. No mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel.
Tratado de Direito Civil Português. Parte Geral. Tomo I, 2ª edição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 305,
apud MARTINS-COSTA, Judith. Parecer, assim ementado: "OFERTA PÚBLICA PARA A AQUISIÇÃO DE
AÇÕES (OPA), seguida, em poucos meses, da incorporação da empresa. Promessa, publicamente
feita, de que a adquirente de ações tinha a intenção de manter o capital social aberto, com liquidez
imediata de suas ações em Bolsa de Valores. Declaração negocial que integrou a base subjetiva da
decisão relativa à permanência de preferencialistas na empresa. Posterior fechamento do capital.
"Intenção consubstanciada na declaração". TEORIA DA CONFIANÇA. Sua dupla formulação, como
fonte de obrigações e como fundamento da vinculabilidade dos negócios jurídicos. Os acionistas nãocontroladores e o princípio da boa-fé. DEVERES DE PROTECAO VIOLADOS. A Violação Positiva. A
DISCIPLINA INFORMATIVA e o Mercado de Capitais. Amplitude e substancialidade dos deveres
informativos. Responsabilidade pela informação lacunosa, inverídica ou não dotada de suficiente
seriedade.
RESPONSABILIDADE PELA CONFIANÇA. Caracterização da ilicitude. Ilicitude de fins e no modo do
exercício do Direito. Culpa. Violação de dever jurídico pré-existente. ABUSO DO PODER DE CONTROLE
pela prática do squeeze out e economic duress. Danos derivados da conduta abusiva. O valor do
reembolso. Quitação. Extensão da quitação". No prelo.:
3 FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A Boa-Fé e a Violação Positiva do Contrato. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 112; MENEZES CORDEIRO, A. M. Da Boa-Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina,
1986, pp. 606-607.
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
4 MARTINS-COSTA, Judith. Parecer acima citado.
5 MARTINS-COSTA, J. Parecer citado.
6 Cf. CARNEIRO DA FRADA, Manuel Antonio de Castro Portugal. Teoria da Confiança e
Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 2004, p. 31 e ss.
7 MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel.Tratado de Direito Civil Português. Parte Geral. Tomo I, 2ª
edição. Coimbra: Almedina: 2000, p. 305, grifou-se.
8 MARTINS-COSTA, Judith, Parecer citado.
9 FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa, A boa-fé e a Violação Positiva do Contrato. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 52.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
ACÓRDÃO
00010-2006-104-04-00-0 RO Fl.
Firmado por assinatura digital em 06/09/2006 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho,
conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
Identificador: 073.893.820.060.906-6
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO. O conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies
de deveres, os deveres de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à
prestação que caracteriza o tipo contratual, constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de
serviços, pelo empregado, e a paga de salário, pelo empregador. Os segundos dizem respeito a
deveres de conduta, dentre eles os deveres de proteção à legítima confiança, de não defraudar
imotivadamente a confiança legitimamente despertada na parte contrária, sob pena de
inadimplemento obrigacional na modalidade conhecida como violação positiva do contrato. Hipótese
em que o Banco, ao declarar que não mais editaria propostas semelhantes, induziu os seus
empregados e, particularmente, o reclamante a aderir ao PAI-50. Declarando-a, assumiu a
responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação da promessa geradora
de confiança. Apelo provido.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM.
Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas, sendo recorrente JORGE EDUARDO VIEIRA e recorrido BANCO
DO BRASIL S.A..
Inconformado com a sentença de fls. 113/115, que indeferiu o pedido de pagamento de indenização,
em razão da quebra dos deveres da boa-fé objetiva no contrato, interpõe o reclamante Recurso
Ordinário, pelas razões de fls.119/134.
Com contra-razões (fls. 138/145), vêm os autos conclusos.
É o relatório.
ISTO POSTO:
1. INDENIZAÇÃO DANO DECORRENTE DA QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA
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Não se conforma o recorrente com a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização
equivalente às diferenças entre os benefícios estabelecidos pelo PAI - 50 Plano de Afastamento
Incentivado e os estabelecidos pelo PEA Plano de Estímulo ao
Afastamento, em razão do descumprimento, pelo recorrido, dos deveres da boa-fé objetiva no negócio
jurídico realizado. Busca a reforma da decisão.
Com razão o recorrente.
O conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies de deveres, os deveres de prestação
e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à prestação que caracteriza o tipo contratual,
constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de serviços, pelo empregado, e a paga de salário,
pelo empregador (deveres primários de prestação). Os deveres de prestação, correspondentes ao
direito à prestação, não esgotam, contudo, o conteúdo da relação obrigacional, sintetizando Judith
Martins-Costa:
“A relação obrigacional (...) não concretiza, tão-somente, o “direito a pretender uma prestação” (como
o dever principal de prestação), mas engloba, finalisticamente coligados, também deveres de
prestação colaterais e outros deveres de conduta, incluso os deveres de proteção, deveres
instrumentais (anexos à obrigação principal ou autônomos) além de poderes formativos (ou “direitos
potestativos”), ônus, expectativas legítimas que não se confundem com direitos adquiridos e meras
legitimações a receber atos jurídicos de uma certa relevância” MARTINS-COSTA, Judith. Comentários
ao Novo Código Civil. Vol. V, Tomo I, 2 ed, 2005, pp. 2739 e 45-50.
Assim defluem do contrato, por conta dos princípios da boa-fé objetiva e a proteção à legítima
confiança, deveres de proteção, entre os quais o dever de não defraudar imotivadamente a confiança
legitimamente despertada na contraparte, como assegura Mário Júlio de Almeida Costa, em seu livro
tantas vezes citado como repositório da doutrina européia mais atualizada:
“As exigências pragmáticas do tráfico jurídico e uma legítima aspiração a um direito objectivamente
justo postulam que não se atenda apenas à intenção ou vontade do declarante, mas também à sua
conduta e à confiança do destinatário”. ALMEIDA COSTA, Mario Júlio, Responsabilidade civil pela
ruptura das negociações preparatórias de um contrato, Coimbra, 1984, p 48, grifei. No mesmo
sentido, MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel. Tratado de Direito Civil Português. Parte Geral. Tomo
I, 2ª edição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 305, apud MARTINS-COSTA, Judith. Parecer, assim
ementado: “OFERTA PÚBLICA PARA A AQUISIÇÃO DE AÇÕES (OPA), seguida, em poucos meses, da
incorporação da empresa. Promessa, publicamente feita, de que a adquirente de ações tinha a
intenção de manter o capital social aberto, com liquidez imediata de suas ações em Bolsa de Valores.
Declaração negocial que integrou a base subjetiva da decisão relativa à permanência de
preferencialistas na empresa. Posterior fechamento do capital.
“Intenção consubstanciada na declaração”. TEORIA DA CONFIANÇA. Sua dupla formulação, como
fonte de obrigações e como fundamento da vinculabilidade dos negócios jurídicos. Os acionistas nãocontroladores e o princípio da boa-fé. DEVERES DE PROTECAO VIOLADOS. A Violação Positiva. A
DISCIPLINA INFORMATIVA e o Mercado de Capitais. Amplitude e substancialidade dos deveres
informativos. Responsabilidade pela informação lacunosa, inverídica ou não dotada de suficiente
seriedade.
RESPONSABILIDADE PELA CONFIANÇA. Caracterização da ilicitude. Ilicitude de fins e no modo do
exercício do Direito. Culpa. Violação de dever jurídico pré-existente. ABUSO DO PODER DE CONTROLE
pela prática do squeeze out e economic duress. Danos derivados da conduta abusiva. O valor do
reembolso. Quitação. Extensão da quitação”. No prelo.:
No plano dogmático, pela expressão “princípio da confiança”, diz a doutrina, “se está hoje a indicar a
fonte produtora de deveres jurídicos e o limite ao exercício de direitos e poderes formativos, tendo em
vista a satisfação das legítimas expectativas criadas, no alter, pela própria conduta”.
Com efeito, tendo em vista a dimensão social e econômica alcançada pelas relações obrigacionais,
espera-se das partes cooperação e confiança na realização dos negócios jurídicos. Atuam aí os
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princípios da proteção da boa-fé objetiva criando deveres de cooperação, informação e lealdade e,
fundamentalmente, da confiança vinculando as partes à não frustrar imotivadamente as expectativas
legítimas criadas por sua conduta.
Explica a doutrina:
“Considerados individualmente, pode-se dizer que os deveres de lealdade constringem as partes a não
praticar atos (comissivos ou omissivos), anteriormente à conclusão do contrato, durante a vigência
dele ou até após a sua extinção, que venham frustrar as legítimas expectativas encerradas no ajuste,
ou dele legitimamente deduzidas. FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A Boa-Fé e a Violação Positiva do
Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 112; MENEZES CORDEIRO, A. M. Da Boa-Fé no Direito
Civil. Coimbra: Almedina, 1986, pp. 606-607.
Assim, tais deveres vedam ao contratante obstaculizar a execução do contrato, proibindo este, por
exemplo, de prevalecer-se de uma situação que contribuíra para criar, em prejuízo do parceiro
contratual, ou de uma condição que ajudara a não-implementar “auxiliando o acaso”, como,
ironicamente, refere a doutrina francesa a propósito do art. 1178 do Code Civil” MARTINS-COSTA,
Judith. Parecer acima citado..
Há, assim, instrumentalmente voltados para a proteção da legitima confiança, o nascimento de
deveres de proteção, que devem ser observados pelos contratantes, sob pena de inadimplemento
obrigacional na modalidade conhecida como violação positiva do contrato. Os deveres de proteção
mais se impõem quanto maior é a assimetria entre os contratantes, encontrando expressão manifesta
no Direito do Trabalho. Com efeito, se por um lado a confiança é um dos fundamentos dos negócios
jurídicos, por outro a constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma
declaração negocial, assinalando-se:
“Nenhuma ordem jurídica poderia tolerar que os negócios jurídicos fossem atos de leviandade,
mutáveis segundo o arbítrio exclusivo de uma das partes, sem nenhuma consideração aos legítimos
interesses do alter. Pelo contrário, os negócios jurídicos pressupõem declarações marcadas pela
seriedade, sendo, como são, dotados de conseqüências jurídicas, uma vez que as declarações
negociais são, por sua própria função, especialmente capazes de gerar um qualificado grau de certeza
e, portanto, de confiança sobre os significados da conduta da contraparte. A manifestação negocial,
assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na
confiança” MARTINS-COSTA, J. Parecer citado..
Na espécie, a legitima expectativa do reclamante derivou de declaração unilateral do reclamado,
quando do período de adesões ao PAI-50 (de dezembro de 2003 a fevereiro de 2004), no sentido de
que não haveria edição de proposta semelhante no futuro. O documento de fl. 38, não impugnado
pelo Banco, trata de informações prestadas pelo empregador acerca da adesão ao PAI-50: “Os
funcionários de Brasília puderam esclarecer, ontem, 10, dúvidas sobre o Plano de Afastamento
Incentivado PAI 50 com representantes da Unidade de Responsabilidade Socioambiental do Banco do
Brasil. No encontro, realizado na sede do sindicado do DF, o gerente executivo da RSA, Joel Bueno,
reiterou que não haverá a edição de uma proposta semelhante no futuro e que o prazo para adesão
não será prorrogado, encerrando-se às 19 horas da próxima sexta-feira, 13...”(grifei).
Por essa declaração, dotada de inegável eficácia negocial, declarou o Banco que não mais editaria
propostas semelhantes, induzindo os seus empregados e, particularmente, o reclamante a aderir ao
PAI 50. Não fosse essa declaração, nenhum compromisso poderia ser imputado ao Banco. Declarandoa, assumiu a responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação da
promessa geradora de confiança Cf. CARNEIRO DA FRADA, Manuel Antonio de Castro Portugal. Teoria
da Confiança e Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 2004, p. 31 e ss. .
Sabe-se que as declarações unilaterais receptícias, uma vez recebidas pelos destinatários, vinculam
obrigacionalmente, constituindo verdadeira fonte obrigacional.
Essa vinculação se dá porque mesmo os negócios unilaterais, registrando Menezes Cordeiro:
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
“O Direito tutela (e cristaliza) o negócio jurídico pela necessidade de proteger a confiança que ele
suscita nos destinatários e, em geral, nos participantes da comunidade jurídica.
Tendo, voluntariamente, dado azo ao negócio, o declarante não pode deixar de ser responsabilizado
por ele” MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel.Tratado de Direito Civil Português. Parte Geral. Tomo I,
2ª edição. Coimbra: Almedina: 2000, p. 305, grifou-se..
Há, assim, estreita ligação entre eficácia de vinculação das promessas e demais negócios unilaterais e
o princípio da confiança. Observe-se a doutrina:
“Trata-se, evidentemente, de uma confiança adjetivada a confiança legítima (também dita
“expectativa legítima”). O qualificativo “legítima”, aposto à idéia de confiança ou de expectativa
confere objetividade ao princípio, afastando-o das puras especulações psicológicas. (...) Assim
objetivada e dotada que é de conteúdo moral e de relevância econômica, a confiança acaba por
compor o núcleo do Direito das Obrigações atual e, vinculada que é à boa-fé objetiva, transforma-se
em fonte de eficácia jurídica, servindo, também como fundamento da vinculabilidade dos negócios
jurídicos” MARTINS-COSTA, Judith, Parecer citado..
Tal declaração unilateral, criando uma expectativa legítima na parte contrária, vincula juridicamente o
sujeito que as produziu. O rompimento da conduta declarada, que pautou o comportamento alheio, se
constitui, portanto, em verdadeiro inadimplemento negocial.
A propósito, nesse sentido, a lição de Jorge Cesa Ferreira da Silva:
“Aplicada sobre a relação obrigacional, portanto, a boa-fé incluindo-se nela a idéia de confiança
desenvolve uma eficácia que se inicia com os primeiros contatos negociais entre as partes, passa pelo
desenvolvimento do vínculo e sua interpretação e atinge os deveres posteriores à prestação”
FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa, A boa-fé e a Violação Positiva do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar,
2002, p. 52. .
Resta claro, portanto, que o Banco produziu, efetivamente, uma declaração negocial, com conteúdo
hábil a definir a decisão do empregado de vinculação ao negócio jurídico, qual seja, a adesão ao PAI50.
Os programas de afastamento lançados pelo empregador, como, inclusive, admite o banco em sua
defesa, têm o intuito de operar uma redução no seu quadro de pessoal, oferecendo aos empregados
determinados benefícios que constituam incentivo para seu afastamento do posto de trabalho, através
de distrato.
Não atingido o percentual de adesões esperado com o plano antigo, lançou o empregador, após menos
de quatro meses, novo plano, com os mesmos requisitos, estabelecendo, no entanto, maiores
incentivos. É manifesto o descumprimento do dever de proteção por parte do empregador, pelo
rompimento da conduta a que se vinculara mediante a declaração negocial e que condicionou a
adesão do empregado, o que se traduz em verdadeiro inadimplemento obrigacional gerador de danos
ao reclamante. Houve, ademais, induzimento errôneo à adesão em plano menos benéfico, do que
decorreu, objetivamente, o dano.
Frente aos prejuízos sofridos em decorrência da adesão ao plano menos benéfico, ante a quebra da
confiança pelo empregador, faz jus o trabalhador ao pagamento de indenização correspondente.
Não há que se falar em ofensa ao ato jurídico perfeito, uma vez que a realização do negócio não
observou “a lei vigente ao tempo em que se efetuou”, na forma do art. 6º, §1º da Lei de Introdução
ao Código Civil, porquanto afronta ao estabelecido no art. 422 do Código Civil.
Dou provimento ao apelo, para condenar o reclamado a pagar ao reclamante indenização
correspondente a um salário bruto e à indenização mensal no valor de R$456,74 (quatrocentos e
cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), até a data em que adquirir condições temporais
para a aposentadoria, independente de sua concessão, ou até a data da efetiva aposentadoria pelo
INSS, o que ocorrer primeiro, nos termos estabelecidos na cláusula 02, item “a”, I e IV,
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
respectivamente, do Livro de Instruções Codificadas de fls. 46/50, que dispõe sobre o PEA.
Ante o exposto,
ACORDAM os Juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade de
votos, em dar provimento ao recurso ordinário do reclamante para condenar o reclamado ao
pagamento de indenização correspondente a um salário bruto e à indenização mensal no valor de
R$456,74 (quatrocentos e cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), até a data em que
adquirir condições temporais para a aposentadoria, independente de sua concessão, ou até a data da
efetiva aposentadoria pelo INSS, o que ocorrer primeiro, nos termos estabelecidos na cláusula 02,
item “a”, I e IV, respectivamente, do Livro de Instruções Codificadas de fls. 46/50, que dispõe sobre o
PEA. Valor da condenação que se arbitra em R$20.000,00, para todos os efeitos legais.
Custas de R$400,00 revertidas ao reclamado.
Intimem-se.
Porto Alegre, 6 de setembro de 2006 (quarta-feira).
RICARDO MARTINS COSTA - Juiz Relator
Bibliografia: Novo Curso de Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos – vol. IV, tomo 01 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho – Ed. Saraiva (www.saraivajur.com.br)
Mensagem
“Quando idealizamos um projeto do bem, que contribua com o nosso crescimento e o da
humanidade, o universo conspira a favor!”.
Um grande abraço, amigos!
Bom São João!
Pablo.
- 22 –
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MATERIAL DE APOIO II
1. Relembrando a principiologia contratual:
a)
b)
c)
d)
e)
o
o
o
o
o
princípio
princípio
princípio
princípio
princípio
da
da
da
da
da
autonomia da vontade ou do consensualismo;
força obrigatória do contrato;
relatividade subjetiva dos efeitos do contrato;
função social do contrato;
boa fé objetiva.
2. Teoria da Imprevisão
A presente teoria somente interessa aos contratos de execução continuada ou de trato
sucessivo, ou seja, de médio ou longo prazo, uma vez que se mostraria inútil nos de consumação
instantânea1.
Podemos, nessa linha de intelecção, decompor essa importante construção dogmática, nos
seguintes elementos:
a)
superveniência de circunstância imprevisível – claro está, assim, que se a
onerosidade excessiva imposta a uma das partes inserir-se na álea de previsão
contratual, não se poderá, em tal caso, pretender-se mudar os termos da avença,
eis que, na vida negocial, nada impede que uma das partes tenha feito um “mau
negócio”;
b)
alteração da base econômica objetiva do contrato – a ocorrência da
circunstância superveniente altera a balança econômica do contrato, impondo a
uma ou ambas as partes onerosidade excessiva;
c)
onerosidade excessiva – conseqüentemente, uma ou até mesmo ambas as
partes experimentam um aumento na gravidade econômica da prestação a que se
obrigou. Com isso, podemos concluir, consoante anotamos linhas acima, que a
teoria da imprevisão não pressupõe necessariamente, enriquecimento de uma
parte em detrimento do empobrecimento da outra. Ao menos em tese. Isso
porque, a superveniência da circunstância não esperada poderá haver determinado
onerosidade para ambas as partes, sem que, com isso, se afaste a aplicação da
teoria.
O novo Código Civil, no entanto, preferiu afastar-se desta doutrina, exigindo o “a extrema
vantagem de uma das partes” como condição para a aplicação da teoria:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em
virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da
citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela
pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de
evitar a onerosidade excessiva.
Jurisprudência Selecionada
ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUMENTO
SALARIAL. DISSÍDIO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO.
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Sobre teoria da imprevisão e resolução do contrato, recomendamos: Revisão Judicial dos Contratos, OTÁVIO L. RODRIGUES JR., Ed. Atlas.
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1. Não pode ser aplicada a teoria da imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro
do contrato administrativo (Lei 8666/93, art. 65, II, d) na hipótese de aumento salarial dos
empregados da contratada em virtude de dissídio coletivo, pois constitui evento certo que deveria ser
levado em conta quando da efetivação da proposta. Precedentes: RESP 411101/PR, 2ª T., Min. Eliana
Calmon, DJ de 08.09.2003 e RESP 134797/DF, 2ª T., Min. Paulo Gallotti, DJ de 1º.08.2000. 2.
Recurso especial provido. (REsp 668.367/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 21.09.2006, DJ 05.10.2006 p. 242)
ADMINISTRATIVO - CONTRATO - CORREÇÃO MONETÁRIA - APLICAÇÃO DO IPC - TEORIA DA
IMPREVISÃO.
1. O STJ tem reconhecido a aplicação do IPC nos meses de março e abril de 1990, porque foi este o
índice que, atrelando a economia como um todo, mensurou efetivamente a inflação, enquanto o BTN
veio a sofrer de parte dessa real inflação. Múltiplos precedentes em indenizações, repetições de
indébito, desapropriações, contas vinculadas do FGTS, no reajuste da prestações do SFH, etc. 2.
Segundo o voto condutor, o contrato previa em suas cláusulas o reajuste das prestações pelo IPC. Tal
índice não se apresenta extorsivo ou exorbitante a justificar a excepcionalidade da Teoria da
Imprevisão.3. Recurso especial improvido. (REsp 476.634/DF, Rel. Ministra
ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA, julgado em 03.08.2004, DJ 04.10.2004 p. 234)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CLÁUSULA DE
REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. REPARTIÇÃO DO ÔNUS.
– A elevação abrupta do dólar norte-americano no mês de janeiro de 1999 representa fato
superveniente capaz de ensejar a revisão contratual, devendo o ônus correspondente ser repartido
entre credor e devedor. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 456.644/RJ, Rel. Ministro BARROS
MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 12.12.2005, DJ 20.03.2006 p. 275)
DIREITO DO CONSUMIDOR. LEASING. CONTRATO COM CLÁUSULA DE CORREÇÃO ATRELADA À
VARIAÇÃO DO DÓLAR AMERICANO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
REVISÃO DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA.
DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA VALORIZAÇÃO CAMBIAL ENTRE ARRENDANTES E ARRENDATÁRIOS.
RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO.
I – Segundo assentou a jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte, os
contratos de leasing submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor. II – A cláusula que atrela a
correção das prestações à variação cambial não pode ser considerada nula a priori, uma vez que a
legislação específica permite que, nos casos em que a captação dos recursos da operação se dê no
exterior, seja avençado o repasse dessa variação ao tomador do financiamento. III – Consoante o art.
6º-V do Código de Defesa do Consumidor, sobrevindo, na execução do contrato, onerosidade excessiva
para uma das partes, é possível a revisão da cláusula que gera o desajuste, a fim de recompor o
equilíbrio da equação contratual. IV - No caso dos contratos de leasing atrelados à variação cambial,
os arrendatários, pela própria conveniência e a despeito do risco inerente, escolheram a forma
contratual que no momento da realização do negócio lhes garantia prestações mais baixas, posto que o
custo financeiro dos empréstimos em dólar era bem menor do que os custos em reais. A súbita
alteração na política cambial, condensada na maxidesvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999,
entretanto, criou a circunstância da onerosidade excessiva, a justificar a revisão judicial da cláusula que
a instituiu. V - Contendo o contrato opção entre outro indexador e a variação cambial e tendo sido
consignado que os recursos a serem utilizados tinham sido captados no exterior, gerando para a
arrendante a obrigação de pagamento em dólar, enseja-se a revisão da cláusula de variação cambial
com base no art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, para permitir a distribuição, entre
arrendantes e arrendatários, dos ônus da modificação súbita da política cambial com a significativa
valorização do dólar americano. (REsp 437.660/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,
QUARTA TURMA, julgado em 08.04.2003, DJ 05.05.2003 p. 306)
ARRENDAMENTO MERCANTIL. CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE
EXCESSIVA. REPARTIÇÃO DO ÔNUS. TUTELA ANTECIPADA.
- A cobrança antecipada do valor residual garantido não descaracteriza o contrato de arrendamento
mercantil” (Súmula n. 293-STJ).
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- A elevação abrupta do dólar norte-americano no mês de janeiro/99 representa fato superveniente
capaz de ensejar a revisão contratual, devendo o ônus correspondente ser repartido entre credor e
devedor. Tutela antecipada parcialmente concedida para tal finalidade. Recurso especial conhecido, em
parte, e provido parcialmente. (REsp 502.518/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA,
julgado em 19.05.2005, DJ 27.06.2005 p. 399)
Finalmente, vale lembrar que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.6, V2, inovou, ao
consagrar essa teoria com novo matiz, ao admitir que o consumidor pudesse pleitear a revisão
do contrato, se circunstância superveniente desequilibrasse a base objetiva do contrato,
impondo-lhe prestação excessivamente onerosa.
Vê-se, pois, da análise deste dispositivo, que a moldura jurídica dada pelo legislador a esta teoria é
peculiar, na medida em que se permite a revisão contratual, independentemente de o fato
superveniente ser imprevisível.
Isso mesmo.
O CDC não exigiu a imprevisibilidade para que se pudesse rediscutir os termos do contrato, razão
por que a doutrina e a jurisprudência especializadas preferem, aí, denominá-la de teoria da
onerosidade excessiva3.
2
CDC: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas;”
3
“CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. VALIDADE. ELEVAÇÃO
ACENTUADA DA COTAÇÃO DA MOEDA NORTE-AMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇÃO
DOS ÔNUS. LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V. I. Não é nula cláusula de contrato de arrendamento mercantil que prevê reajuste das prestações com
base na variação da cotação de moeda estrangeira, eis que expressamente autorizada em norma legal específica (art. 6º da Lei n. 8.880/94). II. Admissível, contudo,
a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por
aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento. III. Índice de reajuste
repartido, a partir de 19.01.99 inclusive, eqüitativamente, pela metade, entre as partes contratantes, mantida a higidez legal da cláusula, decotado, tão somente, o
excesso que tornava insuportável ao devedor o adimplemento da obrigação, evitando-se, de outro lado, a total transferência dos ônus ao credor, igualmente
prejudicado pelo fato econômico ocorrido e também alheio à sua vontade. IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.“ (STJ, Acórdão RESP
472594/SP; RECURSO ESPECIAL (2002/0132082-0), Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00217, Relator p/ Acórdão Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data
da Decisão 12/02/2003, Órgão Julgador TERCEIRA TURMA).
“CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. ART. 6º, V, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTE DA CORTE. 1.
Precedente da Corte assentou que o aumento do dólar americano no mês de janeiro de 1999 representa fato superveniente capaz de ensejar a revisão contratual, nos
termos do art. 6°, V, do Código de Defesa do Consumidor, já que, de modo induvidoso, onerou excessivamente, a prestação contratual, devendo ser repartidos os
ônus gerados, na forma do precedente da 2ª Seção (REsp nº 472.594/SP, 2ª Seção, Relator para o Acórdão o Senhor Ministro Aldir Passarinho Junior). 2. Recurso
especial conhecido e provido, em parte.”(STJ, Acórdão RESP 468158/SP; RECURSO ESPECIAL (2002/0107562-6), Fonte DJ DATA:23/06/2003 PG:00358,
Relator Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Data da Decisão 13/05/2003, Órgão Julgador TERCEIRA TURMA)
“RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE.
CLÁUSULA CAMBIAL. DIFERENÇAS RESULTANTES DA MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL. I - Aplicam-se as disposições do Código de Defesa do
Consumidor aos contratos de arrendamento mercantil. II - A jurisprudência da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça orientou-se no sentido de dividir as
diferenças resultantes da desvalorização cambial, meio a meio, entre arrendante e arrendatário. III - Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, Acórdão RESP
441940/SP; RECURSO ESPECIAL (2002/0070509-1), Fonte DJ DATA: 12/05/2003 PG:00301, Relator Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Data da Decisão
07/04/2003, Órgão Julgador TERCEIRA TURMA)
“DIREITO DO CONSUMIDOR. LEASING. CONTRATO COM CLÁUSULA DE CORREÇÃO ATRELADA À VARIAÇÃO DO DÓLAR AMERICANO.
APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE
EXCESSIVA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA VALORIZAÇÃO CAMBIAL ENTRE ARRENDANTES E ARRENDATÁRIOS. RECURSO
PARCIALMENTE ACOLHIDO. I – Segundo assentou a jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte, os contratos de leasing
submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor. II – A cláusula que atrela a correção das prestações à variação cambial não pode ser considerada nula a priori,
uma vez que a legislação específica permite que, nos casos em que a captação dos recursos da operação se dê no exterior, seja avençado o repasse dessa variação ao
tomador do financiamento. III – Consoante o art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, sobrevindo, na execução do contrato, onerosidade excessiva para uma
das partes, é possível a revisão da cláusula que gera o desajuste, a fim de recompor o equilíbrio da equação contratual. IV - No caso dos contratos de leasing
atrelados à variação cambial, os arrendatários, pela própria conveniência e a despeito do risco inerente, escolheram a forma contratual que no momento da
realização do negócio lhes garantia prestações mais baixas, posto que o custo financeiro dos empréstimos em dólar era bem menor do que os custos em reais. A
súbita alteração na política cambial, condensada na maxidesvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999, entretanto, criou a circunstância da onerosidade
excessiva, a justificar a revisão judicial da cláusula que a instituiu. V - Contendo o contrato opção entre outro indexador e a variação cambial e tendo sido
consignado que os recursos a serem utilizados tinham sido captados no exterior, gerando para a arrendante a obrigação de pagamento em dólar, enseja-se a revisão
da cláusula de variação cambial com base no art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, para permitir a distribuição, entre arrendantes e arrendatários, dos ônus
da modificação súbita da política cambial com a significativa valorização do dólar americano.” (STJ, Acórdão RESP 437660/SP; RECURSO ESPECIAL
(2002/0056040-9), Fonte DJ DATA:05/05/2003 PG:00306, RDDP VOL.:00006 PG:00111, RSTJ VOL.:00168 PG:00412, Relator Min. SÁLVIO DE
FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data da Decisão 08/04/2003, Órgão Julgador QUARTA TURMA)
“LEASING. VARIAÇÃO CAMBIAL. FATO SUPERVENIENTE. ONEROSIDADE EXCESSIVA. DISTRIBUIÇÃO DOS EFEITOS. A brusca alteração da
política cambial do governo, elevando o valor das prestações mensais dos contratos de longa duração, como o leasing, constitui fato superveniente que deve ser
ponderado pelo juiz para modificar o contrato e repartir entre os contratantes os efeitos do fato novo. Com isso, nem se mantém a cláusula da variação cambial em
sua inteireza, porque seria muito gravoso ao arrendatário, nem se a substitui por outro índice interno de correção, porque oneraria demasiadamente o arrendador que
obteve recurso externo, mas se permite a atualização pela variação cambial, cuja diferença é cobrável do arrendatário por metade. Não examinados os temas
relacionados com a prova de aplicação de recursos oriundos do exterior e com a eventual operação de hedge. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.”
(STJ, Acórdão RESP 432599/SP; RECURSO ESPECIAL (2002/0052127-9), Fonte DJ DATA:01/09/2003 PG:00292, Relator p/ Acórdão Min. RUY ROSADO DE
AGUIAR, Data da Decisão 11/02/2003, Órgão Julgador QUARTA TURMA)
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Tema: Teoria Geral dos Contratos
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3. Contratos Atípicos
Por contratos típicos entendam-se aqueles que têm previsibilidade legal, ou seja, que são
regulados pelo Direito Positivo, como a compra e venda, a doação, a locação, o depósito, o seguro, o
comodato, o mútuo etc. São, portanto, figuras com assento na legislação em vigor.
Já os contratos atípicos, por sua vez, são aqueles não regulados em lei, como, por
exemplo, os contratos de hospedagem, factoring e ingeneering, dentre tantos outros.
Segundo doutrina de ORLANDO GOMES4, os contratos atípicos comportam uma subtipificação:
a)
contratos atípicos propriamente ditos – são aqueles criados ou
“inventados” pelas próprias partes, que cuidam de celebrar um negócio
jurídico inteiramente novo, com características específicas, e sem similar no
direito positivo. São fruto da autonomia privada, limitada, como vimos, pelos
princípios superiores de índole constitucional da função social do contrato e da
dignidade da pessoa humana (este último compreensivo da necessidade de
observância da boa-fé objetiva na relação negocial).
Veja esta situação:
“DIREITO COMERCIAL E PROCESSO CIVIL. CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE. COMPARTILHAMENTO DE
QUOTA SOCIAL INDIVISÍVEL. CONTRATO ATÍPICO. INAPLICABILIDADE DOS PRECEITOS
CONCERNENTES AO CONDOMÍNIO. REGÊNCIA PELAS REGRAS CONTRATUAIS QUE NÃO CONTÉM
ILICITUDE E NEM ATENTAM CONTRA A ORDEM PÚBLICA E OS BONS COSTUMES. PRECEDENTE.
PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. PEDIDO ESPECÍFICO. SENTENÇA QUE O ACOLHE PARCIALMENTE PARA
DETERMINAR PROVIDÊNCIA DIVERSA DA SOLICITADA. NULIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. I -O
compartilhamento de quota de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, criada com cláusula
de indivisibilidade, constitui contrato atípico, regido pelas regras definidas pelos contratantes,
admissível desde que não se revista de ilicitude ou contrarie a ordem pública e os bons costumes, a ele
não se aplicando o regime legislativo concernente ao instituto do condomínio. II -Contendo a inicial
pedido específico de divisão da quota social em quotas menores, não se há de ter por implícito os
pedidos de apuração de haveres ou de alienação da coisa comum pelo simples fato de haver nele
referência à extinção do condomínio.” ( STJ, Acórdão RESP 61890/SP; RECURSO ESPECIAL
(1995/0010905-0) Fonte DJ DATA:22/03/1999 PG:00207, JSTJ VOL.:00005 PG:00323, LEXSTJ
VOL.:00120 PG:00124, RT VOL.:00767 PG:00188, Relator Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,
Data da Decisão 18/06/1998, Órgão Julgador QUARTA TURMA).
b)
contratos atípicos mistos – são aqueles formados pela conjugação de
prestações típicas de outros contratos existentes. Resultam, pois, da fusão de
elementos de outros contratos positivados, resultando em uma figura nova,
dotada de autonomia jurídica e unidade sistêmica. É o caso do contrato de
hospedagem, que decorre da conjugação de elementos de outros contratos
como a locação, o depósito, a compra e venda etc.
No que tange à disciplina jurídica dos contratos atípicos, três soluções são sugeridas para a
resolução do problema:
a) teoria da combinação – neste caso, sugere-se que, ao interpretar o contrato atípico,
deve o intérprete decompô-lo, aplicando-se a cada uma de suas partes as regras legais
correspondentes ao contrato que lhe é similar;
b) teoria da absorção – aplicam-se as regras legais correspondentes à prestação que lhe
seja preponderante (assim, se em determinado contrato atípico prevalece a característica
do depósito, aplicam-se-lhe as regras deste último);
c) teoria da aplicação analógica – aplica-se ao contrato atípico as regras legais do
contrato que lhe seja mais próximo (por analogia).
4
GOMES, Orlando, Contratos, 15 ed., Contratos., p. 102 e ss.
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Nenhum desses critérios convence, devendo-se mencionar a advertência de PEDRO VASCONCELOS:
“Nos contratos atípicos, o intérprete tem de contar mais com as estipulações negociais e
pode contar menos com o direito dispositivo”.
(VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos Atípicos. Almedina: Coimbra, 1995, págs. 375-376).
O novo Código, por sua vez, posto não haja dedicado seção ou capítulo específico para a sua
disciplina, fez-lhe expressa menção em seu art 425:
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas
gerais fixadas neste Código.
OBS.: Não devemos confundir os contratos atípicos com a união ou coligação de contratos, em que
há pluralidade contratual, como na situação muito comum e difundida em que um dono de posto de
gasolina celebra vários contratos coligados com a indústria de petróleo (compra do combustível,
empréstimo das bombas, aluguel dos equipamentos). Note-se, pois, que, na coligação, não há unidade
e sim pluralidade de figuras negociais, unidas entre si.
4. Extinção dos Contratos
Estudaremos, no curso, além de outros temas relativos à matéria, as seguintes formas de dissolução do
contrato: a resolução, a resilição e a rescisão:
a) resolução – traduz o desfazimento contratual em caso de inadimplemento;
b) resilição – traduz o desfazimento contratual por simples manifestação de vontade de uma
(resilição unilateral) ou de ambas as partes (resilição bilateral ou distrato);
c) rescisão – é comumente empregada no sentido de resolução, mas, no pensar de doutrinadores
clássicos, deveria ser utilizada apenas para caracterizar o fim do contrato em caso de lesão ou
estado de perigo.
5. TEXTOS COMPLEMENTARES
5.1. Direito Intertemporal e os Contratos5 - Pablo Stolze Gagliano
Com a entrada em vigor do novo Código Civil, importantes problemas referentes ao Direito
Intertemporal poderão ser suscitados, exigindo do magistrado redobrada cautela. Um desses problemas
diz respeito à possibilidade de incidência da lei nova em contratos celebrados antes de 11 de janeiro de
2003.
Tentando dirimir eventual conflito de normas, o Código Civil, em seu art. 2035, dispõe que:
“A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor
deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus
efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se
houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e
dos contratos”.
Segundo esta regra, os negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor do novo Código
continuarão regidos pelas leis anteriores (Código Civil de 1916, Código Comercial), no que tange aos
seus pressupostos de validade (nulidade e anulabilidade).
Destarte, tomando como exemplo um contrato de mútuo (empréstimo de coisa não fungível) celebrado
em 2000, não poderá o intérprete invocar os pressupostos de validade do art. 104 do CC-02, eis que
continuará a ser aplicada a regra anterior do código revogado (art. 82 – agente capaz, objeto lícito,
forma prescrita ou não defesa em lei).
5
Artigo que publicamos no www.novodireitocivil.com.br e desenvolvido em nosso volume IV – Teoria Geral dos Contratos.
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Da mesma forma, não se deve pretender aplicar as regras da lesão e do estado de perigo (defeitos do
negócio jurídico), inauguradas pelo Código de 2002 (art. 156 e 157), restando ao hermeneuta recorrer
a outros meios de colmatação, eventualmente aplicáveis, e à luz da disciplina normativa anterior.
Por tais razões, um contrato celebrado por um menor de 18 anos, antes de 11 de janeiro (data da
entrada em vigor do novo Código), continua sendo anulável (art. 147, I, CC-16), a despeito da redução
da maioridade civil (18 anos), eis que, à época da celebração do negócio, segundo a lei então vigente,
o ato seria considerado inválido.
Aliás, esta impossibilidade de retroação dos efeitos da lei nova para atingir a validez dos negócios já
celebrados apenas consubstancia a observância da regra constitucional que impõe o respeito ao ato
jurídico perfeito (art. 5°, XXXVI, CF).
No entanto, se, por um lado, não pode a lei nova atingir a validade dos negócios jurídicos já
constituídos, por outro, se os efeitos do ato penetrarem o âmbito de vigência do novo Código, deverão
se subordinar aos seus preceitos, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução.
Esta parte final do caput deverá causar polêmica, e abrir margem à insegurança jurídica. Para melhor
entendê-lo, cumpre-nos marcar, neste ponto, um divisor de águas: quanto ao aspecto de sua validade,
não poderá o Código de 2002 atingir negócios celebrados antes da sua vigência; no entanto, quanto ao
seu aspecto eficacial, ou seja, de executoriedade ou produção de seus efeitos, caso estes invadam o
âmbito temporal de vigência da nova lei, estarão a esta subordinados.
Um exemplo.
Imaginemos um contrato de financiamento celebrado em 1999, de execução repetida no tempo (trato
sucessivo), em que o financiado se obrigou a pagar, mensalmente, prestações pecuniárias à instituição
financeira pelo prazo de 5 anos. Pois bem. Entra em vigor o novo Código Civil. Este, por expressa
dicção legal, não poderá interferir na validade do negócio celebrado, embora os efeitos do contrato – de
execução protraída no tempo – se sujeitem às suas normas (art. 2035).
Com isso, regras como as relativas à “resolução por onerosidade excessiva” (arts. 478 a 480), à
“correção econômica das prestações pactuadas” (art. 317), ao “aumento progressivo de prestações
sucessivas” (art. 316), ou às “perdas e danos” (arts. 402 a 405), para citar apenas alguns exemplos,
poderão ser imediatamente aplicadas aos negócios jurídicos já constituídos, por interferirem, apenas,
em seu campo eficacial ou de executoriedade.
Entretanto, nos termos da parte final do art. 2035, se as partes houverem previsto outra forma de
execução, a exemplo da execução instantânea (que se consuma imediatamente, em um só ato), ou se
afastaram a incidência de determinadas regras consagradas na lei nova – que não tenham substrato de
ordem pública – a exemplo do aumento progressivo das prestações sucessivas, poderá ser evitada a
incidência da nova lei.
Mas observe: determinadas normas, como a que prevê a resolução por
onerosidade excessiva ou a correção econômica das prestações pactuadas, em nosso pensamento, por
seu indiscutível caráter publicístico e social, não podem, a prioristicamente, ser afastadas pela vontade
das partes.
Finalmente, o parágrafo único do artigo sob comento, utilizando linguagem
contundente, determina que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social dos contratos e da
propriedade”.
Utilizando a expressão “nenhuma convenção”, o legislador impõe a todos os negócios jurídicos, não
importando se celebrados antes ou após a entrada em vigor do novo Código, a fiel observância dos
seus preceitos de ordem pública, especialmente a função social da propriedade e dos contratos.
Assim, contratos que violem regras ambientais ou a utilização econômica racional do solo, assim como
as convenções que infrinjam deveres anexos decorrentes da cláusula de boa fé objetiva (lealdade,
respeito, assistência, confidencialidade, informação), expressamente prevista no art. 422 do novo
Código, não poderão prevalecer, ante a nova ordem civil.
5.2. A Função Social dos Contratos, a Boa-fé Objetiva e as Recentes Súmulas do Superior Tribunal de
Justiça6
Flávio Tartuce.7
6
Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Agosto de 2005. Coordenação científica Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka.
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INTENSIVO REGULAR BÁSICO
Disciplina: Direito Civil
Tema: Teoria Geral dos Contratos
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
1. Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A
RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE
PLANO DE SAÚDE. 3. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E
FINANCEIRAS. 4. A SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE DE
REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO. 5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.
2. INTRODUÇÃO.
Em nosso livro A Função Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de demonstrar
toda a evolução pela qual vem passando o contrato, particularmente todas as alterações substanciais
pelas quais vem passando esse instituto, que é basilar e fundamental não só para o Direito Civil, como
para todo o Direito Privado.8
Não vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra. Na
realidade, o presente trabalho serve como atualização antecipada do nosso trabalho, trazendo novos
tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relação à função social dos contratos quanto à boa-fé
objetiva. Isso, inclusive, para demonstrar que a jurisprudência de nossos Tribunais superiores vêm
acompanhando essa tendência.
De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela função social dos contratos, os
negócios jurídicos patrimoniais devem ser analisados de acordo com o meio social. Não pode o contrato
trazer onerosidades excessivas, desproporções, injustiça social.9 Também, não podem os contratos
violar interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a proteção da dignidade
humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada
de Direito Civil.10
Assim sendo, entendemos que a função social dos contratos traz conseqüências dentro
do contrato (intra partes) e também para fora do contrato (extra partes).
Como efeito intra partes, citamos a previsão do art. 413 do novo Código Civil, exemplo
típico de relativação da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda), justamente uma das
conseqüências da função social dos negócios jurídicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor
da cláusula penal se a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa é
excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se a expressão “deve” a redução é de ofício,
sem a necessidade de argüição pela parte interessada. Isso é confirmado pela natureza jurídica do
princípio da função social dos contratos, de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo
único, do próprio Código Civil.11
Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o contrato, pelo
menos aparentemente, é bom para as partes, mas ruim para a sociedade. Podemos citar um contrato
celebrado entre uma empresa e uma agência de publicidade. O contrato é civil e paritário, não trazendo
qualquer desequilíbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada é discriminatória
(publicidade abusiva – art. 37, § 2º do CDC), estando nesse ponto presente o vício. Pela presença do
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Graduado pela Faculdade de Direito da USP em 1998. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE-PUC/SP. Mestre em Direito Civil Comparado pela
PUC/SP. Professor dos cursos de pós-graduação em Direito Civil, Direito Civil e Processo Civil e Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD). Autor e
colaborador de obras jurídicas. Advogado em São Paulo. Site: www.flaviotartuce.adv.br.
8
Flávio Tartuce. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005.
9 Não se pode esquecer que o contrato é importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um dos mais brilhantes juristas da nova geração sintetiza
muito bem como deve ser encarada a obrigação atualmente: “A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, formada por um conjunto de direitos,
obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e outras situações jurídicas. A obrigação é tida como um
processo – uma série de atos relacionados entre si -, que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interessa na prestação. Hodiernamente,
não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para além da perspectiva tradicional de subordinação do
devedor ao credor existe o bem comum da relação obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O
bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem
comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade do credor e devedor” (Dignidade Humana e Boa-Fé. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204).
10
“Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o
alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.
Entendemos que a função social do contrato tem respaldo na Constituição Federal. Primeiro, na tríade dignidade-solidariedade-igualdade, que consubstancia o
Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1º, 3º e 5º da Norma Fundamental. Segundo, na função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 170, III
da CF/88) (Flávio Tartuce. Função Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucional recomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino
(Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).
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abuso de direito, o contrato pode ser tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo
Código Civil – nulidade por fraude à lei imperativa diante do ato emulativo.12
Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar a conduta
de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 do novo Código Civil - função de
integração da boa-fé).
Na dúvida, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé (art. 113 do novo
Código Civil – função de interpretação da boa-fé). Em reforço, lembramos a interpretação a favor do
consumidor (art. 47 do CDC) e do aderente (art. 423 do novo Código Civil).
Por fim, a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes a qualquer
negócio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil – função
de controle da boa-fé).
Sem dúvidas, esses dois princípios trazem uma nova dimensão contratual. Felizmente,
antes mesmo do novo Código Civil a nossa melhor jurisprudência já vinha aplicando ao contrato esses
novos paradigmas.
Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurança jurídica. Na
realidade, o contrato tem a principal função de atender à pessoa e aos interesses da coletividade,
diante da tendência de personalização do Direito Privado.13 Essa a real função dos contratos!
As súmulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendência. Passamos a
analisar o seu conteúdo.
3. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA
HIPOTECA.
Prevê a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça que: “A hipoteca firmada entre a
construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda,
não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Trata-se de súmula com relevante enfoque
sociológico.
Ora, sabe-se que a hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa alheia, que recai
principalmente sobre bens imóveis, tratada entre os arts. 1.473 a 1.505 do atual Código Civil. Sem
prejuízo dessas regras especiais, a codificação traz ainda regras gerais quanto aos direitos reais de
garantia, entre os seus artigos 1.419 a 1.430.
Um dos principais efeitos da hipoteca é a constituição de um vínculo real, que
acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vínculo real tem efeitos erga omnes, dando direito de excussão
ao credor hipotecário, contra quem esteja o bem (art. 1.422).
Exemplificando, se um imóvel é garantido pela hipoteca, é possível que o credor
reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que se denomina direito de seqüela.
Assim, não importa se o bem foi transferido a terceiro; esse também perderá o bem, mesmo que o
tenha adquirido de boa-fé.14
A constituição da hipoteca é muito comum em contratos de construção e incorporação imobiliária,
visando um futuro condomínio edilício. Como muitas vezes o construtor não tem condições
econômicas para levar a frente a sua obra, celebra um contrato de empréstimo de dinheiro com um
terceiro (agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o próprio imóvel como garantia, o que
inclui todas as suas unidades do futuro condomínio.
Iniciada a obra, o incorporador começa a vender as unidades para terceiros, que no caso são
consumidores, pois é evidente a caracterização da relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º
da Lei n. 8.078/90.
12
Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz deverá anular qualquer acordo de vontades pela simples ocorrência de um dano
potencial à sociedade, mesmo que haja algum outro interesse comum (Luigi Ferri. La Autonomia Privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho
Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438)
13
Sobre a personalização do Direito Privado, recomendamos as contribuições de Luiz Edson Fachin, particularmente a brilhante obra Estatuto Jurídico do
Patrimônio Mínimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2001).
14
Marco Aurélio S. Viana comenta muito bem esse efeito da hipoteca: “O que caracteriza o direito real de garantia é a vinculação de um bem ao cumprimento da
obrigação. Sua função é assegurar ao credor a satisfação do crédito, colocando-o a cavaleiro da insolvência do devedor (Cf. Orlando Gomes, Direitos Reais, cit., v.
2, p. 468; Clóvis Bevilacqua, Direito das Coisas, cit., v. 2, p. 10). O titular do direito goza de seqüela e preferência. Vinculado o bem à garantia de uma prestação,
sua transmissão implica na do gravame. Isso equivale a dizer que o titular do direito real de garantia acompanhará o bem, exigindo a satisfação do crédito, pouco
importando em mãos de quem ele esteja. O valor do bem está afeto à satisfação do crédito. Assim, quem adquire imóvel hipotecado, por exemplo, poderá vê-lo
levado à venda para pagamento da dívida que garantia. É o direito de seqüela” (Comentários ao Novo Código Civil. Volume XVI. Coordenador: Sálvio de
Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 700).
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Diante da boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os contratos, espera-se que o
incorporador cumpra com todas as suas obrigações perante o agente financiador, pagando
pontualmente as parcelas do financiamento. Assim sendo, não haverá maiores problemas.
Mas, infelizmente, como nem tudo são flores, nem sempre isso ocorre. Em casos tais, quem
acabará perdendo o imóvel, adquirido a tão duras penas? O consumidor, diante do direito de seqüela
advindo da hipoteca.
A referida súmula visa justamente proteger o último, restringindo os efeitos da
hipoteca às partes contratantes. Isso, diante da boa-fé objetiva, já que aquele que adquiriu o bem
pagou pontualmente as suas parcelas frentes à incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica
que rege a incorporação imobiliária.
Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o consumidor pela
conduta da incorporadora, que acaba não repassando o dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo
teor da súmula, que a boa-fé objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria
possível a restrição do direito real.15
Aliás, concluímos que a boa-fé objetiva é princípio de ordem pública interpretando o
art. 167, § 2º, do novo Código Civil, que traz a inoponibilidade do ato simulado frente a terceiros e
boa-fé. Esclarecemos. Como se sabe, a simulação gera, em regra, a nulidade absoluta do negócio
celebrado. Mas essa nulidade absoluta, que envolve ordem pública, não poderá ser oposta frente a
terceiros de boa-fé. Pois bem, se o princípio da boa-fé não envolvesse ordem pública, a boa conduta
não faria frente ao ato simulado.
Superado esse ponto, entendemos que a súmula 308 do STJ também mantém relação
com o princípio da função social dos contratos, já que visa preservar os efeitos do contrato de compra e
venda do imóvel a favor do consumidor, parte economicamente mais fraca. Por essa simples razão, já
mereceria os nossos aplausos.
Mas a súmula visa também
proteger o direito à moradia, assegurado
constitucionalmente, no art. 6º da Carta Política de 1988. Reforçando, tende-se a preservar o negócio
jurídico, diante do principio da conservação negocial, inerente à concepção social do contrato.16
Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo milagres no
campo prático, relativizando o rigor formal da concepção dos direitos reais, em prol da proteção do
vulnerável, do hipossuficiente, daquele que sempre agiu conforme a boa-fé.
4. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA
RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE.
Não se pode esquecer da grande importância do Código de Defesa do Consumidor para os contratos,
uma vez que a grande maioria dos negócios jurídicos patrimoniais são de consumo, enquadrados
nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.
Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relação jurídica de consumo não seria
possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Isso, na
vigência do Código anterior, eminentemente individualista e muito distante da proteção do vulnerável
constante da Lei Consumerista.
Entretanto, atualmente e ao contrário, tem-se defendido um “diálogo das fontes” entre
o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Por meio desse diálogo, deve-se entender que os
dois sistemas não se excluem, mas se complementam. A tese foi trazida para o Brasil por Cláudia Lima
Marques, utilizando os ensinamentos de Erik Jayme.17 Isso se dá diante de uma aproximação
15
A referência à boa-fé é expressa no recente julgado a seguir transcrito, do próprio STJ, já aplicando a recente súmula 380: “CIVIL E CONSUMIDOR. IMÓVEL.
INCORPORAÇÃO. FINANCIAMENTO. SFH. HIPOTECA. TERCEIRO ADQUIRENTE. BOA-FÉ. NÃO PREVALÊNCIA DO GRAVAME. 1 - O
entendimento pacificado no âmbito da Segunda Seção deste STJ é no sentido de que, em contratos de financiamento para construção de imóveis pelo SFH, a
hipoteca concedida pela incorporadora em favor do Banco credor, ainda que anterior, não prevalece sobre a boa-fé do terceiro que adquire, em momento posterior,
a unidade imobiliária. Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça. 2 - Recurso especial conhecido, mas não provido” (STJ, REsp 625045 / GO ; RECURSO
ESPECIAL 2003/0229385-3, RELATOR: Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, Julgamento: 17/05/2005, Publicação: DJ 06.06.2005).
16
Interessante aqui transcrever o Enunciado n. 22 do Conselho da Justiça Federal, também da I Jornada de Direito Civil, que traz a relação entre função social e
conservação contratual: “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de
conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
17
Cláudia Lima Marques demonstra as razões filosóficas e sociais da tese do “diálogo da fontes”: “Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna
no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina de ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a
valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na
multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se
no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de
agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na
filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os
valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de
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principiológica entre os dois sistemas legislativos, principalmente no que tange aos contratos.18
Pretendemos analisar a Súmula 302 do STJ à luz desse diálogo de
complementariedade entre
os dois sistemas, “a permitir a aplicação simultânea, coerente e
coordenada das plúrimas fontes legislativas”.19 Prevê a referida súmula que “é abusiva a cláusula
contratual de plano de saúde que limita no tempo o internação hospitalar do segurado”.
A súmula somente consubstancia o que já vinha entendendo tanto a doutrina quanto a
jurisprudência.20 A abusividade da cláusula é flagrante, enquadrando-se inicialmente no art. 51, I, da
Lei n. 8.078/90, pela qual é nula a cláusula que exonerem ou atenuem a responsabilidade do prestador
do serviço. Além dessa previsão, a referida cláusula já era vedada expressamente pela Portaria n. 3, de
19 de março de 1999, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.21
Fazendo um necessário “diálogo das fontes”, a cláusula de limitação de internação
poderia também ser considerada abusiva pelo que consta do art. 424 do atual Código Civil, já que o
contrato em questão assume a forma de adesão, sendo o seu conteúdo imposto unilateralmente pela
empresa de plano de saúde.
Isso porque o comando legal em questão prevê a nulidade absoluta, nos contratos de
adesão, das cláusulas que implicam em renúncia prévia a direito resultante da natureza do negócio.
Ora, pela referida cláusula está sendo limitado o uso do serviço pelo aderente, que é o principal
objetivo do contrato celebrado entre as partes.
Partindo-se para a análise principiológica da referida súmula, observa-se, de imediato,
que a mesma traz aplicação direta do princípio da função social dos contratos, relativizando a força
obrigatória (efeito inter partes).
Podemos também citar o já mencionado Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça
Federal, uma vez que a autonomia contratual não pode prevalecer diante de um interesse maior,
relacionado com a vida e com a integridade física do segurado, direitos da personalidade relacionados
com a dignidade humana. Vale lembrar que os direitos da personalidade são irrenunciáveis (art. 11 do
novo Código Civil). Pela cláusula de limitação de internação, o contratante renuncia ao direito de ser
tratado como se espera, principalmente num caso de gravidade, em unidade de tratamento intensivo
(UTI). Sem prejuízo de tudo isso, entendemos que a cláusula de limitação traz no seu conteúdo um
abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil), a gerar a sua nulidade por fraude à lei imperativa (art.
166, VI, do nCC).
Em reforço, a parte que impõe a referida cláusula desrespeita o dever anexo de
lealdade e, com isso, a boa-fé objetiva que se espera nas relações negociais.22 Percorre-se o mesmo
caminho: pela quebra da boa-fé, caracteriza-se o abuso de direito a gerar a nulidade absoluta do
referida cláusula.
De qualquer forma, não se pode esquecer que a cláusula é nula, mas deve preservado
excelência’ (JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacionale privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de
la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss)” (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Introdução. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2004, p. 24).
18
Sobre essa aproximação, aliás, foi aprovado o Enunciado nº 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro
último, com o seguinte teor: “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do
Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”. As razões apontadas pelo
magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha, autor da proposta, são pertinentes, merecendo transcrição o seguinte trecho:
“Entretanto pode-se dizer que, até o advento do Código Civil de 2002, somente o Código de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepção contratual,
ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no conteúdo material dos contratos. Entretanto, o Código Civil de 2002 passou também a incorporar esse caráter
cogente no trato das relações contratuais, intervindo diretamente no conteúdo material dos contratos, em especial através dos próprios novos princípios
contratuais da função social, da boa-fé objetiva e da equivalência material.Assim, a corporificação legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos
protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com o advento do Código Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de novos princípios
jurídicos contratuais e cláusulas gerais, todos hábeis a proteção do consumidor mais fraco nas relações contratuais comuns, sempre em conexão axiológica,
valorativa, entre dita norma e a Constituição Federal e seus princípios constitucionais. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 são, pois,
normas representantes de uma nova concepção de contrato e, como tal, possuem pontos de confluência em termos de teoria contratual, em especial no que
respeita aos princípios informadores de uma e de outra norma” (Proposta enviada por e-mail pelo próprio Conselho da Justiça Federal aos participantes da III
Jornada).
19
Marques, Cláudia Lima, Comentários, ob. cit., p. 26.
20 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO - Plano de saúde - Contrato de adesão - Relatividade das volições contratuais - Cláusula
limitativa - Internação em unidade de terapia intensiva (UTI) - Prazo exíguo de 15 dias anuais com prorrogação dependente unicamente do critério da prestadora
de serviço - Nulidade - Predominância do direito à vida sobre qualquer outro - Criação de vantagem exagerada para o convênio e restrição do direito para o
conveniado - Lei Federal n. 8.078, de 1990 (art. 5º, IV) - Recurso provido”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 144.424-4/0 - São Paulo - 4ª
Câmara de Direito Privado de Férias “Janeiro/2004" - Relator: Munhoz Soares - 29.01.04 - V. U.)
21
A portaria, regulamentando o art. 51 do CDC, considera abusivas, dentre outras, as cláusulas que: “2. Imponham, em contratos de planos de saúde firmados
anteriormente à Lei 9665/98, limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames médicos, laboratoriais e internações hospitalares, UTI e similares)
contrariando prescrição médica”.
22
Sobre a quebra dos deveres anexos, relacionados com a boa-fé objetiva, vale conferir o teor do Enunciado n. 24, também da I Jornada de Direito Civil do
Conselho da Justiça Federal: “Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui
espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.
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todo o resto do contrato, aplicação direta do art. 51, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, que
consagra o princípio da conservação contratual na ótica consumerista.23
Feitas essas observações e ressalvas, manifestamos o nosso entusiasmo e a nossa
concordância integral em relação à Súmula 302 do STJ, que atende àquela visualização personalizada
do Direito Contratual, pela qual o principal objetivo dos negócios jurídicos patrimoniais é atender aos
interesses da pessoa. Isso, sintonizada, com o Direito Civil Constitucional e os seus três princípios
máximos: a proteção da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), a solidariedade social (art. 3º, I, da
CF/88) e a igualdade em sentido amplo (art. 5º, caput, da CF/88).
5. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS.
Ainda em relação ao Código de Defesa do Consumidor, duas importantes súmulas do Superior
Tribunal de Justiça prevêem a sua aplicação em dois casos muito comuns da prática contratual: aos
contratos bancários e financeiros. Transcreveremos o teor das ementas de forma destacada para
uma análise conjunta:
“Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições
financeiras”
“Súmula 285: Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do
Consumidor incide a multa moratória nele prevista”.
As duas ementas sepultam de vez a suposta discussão quanto à existência ou não de relação de
consumo nos contratos celebrados com as instituições bancárias e financeiras.
Dizemos suposta, e de forma destacada, pois sempre nos pareceu clara a possibilidade de aplicação
da Lei n. 8.078/90 ao contratos celebrados entre correntistas/destinatários finais e instituições
bancárias e financeiras. Aliás, entender ao contrário sepultaria a efetividade prática do Código de
Defesa do Consumidor em nosso País. Por certo que o grande interesse social relacionado com a
norma consumerista é vê-la aplicada às relações jurídicas que as pessoas mantém com as
instituições bancárias e financeiras.
A possibilidade ou, mais do que isso, a necessidade de aplicação do Código de Defesa do
Consumidor fica clara pelo que consta do art. 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90, pelo qual “serviço é
qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista” (destacamos). Norma mais clara não há!
De qualquer forma, os bancos, por meio da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif)
propuseram uma ação declaratória de inconstitucionalidade desse comando consumerista, que
recebe o número 2.591/2003. Nessa ação pretendem que o CDC não seja aplicado às relações
bancárias. Com todo o respeito em relação às razões que constam da referida ação, com ela não
concordamos em hipótese alguma.
A referida ADIN, para nós, é totalmente destoada da principiologia adotada pela Constituição
Federal de 1988 que protege os consumidores de forma expressa (art. 5º, XXXII e art. 170, V). A
não aplicação do CDC aos bancos viola a própria dignidade humana e a solidariedade social,
particularmente a tendência de personalização do Direito Privado. Essa não incidência entra em
conflito também com a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, regramentos sociais
indeclináveis que corporificam uma nova realidade contratual.
Esperamos, portanto, que a ADIN n. 2.591/2001 não obtenha êxito. Na verdade, entendemos que a
mesma está prejudicada pela entrada em vigor no novo Código Civil, que confirma a tendência de
proteção dos mais fracos, dos mais frágeis.24
23
“Art. 51. (...) §2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração,
decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Já tivemos a oportunidade de demonstrar a relação entre o princípio da conservação do contrato e a função social,
lembrando a proteção do ato jurídico perfeito, que consta do art. 5º, XXXVI da CF/88 e a importante função que o contrato exerce para a sociedade. Assim sendo, a
nulidade deve ser o último recurso (Tartuce, Flávio. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo:
Método, 2005, p. 104). .
24
Concordamos integralmente com a notas do advogado e professor Paulo R. Roque A Khouri em relação à referida ADIN: “Ora, da forma como a questão é
colocada na ADIn nº 2.591, o consumidor jamais poderia valer-se das normas protetivas do CDC, principalmente, do art. 6º, V, para questionar, v. g., juros
bancários ‘pactuados’ em 500% ao ano. Tal entendimento contraria, ao meu sentir, a própria Constituição Federal que elegeu a ‘defesa do consumidor’, no seu
art. 5º, XXXII, como um direito e garantia fundamental. De mesma forma, ao lado da própria função social da propriedade, da livre concorrência, a defesa do
consumidor é princípio da ordem econômica de acordo com o art. 170 da Constituição. Impedir ao consumidor o direito de questionar a justiça da pactuação da
cláusula de juros implica negar vigência a um direito e garantia fundamental, como se fosse dada à instituição financeira uma carta branca para livremente
explorar a sua propriedade, sem atentar-se para sua função social”. (Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2ª Edição, 2005, p. 64)
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INTENSIVO REGULAR BÁSICO
Disciplina: Direito Civil
Tema: Teoria Geral dos Contratos
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
Com o insucesso da ADIN, continuarão a ter aplicação as referidas súmulas, com a aplicação do CDC
aos contratos bancários e financeiros, entre os últimos, o caso dos contratos de cartão de crédito.
De qualquer forma, o que falta ainda à jurisprudência brasileira é limitar as taxas de juros cobrada
por tais instituições, o que não vem ocorrendo, diante da vigência de duas outras súmulas de
nossos Tribunais Superiores.
A Súmula 596 do STF prevê que as instituições bancárias não estão sujeitas à Lei de Usura
(Decreto-lei 22.626/1933), sendo perfeitamente possível a livre convenção de juros, o que vem
sendo aplicado pelo STJ.25 A recente Súmula 283 do STJ prevê o mesmo para as empresas
administradoras de cartão de crédito. Já manifestamos nossa discordância em relação às referidas
súmulas.26
Na situação descrita vemos um paradoxo: duas súmulas prevêem a aplicação do Código de Defesa
do Consumidor aos contratos bancários e financeiros; mas duas outras trazem a livre convenção dos
juros. Em outras palavras: as Súmulas 297 e 285 do STJ tendem a proteger os consumidores; as
Súmulas 596 do STF e 283 do STJ tentem a beneficiar as entidades bancárias e financeiras.27
Se isso ocorre quanto aos juros convencionais, infelizmente; o mesmo não se pode dizer quanto à
multa moratória, felizmente. Isso porque a cláusula penal é limitada em dois por cento (2%) sobre
o valor da dívida tanto nos casos de contratos bancários quantos nos contratos financeiros - repitase, o caso do contrato de cartão de crédito.
A Súmula 285 do STJ prevê essa limitação de forma expressa para os contratos celebrados na
vigência do CDC. Não faz o mesmo, de forma expressa, a Súmula 297, mas isso é decorrência
lógica do seu teor, já que a referida multa consta da própria lei consumerista. Para ilustrar,
reportamo-nos à ementa transcrita na última nota de rodapé.
Mais uma vez, manifestamos nosso contentamento em relação às duas últimas súmulas, adaptadas
à nova Teoria Geral dos Contratos e aos novos paradigmas contratuais. Lembramos que as súmulas
apenas consubstanciam o que a doutrina consumerista especializada sempre defendeu em relação
aos contratos bancários e financeiros. As ementas vieram em boa hora, para que não pairem mais
dúvidas em relação ao seu conteúdo.
6. A SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE
CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO.
Como se sabe, a novação (arts. 360 a 367 do novo Código Civil) pode ser conceituada
como uma forma de pagamento indireto em que ocorre a substituição de uma obrigação anterior por
uma obrigação nova, diversa da primeira criada pela partes. Seu principal efeito é a extinção da dívida
primitiva, com todos os acessórios e garantias, sempre que não houver estipulação em contrário (art.
364 do novo Código Civil). Aliás, havendo a referida previsão em contrário, autorizada pela própria lei,
haverá novação parcial. Podem as partes convencionar o que será extinto, desde que isso não contrarie
a ordem pública, a função social dos contratos e a boa-fé objetiva.
A novação não produz, como ocorre no pagamento direto, a satisfação imediata do
crédito. Por envolver mais de um ato volitivo, constituiu para nós negócio jurídico e forma de
pagamento indireto.
São elementos essenciais da novação a existência de uma obrigação anterior
(obrigação antiga) e de uma nova obrigação, ambas válidas e lícitas, bem como a intenção de novar
25
Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO BANCÁRIO. APLICABILIDADE DO CDC EM TESE. CASO CONCRETO EM QUE NÃO
INCIDE. ABUSIVIDADE INDEMONSTRADA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 596 DA SÚMULA STF. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA À TAXA
MÉDIA DE MERCADO. LEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. I - A norma protetiva do consumidor, mais nova e específica, regula
situações apenas genericamente subordinadas à regra ampla do Sistema Financeiro Nacional. Não sendo caso de aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
ou não sendo demonstrada abusividade, aplica-se a jurisprudência tradicional sobre o tema, refletida no enunciado n. 596 da súmula do Supremo Tribunal Federal.
II - Consoante se tem proclamado, a comissão de permanência "é aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa média de juros praticada no mercado pelas
instituições financeiras e bancárias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seu conjunto, e não isoladamente, pelo que
não é o banco mutuante que a impõe" (Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO: RESP 374356/RS (200101533375), 485166 RECURSO ESPECIAL, DATA DA
DECISÃO: 12/03/2003, ORGÃO JULGADOR: - SEGUNDA SEÇÃO, RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, RELATOR ACÓRDÃO:
MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, FONTE: DJ DATA: 19/05/2003 PG: 00120, VEJA: JUROS ALÉM DO LIMITE DA LEI DE USURA) STJ
- RESP 214003-SC, RESP 221942-RS, RESP 235380-MG, RESP 196253-RS).
26
Tartuce, Flávio. A Função Social dos Contratos, ob. cit., p. 291.
27
Não podemos concordar com julgados como o seguinte, em que fica clara a mencionada contradição: “CONTRATO - Cartão de crédito - Reconhecida a
ocorrência de abusividade na conduta da administradora ao auferir lucro no repasse do financiamento - Declarada a nulidade da cláusula, por ser potestativa, nos
termos da lei civil e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, IV, X e XII) - Determinado o recálculo do saldo, com aplicação da taxa mensal de juros, mais
os encargos pertinentes a serem comprovados, além da multa moratória (2%), afastando-se a verba relativa a honorários advocatícios decorrentes da cobrança
administrativa - Inaplicabilidade, porém, do limite de juros de 12% ao ano, por depender o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal de regulamentação por lei
complementar - Ação parcialmente procedente - Recurso provido em parte - Voto vencido” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, PROCESSO:
1142957-7, RECURSO: Apelação, ORIGEM: São Paulo, JULGADOR: 3ª Câmara de Férias de Julho de 2003, JULGAMENTO: 03/08/2004, RELATOR: Maia da
Rocha)
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
(animus novandi). Prevê o art. 361 do novo Código Civil que o ânimo de novar pode ser expresso ou
mesmo tácito, mas sempre inequívoco. Não havendo tal elemento imaterial ou subjetivo, a segunda
obrigação simplesmente confirma a primeira.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sempre apontaram que a novação liqüidava
totalmente a obrigação anterior, que não poderia ser restabelecida.28 Esse seria, na verdade, o principal
efeito da novatio, que a diferenciava de institutos jurídicos como sub-rogação e a dação em
pagamento.
Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça tem analisado ultimamente a novação com
vistas ao princípio da função social dos contratos e das obrigações, revolucionando a própria concepção
do instituto. Isso pode ser evidenciado pelo teor da recente Súmula 286 daquele Tribunal, que tem a
seguinte redação: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a
possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.
Ora, a socialidade salta aos olhos, uma vez que se quebra com aquela tradicional regra
pela qual ocorrida a novação não é mais possível discutir a obrigação anterior. Sendo flagrante o abuso
de direito cometido pela parte negocial e estando presente a onerosidade excessiva por cobrança de
juros abusivos nas obrigações anteriores, será possível a discussão judicial dos contratos novados.
Visando esclarecer, transcrevemos uma das ementas de julgado que gerou a edição do entendimento
sumular no ano de 2004, em que se faz menção expressa ao instituto da novação:
“NEGÓCIOS BANCÁRIOS. REVISÃO. Na ação revisional de negócios bancários, pode-se
discutir a respeito de contratos anteriores, que tenham sido objeto de novação. Recurso
especial não conhecido” (STJ, RESP 332832 / RS ; RECURSO ESPECIAL, 2001/0086405-2.
Relator: Ministro Asfor Rocha, Segunda seção de Direito Privado, Data do Julgamento:
28/05/2003. Data da Publicação e Fonte: DJ 23/02/20003).
Não só concordamos com a súmula e o julgado acima transcrito como entendemos que
nasce um novo entendimento jurisprudencial quanto à matéria, quebrando velhos paradigmas, em prol
dos princípios do Direito Civil Constitucional, particularmente o da construção de uma sociedade livre,
justa e solidária (art. 3º, I, da CF/88).
O objetivo da súmula é única: evitar o enriquecimento sem causa, o locupletamento sem
razão, a lesão subjetiva e a desproporção negocial. Recordamos que muitas vezes as negociações
contratuais são impostas por um das partes, em posição privilegiada. A Súmula n. 286 do STJ
representa uma total quebra de paradigma, assim como as demais ementas nesse breve estudo
comentadas.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
FERRI, Luigi. La autonomia privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho Mendizibal. Madrid:
Editorial Revista de Derecho Privado, 1969.
KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Introdução. São Paulo: RT,
2004.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das obrigações. 1ª Parte. 8. ed. São
Paulo: Saraiva, 1972.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé. São Paulo: Saraiva, 2005.
TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código
Civil. São Paulo: Método, 2005.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo
(Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. XVI.
Bibliografia: Novo Curso de Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos – vol. IV, tomo 01.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Saraiva) (www.saraivajur.com.br)
28
Sobre esse efeito da novação, vale conferir: “A novação corresponde a meio liberatório singular, a modo especial de extinguir-se a obrigação. Chega-se a
compará-la a um pagamento fictício. Define-se como ‘a conversão de uma dívida em outra para extinguir a primeira’. É a substituição de uma dívida por outra,
eliminando-se a precedente. Desaparece a primeira e, em seu lugar, surge nova. Êsse o seu conteúdo essencial, aliás, duplo: um extintivo, referente à obrigação
antiga; outro gerador, relativo à obrigação nova. Não existe, pois, tão-sòmente, uma transformação; o fenômeno é mais complexo, abrangendo a criação de nova
obrigação, que subsistiu à antiga” (Barros Monteiro, Washington de. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª Parte. São Paulo: Saraiva, 8ª Edição, 1972,
p. 324)
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Datas: 19/06/2007 e 21/06/2007
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“Ainda que eu haja elaborado um plano detalhadamente e todos os preparativos estejam em
ordem, não o ponho logo em prática; aguardo o tempo certo”
(MOKITI OKADA)
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