Teoria Geral das Obrigações e Contratos
aula 3
Contornos da Boa-Fé ObJetiva
Prof. Danilo Doneda
Boa-Fé ObJetiva
Boa-Fé ObJetiva
Bona fides
Treu and Glauben
No dia 23 de abril de 2004, Bruno e Elizabeth, um casal de namorados que residia no
apartamento 303, do prédio de nº 45, na Avenida Vieira Souto, tiveram uma discussão
acalorada. Não se sabe ao certo o motivo da discussão, mas o fato é que o casal foi encontrado
morto, no dia seguinte, pelo porteiro do prédio. O caso ainda hoje é um mistério para as
autoridades policiais. Todos os jornais de circulação na cidade divulgaram por alguns dias a
notícia da tragédia e as suas eventuais repercussões.O fatídico apartamento 303 era alugado. O
locador, Antônio Mathias, tomou o cuidado de reformar todo o apartamento depois da tragédia.
“Foi uma medida mais espiritual do que estética” – chegou a declarar para os amigos. Depois de
concluída a reforma, nada mais naquele apartamento lembrava a existência do casal.Mas
Antônio estava resolvido a vender o imóvel. Passado algum tempo, conseguiu comprar um outro
imóvel e para lá se mudou, colocando o apartamento 303 para ser vendido através dos
classificados de um grande jornal.Dois dias depois, Francisco e Carolina, um casal de
namorados, foi visitar o apartamento. Eles logo se encantaram com a vista e com as condições
para a compra do imóvel. Depois de providenciada toda a documentação, foi devidamente
lavrada a escritura de compra e venda do imóvel, que agora passava a ser de legítima
propriedade de Francisco.Numa manhã de domingo, ao retornar de uma caminhada na praia,
Carolina encontra no elevador com uma moradora do prédio. A senhora, sem muita cerimônia,
ao perceber que Carolina nada sabia sobre a tragédia do 303, trata de prontamente relatar todo
o evento à nova moradora.Atordoada com a notícia, a jovem corre para contar ao namorado
sobre os eventos transcorridos em seu apartamento há menos de dois anos atrás. Francisco,
indignado com a má-fé de Antônio, imediatamente contata o seu advogado. Na segunda-feira,
após reunião com seu advogado, Francisco está certo de que o negócio será anulado através de
decisão judicial e pretende ingressar com a medida na mesma semana.
Caso I
•
Existe algum princípio da teoria das obrigações e dos
contratos aplicável ao caso concreto?Se você fosse o
juiz desse caso, como seria a sua decisão? A venda do
apartamento 303 pode ser anulada com fundamento na
tragédia ocorrida com Bruno e Elizabeth? Justifique.
baseado na Apelação Cível nº 6421/2004, rel. Des. Maldonado de
Carvalho; j. em 31.04.2004.
Caso II
Jean-Michel adquiriu em abril de 2001 um carro Citröen Xsara, com todos os
acessórios possíveis, fabricado no próprio ano. Nas semanas seguintes à
aquisição de seu novo automóvel, Jean-Michel vivia por conta do carro: só
conversava com os amigos sobre o carro, só lia revistas especializadas no assunto
e até mesmo criou uma comunidade no orkut para congregar felizes proprietários
do automóvel.Todavia, o entusiasmo de Jean-Michel não foi duradouro. Passados
três meses da compra do veículo, a montadora lançou no mercado uma nova linha
estilizada de automóveis Citröen Xsara. O carro de Jean-Michel, que ontem mesmo
era o automóvel do ano daquela marca, agora era simplesmente mais um modelo
anterior, ainda que do mesmo ano de 2001.Revoltado com a conduta do
funcionário da concessionária Citröen na qual o veículo foi adquirido, que não
revelou ao mesmo que uma nova versão estilizada do carro seria lançada naquele
mesmo ano, ele ingressou com ação judicial pleiteando, dentre outras coisas, a
anulação do contrato celebrado com a concessionária pela configuração de defeito
no negócio jurídico.
Caso II
A ação judicial movida por Jean-Michel deve ser julgada procedente?
Boa-Fé
Boa-fé subjetiva
Boa-fé objetiva
Boa-Fé Subjetiva
A boa-fé subjetiva é um estado de consciência do agente por ocasião da avaliação de um dado comportamentoArt. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o
obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Boa-Fé Objetiva
Dever de conduta
Deve-se observar o comportamento leal das partes
Boa-Fé Objetiva
A boa-fé objetiva “consiste num dever de conduta
contratual ativo, e não de um estado psicológico
experimentado pela pessoa do contratante; obriga a um
certo comportamento, ao invés do outro; obriga à
colaboração, não se satisfazendo com a mera abstenção
...”
Teresa Negreiros
Dever de Conduta
Dever de conduta - comportamento objetivamente
considerado
Durante todo o período compreendido pelo contrato
Deveres anexos
A obrigação como Processo
A Boa-fé objetiva endereça-se a todos os partícipes do
vínculo e pode, inclusive, criar deveres para o credor, o
qual, tradicionalmente, era apenas considerado titular de
direitos.
Clóvis do Couto e Silva
Dever de Conduta
a) os deveres de cuidado, previdência e segurança;
b) os deveres de aviso e esclarecimento;
c) os deveres de informação;
d) o dever de prestar contas;
e) os deveres de colaboração e cooperação;
f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o
patrimônio da contraparte;
g) os deveres de omissão e de segredo.
Boa-Fé Objetiva
Código de Defesa do Consumidor (1990):Art. 51. São
nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:IV – estabeleçam obrigações consideradas
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a
boa-fé ou a equidade;
Boa-Fé Objetiva
Código de Defesa do Consumidor (1990):Dever de
Informação
Boa-Fé Objetiva
Código Civil (2002)
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé.
Boa-Fé Objetiva
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé.
•dever de Conduta
•não menciona as fases pré e pós-contratuaisnão
existem dispositivos sobre deveres anexos
Boa-Fé Objetiva
3 funções:
(i) Interpretativa
(ii) Restritiva do exercício abusivo de direitos
contratuais.(iii) Integrativa de deveres anexos.
Função Interpretativa
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Função Interpretativa
Código Civil, Art. 423. Quando houver no contrato de
adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á
adotar a interpretação mais favorável ao
aderente.Código de Defesa do Consumidor, Art. 47. As
cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira
mais favorável ao consumidor.
Função restritiva do exercício abusivo de
direitos contratuais
Teoria dos Atos próprios (venire contra factum
proprium)Obrigação dos contratantes de observar um
certo padrão linear de conduta. “LOTEAMENTO. MUNICIPIO.
PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DO CONTRATO. BOA-FE. ATOS PROPRIOS. TENDO O MUNICIPIO CELEBRADO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E
VENDA DE LOTE LOCALIZADO EM IMOVEL DE SUA PROPRIEDADE, DESCABE O
PEDIDO DE ANULAÇÃO DOS ATOS, SE POSSIVEL A REGULARIZAÇÃO DO
LOTEAMENTO QUE ELE MESMO ESTA PROMOVENDO. ART. 40 DA LEI 6.766/79. A TEORIA DOS ATOS PROPRIOS IMPEDE QUE A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
RETORNE SOBRE OS PROPRIOS PASSOS, PREJUDICANDO OS TERCEIROS
QUE CONFIARAM NA REGULARIDADE DE SEU PROCEDIMENTO. RECURSO NÃO
CONHECIDO.”
(RESP. 141879/SP, Min. Ruy Rosado)
Função restritiva do exercício abusivo de
direitos contratuais
Caso dos Tomates:
A CICA (empresa alimentícia) comprava tomates de produtores no Sul e
entregava para eles cascas e sementes. Depois de anos comprando os
tomates dos mesmos agricultores, a CICA decidiu em um determinado
ano não comprar mais os tomates daqueles agricultores que perderam
toda a sua colheita.
Função restritiva do exercício abusivo de
direitos contratuais
Caso dos Tomates:
" Tanto basta para demonstrar que a ré, após incentivar os produtores a
plantar safra de tomate – instando-os a realizar despesas e envidar
esforços para plantio, ao mesmo tempo em que perdiam a oportunidade
de fazer o cultivo de outro produto – simplesmente desistiu da
industrialização do tomate, atendendo aos seus exclusivos interesses,
no que agiu dentro do seu poder decisório. Deve no entanto indenizar
aqueles que lealmente confiaram no seu procedimento anterior e
sofreram o prejuízo. (...)Confiaram eles lealmente na palavra dada, na
repetição do que acontecera em anos anteriores... “
TJRGS, Ap. 591028295, j. 06/06/91.
Função restritiva do exercício abusivo de
direitos contratuais
“negociações preliminares são conversas prévias, sondagens, debates
em que despontam os interesses de cada um, tendo em vista, o contrato
futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há
vinculação”
Caio Mário Pereira da Silva
Função restritiva do exercício abusivo de
direitos contratuais
“se um dos interessados, por sua atitude, cria para o outro a expectativa
de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas para possibilitar a
realização do contrato, e, depois, sem qualquer motivo, põe termo às
negociações, o outro terá o direito de ser ressarcido dos danos que
sofreu”
Orlando Gomes
Venire contra factum proprium
Nemo potest venire contra factum proprium
Função integrativa de deveres anexos
Deveres anexos
Anteprojeto de Lei sobre Proteção de
Dados Pessoais
Anteprojeto de Lei sobre Proteção de
Dados Pessoais
Anteprojeto de Lei sobre Proteção de
Dados Pessoais
Anteprojeto de Lei sobre Proteção de
Dados Pessoais
Anteprojeto de Lei sobre Proteção de
Dados Pessoais
•
Iniciativa conjunta do Ministério da Justiça com o
Observatório Brasileiro de Políticas Digitais - CTS-FGV
•
http://www.culturadigital.br/dadospessoais/
princípio da obrigatoriedade
•
Pacta sunt servanda
•
“Contrato é lei entre as partes” -
•
Art. 1134 do Código Napoleão:
•
“as convenções legalmente constituídas têm o mesmo
valor que a lei relativamente às partes que a fizeram”
Caso II
•
A ação judicial movida por Jean-Michel deve ser
julgada procedente?
adaptação do Agravo de Instrumento 693303/DF, julgado pelo Superior
Tribunal de Justiça.
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Slides - Boa-fé objetiva - Acadêmico de Direito da FGV