OLANDINA DELLA JUSTINA
PRESENÇA E USO DE ANGLICISMOS NO
COTIDIANO BRASILEIRO:
a visão de pessoas comuns
UFMT
Cuiabá-MT, 2006
OLANDINA DELLA JUSTINA
PRESENÇA E USO DE ANGLICISMOS NO
COTIDIANO BRASILEIRO:
a visão de pessoas comuns
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagem-Mestrado,
área de ensino/aprendizagem de línguas, linha de
pesquisa:
ensino/aprendizagem
de
língua
estrangeira, promovido pelo Instituto de Linguagens
da Universidade Federal de Mato Grosso,
desenvolvido sob a orientação da Profa. Dra. Ana
Antônia de Assis-Peterson, pré-requisito para a
obtenção do título de Mestre.
UFMT
Cuiabá, 2006
FICHA CATALOGRÁFICA
J96p Justina, Olandina Della.
Presença e uso de anglicismos no cotidiano brasileiro: a visão de pessoas
comuns./ Olandina Della Justina. – Cuiabá: A autora, 2006.
130p.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson
Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de
Linguagens. Campus de Cuiabá.
1. Lingüística. 2. Língua. 3. Semântica. 4. Lexicología. 5. Léxico. 6.
Estrangeirismo. 7. Anglicismo. 8. Língua Inglesa. 9. Cidadão Comum. 10. Cotidiano.
11. Brasil. I. Título.
CDU – 81’373.45
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MESTRADO:
“Presença e uso de anglicismos no cotidiano brasileiro:
a visão de pessoas comuns”
Professores Componentes da Banca Examinadora:
Profa. Dra. DILYS KAREN REES
Examinadora Externa (UFG)
Profa. Dra. MARIA INÊS PAGLIARINI COX
Examinadora Interna (UFMT)
Profa. Dra. ANA ANTÔNIA DE ASSIS PETERSON
Orientadora
Cuiabá, 20 de fevereiro de 2006.
À Giovana, João Lucas e João Batista pelo imenso amor de todos os dias,
Aos meus pais, Bernardo e Leonila (in memorian) pela educação e pela vida,
Aos meus irmãos, Cecília, Inês, Francisco, Madalena, Pedro, Tina e Teka e
aos seus filhos e filhas pela amizade e carinho de uma vida inteira.
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a todos que participaram, de forma direta ou indireta, ao
longo de minha vida, de cada passo dado para chegar ao mestrado e concluir meu
estudo. Também à Mãe Celestial pelas bênçãos e amparo de todos os momentos.
À UNEMAT e FAPEMAT pelo apoio no estudo e desenvolvimento da pesquisa.
Aos participantes, anônimos para este estudo, mas não para o meu coração, por
cederem seu tempo e valiosos conhecimentos para que eu pudesse desenvolver a
pesquisa.
À Profa. Dra. Ana Antônia de Assis Peterson, minha querida orientadora, pela
paciência e maneira generosa que compartilha os seus preciosos conhecimentos e
pela presença marcante em todas as fases do curso.
À Profa. Dra. Maria Inês Pagliarini Cox pela gentileza e competência com que me
acompanhou ao longo de todo o mestrado e pela disponibilidade em contribuir,
também nesta fase final, com seus ricos saberes.
À Profa. Dra. Dilys Karen Rees por gentilmente aceitar compor a banca final e pelas
preciosas contribuições para a reestruturação do trabalho e à Profa. Dra.Deise Prina
Dutra pelas sugestões iniciais.
Ao João Batista e Terezinha pela imensa contribuição na organização da idéias e
pelo apoio quanto às leituras e correções dos textos.
Aos professores do MeEL, coordenação e técnicos administrativos pela gentil
contribuição e trabalhos prestados em benefício do programa.
Aos meus colegas de mestrado pela amizade e companheirismo em todas os
momentos do curso.
All the world’s a stage,
And all the men and women merely players
They have their exits and their entrances,
And one man in his time plays many parts.
(William Shakespeare – from “As you like it”)
RESUMO
JUSTINA, Olandina Della. Presença e uso de anglicismos no cotidiano
brasileiro: a visão de pessoas comuns. Dissertação de Mestrado em Estudos de
Linguagem. Orientadora: Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá:
Universidade Federal de Mato Grosso, 2006.
Esta dissertação apresenta o resultado de uma pesquisa qualitativa sobre a visão de
pessoas comuns (profissionais que atuam com comércio, programas de
intercâmbios entre países, saúde, beleza, bancos, serviços domésticos e de
informática) em torno da presença e uso de anglicismos no cotidiano brasileiro. Os
dados foram obtidos através de entrevistas qualitativas e direcionadas para as
atividades profissionais e/ou sociais de cada participante (em número de 14),
contemplando os anglicismos comumente usados em suas atividades. Três grandes
temas emergiram a partir da leitura dos dados. Dois foram organizados como
crenças e um como ações do homem comum relacionadas aos anglicismos. a) As
crenças estão distribuídas em: 1) Língua inglesa: insígnia de maxi-valorização e de
busca de identificação com o Outro – associado com status social e econômico e 2)
Língua inglesa: insígnia de influência da mídia que é vista como agente
disseminador dos anglicismos no cotidiano brasileiro. Como agem os homens
comuns mediante os anglicismos, refere-se às ações e evidencia que as pessoas
comuns podem não entender o sentido do termo em inglês, mas sabem como
desempenhar a função prática ou instrumental relacionada a ela. A análise e
interpretação dos dados foram feitas sob três vertentes teóricas: a) a vertente do
“apelo esnobe” marcada pela conformidade a um padrão de prestígio usufruído pela
língua inglesa; b) a vertente da crítica ao imperialismo norte-americano com base no
sentimento ufanista e nacionalista em que a aceitação subserviente da língua e
cultura norte-americana significa desvalorizar e agredir a língua e a cultura brasileira;
c) a vertente pragmática ou instrumental em que as pessoas têm ao seu redor outras
estratégias disponíveis com base em experiências concretas de que podem lançar
mão para executar suas tarefas sociais e profissionais.
Palavras-chaves: anglicismos no cotidiano brasileiro, crenças do homem comum,
pesquisa qualitativa.
ABSTRACT
JUSTINA, Olandina Della. The presence and use of Anglicisms in the Brazilian
daily life: the viewpoint of common people. Master Thesis in Studies of Language.
Thesis. Supervisor: Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá:
Universidade Federal de Mato Grosso, 2006.
This Master Thesis presents the results of a qualitative research about the viewpoint
of common people (professionals that work with commerce, foreign country
exchange programs, health, beauty, banks, domestic services, computer services)
about the presence and use of Anglicisms in the Brazilian daily life. Data were
collected by the use of qualitative interviews and addressed to the professional and
social activities of each of the fourteen participants regarding the Anglicisms
frequently used in their activities. Three themes were highlighted out of the data
analysis and interpretation. Two of them were organized as beliefs and one as action
of the common man related to the Anglicisms. The beliefs are distributed in: 1)
English language: insignia of maxi-valorization and search of identification with the
other - associated with social and economic status and 2) English language: insignia
of media influence - seen as the publicizing agent of the Anglicisms in the Brazilian
daily life. How the common men act face to the Anglicism – refers to the actions and
shows the common people may not understand the meaning of the English word but
know how to do the task related to it. The interpretation and discussion of the data
were conducted under three theoretical guidelines: a) the “snobbish appeal” principle
marked by the conformity to a pattern of prestige kept by the English language; b) the
critique to the North-American imperialism principle based on a patriotic and
nationalist feeling in which the submissive acceptance of North-American language
and culture means to devalue and attack the Brazilian language and culture; c) the
pragmatic or instrumental principle in which people have around them other available
strategies based on concrete experiences which they can use to perform their social
and professional tasks.
KEYWORDS: Anglicisms in the Brazilian daily life, common people’s viewpoint,
qualitative research.
LISTA DE FIGURAS
01. Figuras da Introdução – Fachadas de estabelecimentos comerciais .......... 01
02. Figuras do Capítulo 1 - Pressupostos Norteadores da Pesquisa – Imagens
de bens de consumo fotografadas em supermercados ............................... 10
03. Figuras do Capítulo 2 – O Percurso da Pesquisa - Imagens capturadas ao
longo das ruas de Várzea Grande, Sinop e Cuiabá .................................... 35
04. Figuras do Capítulo 3 – Crenças do Homem Comum sobre a Presença e
Uso de Anglicismos – Imagens de bens de consumo fotografados em
veterinária, supermercado e loja de cosméticos .......................................... 52
05. Figuras das Considerações Finais – Fachadas de estabelecimentos
comerciais representando a “adaptação criativa brasileira” e a mistura da
língua inglesa com a portuguesa ................................................................. 89
06. Figuras das Referências Bibliográficas – imagens de produtos alimentícios à
disposição do homem comum em supermercados ..................................... 92
LISTA DE QUADROS
01. Quadro
com
definições
de
crenças
organizado
com
base
em
Pajares........................................................................................................... 23
02. Quadro com biodata dos participantes da pesquisa..................................... 48
SUMÁRIO
Dedicatória ............................................................................................. iv
Agradecimentos ...................................................................................... v
Resumo ................................................................................................. vii
Abstract ................................................................................................ viii
Lista de Figuras ..................................................................................... ix
Lista de Quadros ................................................................................... x
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 01
Organização da dissertação …………...………………………………………………. 06
Capítulo 1: PRESSUPOSTOS NORTEADORES DA PESQUISA ......... 10
1. Os anglicismos fazem parte do cotidiano brasileiro ............................................ 12
2. Há legitimidade no conhecimento comum ......................................................... 18
3. As crenças do homem comum podem auxiliar na compreensão científica do uso
da linguagem .......................................................................................................... 21
4. Língua e cultura, globalização e mundialização são indissociáveis na construção
do conhecimento comum moderno ........................................................................ 26
5. O uso de anglicismos não é uma atividade neutra ............................................. 29
6. O uso de empréstimos do inglês é polêmico: dissonâncias entre a lingüística e a
ortodoxia gramatical ................................................................................................ 32
Capítulo 2: O PERCURSO DA PESQUISA ................................................. 35
2.1 A opção metodológica ........................................................................................ 36
2.2 O cenário e os participantes da pesquisa ......................................................... 39
2.3 A análise dos dados – abordagem interpretativa ............................................. 49
Capítulo 3: CRENÇAS E AÇÕES DO HOMEM COMUM EM TORNO DE
ANGLICISMOS ................................................................................................... 52
Primeira Seção: DESCRIÇÃO DAS CRENÇAS E AÇÔES .................................... 54
a) DAS CRENÇAS .................................................................................................. 54
Crença 1- Língua inglesa: insígnia de maxi-valorização e de busca de identificação
com o outro ................... ......................................................................................... 54
Subcrença 1 – A língua inglesa é símbolo de status, beleza, qualidade ................ 55
Subcrença 2 – A língua inglesa é ponte de acesso a bens econômicos e culturais 63
Subcrença 3 – A língua inglesa ameaça a língua e cultura brasileiras .................. 67
Crença 2 - Língua inglesa: insígnia de influência da mídia .................................... 73
b) DAS AÇÕES
Como agem os homens comuns mediante os anglicismos .................................... 76
Segunda Seção: DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ...................... 83
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................
APÊNDICE A: Roteiro
da
entrevista
realizada
com
93
Genilda (empregada
doméstica) .............................................................................................................
99
APÊNDICE B: Roteiro da entrevista realizada com Clóvis ( promoter, proprietário e
instrutor de academia de ginástica) ...................................................................... 100
APÊNDICE C: Entrevista realizada com Genilda (empregada doméstica) ........ 101
APÊNDICE D: Entrevista realizada com Clóvis ( promoter, proprietário e instrutor de
academia de ginástica) ......................................................................................... 115
b
INTRODUÇÃO
No dia-a-dia é difícil discriminar com certeza o
verdadeiro do falso, a ciência da “ideologia”.
Talvez fosse preciso considerar que nosso
conhecimento de mundo é uma mistura de
rigor e poesia, de razão e paixão, de lógica e
mitologia. (Michel Maffesoli)
No final da década de 90 do século XX, há cerca de 06 anos, em tempos de
economia globalizada e da expansão do inglês como “língua mundial”, um projeto de
lei do Deputado Aldo Rebelo (Projeto de Lei 1676/99)1 e outro da Deputada Jussara
Cony (Projeto de Lei nº 65/2000) chamaram bastante a atenção dos lingüistas por
quererem legislar sobre o uso de estrangeirismos (mais especificamente, o uso de
elementos em inglês, os anglicismos) considerados exagerados no Brasil. Na visão
do deputado, tal excesso estaria lesando o patrimônio cultural brasileiro e
descaracterizando a própria língua portuguesa e deveria haver uma lei que coibisse
o seu uso propondo que dentro de 90 dias, após a publicação da lei, qualquer
expressão em língua estrangeira deveria ser substituída.
As reações contrárias ao projeto provocaram vários debates na mídia e
culminaram com a publicação de uma revista temática e do livro Estrangeirismos:
guerras em torno da língua, organizado pelo lingüista Carlos Alberto Faraco (2001),
em que vários lingüistas discutiram, à luz das descobertas da ciência da Lingüística,
o ideário nacionalista conservador embutido em uma concepção de língua
portuguesa avessa à influência externa, impermeável à diversidade lingüística e
construída como única, pura, monolítica.
Um dos argumentos veiculado pelo discurso da soberania nacional e proteção
da identidade brasileira dizia que usar inglês no cenário brasileiro era excluir as
pessoas que não entendem ou não aprenderam essa língua. Nesse sentido, o uso
de anglicismos promoveria um processo de exclusão social. Garcez e Zilles
(2001:51-52) contrapõem-se a esse “raciocínio lingüisticamente preconceituoso”
salientando que o problema não está “em não ver que usamos a linguagem, com ou
sem estrangeirismos, o tempo todo, para demarcarmos quem é de dentro ou de fora
do nosso círculo de interlocução, de dentro ou de fora dos grupos sociais aos quais
queremos nos associar ou dos quais queremos nos diferenciar”. Conforme esses
autores, há outros meios muito mais eficazes de fazer exclusão pelo uso da
1
Hoje, o Projeto de Lei 1676/99 (agora 1676-D/99) de Aldo Rebelo (o deputado atualmente
ocupa o cargo de Presidente do Congresso Nacional) tramita em forma de Substitutivo do
Senado Federal à lei de autoria do Senador Amir Lando e do Projeto de Lei nº 65/2000 da
Deputada Jussara Cony (Informações obtidas em www.camara.gov.br).
linguagem como o da “exigência de uso da variedade da língua falada pelas classes
dominantes como única forma legítima de acesso à mobilidade social e ao poder”.
Esse debate ou “guerra em torno das línguas” em que a compleição da vida
social se faz, de um lado, embasada por uma visão de lingua(gem) como pura e
única e, de outro, como constituída na pluralidade, diversidade, mistura, junto ao fato
de que havia autoridades incomodadas, na época, com o uso excessivo de
anglicismos, como o deputado Aldo Rebelo e a deputada Jussara Cony, levou-me a
perguntar de que forma o homem comum, ou seja, “os não lingüistas, os leigos, as
pessoas comuns que fazem parte da sociedade e que desconhecem os estudos
lingüísticos” (de Assis-Peterson, 2004)2, percebe o uso de termos e expressões da
língua inglesa presentes no seu cotidiano, nas ruas, em nome de estabelecimentos
comerciais, em estampas de camisetas, propagandas em “outdoors” 3, rótulos de
produtos, textos publicitários, na informática, etc. Afinal, não há como negar a
inclusão (outros diriam a “invasão”) da língua inglesa na vida cotidiana não só
brasileira, mas também de muitas outras nacionalidades, tendo em vista que a
organização social de qualquer sociedade depende da distribuição econômica, de
conhecimento lingüístico e de atos pragmáticos para ter acesso a recursos materiais
e simbólicos.
O foco deste estudo, portanto, é entender como pessoas comuns vêem o uso
de termos e expressões em língua inglesa inseridos em sua vida cotidiana e que
valores atribuem a eles. Os debates travados entre os lingüistas e outros
profissionais, formadores de opinião, entre os quais políticos, jornalistas, professores
de gramática, gramáticos puristas, em torno de estrangeirismos podem ser
desconhecidos para as pessoas comuns, no entanto, a construção de suas idéias
interessa à ciência e à própria sociedade, pois pode evidenciar características da
sociedade em que vivemos de modo a proporcionar dados valiosos não só para os
pesquisadores e lingüistas interessados em melhor compreender o processo
sociolingüístico e cultural do uso da linguagem, mas também para compreensão de
mundo das pessoas comuns.
O homem é influenciado pelo meio em que vive, no/pelo qual constrói sua
identidade, o seu “eu” a partir do “nós”, conforme propõe Bakhtin (1992). Os pontos
2
Comunicação Pessoal.
O termo outdoors é mantido ao invés de billboards por ser esse o termo de senso comum utilizado
por brasileiros ao se referirem aos cartazes estampados nas ruas.
3
de vista do homem comum podem, portanto, nos ajudar a vislumbrar outros
sentidos, a ressoar em contraposição aos outros discursos que marcam a língua no
Brasil tais quais os veiculados pela Lingüística (o discurso da ciência) e outros
marcados por preconceitos e perigosamente dogmáticos.
Em sintonia com Rajagopalan (2003:130), acredito ser importante que os
lingüistas (ou especialistas) ouçam os “leigos”, os “não-lingüistas” (na nossa
designação aqui, o homem comum ou pessoas comuns) porque também possuem
um vasto conhecimento sobre questões relativas à língua, à literatura e à linguagem
(embora tal conhecimento não seja reconhecido pela comunidade lingüística
enquanto científico). É no “leigo” – representante de grande parte da sociedade –
que, também, estão refletidas e se inter-relacionam todas as características da
sociedade num sentido mais amplo. O propósito deste trabalho é, então, “ouvir” o
homem comum e legitimar cientificamente o seu conhecimento construído ao longo
de experiências de vida. Pretendo juntar à voz do “político” (no caso, refletindo a voz
do gramático purista) e à voz do lingüista, a voz do homem comum ao realizar esta
pesquisa esperando que a pluralidade de pontos de vista adicione aprofundamento,
riqueza e densidade a nossa compreensão do fenômeno “anglicismos no cotidiano
brasileiro.”
Talvez, o português brasileiro nunca tenha sido tão afetado como hoje em
função da evolução na área das tecnologias e comunicação, sendo forçado a adotar
novas formas e funções lingüísticas, provenientes tanto de outras variantes
lingüísticas da própria língua portuguesa (a língua local), quanto da língua inglesa (a
língua global). É um novo tempo, de novas línguas, de novos modos de pensar,
fazer e ser. A mudança, contudo, não é exclusiva em termos dos setores da
sociedade que recebem influência (saúde, educação, mídia, negócios, indústria e
política) ou dos participantes da sociedade (classes sociais, intelectuais, pessoas
comuns, grupos étnicos, mulheres, homens, crianças, etc.) nos quais estão
inculcados. Todos são afetados.
Os termos originários do inglês presentes em nossa língua têm recebido
diversas denominações como estrangeirismos (Faraco, 2001:09; Garcez e Zilles,
2001:15; Bagno, 2001:49), estrangeirismos ingleses (Sardinha e Bárbara, 2005:97)
empréstimos (Garcez, 2001:15) ou anglicismos definidos por Garcez e Zilles
(2001:21) como “elementos do inglês”. Para minha pesquisa usarei os termos
empréstimos do inglês e anglicismos por entender que melhor traduzem as
características das expressões oriundas do inglês presentes em nossa língua, pois
geralmente são adaptadas ao “jeito brasileiro” alterando sua estrutura fonética
(predominantemente), morfológica e semântica original. O termo estrangeirismo
imprime a noção de algo distante, estranho e alheio à nossa cultura. Sob o prisma
das noções de transculturalidade que se aproxima da significância de tradução (Hall,
2003; Robins, 1991; Bhabha, 1990), mestiçagem (Gruzinski, 2001) e transculturação
(Fernando Ortiz, 1983) aqui compreendidos pelas transmutações, trocas e
reciprocidade entre culturas que se tornam misturadas, mestiças e convivem na
modernidade bem como da transglossia que Cox e Assis-Peterson (2002) entendem
que se as línguas que se misturam entre si indistintamente, vazando uma na outra
num processo de mestiçagem lingüístico-cultural. Assim, penso que a expressão
“empréstimo” representa melhor a sua função e significância, pois ao tomarmos algo
emprestado nos é permitido usá-lo à nossa maneira, introduzindo-o em nossa
cultura. Portanto, podemos imprimir aos empréstimos de outra língua as
características estruturais da nossa e ressignificá-los num movimento de
aproximação com o nosso contexto.
Atualmente, no português do Brasil, os anglicismos representam o maior
número de empréstimos lingüísticos se comparados com palavras de outras línguas
(francês, italiano, espanhol, árabe, etc.). Tal fato está associado, segundo alguns
autores citados por Ortiz (1996:14), a uma nova ordem mundial metaforicamente
traduzida por “primeira revolução mundial” (Alexander King, 1991), “terceira onda”
(Alvin Toffler, 1980), “sociedade informática” (Adam Shaff, 1990), “aldeia global”
(McLuhan, 1989) e “mundialização” (Renato Ortiz, 1996). Além desses, o termo
“globalização” é muito utilizado nas ciências econômicas, a partir das quais o uso
expandiu para outras ciências (Antony McGrew (1992) apud Hall (2003); Hall (2003),
Lessa entre outros. Daí, o uso de expressões em inglês não ser um fenômeno
exclusivo do Brasil. Mediante o uso midiático e via internet, elementos do inglês
entram em casas do mundo todo.
Para o professor de inglês, envolvido com questões lingüísticas e ideológicas,
cuja visão de linguagem está centrada no uso da língua nas práticas sociais, é
importante entender de que maneira esse inglês presente na vida social do brasileiro
o interpela ou não. Visões recentes de ensino comunicativo-interacional de língua
inglesa incentivam o professor a vislumbrar os anglicismos como meio de ensinar e
discutir a língua inglesa, com o objetivo de proporcionar ao professor um olhar mais
amplo e crítico sobre seus usos no cenário urbano brasileiro e de observar as
implicações sociais em seu entorno.
Assim, neste estudo4, por meio de entrevistas qualitativas, busquei
compreender como pessoas comuns (profissionais que lidam com comércio,
esportes, saúde, beleza, bancos, serviços domésticos e de informática) constroem e
explicitam nas suas falas o que pensam a respeito da presença e uso do inglês
exposto em cartazes, na rua, em mercadorias, camisetas, na imprensa falada e
escrita, na mídia, internet, isto é, nos produtos e objetos, nos meios de comunicação
e ferramentas profissionais presentes nas atividades que realizam diariamente na
sua língua e cultura. Em outras palavras, de que forma estariam esses brasileiros
pensando e convivendo com anglicismos em situações cotidianas de convívio social
e/ou profissional e que valores lhes atribuem. Para tanto, as seguintes perguntas
nortearam o estudo:
1. Qual a visão do homem comum acerca da presença de expressões da
língua inglesa no seu cotidiano e que valores atribuem a elas?
2. Como o homem comum convive e como age com a presença de
anglicismos em suas atividades profissionais e/ou sociais? Em quais
aspectos há rejeição ou aceitação aos anglicismos?
3. Quais pressupostos sócio-culturais e políticos estão “por trás” das
crenças com relação ao uso da língua inglesa no cenário cotidiano
brasileiro?
Organização da dissertação
Este estudo, além da Introdução e Considerações Finais, está organizado em
três capítulos.
Nesta Introdução, apresento as razões que me influenciaram na escolha do
tema e a definição de homem comum ou pessoas comuns ligada à idéia de
aproximação com o senso comum em torno da presença de empréstimos do inglês
em atividades profissionais e/ou sociais num contexto mundial de globalização da
4
A presente pesquisa está integrada ao projeto “Fricções lingüístico-culturais no escopo do ensino e
aprendizagem de inglês – Ouvindo e observando participantes da escola, família e comunidade”,
coordenado pela Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson e vinculado ao Grupo de Pesquisa
“Transculturalidade e Educação Lingüística”, registrado no CNPq.
economia e mundialização da cultura. Justifico a opção pelos termos “anglicismos” e
“empréstimos do inglês” por melhor traduzirem o uso da língua pelo viés da
transculturalidade e transglossia.
No Capítulo 1, apresento os pressupostos norteadores da pesquisa, os quais
amparam teoricamente os encaminhamentos do estudo. No primeiro pressuposto,
“Os anglicismos fazem parte do cotidiano do brasileiro”, discuto a ubiqüidade de
empréstimos do inglês em várias atividades da vida do brasileiro. Aponto e
exemplifico alguns setores marcados pela presença de anglicismos. No pressuposto
2, “Há legitimidade no conhecimento comum”, trato sobre a legitimação do
conhecimento comum, proposto por Maffesoli (1984), tido como aspecto crucial
nesta pesquisa, para compreender o uso de anglicismos no cenário urbano
brasileiro. No item 3, “As crenças do homem comum podem auxiliar na compreensão
científica do uso da linguagem”, apresento discussões e definições de crenças, num
sentido mais amplo e também voltado para o ensino/aprendizagem de línguas,
situando a definição de crenças eleita para minha pesquisa. O pressuposto de
número 4, “Língua e cultura, globalização e mundialização são indissociáveis na
construção do conhecimento no mundo moderno”, contempla algumas definições de
cultura e discussões em torno de seus limites e conceitos no contexto da
modernidade. Como língua e cultura estão ligadas, são vistas sobre o mesmo
aspecto: da transculturalidade e da transglossia que emergem de um processo
sincrético e misto formado pela interlocução entre línguas e culturas diferentes. O
quinto pressuposto, “O uso de anglicismos não é atividade neutra”, expõe sobre a
expansão do inglês pelo mundo e suas implicações. A disseminação da língua não é
tida como algo neutro para alguns autores que apontam a penetração de ideologias
através da língua e argumentam que têm como “pano de fundo” interesses políticos,
econômicos e culturais de países do Primeiro Mundo. No último pressuposto, “O uso
de empréstimos do inglês é polêmico: dissonâncias entre a lingüística e a ortodoxia
gramatical”, apresento os conflitos entre os lingüistas, que entendem o uso de
anglicismos como um processo natural da língua e os “anti-anglicistas” que os vêem
como invasão à nossa língua. Entre as rajadas de prós e contras aos empréstimos
do inglês, as pessoas comuns se encontram muitas vezes alheias às batalhas, mas
não essencialmente ao uso de anglicismos em sua vida. Logo, têm seus conceitos e
crenças elaboradas, o que lhes permite opinar sobre o fenômeno e expor como o
vivencia.
O Capítulo 2 contém a ótica da pesquisa, de caráter qualitativo e de base
etnográfica bem como os procedimentos metodológicos empregados em que
enfatizo a entrevista qualitativa, meio fundamental para capturar a matéria-prima
analisada posteriormente. Brevemente, descrevo os cenários urbanos escolhidos
para a pesquisa e os 14 participantes que contribuíram para o estudo relacionandoos com suas atividades e os anglicismos comumente usados nelas.
O Capítulo 3 consta de duas seções nas quais apresento a descrição e a
análise dos dados. A primeira está dividida em duas partes: a) Das Crenças e b)
Das Ações. Na parte “a”, descrevo as crenças das pessoas entrevistadas de forma
a elucidar e buscar o entendimento de suas falas em relação ao uso de
empréstimos do inglês no seu ambiente profissional e/ou social. Na parte “b”,
descrevo as ações dos participantes declarada em suas falas destacando sua
maneira de agir e interagir com os anglicismos. A parte “a” apresenta duas crenças
(a primeira é dividida em subcrenças) que emergiram nos depoimentos dos
participantes. Na Crença 1: Língua Inglesa: insígnia de maxi-valorização e de busca
de identificação com o Outro – trago as falas dos entrevistados relacionadas à
busca de identificação com os Estados Unidos e permeadas pelo sentimento de que
a língua inglesa representa o que é chique, bonito e de boa qualidade (Subcrença
1); a língua inglesa impulsiona nas pessoas comuns o desejo ou a necessidade de
ter bens econômicos e culturais, onde permeiam anglicismos, para desempenhar
suas atividades profissionais e/ou sociais de modo eficiente e vantajoso (Subcrença
2); no entanto, o desejo ou necessidade de identificação com o Outro gera aversão
aos anglicismos marcado por um sentimento nacionalista em defesa do Brasil
(Subcrença 3). Quanto à crença 2: Língua Inglesa: insígnia de influência da mídia,
para alguns dos participantes, os anglicismos são amplamente disseminados e
sustentados pela mídia que divulga empréstimos do inglês com o objetivo de vender
o produto e influenciar as pessoas, os consumidores. A parte “b” – Das ações: como
agem os homens comuns mediante os anglicismos – estabelece uma função prática
ou instrumental para o uso de empréstimos do inglês. Situa os anglicismos como
signos despidos do significado original (no inglês) e veste uma “roupagem” de
significado próprio ligado à operacionalização funcional dentro de sua atividade. O
signo, por vezes, não é percebido como um vocábulo de língua estrangeira. Na
segunda seção, faço a Discussão e Interpretação dos Dados os quais associo a três
vertentes ou princípios teóricos: a vertente do “apelo esnobe” e adesão ou rejeição à
cultura norte-americana, a da crítica ao imperialismo norte-americano e a
instrumental ou pragmática.
Nas Considerações Finais, apresento e comento sobre as principais
descobertas da pesquisa situando a visão do homem comum sob a égide das três
vertentes (do “apelo esnobe”, da crítica ao imperialismo norte-americano e a da
função pragmática ou instrumental) e suas implicações. Estabeleço uma posição de
equilíbrio diante dos pólos opostos da rejeição sumária e da aceitação resignada
priorizada pela necessidade instrumental ou prática de agir com e pela língua
inglesa. Por fim, aponto as limitações e contribuições do estudo.
Capítulo 1
PRESSUPOSTOS NORTEADORES DA PESQUISA
É preciso deixar claro quanto às propostas de
enfrentamento da hegemonia da língua
inglesa, a condição de que seja uma proposta
realista. Isto é, ela deve reconhecer não só a
realidade dos fatos, mas também do nosso
limitado poder em fazer frente a algo que está
acontecendo em escala mundial. (Kanavillil
Rajagopalan)
Esta pesquisa foi orientada por alguns pressupostos presentes e pertinentes à
literatura de estudos lingüísticos que discutem aspectos socioculturais e políticos
diante da expansão da língua inglesa no mundo e no contexto urbano brasileiro.
Inicialmente, argumento que os anglicismos fazem parte do cotidiano
brasileiro enfocando a presença de empréstimos do inglês descritos em várias
atividades comuns ao brasileiro. Na seqüência, com base principalmente em
Maffesoli (1986), discuto a legitimidade do conhecimento comum. O autor assume
uma posição equilibrada e não extremista entre os conhecimentos empírico e
científico. Essa idéia ponderada entre os dois saberes permite observar o senso
comum, excluindo as concepções estereotipadas e arbitrárias e não exigir dele um
cientificismo positivista.
Na tentativa de descortinar o conhecimento do homem comum, optei também
por organizar as descobertas a partir da discussão de crenças. Entendo que a noção
de crenças pode contribuir para a compreensão científica do uso da língua, ou mais
especificamente, do uso de anglicismos por pessoas comuns.
Como acredito que língua e cultura são noções permanentemente ligadas,
apresento algumas definições em que fenômenos lingüísticos e culturais são vistos
num processo de entrelaçamento de características culturais e lingüísticas alusivas a
diferentes povos e línguas. No entanto, o processo de expansão da língua inglesa
não é tido como neutro para alguns teóricos como Pennycook e Rajagopalan. Há o
entendimento de que a disseminação do inglês imprime, através da língua e cultura,
valores ideológicos guiados por interesses econômicos, políticos e culturais de
países desenvolvidos, principalmente dos Estados Unidos.
Para concluir, apresento a polêmica desencadeada pelo Projeto Lei 1.676D/1999, do deputado (também jornalista) Aldo Rebelo, em torno da presença de
expressões estrangeiras em nossa língua, que suscitou a reação indignada de
vários lingüistas. Tal debate entre os antiestrangeirismos (Rebelo, por exemplo) e os
lingüistas (Faraco e outros) foi um dos motivos a me levar a examinar a visão das
pessoas comuns em relação ao uso dos anglicismos no seu cotidiano.
1. Os anglicismos fazem parte do cotidiano brasileiro
Os anglicismos fazem parte do nosso cotidiano e a sua ubiqüidade é
facilmente notada, uma vez que se faz presente desde o desjejum, no biscoito cream
cracker ou pão Pullman, nas várias marcas de carros (Palio fire, adventure,
weekend, fox), que usamos para ir ao trabalho, no aparelho de som: rádio ou CD
player, nos comandos (power, fast forward, rewind, etc.), nas músicas que dele
ouvimos (Money no bolso, é tudo o que eu quero, money no bolso, saúde e
sucesso...), nas fachadas das lojas, centros comerciais que avistamos pelo caminho
(Fancy Calçados, Speed Pneus, Bob’s Lanches, Mister Sound, Mister Pão, Shopping
Popular, Big Lar, Delicious Fish, etc), no notebook ou laptop que é utilizado no
trabalho, desde os comandos para desempenhar as tarefas mais simples (delete,
save, shift, backspace, etc.) até as navegações pelos sites que oferecem notícias,
novidades, dados de pesquisas, livros em inglês, no coffee-break, na marca da
bebida (Sprite, Red Bull, Passport, Kaiser – em lata ou long neck  Keep Cooler,
etc.) que nos acompanha na happy hour juntamente com um cheese-egg, cheese
bacon ou outro qualquer, em pleno rush da saída do trabalho para, então, no
acalanto do lar, assistir, na telinha, filmes, séries, propaganda, shows, telenovelas
que trazem inúmeras expressões em inglês.
Na lista de telenovelas gostaria de destacar “América ”5 que era uma versão
do “sonho americano”. Merece um destaque especial neste trabalho porque
retratava o sonho cultivado por uma grande parcela dos brasileiros e de pessoas de
outros países da América Latina: chegar aos Estados Unidos para conseguir
ascensão econômica traduzida na metáfora “fazer a América”. Para tal intento,
correm todos os riscos. Lá chegando, muitos vivem e trabalham clandestinamente. A
trama considerava a cultura estadunidense adotada pelos peões de rodeio, desde o
estilo da festa até o vestuário de quem dela participava, quase sempre embalada
pelas canções com ritmo e letras importadas dos EUA. Era o “American way of life”
em evidência, mais precisamente o estilo country, na cidade paulista de Barretos
(famosa pelos rodeios) e em todo o Brasil. No caso da telenovela, a cidade de
Boiadeiros era que trazia as características dessa cultura americanizada tanto na
aparência como no gosto musical das pessoas. Aparecia, também, nas expressões
5
Telenovela da Rede Globo, da autora Glória Peres, apresentada no horário das 20h (Brasília), com
início em abril/2005 e término em novembro/2005.
– com sotaque marcado – de personagens que as usavam para a comunicação ou
para ostentar um certo status e o desejo de parecer mais “americanizado”.
A cultura estadunidense está presente também na telenovela da Rede Globo
Bang Bang, de autoria de Mário Prata, exibida no horário das 19h (Brasília). A bem
humorada trama retrocede na história – para o período de exploração do Oeste, no
século XIX (em torno de 1800 a 1870) e o enredo apresenta, como em América, o
“jeito americano” de se vestir e agir naquele período histórico. O retrato da cultura
dos Estados Unidos apresentado às crianças, jovens e adultos que assistem à
novela simplesmente veste “uma nova roupa” para chegar aos lares dos brasileiros
e, de forma bem humorada, caricaturiza os personagens, suas ações e os
acontecimentos dando à cultura estadunidense uma “cara de Brasil”.
Tais exemplos ilustrativos deixam evidente que, até em telenovelas,
apontadas como fortes audiências para o entretenimento da maioria das pessoas,
independentemente de classe social, acostumadas a mostrar temas do cotidiano dos
brasileiros, é marcante a influência norte-americana.
Ainda no universo da grande mídia, podemos ver propagandas de escolas de
inglês destinadas para um público jovem com boa situação financeira. As escolas
buscam representar a língua como status social e objeto de satisfação e sofisticação
para “ser bem sucedido” (vide comercial da Escola CCAA). Who let the dogs out ? É
a expressão que vemos e ouvimos (cantada) na propaganda da Volkswagem. A top
model internacional, Gisele Bündchen, ilustra o comercial de uma fábrica de
cosméticos repetindo diversas vezes: I ♥ my body (forma escrita) e I love my body
(cantada).
O reality show intitulado Big Brother Brasil6, que envolve milhões de
brasileiros nos conflitos dos confinados em uma casa montada para esse fim no
estúdio da Rede Globo de Televisão, apresenta todos os anos, diariamente, por um
período de cerca de três meses, quadros como o big spy, o big boss e os BBBs7.
A televisão por assinatura nos oferece uma infinidade de programas que têm
os nomes em inglês (Cartoon Network, Discovery Kids, HBO Family, Globo News,
Fox, Geographic, History Channel, Animal Planet, CNN entre outros). Às vezes tais
6
Anualmente é apresentada (Rede Globo de Televisão) uma versão do programa, diariamente, por
um período de aproximadamente três meses. Em cada versão, os participantes são diferentes,
geralmente pessoas pouco conhecidas na mídia. Segundo Nicola et alli (2003:31), a tradução literal é
“Grande Irmäo”. No entanto, há a definição em qualquer dicionário inglês e pode significar indivíduo
ou instituição/organização que exerce total controle na vida das demais pessoas.
7
Big Brothers são os participantes do programa que ficam confinados na casa do Big Brother.
programas apresentam conteúdo traduzido, mas made in the USA e há aqueles que
conservam o conteúdo na língua original, ou seja, na língua inglesa.
São poucos os exemplos aqui apresentados (ao tratarmos de mídia televisiva)
em tantos canais de TV disponíveis para todos, através dos quais são propagadas
informações das mais diversas, nos formatos de vários tipos e gostos chegando às
pessoas de todas as esferas sócio-econômicas (com exceção da TV a cabo, ainda
restrita a uma parcela mais abastada). As redes de TV apresentam  de manhã até
a madrugada  desenhos animados, filmes, noticiários, documentários, talk shows,
programas de marketing, entre outros que, se não são importados, proporcionam ao
brasileiro o convívio com empréstimos do inglês, entrevistas na língua inglesa e o
acesso à cultura e às ideologias dos países de 1 o mundo – Estados Unidos e
Inglaterra principalmente.
Os brasileiros que têm condições de acesso à internet se comunicam com o
mundo através dela, testemunham sua rápida evolução desde 1988, quando o
primeiro acesso foi feito8. Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha
(apud Ercília: 2000: 45), no final de 1999, o Brasil já era o sexto país que mais usava
a internet. Crianças, adolescentes e adultos têm acesso a sites, em sua grande
maioria, escritos em inglês ou oferecidos, além da língua do autor do texto, na língua
inglesa. No site da Turma da Mônica (www.turmadamonica.com.br), por exemplo,
acessado por milhares de crianças brasileiras, encontramos os quadrinhos de
Maurício de Souza nas línguas portuguesa e inglesa, o que oportuniza e
disponibiliza o contato deste público, além das agradáveis e divertidas histórias,
com o inglês. Esse é apenas um exemplo entre os inúmeros que poderíamos citar
quando tratamos de sites ou conteúdos disponíveis na internet.
Não apenas para a utilização da internet, mas também de outros benefícios e
necessidades geradas pelo uso do computador no nosso dia-a-dia, a linguagem da
informática está inserida em grande parte das atividades humanas. E nessa uma
boa parte dos comandos e funções preserva a sua terminologia em inglês.
Freqüentemente, testemunhamos situações em que o usuário desconhece a língua,
mas reconhece as funções e os comandos não se preocupando em saber o seu
significado ou a sua tradução. Assim, mesmo que os termos estejam presentes, não
8
Segundo Maria Ercília nos apresenta no seu livro A Internet, os primeiros acessos foram trocas de
mensagens Bitnet, no Laboratório de Computação Científica e na FAPESP (Fundação de Apoio à
Pesquisa do Estado de São Paulo).
é imprescindível, para muitos usuários, saber a língua inglesa para usar a linguagem
da informática. Por exemplo, usuários logo aprendem que o vocábulo Mouse não é
o animalzinho, mas um objeto, um equipamento do hardware. Dessa forma, pouco
vai interessar ou interferir no propósito do usuário se o termo mouse significa,
originalmente, camundongo.
Da mesma forma, as rádios  AM e FM  tocam músicas internacionais e
nacionais que têm expressões ou são totalmente em língua inglesa. Os
adolescentes ou teens tentam acompanhar com a letra que conseguiram pela
internet ou que a professora de língua inglesa trouxe para a aula. No entanto, muitas
vezes, os jovens balbuciam supostas palavras (nonsense musicais) embalados pelo
ritmo e melodia da canção, sem preocupação com a letra ou o que ela significa,
como fazem alguns conjuntos e bandas que tocam (e cantam) pelos bailes e bares
afora.
No mundo da moda podemos contemplar uma grande quantidade de
empréstimos lingüísticos: fashion, top model, legging, cotton, tie-dye, glamour,
hippie-chic9 etc. Alguns novos looks são apresentados na São Paulo Fashion Week,
na Rio Fashion Week ou, até mesmo, na II Evento de Moda Fashion de Sinop.
A moda comercializada nas lojas comuns difere da moda desenhada por
estilistas famosos. No entanto, em ambas o uso anglicismos é freqüente e tem
status reforçado tanto em novas tendências semeadas pelos grandes stylists
internacionais quanto àquelas destinadas ao consumidor comum. Os anglicismos
estão presentes em marcas (Brasil Country, Cowboy Forever, St. John’s Bay, Peep,
etc.) ofertadas para todas as idades e estilos até palavras e frases escritas,
especialmente em camisetas, com mensagens significativas, algumas pouco
convencionais, outras sem nexo, totalmente fora de contexto e de propósito,
podendo ser mal interpretadas por quem conseguir decifrá-las: “Easy Adventure”,
“I’m a witch!”, “Where the boy are”, “Bad Boy” (é nome de grife e faz muito sucesso
entre os jovens que a usam juntamente com as palavras escritas na camiseta) entre
várias outras.
Há quem opte pelo stylist ou pelo personal styler na escolha do
melhor look para ficar altamente fashion.
9
De acordo com Nicola, Terra, Menón (2003:133): “O hippie-chic, no contexto da moda, é uma
versão mais requintada e comercial de hippie, baseado em estampas coloridas e psicodélicas, no
estilo indiano, nas calças boca-de-sino ou em jeans com aparência de usado, nos sapatos plataforma
e sandálias”.
Nas academias de ginástica ou com o auxílio de um personal trainer, os
exercícios físicos recebem os nomes mais variados: fly, step,body jump, jumping. O
termo fitness, por exemplo, é usado na mídia e ultrapassa o muro da linguagem
especializada.
Empresas comercializam e nomeiam abundantemente produtos cosméticos
para cuidar da vaidade e saúde de todas as idades: gloss, After Shave, Shampoo
Kids, Dreams, Afro Hair, Hair Life entre incontáveis marcas e produtos que
embelezam e beneficiam a saúde das pessoas.
Nos salões de beleza, o uso de anglicismos, além de marcar presença
predominante nas marcas de produtos cosméticos, é vasto. Aparece no vocabulário
usado com clientes, eventos e treinamentos, revistas e livros destinados a
profissionais da área. Tomamos como exemplos algumas expressões comumente
usadas no meio e estampadas em revistas que tratam sobre o assunto: “Seu cabelo
fica mais fashion com este corte!”10. “(...) Ao lado, cabelos eriçados, no melhor estilo
black power e make-up super luminoso em tons de cobre e “Dread Fake – os
dreadlocks postiços garantem um novo visual sem mudanças radicais (exemplos
extraídos da Revista Cabelos & Cia, 2002); “ Moicano Fashion – (...) Criação
exclusiva do hairstylist Neandro Ferreira com apliques by Washington Bueno do
salão carioca Crystal Hair (Revista pour Coiffeurs-Guia do Profissional, 2002); “Xuxa,
look novo, vida nova. (Revista Cabelos & Cia, 2002).
Em livros, revistas e jornais que circulam pelo cenário nacional encontramos
vários com títulos completos ou parciais e títulos de seções, readaptados
foneticamente ao nosso sotaque. Tomamos como exemplos: “A Dieta de South
Beach”, “Teen”, “Folhateen”, “Todateen”, “Fashion” entre outros.
Quando o assunto em questão é referente a esportes, podemos elencar
vários vocábulos que já passaram por um processo de aportuguesamento, tais
como:
futebol>football,
basquetebol>basketball,
andebol>handball,
voleibol>volleyball, tênis>tennis. Verificamos, também aqueles que conservam a
escrita inglesa: mountain bike, motocross, paintball, boxe, body boarding, rafting,
surf, stock car, sky surf, squash, etc. Juntamente com o nome do esporte aparecem
vários comandos e regras em inglês: match point, round, replay, set, pit stop, etc.
10
Expressão utilizada por uma cabeleireira ao se referir a uma cliente que acabara de efetuar o corte
de cabelo em um salão de beleza da cidade de Cuiabá, setembro de 2004 (Informação verbal).
É impossível irmos a um shopping center, supermercado, loja de roupas ou
de eletrodomésticos, lanchonete, entrarmos em casa, no nosso carro, sairmos à rua
sem vermos como a língua inglesa se faz presente em nossa vida, na nossa língua e
na ideologia dos brasileiros. Todavia, o Brasil não é o nosso o único país de língua
portuguesa que faz uso de termos estrangeiros. Em Portugal, foi lançado em 2001
um novo dicionário contendo 750 novos estrangeirismos.11
Assim, vemos que o homem comum está socialmente situado num cenário
lingüisticamente misturado, transglóssico e repleto de empréstimos do inglês. Quer
dizer, o português do Brasil não é puro como querem alguns gramáticos puristas,
tampouco a presença de anglicismos na língua portuguesa é apenas um fato
lingüístico como querem outros. Entender os efeitos de sentido delineados nos
discursos em torno do inglês faz-se necessário. Como vimos, em suas atividades,
das mais simples às mais complexas, o brasileiro convive com, usa e visualiza
palavras que podem ser compreendidas (ou não), (re)interpretadas e ajustadas às
suas necessidades de uso.
Paiva (1996) tratou da presença de empréstimos do inglês no mundo, no
Brasil e, mais especificamente em Belo Horizonte, apresentando exemplos de
termos usados e coletados na capital mineira. Ela destacou o desejo desenfreado
em aprender a língua, manifestado por grande parte das pessoas principalmente nas
grandes cidades onde as vantagens profissionais são maiores para a pessoa que se
comunica em inglês. A autora se referiu ao uso e presença de anglicismos como
reflexo da dependência econômica, política e cultural dos Estados Unidos.
Em seu artigo Social Implications of English in Brazil (1999:326), Paiva, ao se
referir às implicações sociais do uso de termos em inglês, apontou as classes sociais
altas como as responsáveis pela inovação lingüística no nível de empréstimo lexical
e afirmou que os membros da elite econômica e intelectual brasileira usam a língua
inglesa como uma estratégia para diferenciá-los das classes populares. Logo, sob o
ponto de vista da autora, se de um lado, funciona como ferramenta ideológica e
acentua diferenças sociais, por outro lado, o seu conhecimento pode ser instrumento
de mobilidade social.
Ortiz (2003), assevera que a circulação dos bens culturais ( a língua também)
não pode ser pensada em termos de difusão, mas sim de mundialização. A cultura é
11
Fonte: www.oca.org.br/pipemail/seminário/2001-April000583.html
mundializada, a propagação de elementos de uma cultura não extermina ou reprime
a local, mas convive com ela. As características culturais locais convivem com as
tendências globais e as reinterpretam ao permitir-lhes a presença no seu contexto.
Para o autor, a língua inglesa é tida como língua mundial, sua presença não é
fortuita tampouco inocente. Entretanto, a língua inglesa presente nos diversos
espaços geográficos e culturais não se constitui numa uniformidade lingüística, ao
contrário, há grande diversidade determinada por usos e estilos particulares. O
inglês penetra em domínios distintos (informática, tráfego aéreo, colóquios
científicos, etc.) e se consolida como língua das relações internacionais. A
transversalidade da língua inglesa como língua mundial exprime a globalização da
vida moderna e sua mundialidade preserva os outros idiomas.
Podemos ver, portanto, que há alguns anos, o uso de anglicismos tem
crescido notadamente pelo fortalecimento e expansão da mídia, internet e o
processo de globalização que estamos vivenciando. O lingüista, o gramático purista
e as pessoas comuns vivem juntos o mesmo fenômeno sócio-lingüístico-cultural e
político e a partir deles constroem suas crenças, seus pensamentos e agem no seu
dia-a-dia.
2. Há legitimidade no conhecimento comum
O sociólogo e pesquisador Michel Maffesoli (1988) reconhece o conhecimento
empírico, a sabedoria popular e consagra a experiência diária de todo ser humano
como representante de poder cognitivo que serve aos estudos da sociedade e
propõe uma senso(comum)nologia que aceite o ponto de vista e a conhecimento do
vulgus (do latim, significa o homem comum). Para ele, o conhecimento comum
situado historicamente ou restrito a um momento sócio-histórico favorece
descobertas científicas. Quando fala da senso(comum)nologia, ele diz o seguinte:
A experiência do mundo, que é vivida coletivamente, corresponde a experiência do
pensamento que apenas dá realce a este ou àquele traço, que o compara a outros,
que deles faz uma imagem ou que o metaforiza, em resumo, trata-se da atitude
ideal-típica, que pode exercer-se tanto sincrônica, quanto diacronicamente. É isto
exatamente “a senso(comum)nologia” (Maffesoli, 1986:227).
A concepção maffesoliana do saber sociológico afasta-se do cientificismo de
inspiração positivista e propõe a consideração do conhecimento comum, excluindo
estereótipos, conotações absurdas e simplistas e vê na realidade societal um objeto
digno de investigação.
A língua, como importante elemento constitutivo da sociedade, também é
modificada e pensada com base no uso comum, influenciada pelo conhecimento
empírico desenvolvido pelas pessoas integrantes da sociedade, entre elas, o homem
comum. Para Maffesoli (1998), o conhecimento comum que é sedimentado,
compartilhado e propagado no ambiente sócio-cultural de pessoas comuns se
constrói nas experiências que formulam métodos, caminhos, meios de atingir
objetivos e evoluir. Para o autor (1988: 259), “A complexidade cotidiana, a ‘cultura
primeira’ merece uma atenção específica – e isto propus que se denominasse um
conhecimento comum”. Do autor, destaco também o trecho a seguir que assegura
ao senso comum uma fonte de pesquisa e compreensão dos fenômenos
constitutivos de uma sociedade, portanto, importante para a ciência:
De uma maneira ou de outra, numerosos filósofos ou sociólogos insistiram no fato de
que existe uma pré-apreensão do meio circundante, a qual tem condicionado a ação
humana. É justamente o interessante tema da sabedoria popular ou do bom senso –
o que chamei de “cinestesia social”- que podemos agora reconhecer como um
elemento estrutural de equilíbrio que temos a obrigação de observar na vida das
sociedades. Ainda que trivializada pelas discussões típicas de bares ou botequins ou
pela “conversa jogada fora”, esta sabedoria não deixa de se constituir em auxílio de
incalculável valor para o enfrentamento com o destino, com o tempo que passa (...)
Trata-se, naturalmente, de categorias gerais, mas que não deixarão de diluir-se nas
criações minúsculas do cotidiano. Donde o sociólogo deve procurar ter por este
“senso comum” quando de suas elaborações teóricas (Maffesoli:1988:226-227).
A proposta do autor é engendrada pela visão de que deve haver um
equilíbrio, ausência de radicalismos, um elemento mediador ao se realizarem
estudos acerca da sociedade. Se de um lado, ele critica a secura e arrogância de
certas práticas científicas, especialmente aquelas de uma posição positivista, de
outro, afirma que o pesquisador deve resistir aos discursos estereotipados, às
concepções absurdas e “manter os pés no chão”, sem deixar se envolver por
conceitos que podem afetar ou se desviar dos propósitos da ciência. Maffesoli
entende que o rigor excessivo ou o extremismo pode afastar o pesquisador da
realidade.
Para ele, o discurso sobre o social deve saber escutar o discurso do
social salvaguardando a representação de uma sociedade plural e dar atenção
multiforme à vida cotidiana.
Outro aspecto importante observado por Maffesoli é no sentido de que a
sociologia pode servir de apreensão dos valores culturais e estes, por sua vez, são
necessários para a compreensão de jogos econômicos, políticos, culturais,
administrativos e cotidianos que permeiam as situações sociais. Quando o
pesquisador se inscreve na organicidade das coisas e das pessoas, de modo
natural, poderá compreender cientificamente a vida cotidiana.
Segundo Schütz, citado por Maffesoli (1986: 227), é necessário haver um
diálogo contínuo entre o conhecimento com base no senso comum e as construções
intelectuais, científicas para que a realidade social possa ser compreendida e
interpretada com coerência pelo pesquisador. Em outras palavras, o autor afirma o
seguinte:
Deve haver uma relação constante, um vaivém permanente entre o “estoque de
conhecimentos” à disposição dos indivíduos e as construções intelectuais. Assim,
conceitos construídos pelo sociólogo, com vistas à apreensão da realidade social
devem apoiar-se no senso comum dos homens vivos, no mundo social.
Sendo assim, entre os participantes (homens comuns) – entendidos como
fonte potencial de informações no curso da compreensão científica de uso e
variações da linguagem – o pesquisador pode buscar e encontrar respostas para os
questionamentos que instigam a comunidade científica a entender determinados
processos lingüísticos, culturais e sociais que permeiam e caracterizam a linguagem
global e local, no caso, a forte presença de anglicismos. A subjetividade é formada a
partir da vivência do homem em seu meio social.
Desta forma, é na busca da compreensão de sua identidade, de como pensa
o homem comum, como constrói e é influenciado por suas crenças que podemos
definir ou propor discussões relativas aos fenômenos que ocorrem, de forma
holística e/ou particular, naquela comunidade lingüística. Portanto, para este estudo,
o conhecimento dos participantes é considerado através de suas crenças e ações
perante o uso de anglicismos no seu ambiente.
3. As crenças do homem comum podem auxiliar na compreensão científica do
uso da linguagem
Esta pesquisa tem como foco as crenças dos participantes construídas ao
longo de suas vidas e a partir de suas experiências acerca da presença de
expressões da língua inglesa no cenário em que vivem, com especial atenção aos
anglicismos usados em sua atividade profissional e/ou social.
O estudo de crenças interessa à ciência, prova disso são as pesquisas
(Barcelos, 1999, 2000, 2004; Pajares, 1992; Madeira, 2005; Fernandes, 1999;
André, 1999; Pereira, 2003; Murphy, 2000; Leffa, 1991; entre outros) envolvendo
professores e alunos que têm se tornado mais freqüentes na Lingüística Aplicada, o
que contribui para reflexões em torno do ensino/aprendizagem de línguas e o papel
das crenças nesse processo.
Não apenas a área de ensino/aprendizagem de línguas demonstra interesse
sobre o estudo de crenças. Pajares (1992) diz que as crenças são vistas como
preocupação da Filosofia, pois algumas vezes são tidas como um mistério que
nunca é claramente definido, especialmente se a concentração estiver nos campos
espirituais e religiosos. Além da Lingüística Aplicada e da Filosofia, o interesse pelo
assunto perpassa por diversas áreas e tem aumentado consideravelmente,
conforme afirma:
(...) as crenças são um assunto de investigação legitimada em campos tão diversos
como medicina, direito, antropologia, sociologia, ciência política, negócios bem como
na psicologia onde atitudes e valores têm sido um foco de pesquisa social e de
personalidade (Pajares,1992:308)12.
Na área educacional, mais precisamente ligada à aprendizagem de línguas,
Barcelos (2004: 130-131) apresenta diferentes termos propostos por diversos
autores que se aproximam do significado de crenças: “representações dos
aprendizes” (Holec,1987); “filosofia de aprendizagem de línguas dos aprendizes”
(Abraham & Vann,1987); “crenças culturais” (Gardner,1989), “conhecimento
metacognitivo” (Wenden,1986); “representações” (Riley,1989), “teorias folclóricolingüísticas de aprendizagem” (Miller & Ginsberg,1995); “cultura de aprender línguas”
(Barcelos,1995); “cultura de aprender” (Cortazzi & Jin, 1996) e “cultura de
12
No original: (…) beliefs are a subject of legitimate inquiry in fields as diverse as medicine, law,
anthropology, sociology, political science, and business, as well as psychology, where attitudes and
values have long been a focus of social and personality research.
aprendizagem” (Riley,1997). A diferença entre eles está relacionada ao tipo de
pesquisa e à agenda dos pesquisadores, porém tal proliferação de termos mostra a
importância em reconhecer o fenômeno que está sendo estudado.
Barcelos (2000:15) acredita que a filosofia de Dewey é bastante abrangente
para a compreensão do papel das crenças na aprendizagem de línguas, pois
enfatiza que as crenças são baseadas nos contextos e nas experiências. De acordo
com Dewey, para fazer parte de um contexto social, o ser humano interage e se
adapta a ele. Nessa interação (troca entre indivíduo e ambiente) tanto as pessoas
moldam quanto são moldadas, modificam e são modificadas. O ser humano tem um
caráter ativo na troca, há uma negociação, não apenas imposição unilateral e uma
troca de experiências entre homem e meio ambiente.
A experiência vista por Dewey, nas palavras de Barcelos, não é um estado
de consciência, mas um tipo de ajustamento e reajustamento das atividades. Cada
ação é uma resposta a ações prévias e uma testagem de hipóteses. As crenças são
hipóteses que testamos e avaliamos e podem consistir em mudanças nas ações.
Dewey (1938), citado por Barcelos (2000:16), assim define experiência: “(...) não é
um estado mental, mas a interação, adaptação e ajustamento dos indivíduos ao
meio ambiente. É o modo humano de ver o mundo”13.
Logo, as experiências
humanas não são permanentes, acabadas. Existe uma mudança contínua no seu
diálogo com o contexto social, lingüístico, cultural e histórico em que a pessoa vive.
Os princípios da continuidade e da interação é que constituem a experiência e esta,
por sua vez, dialoga com as crenças que cada ser humano elege para si num
movimento de construção, reflexão e reconstrução permanente do seu pensamento
e ações.
Para melhor ser compreendido o conceito de crenças, dizem alguns autores,
há de se estabelecer uma distinção entre crença e conhecimento, pois quando
colocamos em paralelo os termos conhecimento e crenças, é possível que
encontremos dificuldades em separá-los conceitualmente sem se tornarem
confusos. Se Pajares (1992) argumenta que é difícil saber exatamente onde o
conhecimento termina e a crença começa, Nespor (1987) apud Pajares (1992:309)
alia as crenças à emoção, afetividade e o conhecimento à razão e cognição.
Distingue os termos da seguinte maneira:
13
No original: “Experience is not a mental state but the interaction, adaptation, and adjustment of
individuals to the environment. It is the human mode of being in the world.”
As crenças têm componentes afetivos e avaliativos mais fortes do que o
conhecimento e o afeto tipicamente operam independentemente da cognição
associada com o conhecimento. O conhecimento de um domínio difere dos
sentimentos sobre um domínio, uma distinção similar àquela entre autoconceito e
auto-estima, entre conhecimento de si próprio e sentimentos de autovaloração14.
Pajares (1992:313) sugere uma distinção que afirma ser talvez artificial, mas
comum para a maioria das definições: “a crença é baseada na avaliação e
julgamento; o conhecimento é baseado no fato objetivo” 15. A distinção de Madeira
(2005:19) de que o conhecimento é o que se tem como resultado de pesquisa
científica enquanto crença é o que se “acha”, se assemelha à de Pajares. Já para
Barcelos (2000:34), o conhecimento obedece a uma justificativa epistemológica
enquanto as crenças não.
Se o conhecimento, de acordo com a distinção dos autores, se aproxima da
racionalidade, da cientificidade e da concretude do pensamento e ações e crenças
têm sua base nos contextos e experiências do ser humano, isso não significa que
devemos separar um do outro, pois como nos ensina Dewey (1938), citado por
Barcelos (2000), ao separarmos o conceito de conhecimento do conceito de crenças
e também de nossa maneira de agir no mundo, isso implica na perda de importantes
aspectos que as crenças podem trazer.
A seguir, apresento um quadro (Quadro 1) organizado com algumas
definições de crenças propostas por estudiosos citados por Pajares (1992) e os
respectivos conceitos traduzidos do seu artigo.
AUTORES
Abelson (1979)
Brown e Cooney
(1982)
Sigel (1985)
14
DEFINIÇÃO
Definiu crenças em termos de pessoas manipulando o conhecimento para um
propósito particular ou sob uma circunstância necessária.
Crenças são disposições para a ação e principais determinantes do
comportamento embora as disposições sejam tempo e contexto específico –
qualidade que tem implicações importantes para pesquisa e avaliação.
Crenças são construções mentais da experiência – freqüentemente condensadas
e integradas no sistema ou conceitos que são asseguradas como verdades e
guiam nosso comportamento.
No original: “Beliefs have stronger affective and evaluative components than knowledge and that
affect typically operates independently of the cognition associated with knowledge. Knowledge of a
domain differs from feelings about a domain, a distinction similar to that between self-concept and selfesteem, between knowledge of self and feelings of self-worth.”
15
No original: “Belief is based on evaluation and judgment; knowledge is base on objective fact.”
Harvey (1986)
Nisbett e Ross
(1980)
Dewey (1933)
Rokeach (1968)
Kitchener (1986)
Nespor (1987)
Crenças são representações individuais da realidade que têm validade suficiente,
verdade ou credibilidade para guiar o pensamento e o comportamento.
Crenças são proposições explícitas aceitáveis sobre as características de objetos
e classes de objetos.
Crença é o terceiro significado do pensamento, algo além dele próprio pelo qual
seu valor é testado; ele faz uma asserção sobre alguma espécie de fato ou algum
princípio ou lei.
Crenças são qualquer proposição simples, consciente ou inconsciente, inferida
do que uma pessoa diz ou faz, capaz de ser precedido pela seguinte expressão:
“ Eu acredito que ...”
Processos cognitivos em que um indivíduo recorre para monitorar a natureza
epistêmica dos problemas e o verdadeiro valor das soluções alternativas.
Construções ou definição de tarefas, visão prescrita de um processo cognitivo
necessário para compreender esta função e identificar quatro níveis de
pensamento: processamento interno, recursos, controle (ou processos
metacognitivos) e crenças.
Na área de ensino/aprendizagem de línguas, Murphy (2000:11), por exemplo,
define crenças como:
um sistema complexo e interligado de conhecimento pessoal e profissional que serve
como teorias implícitas e mapas cognitivos para experimentar e responder à
realidade. As crenças incluem componentes afetivos e cognitivos e freqüentemente
são mantidas tácitas16.
Essa definição evidencia que crenças nem sempre são explícitas, cabendo ao
pesquisador atentar para uma leitura daquilo que as pessoas declaram ou somente
implícito como um meio de desvelar as crenças que possuem.
Devido à abrangência de termos, áreas e propostas de pesquisas ligadas a
crenças, Pajares (1992:309) apresenta uma série de termos que as definem de uma
forma ampla:
(...) atitudes, valores, julgamentos, axiomas, opiniões, ideologia, percepções,
conceituações, sistemas conceituais, pré-conceituações, disposições, teorias
implícitas, teorias explícitas, teorias pessoais, processos mentais internos,
estratégias de ação, regras de prática, princípios práticos, perspectivas, repertórios
de compreensão, estratégia social17.
Silva (2005), em sintonia com Kalaja (2003) e Barcelos (2004), assegura que
as crenças são interativas, dinâmicas, emergentes e recíprocas.
16
No original: “A complex and inter-related system of personal and professional knowledge that
serves as implicit theories and cognitive maps for experiencing and responding to reality. Beliefs rely
on cognitive and affective components and are often tacitly held.”
17
No original: “(...) attitudes, values, judgements, axioms, opinions, ideology, perceptions,
conceptions, conceptual systems, preconceptions, dispositions, implicit theories, personal theories,
internal mental processes, action strategies, rules of practice, practical principles, perspectives,
repertories of understanding, and social strategy.”
Idéias ou conjuntos de idéias para as quais apresentamos graus distintos de adesão
(conjecturas, idéias relativamente estáveis, convicção e fé). As crenças na teoria de
ensino e aprendizagem de línguas são essas idéias que tanto alunos, professores e
terceiros têm a respeito dos processos de ensino/aprendizagem de línguas e que se
(re) constroem neles mediante as suas próprias experiências de vida e que se
mantêm por um certo período de tempo (Silva apud Silva et alli, 2005).
As crenças sofrem influência do meio social, lingüístico, cultural e histórico e
nele são desenvolvidas direcionando o comportamento e atitudes tomadas pelas
pessoas no dia-a-dia. Uma vez que o contexto muda permanentemente desde
valores morais, comportamento, recursos tecnológicos entre outros, também as
crenças sofrem alterações. Antes de surgir a televisão, a informática e a internet,
certamente as pessoas comuns cultivavam crenças com diferentes características
sincronicamente
estabelecidas.
Elaboradas
com
a
experiência,
influenciam
experiências e crenças posteriores das pessoas num movimento cíclico e contínuo
de mudanças na interação com o meio. A metáfora “comecei a ver com outros olhos”
traduz a possibilidade de mudança a partir de oportunidades de experimentar algo
novo ou de repensar os conceitos e crenças já existentes.
Neste estudo, quando menciono crenças do homem comum, refiro-me às
construções pessoais, ao julgamento e aos valores atribuídos aos fatos e fenômenos
vivenciados no seu contexto social, lingüístico, cultural e histórico e que influenciam
as suas ações. As crenças podem ser entendidas como o conhecimento intuitivo
implícito, constituídas de pressupostos sócio-culturais baseados nas experiências
que resultam da interação e trocas recíprocas do ser humano com o contexto macro
e micro-social em que vive.
Na área de ensino/aprendizagem de línguas no Brasil, intensifica-se o número
de pesquisas relacionadas a crenças especialmente de professores e alunos
(Barcelos, 1999, 2000, 2004; Madeira, 2005; Silva et alli, 2005; Pereira, 2003; entre
outros), mas pouco se sabe ainda sobre o que pensam as pessoas comuns em
relação ao uso dos empréstimos do inglês no seu cotidiano.18 Neste trabalho,
pretendo contribuir para a área do estudo de crenças, focalizando as crenças do
homem comum por acreditar que seu estudo pode beneficiar a ciência no sentido de
18
Um dos trabalhos pioneiros nesta área no Brasil foi o artigo de PAIVA, Vera Lucia de Menezes e. A
Língua Inglesa no Brasil e no Mundo. In Paiva, V. L. M. (org.) Ensino de Língua Inglesa: reflexões e
práticas.Campinas, SP: Ed. Pontes, 1996. No entanto, seu trabalho não considera a visão êmica dos
participantes.
encontrar respostas ou propor reflexões no que diz respeito aos fatos da linguagem
e aos fenômenos sociolingüísticos e culturais presentes no seu cotidiano.
4. Língua e cultura, globalização e mundialização são indissociáveis na
construção do conhecimento no mundo moderno
Falar sobre cultura nos remete a um emaranhado de discussões, definições e
concepções sobre o assunto. Assim, recorro a alguns autores que conceituam
cultura com o objetivo de desvelar os traços e domínios que elucidam o que ela
representa para a ciência.
Burke (2003:06-07) define o termo cultura como atitudes, mentalidades e
valores e suas expressões, concretizações ou simbolizações em artefatos,
comportamento e representações. Santos (2002) também considera tudo aquilo que
caracteriza a existência humana de um povo, nação ou grupo no interior de uma
sociedade, como se caracteriza, concebe e organiza a vida social como cultura.
Na definição de Dubois (1973), língua é cultura são dois elementos
indissociáveis, isto é, o estudo lingüístico implica na descrição de uma cultura, pois a
lingüística contém uma série de escolhas sobre a forma de representar o mundo.
Para ele, a cultura compreende todas as formas de representar o mundo exterior, as
relações entre os seres humanos, povos e indivíduos e inclui o juízo explícito ou
implícito feito sobre a linguagem ou seu exercício.
Kramsch (1998:03), por sua vez, também diz que “a língua é o principal meio
pelo qual nós conduzimos nossas vidas sociais. Quando é usada em contextos de
comunicação, está ligada com a cultura de maneira múltipla e complexa 19”. Para ela,
as palavras refletem o ponto de vista, atitudes e crenças. Logo, a língua expressa a
realidade cultural. A linguagem (verbal ou não-verbal) incorpora a realidade cultural,
pois a maneira como os membros de uma comunidade ou grupo social usam a fala,
escrita ou linguagem visual, criam significados compreensíveis para as pessoas do
grupo. Kramsch entende que a linguagem também simboliza a realidade cultural
uma vez que os falantes se identificam com outros através da língua, é um símbolo
de identidade social, e rejeitá-la seria o mesmo que rejeitar o grupo e sua cultura.
19
No original: “Language is the principal means whereby we conduct our social lives. When it is used
in contexts of communication, it is bound up with culture in multiple and complex ways.”
Dessa forma, neste estudo, entendemos que as crenças são delineadas pela
cultura (práticas sociais) e pela língua (práticas comunicativas), uma influencia a
outra.
Concordo
com
Kramsch
ao
apontar
o
entrelaçamento
cultura
e
linguagem/língua quando afirma que a língua expressa a realidade cultural. No caso
do uso de expressões da língua inglesa na língua portuguesa, portanto, não há
apenas apropriação lingüística, mas também cultural.
O conceito de cultura abaixo proposto por Cox & de Assis-Peterson (2003: 07)
evidencia as naturezas contraditórias, conflitantes de práticas simbólicas, culturais e
lingüísticas, quando se admite que cultura e língua são entidades heterogêneas e
mutáveis.
A cultura é o conjunto colidente e conflituoso de práticas simbólicas ligadas a
processos de formação e transformação de grupos sociais, uma vez que, por esse
ângulo, podemos aninhar a heterogeneidade, o inacabamento, as fricções e a
historicidade no âmago do conceito.
Se cultura e língua envolvem práticas sociais e comunicativas e se essas
relações podem ser contraditórias e conflitantes, a presença de uma cultura e língua
(a cultura norte-americana e a língua inglesa), decorrente dos avanços da
globalização, em outro contexto lingüístico-cultural pode despertar sentimentos e
comportamentos contraditórios entre as pessoas.
Renato Ortiz (2003) aponta que a existência de processos globais transcende
os grupos, as classes sociais e as nações. Mesmo que não haja o deslocamento do
homem de sua casa, o mundo penetra no seu cotidiano. Conforme o autor, isso não
significa que o global se afaste das particularidades, mas que as especificidades são
encontradas em sua totalidade. Em outras palavras, o que era “distante” aparece em
nossa vida e muda nossos hábitos, comportamento e valores.
Conforme Ortiz
(2003:31), “uma cultura mundializada corresponde a uma civilização cuja
territorialidade se globalizou. Isto não significa, porém, que o traço comum seja
sinônimo de homogeneidade”.
Assim, para entender o homem comum é preciso situá-lo na sociedade global,
dentro dessa totalidade imposta pela globalização econômica e mundialização de
cultura e sua disseminação pelo planeta. Coexistir com uma cultura mundializada
significa conviver com elementos que interferem no modo de vida do ser humano
que, por sua vez, acaba por desenvolver formas de enfrentar os desafios nas
atividades sociais e profissionais.
O autor assegura que a língua inglesa é uma “língua mundial” (ao invés de
“internacional” ou “global”, por exemplo, porque essas terminologias a associam
apenas aos aspectos econômicos da globalização) que se adapta aos padrões das
culturas específicas. Nesse sentido, sua transversalidade e mundialidade preservam
outros idiomas e a diversidade determina estilos e registros particulares de uso da
língua.
Segundo Ortiz (2003:87-89), nas literaturas que tratam sobre a cultura
contemporânea e o contato cultural nas sociedades atuais, há a tese insistente de
“americanização do mundo” que permeia o senso comum. Essa tese se divide em
duas vertentes que são a ideologizada norte-americana e a crítica ao imperialismo.
A primeira vertente está ligada à idealização do povo dos Estados Unidos e
de sua história. Seus costumes, modo de vida e padrão de conforto são adotados
pelas pessoas de todos os lugares. Os produtos de consumo norte-americanos são
conhecidos e vendidos em todo comércio.
Na segunda vertente, a economia, política e cultura são vistas como exercício
do poder. Haveria um poder imperial ao arbitrar a paz mundial em função de
interesses políticos e poder econômico. O objetivo seria implantar políticas de
dependência cultural e econômica para reforçar a dependência política e cultural de
outros países e promover o enfraquecimento das culturas nacionais em favor dos
interesses norte-americanos.
No entanto, Ortiz faz ressalvas a essas teses. Para ele, tanto a
americanização do mundo quanto a crítica ao imperialismo são parciais, pois
evidenciam a submissão das partes pelo avanço capitalista e a colonização cultural.
A dificuldade com a tese da americanização está em esquecer de analisar a
globalização como processo e se fixar na difusão dos elementos estadunidenses.
Além disso, reduz a cultura a seus produtos, seu valor explicativo é frágil e as
expressões culturais são associadas aos seus bens econômicos. Assim, cultura e
economia seriam dimensões equivalentes. Para o autor, a crítica ao imperialismo,
aparentemente oposta da americanização, também está associada à compreensão
da difusão e aculturação, se afirma por meio de mecanismos de dominação e reforça
a perspectiva substancialista da existência de uma cultura norte-americana. Além
disso, o antitimperialismo prevê culturas alienadas, negadora do outro, as quais
asseguram uma contraposição entre o nacional e o estrangeiro e se desloca para a
questão da autenticidade das culturas nacionais. Portanto, tanto a tese ideologizada
norte-americana quanto a crítica ao imperialismo se movem com pressupostos
semelhantes e se contrapõem à visão da circulação de bens culturais (inclusive a
língua inglesa) em termos de mundialização e não de difusão o que tem maior
consistência no mundo moderno caracterizado como transcultural e transglóssico.
5. O uso de anglicismos não é uma atividade neutra
De acordo com Berlitz (1982: 21), o uso de uma língua pode suplantar o de
outra, em longo prazo, como podemos observar nos processos de colonização de
vários países. O contato entre línguas pode, ainda, resultar numa língua misturada
resultando num pidgin – língua auxiliar, segunda língua, criada por pessoas que não
têm nenhuma língua em comum (Trask, 2004:228)
– ou, posteriormente, num
crioulo – quando o pidgin se torna a língua materna de uma comunidade lingüística
(Calvet, 2002:167). Hoje, o inglês é a língua mundial usada amplamente por
pessoas falantes de outras línguas em processo contínuo de expansão devido à
globalização.
Conforme Pennycook (1994), a expansão do inglês pelo mundo tem razões
políticas, econômicas, sociais e até militares estabelecidas como meta pela GrãBretanha e pelos Estados Unidos. Na sua visão, a Grã-Bretanha investiu na
expansão da língua camuflando seus reais interesses  políticos e comerciais 
como “propaganda cultural” através do Conselho Britânico, órgão do governo criado
com o objetivo de expandir a língua e a cultura inglesa. Os investimentos na
divulgação do inglês podem ser verificados já antes da Segunda Guerra quando
uma mudança na política, estabelecida inicialmente pelo Conselho Britânico,
deslocou a ênfase da propaganda cultural para o campo educacional. Houve
alterações em terminologias e na política de expansão: os países do Terceiro Mundo
assistidos pelo Conselho passariam de desenvolvidos para em desenvolvimento e
de processo de colonialismo para recurso de desenvolvimento. A posição do
Conselho Britânico como órgão não-governamental manteve a continuidade da
política colonialista camuflada em projetos educacionais e materiais didáticos por
eles ofertados.
Para Pennycook (1994: 151-153), a influência dos Estados Unidos foi sentida,
principalmente, após a Segunda Guerra através de várias instituições políticas,
econômicas, acadêmicas, culturais e filantrópicas (Fullbright, Rockefeller Foundation
entre outras). As instituições filantrópicas, que ofertavam o ensino da língua/cultura
entre outros benefícios, tinham como pano de fundo a ideologia liberal, o capitalismo
e o imperialismo estadunidense. O autor afirma:
A maior influência dos Estados Unidos foi na era pós-guerra e, portanto, mais como
poder neocolonial do que colonial. (...) Os Estados Unidos consolidaram o seu poder
através de uma vasta organização de instituições – políticas, econômicas,
acadêmicas e culturais20 (Pennycook: 1996:153)
Moura (1984:11) também diz que a difusão da língua inglesa após a Segunda
Guerra não foi aleatória. Obedeceu a um planejamento cuidadoso de penetração
ideológica e conquista de mercado pelos Estados Unidos que pretendiam se
estabelecer como potência mundial. Teve um sucesso sem precedentes na
exportação e uso de padrões de comportamento, gostos artísticos e hábitos de
consumo.
Pennycook (1994:158) afirma que, mais recentemente, a posição da língua
inglesa e suas relações com as forças econômicas globais mudaram o discurso
passando de intervencionismo para monetarismo. A língua e seu ensino são vistos
como mercadoria global em linha com o processo do capitalismo globalizado.
Ele diz que, apesar do ensino da língua inglesa e sua expansão serem vistos
como benéficos, neutros e naturais por algumas pessoas (entre elas há os
professores de inglês, por exemplo), visando o conhecimento lingüístico e não o
domínio político, não é o que se verifica em materiais distribuídos pelo Conselho
Britânico e USIS (United States Information Service), os quais deixam explícito que
os países do Primeiro Mundo (dotados de inteligência, riqueza, competência) são
exemplos a serem seguidos pelo terceiro mundo.
É inegável que a língua inglesa se estabeleceu como língua global,
alcançando o status de língua franca das comunicações internacionais alçando vôo
com a manifestação do grande poder econômico e político alavancado por meio da
Revolução Industrial e disseminado pelas campanhas supra citadas. Os Estados
20
No original: “The greatest influence of the United States has been in the post-war era and thus as
more of a neocolonial than as a colonial power.(…) The United States consolidated its power through
a vast array of institutions – political, economic, academic and cultural.
Unidos conseguiram o mesmo intento que a Grã-Bretanha devido ao poder político,
econômico e militar da Segunda Guerra solidificando o inglês na posição que
sustenta atualmente.
Segundo Lacoste (2005), há séculos a difusão de algumas línguas acontece
pelo mundo. Na colonização de alguns países, a língua do colonizador foi imposta
dizimando, em alguns casos, as línguas autóctones. Atualmente, o neo-imperialismo
não tem mais necessidade de conquistar territórios para exercer seu domínio
econômico e cultural. Os Estados Unidos são vistos como a hiperpotência mundial,
que têm como herança colonial a língua inglesa. Na União Européia, a necessidade
de uma língua em comum e pelo próprio processo de globalização também é o
inglês. A mundialização do inglês tem conseqüências geopolíticas – toda rivalidade
de poderes (e de influências) sobre territórios – e faz parte de conflitos de poderes
em nível mundial.
O Brasil, como outros países do Terceiro Mundo, sofreu influências da GrãBretanha antes da Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, somou-a à influência
dos Estados Unidos no que se refere à expansão da língua que trouxe (e ainda traz)
consigo não somente aspectos lingüísticos, mas valores culturais, ideologias
políticas e sociais. Filmes, músicas e outros produtos de consumo ingleses e
estadunidenses começaram a fazer parte da vida dos brasileiros, especialmente com
a instalação e expansão da televisão nos anos 50. Além da promoção da língua pela
Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos (são os países que aparecem com destaque
nos materiais didáticos), há um grande investimento em propagandas de sua língua,
cultura e seus produtos objetivando angariar vantagens políticas, sócio-econômicas
e culturais ligadas ou não ao estudo e ao conhecimento da língua e setores que
promovem e comercializam produtos.
Por essas razões, os empréstimos do inglês presentes na vida do brasileiro
não são neutros tampouco “inocentes”. Eles têm como motivação inicial os bens
econômicos, políticos e culturais divulgados pela mídia, tecnologia, materiais
didáticos e produtos de consumo vinculados à moda, música, artes, esportes, etc.
Se não existissem os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos e/ou da
Inglaterra, com ênfase ao primeiro nos tempos modernos, talvez a presença da
língua inglesa no mundo ou no Brasil não fosse tão intensa. Entretanto, a língua
inglesa e os anglicismos que se expandem pelo mundo não resguardam e nem
sempre conservam as características da língua falada nos Estados Unidos ou na
Inglaterra. Por vezes, assume características, significados e “sotaques” de cada
contexto no qual é usada dentro de um processo sincrético e mestiço de uma língua
que se mundializa, mesmo que não seja despida de interesses.
6. O uso de empréstimos do inglês no Brasil é polêmico: dissonâncias entre a
lingüística e a ortodoxia gramatical.
Segundo Bagno (2002:60), até o início do século XX, a língua francesa
detinha o status de língua estrangeira mais falada no Brasil. Aos poucos, foi
substituída pela língua inglesa devido a políticas de penetração e expansão da
língua, valores culturais e políticos.
Propostas em defesa da pureza da língua
materna datam daquela época quando Castro Lopes, um médico, criticava na
imprensa o uso abusivo de galicismos (palavras e expressões da língua francesa) no
português brasileiro, propondo que deveriam ser substituídos por neologismos de
base latina erudita. Seu intento serviu somente para críticas e chacotas de
intelectuais da época (Faraco, 2002:09).
Hoje esse sentimento de xenofobia ou zelo, como afirmam alguns, renasce
sob a égide da globalização que, segundo nacionalistas, provoca efeitos nefastos à
língua portuguesa e à identidade nacional.
O deputado Aldo Rebelo, com seu
Projeto de Lei nº 1676/1999 (atual 1976-D que se encontra tramitando pelo senado),
suscitou uma grande polêmica ao propor medidas restritivas ao uso de
estrangeirismos (leiam-se os de origem inglesa) que, em sua opinião, constituem
ameaça à própria estrutura lingüística da língua portuguesa descaracterizando-a e,
em conseqüência, atingindo a soberania nacional do povo brasileiro, já que a
imposição da língua inglesa é também imposição de uma outra cultura, no caso, a
cultura norte-americana.
À vertente ufanista de Rebelo, somam-se alguns professores, escritores,
jornalistas e gramáticos partidários da ortodoxia gramatical do “português correto,
erudito, culto e puro”. Para esse grupo, o uso de estrangeirismos constitui uma
violação à língua portuguesa, símbolo da identidade nacional.
De opinião contrária aos antiestrangeirismos, alguns lingüistas, ao tomarem
conhecimento do projeto de lei do deputado Rebelo, perceberam que, mesmo após
mais de um século de pesquisas lingüísticas, os seus resultados continuam
desconhecidos para muitos formadores de opinião e preconceitos decorrentes de
uma visão de linguagem centrada na norma culta ainda prevalecem. Conforme a
ciência da lingüística, a adoção ou empréstimos de termos estrangeiros é resultado
de um processo natural que envolve a situação sócio-histórica e o processo de
transformação da língua portuguesa no Brasil impulsionada pelo contexto mundial.
Logo, para os lingüistas, os empréstimos fazem parte das transformações
lingüísticas pelas quais passam todas as línguas. Nesse sentido, a língua é
construída e reconstruída pelas pessoas que dela fazem uso, não por decretos ou
normas ditadas. Assim, os empréstimos da língua inglesa não podem ser tidos como
ameaça
à
língua-materna
(língua
portuguesa),
uma
vez
que
ocorrem,
principalmente, em nível lexical não interferindo na estrutura gramatical da língua
que é viva, se modifica e palavras renovam os seus significados, alguns termos
permanecem, outros passam por alterações e outros caem em desuso. Mesmo que
conservem a grafia original, os empréstimos de fonemas são raros, pois os falantes
aplicam nas palavras estrangeiras os seus sistemas fonológicos, desenvolvidos
dentro da língua materna.
De acordo com Carvalho (1989), o empréstimo lingüístico é a forma mais
produtiva de renovação lexical na língua portuguesa e esta renovação é parte da
mutabilidade própria das línguas humanas. Além disso, Schmitz (2002:104-105)
assinala:
Os idiomas são palcos de mestiçagem e de interculturalidade e não devem ser vistos
como baluartes ou fortalezas da nacionalidade, pois as nações-estados contêm
diferentes etnias com diferentes identidades. A presença de estrangeirismos na
língua portuguesa de nenhuma forma ameaça a cultura brasileira amplamente
definida como literatura, música, teatro, folclore e dança.
A aversão ao estrangeirismo, portanto, se aproxima do preconceito lingüístico
dirigido ao modo de falar das classes sociais menos favorecidas que representam a
maioria na sociedade brasileira e não falam de acordo com a norma cultua ou
padrão.
Do ponto de vista de alguns lingüistas, na política de “colonização”, é muito
mais agressiva ao patrimônio nacional a dominação econômica, política e cultural, a
presença de uma língua estrangeira é apenas uma conseqüência. Sobre essa
questão, Paiva (1996: 26) assevera:
Acreditamos que não compete ao lingüista sugerir ao governo medidas restritivas,
pois o problema lingüístico é apenas um reflexo da dependência econômica, política
e cultural. Se as relações de dependência forem alteradas, certamente também
haverá alterações no comportamento lingüístico.
De acordo com Rajagopalan (2005:149-150), na América Latina há
desconfiança em relação ao uso da língua inglesa que se confunde com as
pretensões estadunidenses de intromissões em outros países presenciadas ao
longo da história. Uma das formas de enfrentamento diante da “invasão” do inglês é
a tendência das pessoas a erguer uma muralha de rejeição psicológica contra a
língua inglesa e tudo o que ela representa, outra forma é a sua aceitação resignada.
No entanto, o autor argumenta que essa atitude de rejeição não é aconselhável,
nem a atitude de subserviência, pois se traduzem em “enfrentamento quixotesco” e
“derrotismo covarde”, respectivamente. Argumenta que o importante é apenas
“conscientizar-se da ideologia que está por trás da expansão da língua inglesa” e
adotar uma atitude de resistência consciente e conseqüente diante do inglês, “uma
atitude realista”.
No debate engendrado pela lei do deputado Aldo Rebelo concernente aos
estrangeirismos, Rajagopalan (2003) salienta que cada lado (os lingüistas de um e
os gramáticos ortodoxos de outro) marcou sua posição irredutível sobre o assunto.
Dessa forma, o projeto de lei teve o benefício de suscitar o debate e serviu para que
os lingüistas se manifestassem publicamente em direção à discussão de políticas
lingüísticas com a preocupação de que as suas descobertas científicas sejam
ouvidas pelo leigo e não fiquem à disposição apenas de um grupo seleto dentro das
universidades.
Da mesma forma, tal debate me levou a querer investigar a visão do homem
comum com a preocupação de que as suas crenças sejam conhecidas e sirvam para
contribuir com a construção do conhecimento sobre o assunto e, talvez, oferecer
novos ângulos à questão.
Capítulo 2
O PERCURSO DA PESQUISA
No understanding of a world is valid without
representation of those members´ voices.
(Michael H. Agar)
2.1 A opção metodológica
Esta pesquisa tem caráter qualitativo de base etnográfica uma vez que se
caracteriza pela busca da compreensão dos pontos de vista das pessoas acerca da
presença de anglicismos nas suas atividades sociais e profissionais cotidianas e por
buscar na descrição e interpretação dos dados em contexto natural um componente
cultural. Quer dizer, a crença dos participantes (visão êmica21) em relação à
presença e ao uso do inglês no seu cotidiano é vista como constituinte dos valores
culturais de um grupo.
De acordo com Spradley (1980:5-6), a preocupação da etnografia é com o
significado que têm as ações e os acontecimentos para as pessoas. Alguns desses
significados são expressos pela linguagem, outros pelo comportamento. Para ele,
em toda sociedade as pessoas fazem uso de sistemas complexos de significados
para organizar seu comportamento, compreendê-lo em relação a si e às outras
pessoas e para dar um sentido ao seu mundo. Estes sistemas de significados
constituem sua cultura que Spradley (1980:6) define como “o conhecimento
adquirido
que
as
pessoas
usam
para
interpretar
experiências
e
gerar
22
comportamento” . Para Spradley, o trabalho de campo envolve um estudo
disciplinado para descobrir como é mundo para as pessoas que aprenderam a ver,
ouvir, falar, pensar e agir de formas diferentes.
Para a coleta de dados utilizei a entrevista qualitativa. Antes de iniciar as
entrevistas propriamente ditas, segui alguns passos necessários para ter uma visão
mais ampla da presença de empréstimos do inglês, incidência e formas de
manifestações em relação às atividades desempenhadas pelo homem comum.
Assim, Duranti (1997:172) a define: “A perspectiva êmica é a que favorece o ponto de vista dos
membros da comunidade em estudo e, portanto, tenta descrever como os membros determinam o
significado a um dado ato ou a diferença entre dois diferentes atos”
No original: “The emic perspective is one that favors the point of view of the members of the
community under study and hence tries to describe how members assign meaning to a given act or to
the difference between two different acts”.
21
22
No original: Culture is the acquired knowledge people use to interpret experience and generate
behavior.
Em um primeiro momento, nos cenários urbanos das cidades de Cuiabá,
Várzea Grande e Sinop, observei se e que expressões em inglês encontravam-se
ao alcance do homem comum em propagandas, fachadas de lojas, produtos
comercializados em supermercados, academias de ginástica, lojas de cosméticos e
utilizados em salões de beleza, vestuários vendidos em lojas de confecções e
calçados etc. Alguns dos cenários e produtos foram registrados com fotos que são
mostradas nas páginas de abertura de cada capítulo desta dissertação.
Eu um segundo momento, procurei estudar o que era singular de cada
atividade, ou seja, observei a presença de anglicismos em diversas esferas de
atividades profissionais e/ou sociais e coletei materiais (fotos, livros, revistas,
materiais da internet, embalagens, materiais de propaganda dos meios de
comunicação, filmes e músicas) que apresentavam conteúdo com a linguagem
especializada em língua inglesa utilizada nas atividades. Essas duas estratégias me
levaram à escolha dos participantes da pesquisa com base nas suas atividades
profissionais e cotidianas que, de uma forma ou de outra, os levava ao contato e o
uso de empréstimos do inglês na sua vida diária. No momento das entrevistas, para
apreender as crenças de alguns dos participantes, usei fotos, anúncios de revistas e
jornais, produtos que continham nomes em inglês.
Ao entrar em contato com os participantes da pesquisa, pessoas de
diferentes profissões, expliquei-lhes o objetivo da pesquisa e salvaguardei-lhes os
seus direitos e princípios éticos comuns em pesquisas acadêmicas: respeito à
privacidade e ao anonimato, acesso aos resultados do trabalho e acesso ao
material coletado. Os esclarecimentos nesse sentido foram importantes para a
pesquisa, uma vez que a maioria dos participantes não havia participado de estudos
de tal natureza. De forma amável, os participantes da pesquisa se dispuseram a
conceder informações e expressar livremente sua opinião, através das quais
emergiram os temas e crenças que são apresentados no próximo capítulo.
As entrevistas foram conduzidas levando em conta sugestões de vários
autores (Mason, 2002; Denzin & Lincoln, 1998; Fontana & Frey, 1998 e Rubin &
Rubin,1995). Em geral, a entrevista é vista como uma conversa informal em que a
função do pesquisador é saber ouvir e oferecer prompts para que o seu interlocutor
continue a falar. O pesquisador deve ficar atento ao idioma do interlocutor para
poder construir sentidos.
Segundo Fontana & Frey (1998: 47-51), a entrevista é uma das formas mais
poderosas para compreender os seres humanos e na qual há atenção às vozes e
sentimentos dos respondentes.
Mason (2002,62-64), por sua vez, explica que a entrevista qualitativa tende a
envolver a construção e reconstrução do conhecimento mais do que a exploração
dele, é fortemente dependente da capacidade do participante falar, interagir,
conceituar e lembrar. Além disso, possui as seguintes características: é uma troca
interacional; assemelha-se a uma conversa informal com um propósito; constitui-se
em uma narrativa com um tópico-central ou temático – o pesquisador tem tópicos,
pontos de discussão e temas a serem seguidos; baseia-se no pressuposto de que o
conhecimento é situado e contextual.
Para Rubin & Rubin (1995: 5-7), a entrevista qualitativa tem por princípio
descobrir o que os outros pensam e sabem, evitando impor aos entrevistados o
mundo e os conceitos do pesquisador, isto é, os entrevistadores qualitativos estão
mais interessados na compreensão e conhecimentos dos entrevistados do que em
categorizar pessoas ou acontecimentos e há flexibilidade quanto ao fluxo e escolha
de tópicos para condizer com aquilo que o participante sabe e sente.
Realizei, nesta pesquisa, entrevistas individuais com o objetivo de “conversar”
com os participantes, aprofundar e apreender as crenças relativas ao uso do inglês
na sua vida pessoal e profissional. O tempo de duração de cada entrevista variou de
uma hora a uma hora e meia. Todas foram gravadas em áudio e transcritas para
serem analisadas. Cada entrevista teve um roteiro específico e foi preparada para
cada participante com base em informações, fotos, anúncios de revistas e jornais,
amostra de produtos que continham expressões em inglês retiradas das atividades
cotidianas que havia pesquisado, sem, no entanto, perder de vista os tópicos-guia
que deveriam ser introduzidos em todos os diálogos de forma a possibilitar respostas
que me auxiliassem a entender o fenômeno estudado. O local e horário das
entrevistas foram escolhidos pelos participantes para que pudessem se sentir à
vontade. As entrevistas ocorreram nas suas casas ou nos seus ambientes de
trabalho.
Compreendendo, portanto, a entrevista como uma situação social, de
interação
dialógica,
estabelecida
para
em
determinado
momento
falar
especificamente de um assunto, procurei conduzi-la como uma conversa informal
cujo assunto principal era a presença de anglicismos no cotidiano dos participantes,
com ênfase aos termos usados em suas atividades valendo-me dos domínios
teóricos delineados pelos autores citados.
2.2 O cenário e os participantes da pesquisa
A pesquisa foi desenvolvida com pessoas da zona urbana de três cidades do
Estado de Mato Grosso: Cuiabá, Várzea Grande e Sinop. Cuiabá é a capital do
Estado de Mato Grosso com aproximadamente 483.30023. Está localizada na
mesorregião centro-sul mato-grossense. Várzea Grande situa-se à margem direita
do Rio Cuiabá, defronte à capital. Logo, o rio demarca a fronteira entre os dois
municípios. Possui 215.298 habitantes, conforme censo 2000 do IBGE.
Uma vez que Cuiabá e Várzea Grande estão geograficamente lado a lado, é
comum boa parte da população dos dois municípios desenvolverem suas atividades
(profissionais ou não) em ambas. Deste modo, não podemos entender a divisão
política e geográfica como marcador significativo para a pesquisa, uma vez que
abundam nos dois a presença de termos e expressões da língua inglesa.
Sinop é a sigla de Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, empresa
responsável por seu planejamento e colonização. Localizada no centro-norte do
Estado, seu número de habitantes é de 74.83124. É uma cidade jovem, com 25 anos
de emancipação e a cidade em que moro. É formada, em sua maioria, por pessoas
oriundas dos estados da região sul do Brasil, principalmente Paraná e Rio Grande
do Sul, as quais trouxeram consigo (e ainda trazem, pois o fluxo migratório é
grande) costumes e o desejo de ascender economicamente e progredir juntamente
com os colonizadores.
Nas três cidades misturam-se às culturas locais diferentes culturas e falares
de pessoas que vieram de outras partes do Estado de Mato Grosso e de outros
estados do Brasil para desenvolver atividades diversas, típicas grandes cidade.
Em Cuiabá, Várzea Grande e Sinop todos nós (pessoas comuns ou não)
podemos testemunhar uma imensa constância de anglicismos presentes em
diversas atividades da vida urbana moderna. Conforme pude observar, à entrada
23
24
Censo 2000. Fonte: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demográfico_2000
Censo 2000 (op. cit)
das cidades, o viajante que ali chega é recepcionado por um grande número de
outdoors com propagandas de vários tipos de produtos e nomes de casas
comerciais escritas em inglês tais quais: Venha para uma happy hour; Aki tem peixe
– Delicious Fish; Venha ver nosso show room, etc. Nas fachadas de comércios são
inúmeras as expressões em inglês: Big Lar; Speed Pneus; CVC – Cuiabá Vídeo
Center; City Lar; Princess Cabeleireiro; Classic Cabelereiro; etc. A ubiqüidade dos
anglicismos se estende por vários setores e atividades desenvolvidas pelas
pessoas comuns que moram ou transitam pelos bairros centrais e periféricos das
cidades.
Foram entrevistadas quatorze pessoas que se inserem no perfil de homem
comum, delineado nesta pesquisa, e que desenvolvem atividades profissionais e
sociais nas quais há uma incidência maior ou menor de expressões da língua
inglesa. Entrevistei uma vendedora de loja de artigos importados, um servidor da
Secretaria de Segurança do Estado, uma gerente de empresa de intercâmbios
(também vendedora de cosméticos), uma atendente de biblioteca, uma empregada
doméstica, uma publicitária (profissão de formação, porém não a exerce (é dona de
casa e desenvolve serviços sociais voluntários), uma administradora e proprietária
de loja de roupas e calçados, uma cabeleireira, uma médica veterinária, um técnico
em informática, um bancário, uma empresária e comerciante (de locadora de vídeo
e loja de produtos importados e brinquedos), um pugilista amador e um instrutor de
ginástica (também proprietário de academia e promoter).
São jovens e adultos,
de sexo feminino ou masculino, com idade entre 19 e 59 anos. Seis dos
entrevistados residem em Cuiabá, outros seis em Sinop e dois em Várzea Grande.
Alguns exercem mais de uma profissão ou atividade, as quais foram consideradas
na entrevista ao se tornarem relevantes para a compreensão de sua visão frente
aos termos do inglês. Apenas dois participantes nunca tiveram contato formal com a
língua inglesa (a empregada doméstica e a gerente de intercâmbios). Os demais
estudaram de 02 a 12 anos em escolas regulares e 04 em cursos livres.
O contato com palavras e expressões da língua inglesa compartilhado entre
todos os entrevistados em geral são: a visualização de letreiros e fachadas de
comércios variados, em bancos, na mídia, marcas de produtos de consumo
(alimentícios, limpeza, vestimenta), eletro-eletrônicos (comando e marcas), etc.
A seguir, por ordem da data de realização das entrevistas, realizo uma breve
descrição dos participantes desta pesquisa para contextualizá-los na sua atividade
de trabalho e o uso de termos em inglês.
1) Mara25 (vendedora de loja de produtos importados)
Mara tem 23 anos de idade. É vendedora há um ano de uma loja que
comercializa brinquedos, produtos eletrônicos, CDs, doces e balas e celulares. Sua
especialidade é a venda de aparelhos celulares. Trabalhou anteriormente como
ajudante num salão de beleza e lidava com cosméticos escritos em inglês.Teve
contato formal com a língua inglesa apenas na 5ª e na 6ª série na qual suspendeu
os estudos. Declarou achar o seu conhecimento de língua inglesa insuficiente para
entender termos e expressões nessa língua. Antes de se mudar para o Mato
Grosso, morava em Mato Grosso do Sul. Em sua atividade de trabalho convive com
anglicismos através dos produtos que vende. Na sua especialidade – venda de
celulares – as funções send, talk, end, on, off, power etc. de alguns manuais e
algumas marcas são escritas em língua inglesa.
2) Dario César (agente de segurança estadual)
Dario tem 41 anos. Recentemente, passou a ocupar o cargo de agente de
segurança estadual. Tem uma história de vida profissional construída em entidades
sindicais, lidando com trabalho burocrático e também de auxiliar administrativo.
Estudou a língua inglesa de 5ª a 8ª série do ensino fundamental e chegou ao
primeiro semestre do Curso de Letras quando interrompeu seus estudos. Afirma
que o seu conhecimento da língua é insuficiente, teve muita dificuldade ao ingressar
no curso superior (que interrompeu em seguida por motivos particulares). O que
mais o motiva a aprender a língua é o fato de gostar de bandas de rock, daí, buscar
entender as letras das músicas, especialmente da banda Scorpions. Antes de morar
em Mato Grosso, residiu no Espírito Santo.
3) Diná (gerente de empresa de intercâmbio)
25
Todos os nomes mencionados são fictícios.
Diná tem 59 anos. Recentemente (início de 2004), começou a dedicar-se à
atividade de gerente de intercâmbios em Mato Grosso. Desenvolveu por 10 anos a
atividade de massoterapeuta e por 24 anos a de vendedora de cosméticos no
Estado do Rio Grande do Sul. Concluiu o ensino médio, no entanto, não teve
contato algum com a língua inglesa. Estudou formalmente e fala com fluência o
alemão, adquirido com os pais e na escola. Conviveu com palavras da língua
inglesa por ser o nome de vários produtos cosméticos que vendia e, atualmente,
está familiarizada com palavras e expressões que aparecem em propagandas
(revistas e sites) de sua empresa.
4) Luíza (atendente de biblioteca)
Luíza tem 19 anos e é atendente de biblioteca de uma universidade particular
exercendo a sua primeira atividade profissional. Está fazendo o curso superior
Controle de Obras. Teve contato com a língua inglesa em escola pública no ensino
fundamental (5ª a 8ª) e nos três anos do ensino médio e estudou por mais três anos
em curso de idioma, oferecido pelo laboratório de línguas de uma universidade com
o propósito de aprender a língua para usar em alguma atividade profissional. Luíza
declarou que consegue usar e entender a língua em algumas situações. Em sua
atividade dá informações, faz empréstimo de materiais disponíveis na biblioteca e
auxilia os usuários sobre determinados assuntos a serem pesquisados via internet.
Sendo assim, precisa saber informações a respeito de obras escritas em inglês,
publicadas em áreas de várias ciências nas quais há oferta de materiais
bibliográficos como revistas, livros, seções de jornais, sites da internet entre outros
no seu local de trabalho. Além desse contato, lê esporadicamente materiais
impressos e conteúdo de sites destinados ao público jovem em que aparecem
anglicismos ou são totalmente em inglês. Afirma ter interesse por músicas em
língua inglesa e aprecia estudar suas letras para se aperfeiçoar na língua e por
diversão.
5) Vera Lúcia (formada em publicidade)
Vera Lúcia tem 46 anos, desenvolve trabalhos voluntários e administra o lar.
Anteriormente, ocupou o cargo de assistente social. Formou-se em Publicidade com
especialização em Marketing. Estudou a língua inglesa nos ensinos fundamental
(5ª a 8ª) e ensino médio (os 3 anos), Inglês Instrumental – Comunicação (3
semestres) e 3 semestres em curso oferecido por um Centro de Idiomas de uma
universidade. Diz ter se esforçado para conhecer o idioma, mas tem antipatia pelos
norte-americanos, o que acredita interferir na sua aprendizagem. Antes de chegar a
Mato Grosso (há mais de 14 anos), morou nos Estados do Rio de Janeiro, Mato
Grosso do Sul e Distrito Federal. Os anglicismos aparecem em grande número na
linguagem especializada de sua formação superior, bem como na venda do produto
publicitário: marketing, telemarketing, marketing mix, marketing share, briefing,
layout, outdoor, design, management etc conforme seu depoimento.
6) Marilene ( proprietária e administradora de loja de confecções)
Marilene está com 43 anos. Administra o lar, é proprietária e administradora
de loja de confecções. Comercializa roupas feitas (infantil e adulto), calçados, cama,
mesa e banho. Sua loja tem um nome nacional, mas vende camisetas com
mensagens, produtos e marcas escritos em inglês. Marilene concluiu o ensino
médio tendo contato com a língua inglesa no ensino fundamental (5ª a 8ª) e no
médio (3 anos), mas considera insuficiente aquilo que aprendeu no ensino formal.
Mudou-se de São Paulo para Mato Grosso ainda criança.
7) Genilda (empregada doméstica)
Genilda tem 31 anos e trabalha atualmente com serviços domésticos.
Trabalhou, anteriormente, na organização da seção de verduras de um
supermercado. Concluiu a 4ª série do ensino fundamental. Não teve contato formal
algum com a língua inglesa. Veio do Paraná para Mato Grosso há 16 anos. O
contato que tem com termos da língua inglesa está nas marcas de produtos
alimentícios e de limpeza.
8) Renata (cabelereira)
Renata tem 35 anos de idade. É cabeleireira há 15 anos. Antes foi vendedora
e proprietária de mercearia por 6 anos. Nasceu e sempre morou em Mato Grosso.
É formada no ensino médio tendo contato formal com a língua inglesa no ensino
fundamental e no médio, mas afirmou não ter aprendido coisa alguma. No salão de
beleza onde desenvolve sua atividade profissional há vários cosméticos para
cuidados com o cabelo e pele escritos em inglês de que faz uso constantemente:
Yellow, Mega Hair , Afro Hair, Italian Color, Blue Light, Bio Soft, Beauty Color,
Evolution, Golden Brown entre outros.
9) Talita (médica veterinária)
Talita tem 26 anos, é formada em medicina veterinária que é a sua primeira
atividade profissional. O local onde trabalha tem o nome escrito em língua inglesa e
na sala de espera da clínica há quadros com animais e expressões escritas em
inglês. Teve contato formal com a língua nos ensinos fundamental e médio, bem
como num curso livre (2 anos) com o objetivo de preparar para o vestibular.
Atualmente convive com marcas de ração (Dog Show,Champ, Fresh,Smart etc.),
nomes de uma infinidade de raças de animais ( cães: Pitbull Basset Hound, Cocker
Spaniel Inglês Yourkshire Terrier, Beagle, Boxer,Bulldog, Clumber Spaniel,
American Toy Terrier, American Eskimo Dog, Border Collie, Collie e gatos:
American Short Hair, Bobtail, Ragdoll, Turkish Angora, Manx, Munchkin) e outros
usados na sua área como: pet, pet shop, toy etc.
10) Rafael (técnico em informática)
Rafael tem 22 anos. É técnico em informática há 5 anos e já exerceu as
profissões de secretário em empresa de turismo bem como de atendente em
lanchonete ou “lancheria”, no seu modo de dizer. Está cursando o ensino superior –
Licenciatura em Física. Ele residiu nos estados de São Paulo, Paraná e há 17 anos
está em Mato Grosso. Estudou a língua inglesa em escolas públicas por 7 anos –
ensinos fundamental e médio – e em curso livre por 5 anos. Diz simpatizar por
diferentes línguas, pois através delas pode conhecer outras culturas e usá-las na
sua profissão. A informática é uma das áreas mais bombardeadas por anglicismos.
A maioria dos equipamentos de hardware e software é criada e distribuída pelos
Estados Unidos e juntamente com a tecnologia, importamos as palavras, diz ele.
Muitas, inclusive para quem lida permanentemente com a informática, se ocorresse
uma tradução “atrapalharia” devido ao hábito e a automatização ao fazer uso de
comandos, funções e programas em inglês. A internet é ferramenta básica de quem
necessita conhecer as novas tecnologias que surgem e modificam a área “a
galopes”, continua ele. Sendo assim, o profissional da área de informática que
conhece a língua inglesa – no mínimo aquele que a lê – ganha tempo, dinheiro e
aperfeiçoamento profissional de forma mais rápida e eficaz.
Aqueles que
desconhecem a língua assimilam os comandos de forma automática e funcional
para atingir seus objetivos e fazer uso dos avanços da informática.
11) José Luís (bancário)
José Luís tem 44 anos e é bancário há 23 anos. Formou-se no Curso de
Pedagogia e é Especialista em Sociologia da Educação. Reside em Mato Grosso
há 10 anos e, anteriormente, morou em São Paulo e Mato Grosso do Sul. Estudou a
língua inglesa no ensino fundamental e médio, dois semestres no Curso de Letras
(o qual interrompeu) e iniciou um curso no laboratório de línguas de uma
universidade. O contato com os anglicismos em sua profissão ocorre mediante
termos introduzidos na linguagem bancária, tais como: personal banking,
mastercard, leasing, boom, benchmarking, ação Golden Share, call entre outros. A
internet também tem papel importante no desenvolvimento de sua atividade, sendo
necessária a operacionalização de funções, programas e sites escritos em inglês.
12) Kátia (empresária e comerciante de locadora de vídeo e loja de
produtos importados)
Kátia tem 34 anos e exerce as atividades de empresária e comerciante há 10
anos. Antes de se dedicar às atividades atuais, foi vendedora de imóveis. Mora em
Mato Grosso há 28 anos e já residiu em Minas Gerais e Distrito Federal. Ela estuda
Administração de Empresas (curso superior) e lida com comércio e locação de fitas
de vídeo e DVD, bem como com a venda de produtos importados, brinquedos e
artigos de decoração. Seus estabelecimentos têm nomes em língua inglesa.
Estudou inglês nos ensinos fundamental e médio e mais três anos em um curso
livre. Declarou que lê e escreve em inglês, mas tem dificuldade em falar a língua. O
inglês aparece nas atividades que desenvolve, além de dar nomes às suas lojas de
produtos importados e de comércio e locação de fitas de vídeo – muito conhecidas
e procuradas no seu contexto urbano em que estão estabelecidas – e nos filmes
importados (títulos, falas dos personagens etc.), nomes de produtos de decoração,
brinquedos e orientações em manuais de instruções.
13) Clóvis (proprietário e instrutor de academia de ginástica e promoter)
Clóvis está com 41 anos. É proprietário de academia e de loja na qual vende
produtos de ginástica, suplementos alimentares e energéticos. É, também, instrutor
de ginástica e promoter (atua na organização de desfiles e cursos de moda e de
concursos de beleza). Já exerceu as profissões de modelo, manequim, professor e
foi proprietário de escola particular que oferecia aulas desde a educação infantil até
o ensino médio. Está em Mato Grosso há 12, vindo do Estado de São Paulo. O
estudo formal da língua inglesa foi realizado durante sete anos nos ensinos
fundamental e médio aos quais se soma um ano em curso livre. Sua academia não
tem nome em inglês, somente sua loja. Segundo suas declarações, os clientes não
a chamam de “loja” ou “lojinha”, mas utilizam o nome em inglês quando se referem
ao estabelecimento. Em todas as atividades que desenvolve, encontramos
anglicismos. Destacarei aqui apenas alguns: a) Ligados à ginástica: fitness,
spinning, jumping, fitness, bike class, personal trainer, Body Systems, step; b)
suplementos alimentares e energéticos: Mega Mass, Água Mineral Levíssima Sport
Cap, Red Bull; c) Mundo da moda e beleza: top model, look, fashion, underwear,
book, design,hit da moda.
14) Alisson (pugilista amador)
Alisson tem 25 anos, pratica boxe e trabalha em serviços gerais numa
indústria madeireira. Estudou até o segundo ano do ensino médio quando
interrompeu seus estudos. Teve contato formal com a língua inglesa no ensino
fundamental e no médio. Nasceu e mora em Mato Grosso. O uso de anglicismos
nas suas atividade está ligado, principalmente, à prática esportiva do boxe. O boxe
do Brasil importou a luta e várias palavras da Inglaterra e conserva muitos
comandos,
golpes
e
regras
na
língua
inglesa:
round,
upper,
sparring,
clinch,infighting, contender, challenger, bruiser, cut man, knee man, manager,
promoter, break ,draw, WO (walk over), corner entre outras.
Como vimos, os empréstimos do inglês estão presentes nas atividades,
acima descritas, desenvolvidas pelos participantes da pesquisa. Os termos da
língua inglesa, por vezes, assumem significâncias específicas dentro de cada
atividade e pode diferir para outras atividades. A palavra break, por exemplo, no
mundo do boxe, refere-se a uma ordem usada pelo árbitro para os lutadores se
separarem de um clinch (situação em que os dois pugilistas estão se segurando
mutuamente sem trocar socos) enquanto para o dançarino é um estilo de dança e
para o participante de um evento é o intervalo para o café. É a polissemia
demarcada pela linguagem especializada usada dentro de cada atividade.
Dessa forma, com base nas falas dos participantes, construídas ao longo de
suas experiências de vida, tentarei desvelar suas concepções em relação aos
fenômenos da linguagem – mais especificamente com relação aos anglicismos em
suas atividades profissionais e/ou sociais – e de como a linguagem se manifesta em
suas vidas (com ênfase à sua atividade, mas também considerando o universo
sociolingüístico onde forma e reconstrói suas crenças e seu pensamento).
No quadro a seguir sintetizo as características descritas dos participantes,
considerando as atividades atuais e anteriores, nível de escolaridade e período de
contato formal com a língua inglesa, dados importantes para a compreensão das
experiências vividas e como construíram suas crenças em relação aos empréstimos
do inglês.
QUADRO 2: Biodata dos participantes da pesquisa
ATORES
SOCIAIS
IDADE
23
01.MARA
41
02.DARIO
CÉSAR
59
03. DINÁ
ATIVIDADE
ATIVIDADES
ATUAL
ANTERIORES
Vendedora – loja
1. vendedora de
de artigos
roupas
importados,
brinquedos e doces 2. auxiliar de salão
de beleza
Servidor da
Secretaria de
Segurança do
Estado
Gerente de
empresa de
intercâmbios
1. Auxiliar
Administrativo
2. Serviços
burocráticos em
entidades sindicais
1. Massoterapêuta
(10 anos)
Atendente de
biblioteca
Nenhuma
1.Dona de casa
2. Trabalhos
voluntários em
comunidade
05. VERA
LÚCIA
46
6ª série do
ensino
fundamental
TEMPO DE ESTUDO
DO INGLÊS EM
ESCOLA REGULAR
OU CURSO LIVRE
LÍNGUA
INGLESA/
TEMPO DE
CONTATO
5ª e 6 ª séries
– escola
pública
2 anos
1º semestre do
Curso de
Letras
5ª a 8ª e 1
semestre do
Curso de
Letras
4 anos e
meio
ensino médio
Nenhum
Nenhum
2. vendedora de
cosméticos (24
anos)
19
04.LUÍZA
ESCOLARIDADE
Cursando
ensino
superior – área
técnica
1.Curso
Superior em
Publicidade
Assistente
Social
2.
Especialização
em Marketing
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
10 anos
Curso em centro de
idiomas
universitário (3
anos)
5ª a 8ª e ensino
médio
Inglês Instrumental
-Comunicação –
(3 anos)
11 anos e
meio
Curso de extensão
universitária
(3 semestres)
06. MARILENE
07. GENILDA
08. RENATA
09. TALITA
43
31
35
26
Proprietária e
administradora de
loja de roupas e
calçados
Empregada
doméstica
Cabeleireira
Médica veterinária
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
Balconista de loja
ensino médio
Organizadora de
seção de verduras
– supermercado
4ª série do
ensino
fundamental
Proprietária de
mercearia e
vendedora
2º ano do
ensino médio
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
Bolsista em projeto
de pesquisa
universitário
Curso Superior
– Medicina
Veterinária
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
Nenhum
7 anos
Nenhum
6 anos
9 anos
Curso livre-2 anos
10. RAFAEL
22
Técnico em
Informática
1. Secretário de
empresa de
turismo
2. Chapeiro em
lanchonete
Curso Superior
incompleto –
Licenciatura
em Física
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
Curso livre –
5 anos
12 anos
44
11. JOSÉ LUÍS
Bancário
34
12.KÁTIA
41
13. CLÓVIS
Empresária e
comerciante – loja
de brinquedo e
decorações e
locadora de vídeo
1. Proprietário,
administrador,
instrutor de
academia de
ginástica
2. Promoterconcursos de
beleza, modelo e
manequim
14. ALISSON
25
1. Pugilista
amador
Serviços em
gráfica
Vendedora de
imóveis
1. Modelo e
manequim
2. Professor e
proprietário de
escola
Serviços com
agropecuária
Curso Superior
– Pedagogia
Especialização
em Sociologia
da Educação
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
8 anos
2 semestres do
Curso de Letras
Curso Superior
Incompleto –
Administração
de Empresas
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
Curso Superior
– Educação
Física
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
10 anos
Curso livre – 3
anos
8 anos
Curso livre – 1 ano
2º ano do
ensino médio
2. Plainista
5ª a 8ª e ensino
médio – escola
pública
6 anos
2.3 A análise de dados – abordagem interpretativa
Durante e após a coleta de dados – realização de entrevistas e transcrição –
e mesmo no decorrer das entrevistas, fiquei sempre atenta aos possíveis sentidos
que poderiam sinalizar temas recorrentes e relevantes ao tópico da minha pesquisa.
Prestar atenção nos termos, nas metáforas, no tom das vozes foram estratégias
utilizadas por mim para mapear os sentidos. Ao ler os dados, o pesquisador busca
não só descrevê-los, mas analisá-los e interpretá-los. Fiz inúmeras leituras das
transcrições até que alguns temas surgissem e pudessem ser interpretados. Para
Wolcott (1994:12-16),
a interpretação direciona para questões processuais de significados e contextos26
(...) Associada com o seu significado, o termo interpretação é bem completo para
26
No original: “Interpretation addresses processual questions of meanings and contexts.”
marcar um limiar no pensar e escrever no qual o pesquisador transcende os dados
factuais e analisa cautelosamente e começa a investigar o que é para fazer deles27.
Quer dizer, a análise interpretativa utiliza os dados coletados, mas não se
restringe literalmente a eles. Ela envolve uma leitura de outras informações, dados
e informações implícitas, ou seja, é uma leitura através e além dos dados.
Mason (2002:149), nesse sentido, diz que “uma leitura interpretativa
envolverá você na construção ou documentação de uma versão de como você
pensa, significa ou representa os dados, ou o que você pensa que pode inferir a
partir deles”28. A autora complementa sua argumentação com a seguinte afirmação
de Blaikie (2000: 115; citado em Mason, 2002: 56):
Os interpretativistas estão preocupados com a compreensão do mundo social que
as pessoas produzem e reproduzem através de suas atividades contínuas. Essa
realidade cotidiana consiste de significados e interpretações dados pelos atores
sociais às suas ações e às ações de outras pessoas, de situações sociais e de
objetos natural e humanamente criados29.
Assim, nesta pesquisa, os participantes da pesquisa, embora pertencentes a
cidades diferentes, comungam entre si a vivência no espaço urbano, a sincronia no
tempo e o desenvolvimento de uma atividade. Os valores construídos ao longo de
sua vida atribuem significados aos processos nos quais estão engajados. A
declaração desses valores e significados nas entrevistas serve de matéria-prima
para a interpretação do fenômeno da presença dos anglicismos em nosso contexto
social, cultural, histórico e político.
Para Rubin e Rubin (1995:31), o interpretativismo pode, com êxito,
sustentar um estudo que usa técnicas de entrevistas, onde o objetivo seja explorar
a compreensão coletiva e individual das pessoas. Foi esse o objetivo desta
pesquisa.
27
No original: “Associated as it is with meaning, the term interpretation is well suited to mark a
threshold in thinking and writing at which the researcher transcends factual data and cautions
analyses and begins to probe into what is to be made of them.
28
No original: “An interpretative reading will involve you in constructing ou documenting a version of
what you think the data mean or represent, or what you think you can infer from them.”
29
No original: “ Interpretativists are concerned with understanding the social world people have
produced and which they reproduce through their continuing activities. This everyday reality consists
of the meanings and interpretations given by the social actors to their actions, other people´s actions,
social situations, and natural and humanly created objects.”
Tendo como apoio as teorias, segui alguns passos para analisar os dados
coletados que, primeiramente, eram transcritos após cada entrevista.
Para organizar os tópicos no texto e identificá-los, dispus números
equivalentes a cada um que emergia marcando-os com canetas que os destacavam
e de maneira que pudesse facilitar sua localização em etapas posteriores. Numa
ficha à parte, escrevi os números paralelamente aos títulos dos tópicos. A cada
nova entrevista, os tópicos que se repetiam ao longo dos textos recebiam os
números correspondentes aos das entrevistas anteriores. Para os diferentes, outros
números, em escala crescente, eram marcados e adicionados à ficha 1. Ao mesmo
tempo, foram elaboradas mais duas fichas (2 e 3). Na ficha 2, eram escritos os
nomes dos participantes e os números dos tópicos que apareciam em suas
entrevistas para facilitar a localização no momento da elaboração do texto de
descrição e análise. Na ficha 3, eram dispostos os números dos tópicos e a
incidência de repetição nas falas de cada participante, uma espécie de
mapeamento.
Esses passos foram importantes para observar a variação e incidência dos
tópicos emergentes para chegar às crenças e ações dos participantes com relação
aos anglicismos que fazem uso. Os tópicos serviram de categorias recorrentes ou
divergentes e, inicialmente, mais restritas para depois se ampliarem, porém sem
perder as especificidades, no documento final. A cada entrevista, descobria
detalhes ou repetição de conceitos que me oportunizavam interpretar e inferir os
temas que me levariam a pontuar as crenças e ações relacionando-as com as
teorias consultadas para a pesquisa. Descartar alguns tópicos e agrupar outros foi
necessário no processo de seleção e análise.
Assim, a partir desses passos, pude sistematizar as duas grandes crenças,
sub-crenças e ações dos participantes e promover a discussão dos dados. O texto
de análise foi construído através da transcrição de trechos das entrevistas
acompanhados da interpretação e reflexão das falas dos participantes. A análise me
permitiu chegar às três vertentes teóricas relacionadas ao que as pessoas comuns
vivenciam quanto aos anglicismos presentes em suas atividades.
Capítulo 3
CRENÇAS E AÇÕES DO HOMEM COMUM EM TORNO
DE ANGLICISMOS
Em cada face humana há uma
história e uma profecia. (Samuel
Taylor Coleridge)
Este capítulo, contendo a descrição, análise e interpretação dos dados
coletados junto aos participantes, é o resultado da ordenação das informações
avolumadas nas entrevistas sobre a presença e o uso de empréstimos do inglês no
cotidiano urbano brasileiro. A análise atenta para uma releitura daquilo que os
homens e mulheres comuns declararam, num processo de interpretação que busca
a interlocução com teorias reconhecidas no meio científico.
Para sistematizar as descobertas, inicialmente, dividi o capítulo em duas
seções:
Na primeira, apresento a descrição dos dados organizados em duas partes:
a) Das Crenças e b) Das Ações.
A parte “a”, Das Crenças, está dividida em dois tópicos os quais identifico
como crenças que estão dispostas da seguinte maneira: 1) Língua inglesa: insígnia
de maxi-valorização e de busca de identificação com o Outro – os participantes
entendem que o uso de anglicismos é uma forma de buscar identificação com a
língua/cultura norte-americana para obtenção de status social e econômico. Essa
crença está subdividida em três subcrenças (Subcrença 1: A língua inglesa é
símbolo de status, beleza e qualidade; Subcrença 2: A língua inglesa é ponte de
acesso a bens econômicos e culturais; Subcrença 3: A língua inglesa ameaça à
língua e cultura brasileiras. Na crença 2: Língua inglesa: insígnia de influência da
mídia – algumas pessoas comuns entendem que as palavras em inglês se alastram
por influência da mídia.
A parte “b” corresponde às ações do homem comum ao conviver com os
anglicismos no seu contexto social e no profissional. O tópico referente a essa parte,
Como agem os homens comuns mediante os anglicismos, evidencia que muitos
empréstimos do inglês presentes em nossa língua, apesar de, muitas vezes, não
serem notados pelas pessoas comuns como portadores de significado ou de que
estejam grafados em língua estrangeira, são compreendidos e incorporados por
meio da funcionalidade dos produtos e objetos nas práticas sociais e comunicativas
cotidianas.
Na segunda seção, apresento a discussão dos resultados com base na
análise e interpretação das crenças inferidas pela descrição das falas e crenças dos
participantes que são explicadas a partir de três vertentes: a vertente do “apelo
esnobe” (Ortiz, 2003: 193), a da crítica ao imperialismo norte-americano (Ortiz,
2003:87) e a instrumental ou pragmática.
Na vertente do “apelo esnobe”, os
participantes destacam a força simbólica positiva da influência dos termos em inglês
por força do prestígio que o inglês imprime aos objetos de desejo. Na vertente da
“crítica ao imperialismo norte-americano”, evidencia-se o sentido ufanista em que as
expressões da língua inglesa são retratadas como uma ameaça à língua
portuguesa, cultura e economia brasileira. Por último, “na vertente pragmática ou
instrumental”, os participantes assumem diante da presença das expressões em
inglês no seu cotidiano uma atitude instrumental a modo de não se intimidarem com
o “diferente” (os anglicismos) e buscarem recursos contextuais que facilitem as
tarefas que precisam desempenhar quando se deparam com expressões em inglês
mesmo sem saber o seu significado imediatamente.
Primeira Seção − DESCRIÇÃO DAS CRENÇAS E AÇÕES
a) DAS CRENÇAS:
Crença 1 − Língua inglesa: insígnia de maxi-valorização e de busca de
identificação com o Outro
A Crença 1 se pauta na idéia de que o brasileiro usa expressões da língua
inglesa como uma insígnia de valorização e meio de expressar o desejo de
identificação com o mundo desenvolvido (especialmente os Estados Unidos) via o
uso da linguagem e de consumo de produtos escritos em língua inglesa. Essa
crença está subdividida em três subcrenças.
Na Subscrença 1, a língua inglesa é símbolo de status, beleza e qualidade,
os participantes imprimem ao uso dos anglicismos esses valores. A insígnia de
beleza salienta características intrínsecas da língua inglesa associadas à noção de
que o inglês é chique, elegante, diferente e a insígnia de boa qualidade destaca
características extrínsecas do produto importado ou da língua importada que se
traduzem em demonstração de competência da tecnologia e cultura norte-
americanas. Na Subcrença 2, a língua inglesa é ponte de acesso a bens
econômicos e culturais, os empréstimos do inglês são entendidos como um meio
para conhecer a língua e a cultura de outros países bem como facilitar o acesso ao
uso de tecnologias fabricadas, principalmente pelos Estados Unidos, propiciando
ascensão social e econômica. Na Subcrença 3,
a língua inglesa: insígnia de
ameaça à língua e cultura brasileiras, a presença e uso de anglicismos no cenário
nacional são tidos como ameaça, agressão e desvalorização da língua portuguesa e
da cultura brasileira por alguns participantes.
Subcrença 1: A língua inglesa é símbolo de status, beleza e qualidade
Os participantes desta pesquisa acreditam que o inglês representa status
social, poder econômico e conhecimento cultural. O termo “chique” (sofisticação e
elegância) é predominantemente usado para adjetivar o uso da língua inglesa,
associando-a a produtos de qualidade, belos e elegantes. Nas falas dos
participantes abaixo, por exemplo, a carga simbólica das palavras escritas em
inglês está relacionada com “loja bonita e de boa aparência”, restaurante “elegante”,
valorização do produto como “diferente, bonito, atraente e melhor”.
O inglês eu acho chique o nome. Tem várias lojas de tipos de nomes diferentes e
acho que é por boniteza, não sei, para dar uma frente pra loja mais legal (Mara vendedora).
Fica chique, você vê um restaurante que tem nome em inglês, banco em inglês dá
um ar de chique (Vera Lúcia - formada em publicidade).
Primeiro, se torna mais chique. A pessoa tá preocupada com a valorização do
produto. Então colocando uma coisa em inglês, a sensação é de glamour (Kátia empresária e comerciante).
O povo pensa que é bonito, é diferente (José Luís - bancário)30
Conforme Kátia, empresária e comerciante, os anglicismos agregam um valor
maior ao produto comercializado, pois há uma sensação de bem-estar e elegância
quando as pessoas usam um objeto bonito, sofisticado. É como se houvesse uma
relação estabelecida entre inglês – beleza – qualidade – bem estar. Sentir-se em
glamour (por sinal um anglicismo), significa estar extasiado, inebriado em magia e
encantamento. Em outras palavras, do ponto de vista psicológico, a pessoa
30
Ao se referir ao uso de termos da língua inglesa.
fortalece a auto-estima e se embriaga na sensação de êxtase ao usar um produto
ou estabelecimento que tenha nome em inglês.
José Luís, por sua vez, embora não falando de si, menciona “o povo” para
justificar a preferência quanto ao uso de empréstimos do inglês pelo fato de as
pessoas atribuírem à língua inglesa o status de belo e diferente. Da mesma forma,
a empregada doméstica Genilda, no excerto abaixo, explica que ela própria não
usaria expressões em inglês para nomear estabelecimentos comerciais, mas
acredita que pessoas optam pelo uso de palavras da língua inglesa por acreditarem
que é uma língua bonita a imprimir significado maior ao produto que comercializam.
Ela, no entanto, prefere expressões em português por achar a sua língua materna,
a língua portuguesa, muito bonita.
Entrevistadora: Genilda, a gente vê que há salões de beleza escritos em inglês.
Por exemplo: Princess, Classic,... Há nome de lojas escritos em inglês ... O que
você acha que leva as pessoas a colocar nome de loja, por exemplo, escrito em
outra língua? Você colocaria em uma sua ?
Genilda: Não!
Entrevistadora: Por que não ?
Genilda: Porque eu acho que o português é tão bonito, as palavras em português...
Eu creio que preferiria o português.
Entrevistadora: E o que você acha que leva as pessoas a colocar tantos nomes de
lojas e produtos em inglês?
Genilda: Sei lá! Pela beleza dos nomes, pelo gosto, pelo significado do produto que
eles trabalham.
Quando lhe perguntei que marca de xampu preferiria, Darling (oferecido
comumente nos supermercados, farmácias e lojas de cosméticos em geral) ou
“Querida” (marca hipotética – tradução da primeira), ela disse que optaria por
“Querida”, caso não conhecesse os produtos.
Não sei... se eu não conhecesse nenhum dos dois, poderia ser que eu ficasse com
o “Querida”. É uma palavra mais bonita de dizer. Talvez seja “Querida” que eu
pegaria (Genilda - empregada doméstica).
Na entrevista com o pugilista Alisson, mencionei que, além da área da sua
profissão (box), ele convive com termos em inglês no comércio, nos aparelhos de
som que manuseia habitualmente, em camisetas (no momento da entrevista, por
acaso, estava usando uma camiseta com a expressão “Funny Competitions –
Basketball”), perguntei-lhe o que achava que levava as pessoas a usar palavras da
língua inglesa para nomear as coisas. Embora tenha salientado que o português
deveria ser usado no lugar de empréstimos do inglês, também vincula o uso do
inglês à idéia de beleza/status da língua inglesa.
Sei lá ... pra ficar mais bonito! Porque pra mim eu acho que se nós estamos em um
país deveria ser a língua dele, ou talvez por incentivar a pessoa a ver o significado,
talvez (Alisson-pugilista).
Por falar em beleza, a cabeleireira Renata trabalha diariamente com pessoas
que buscam modificar e melhorar a aparência, que valorizam a estética e a beleza e
investem para chegar a bons resultados. Ela convive com inúmeras marcas e
nomes de produtos escritos em inglês como: Mega Hair, Yellow, Italian Color,
Brown Hair, Yellow, etc. Perguntei-lhe se entraria num salão com o nome em inglês
ou noutro escrito em língua portuguesa, prontamente optou pelo primeiro por
considerar que o nome em inglês é mais “chique” e “chama mais a atenção”.
Entrevistadora: Vamos supor que houvesse dois salões: o primeiro, “Princesa
Cabeleireira” e o segundo “Princess Cabeleireira”. Em qual você entraria ?
Renata: Eu acho que no “Princess”!
Entrevistadora: Você está me dizendo que você entraria no “Princess”. Por quê ?
Renata: Eu tô dizendo que é o mais chique, chama mais a atenção.
Ela contou que os seus clientes dão preferência aos produtos escritos em
inglês por entenderem que são melhores. Aponta que os cursos e eventos de
beleza
oferecidos
como
atualização
e
aperfeiçoamento
profissional
aos
cabeleireiros e que são intitulados em inglês são mais valorizados pelas pessoas
que freqüentam o seu salão. A presença de expressões da língua inglesa contribui
para que lhes sejam atribuídos maior status que os nacionais, de acordo com o
excerto a seguir:
Entrevistadora: (Mostrando nomes de eventos para cabeleireiros divulgados em
revistas da área) Aqui, por exemplo, “Mega Show”. Aqui já tá “Feira Mineira. Antes
tava a “Fashion Hair”. Em qual você iria ?
Renata: Eu acho que na outra.
Entrevistadora: Por que você iria na outra ?
Renata: Porque o povo falaria: “Ah, você foi na feira!” Como foi que você falou Feira
Mineira, já falam com deboche.
Entrevistadora: Você preferiria a “Fashion Hair”?
Renata: Isso! Se eu fosse nessa (referindo-se à Feira Mineira), eu falaria que fui na
outra.
Entrevistadora: É mais chique ?
Renata: Mais chique. É porque o povo cobra, acha que você aprendeu até mais
coisas. Às vezes não. Às vezes até é o básico.
Na visão de Renata, “o povo”, os seus clientes valorizam o local, o serviço,
os produtos e eventos cuja imagem está associada com nomes em inglês. Na
condição de vendedora, percebe que há mais retorno econômico em vista da
crença de que “o que é de fora, é melhor”.
Para a médica veterinária Talita, o conceito de beleza atribuído ao
empréstimo do inglês também é importado juntamente com a palavra, resultado de
uma cultura estabelecida que busca a valorização e identificação com o que é
americano, o mais bonito.
As pessoas devem achar que fica mais bonito clínicas com nome americano. Acho
que já vem de uma cultura americanizada (Talita - médica veterinária).
Rafael e Dario César, por sua vez, associam condições sócio-econômicas ao
poder da língua inglesa. Rafael vê os anglicismos como símbolo de produtos
importados, comuns na informática, desde os equipamentos (hardware) até os
programas operacionais que vende e pelos quais oferece assistência técnica aos
clientes. Acrescenta que as pessoas usam produtos escritos em inglês por uma
questão de status social, para parecer mais abastado economicamente, simular
poderio econômico, pois o importado é caro e está ao alcance de pessoas de bom
poder aquisitivo. Portanto, o uso de empréstimos do inglês pode ser um meio de
mostrar ou camuflar a real posição social delas, atribuindo-lhe um valor simbólico de
riqueza e status econômico. Nessa função, o uso do inglês é marca de identidade
para distinguir aqueles que têm acesso ao poder social e econômico e aqueles que
não têm.
A população em si sempre busca o novo, o importado, para aparentar uma certa
condição melhor de vida, mas na verdade fica mais caro (...) A pessoa quer mostrar
que ela tem uma certa condição de vida melhor que a outra, Como ela vai fazer
isso? Comprando coisas que uma outra não teria condições (Rafael – técnico em
informática).
Quem tem o domínio econômico, entende-se que seja admirado, quem é rico, a
impressão é que seja mais inteligente do que o pobre, embora muitas vezes seja o
contrário. Então, na moda, por exemplo, é chique falar fashion, é chique. Então, dá a
impressão que aquilo é melhor, é mais gostoso, é mais útil, é melhor para ser usado
(Dario César – agente de segurança)
Dario César acredita que o uso do inglês no momento é uma questão de
mercado, mas conforme o curso da história, no futuro, poderá ser a língua
chinesa a ocupar o espaço da inglesa hoje, uma vez que no panorama econômico
mundial há indícios de que a China será a maior potência econômica do mundo
num futuro próximo. Uma boa metáfora para traduzir o que ele afirma seria: “Se o
império ruir, a língua e sua valorização estarão nos escombros”.
O chinês, a importância disso no chinês é pela perspectiva econômica mundial.
Existem muitas pesquisas que apontam que a China dentro de 50 anos vai ser a
maior potência econômica do mundo e de forma isolada. Então, em termos de
negócio, pensando em negócio, eu acho que seria importante até por uma
questão mesmo de mercado de trabalho. Mas existe outro aspecto também que é
importante observar que não vai mudar, que os chineses são digamos assim, uma
população numerosa de forma incomparável, o povo mais numeroso do mundo.
Então, se cada ser humano, de cada cinco ser humano um é chinês, então a
gente não pode menosprezar o conteúdo desse povo, então a gente não pode
menosprezar a língua. Em cada cinco consumidores do planeta, um consumidor é
chinês. Então, talvez aprender o chinês ─ como dizia o antigo ditado ─ pode ser
um negócio da China também.
Para Clóvis, que trabalha com academia de ginástica e eventos de moda e
beleza e, portanto, com pessoas preocupadas não só em manter a saúde através de
exercícios físicos, mas também com a beleza e boa aparência, os anglicismos
representam a busca da renovação, é um meio de acompanhar as mudanças e
novidades de países do primeiro mundo, é “diferenciado, belo, mais novo, mais
chique”. Nas academias e no mundo da moda, o inglês, ou seja, “o estrangeiro”, nas
palavras de Clóvis, é usado por simbolizar o desejo das pessoas envolvidas com
essas áreas: elegância, beleza e sofisticação.
Tudo, o que vem de fora soa melhor, é diferenciado, é belo, é mais novo, mais
chique. E infelizmente nessa área de beleza e de estética é o que pede, é o que vale
(Clóvis – instrutor de ginástica e promoter).
Ao observar o perfil da clientela com a qual Clóvis desenvolve suas atividades
profissionais, posso dizer que a maioria é da classe média e alta. Para essas
pessoas, é importante ostentar, na aparência física e no meio social, as
características de países ricos, tanto no hábito quanto nas expressões. Isso faz com
que as áreas da beleza e a estética “peçam o que é estrangeiro e o valorizem” –
conforme o participante declara.
Luíza, a atendente de biblioteca, associa os empréstimos do inglês à
noção de beleza e de ostentação de conhecimento. O status social da pessoa,
portanto, está também na demonstração do conhecimento que detém de uma
língua estrangeira, ou seja, “se usa é porque sabe” e saber uma língua é
elegante, é bonito, oferece status.
Eu acho que a maioria, pelo menos os que eu conheço, nem percebem e acham
bonito. Talvez eles achem bonito, porque você tem uma língua, fala uma língua.
De repente você joga uma outra palavra, é bonito. “Eu sei falar”, entendeu ? Coisa
assim (Luíza – atendente de biblioteca).
Além de estar ligado à idéia de status e beleza, o uso de anglicismos,
para alguns participantes, é visto como símbolo de boa qualidade. Para Vera
Lúcia, Renata, Talita e Clóvis, por exemplo, a presença de termos da língua
inglesa está associada à qualidade dos estabelecimentos (salão de beleza,
academia de ginástica, por exemplo) ou dos produtos como o melhor
medicamento veterinário, o melhor xampu, creme e tintura de cabelo, o melhor
sistema de ginástica, a grife em destaque entre outros.
Quando perguntei à Vera Lúcia, especificamente por ser publicitária, se
achava que os produtos com nomes em inglês relacionados aos bens de consumo
interferiam na escolha ou eram bem aceitos por um consumidor, não hesitou em
responder que percebe desde jovem existir a cultura de que o que “é importado, veio
de fora, deve ser bom”, isto é, as pessoas em geral relacionam o importado (escritos
em inglês) a produto de boa qualidade e como de qualidade superior ao nacional.
Nós somos criados a não valorizar o que é nosso e a valorizar o que vem de fora.
Então, aparentemente, dá um ar de que é melhor do que passar em português.
“Nossa, porque isso aqui é importado, veio de fora, deve ser bom.” Alguns têm idéia
de que o importado deve ser bom, do que é importado é melhor do que o nosso.
Isso é desde a minha adolescência, de que a calça jeans americana era melhor do
que a nossa rancheira. (Vera Lúcia – formada em publicidade).
Renata também categoriza como de melhor qualidade o salão de beleza que
tem nome em inglês. Ela deixa explícita a preferência de seus clientes ao
valorizarem os eventos que somam anglicismos ao seu título e dela própria quando
opta por entrar no salão Princess ao invés do salão Princesa, já mencionado. Tal
preferência, além de ter conexão com o status do anglicismo, tem relação com
aquilo que as pessoas vêem quanto ao local e pensam ser mais qualificado, ou
seja, que apresenta uma melhor qualidade na oferta dos produtos.
Entrevistadora: Você colocaria o nome de um salão de beleza seu em inglês? Nós
temos, por exemplo: “Princess”, “Classic” e outros nomes por aí. Você colocaria um
nome assim ?
Renata: Eu acho que sim. Colocaria.
Entrevistadora: O que você acha que leva as pessoas a optar por nomes em
inglês?
Renata: Eu não sei explicar o porquê... Alguns devem pensar que porque o salão
tem esse nome deve usar produtos mais qualificados.
Quando perguntei à Talita, médica veterinária, sobre as razões que levavam
as pessoas a usar termos em inglês na sua área e por quem eram influenciados,
salientou que os nomes em inglês apresentados nas marcas de produtos
veterinários são símbolos da qualidade dos produtos obtidos através do avanço em
pesquisas científicas e tecnologias empregadas em sua área pelos e nos países
desenvolvidos. Acredita que nos países desenvolvidos a veterinária é mais
respeitada, de maior alcance e onde as tecnologias e ciência são mais rapidamente
desenvolvidas. Já os nomes em inglês nas clínicas ou nas lojas veterinárias estão
atrelados à cultura da americanização de que aquilo que é bom vem de fora.
De usar nomes na nossa área, por exemplo, o nome de lojas, eu acho que é por
causa da americanização, dessa cultura de vir coisas de fora. Agora, na questão de
produtos e ração é porque a veterinária é uma ciência que tá crescendo agora, tá
sendo valorizada agora. Nos países mais desenvolvidos a veterinária é mais
respeitada, mais usada. Então, todos os produtos, os melhores produtos ainda são
desenvolvidos fora do Brasil. Primeiro vem a tecnologia de fora, por exemplo,
rações, produtos, muitos são daqui. Até tem fábrica aqui, mas a tecnologia, os
estudos, as pesquisas são feitas todas fora, então já vem com o nome em inglês. A
maioria dos nossos produtos, os melhores ainda são os importados.Na questão da
vacinação, as melhores vacinas ainda são as importadas (Talita – médica
veterinária).
A boa qualidade do produto importado está, portanto, associado à idéia de
maior confiabilidade e credibilidade no uso de produtos não só para Talita, mas
também, para Clóvis, proprietário de academia de ginástica, conforme o excerto
seguinte:
Entrevistadora: Como eu percebi em sua fala, em questão de minutos você
despejou uma série de termos da língua inglesa. O que você acha que leva as
pessoas na área de ginástica a optarem por termos da língua inglesa e não um
termo semelhante em língua portuguesa ?
Clóvis: Eu acho que falta aquela confiabilidade, porque tudo que é importado tem
aquela impressão de ótima qualidade. Hoje, tudo o que a gente monta, até o
sistema de musculação é computadorizado e vem tudo em inglês. Já vem pronto pra
nós. Eu penso que é devido a isso, o que vem de fora simplesmente tem mais
credibilidade do que o que nós temos aqui.
Em relação aos produtos de beleza, mesmo que a cabeleireira Renata não
tenha certeza quanto ao nome do produto ou seu sentido, a presença de um termo
escrito em inglês é logo associada ao produto que propicia os melhores resultados.
Entrevistadora: (Referindo-se à escolha por um produto com nome em inglês)
Você acha que isso faz diferença para um cliente?
Renata: O nome que você tá querendo dizer?
Entrevistadora: É.
Renata: Eu não sei se é por causa do nome. É que ele é mais aprofundado, mais
estudado o produto. Acho que aplicam mais dinheiro também do que um produto
mais simples, menos consistente, trata menos o cabelo.
No entanto, o importado do Paraguai, muitas vezes também escrito em
inglês, os famigerados “made in Taiwan”, “made in China”, que geralmente trazem
consigo a fama de baixa qualidade, de descartável (pouca durabilidade) são atração
popular por serem bonitos, conforme Mara, vendedora que trabalha numa loja que
vende tais produtos populares juntamente com os nacionais. No entanto, ela
salienta que sua preferência é pelo produto nacional porque esses produtos
importados de baixo preço não oferecem qualidade por estragarem facilmente.
Entrevistadora: Quanto a um aparelho de som, você preferiria um importado, que
tem nome em inglês, ou você preferiria o nacional?
Mara: Eu preferiria o nacional, porque o importado ultimamente dá muito problema,
a gente quebra muito a cabeça. Prefiro o nacional mesmo.
Entrevistadora: Por que tem pessoas que preferem os importados?
Mara: É porque é chique, é uma coisa diferente. “Ah, eu vou comprar aquilo porque
tem isso daqui, isso daqui! Ah, tem uma loja que eu nunca parei de comprar, eu
acho que tem uns bonito lá! Eu podia levar um daqueles ali!” Mas eu sei que não
adianta levar uma “daquele ali” só por boniteza, não adianta levar uma coisa só por
boniteza. Então, é melhor você levar uma coisa boa, garantida, que você vai ter
garantia do que você levar uma coisa só pra enfeitar, pra achar bonito, para os
outros chegar e “Ah, que bonito! Que não sei o que...” Mas sabe que a idade daquilo
não vai durar muito, então eu já fico meio assim.
A maioria dos participantes assume, pois, uma postura de relativa aceitação
e compreensão à insígnia da língua inglesa como algo belo, sofisticado, diferente e
melhor. Nas falas aqui transcritas, apenas dois participantes (Mara e Alisson)
parecem suspeitar da “beleza” da língua inglesa e da “eficiência e qualidade” de
produtos importados. De tal modo, pode-se entender que os produtos aos quais se
referem são aqueles de baixo preço, normalmente comprados pelas classes
populares que trazem a insígnia de beleza, mas a língua portuguesa também é
bonita. Já os produtos de baixo preço com nomes em inglês podem ser bonitos,
mas são de pouca funcionalidade ou estragam rapidamente.
Subcrença 2: A língua inglesa é ponte de acesso a bens econômicos e
culturais
Para alguns participantes, o uso de termos e expressões da língua inglesa no
cenário cotidiano brasileiro expressa o desejo de identificação com o mundo
desenvolvido e representado, principalmente, pelos Estados Unidos, citado
constantemente pelos participantes.
A Inglaterra é mencionada, porém, poucas
vezes, e a Austrália, Nova Zelândia e Canadá aparecem apenas uma vez nas falas
de dois dos 14 participantes.
Dessa forma, a presença de anglicismos revela a possibilidade de acessar
bens econômicos e culturais, principalmente, novas tecnologias indispensáveis para
o bom desempenho profissional e participação em uma sociedade globalizada. Em
outras palavras, o mundo acadêmico e o profissional propiciam meios e
necessidades de adentrar ao mundo do capital, às tecnologias do Primeiro Mundo.
Rafael, ligado à área da tecnologia (informática), relaciona os termos em
inglês à importação dos produtos e tecnologias, o que é plenamente justificável na
linguagem da informática em que os hardwares e softwares são trazidos dos EUA
para o Brasil. Os anglicismos presentes em sua atividade estão relacionados
principalmente com o uso de bens de consumo ligados à informática.
(...) na informática tudo é fabricado fora, tudo é importado, a fabricação que tem aqui
é muito pequena, acaba importando tudo e a maioria das pessoas acabam
importando também o nome usado nos equipamentos que acabam estando ligados
com a tecnologia importada. Não que o nome seja importado também, mas tá
intimamente ligado com o produto que está à venda na empresa (Rafael – técnico
em informática).
Ao saber que ele estava estudando inglês, perguntei-lhe acerca do motivo do
estudo. Ele disse que em tempos de mundo globalizado saber inglês é importante
para o seu futuro, pois é a língua que serve como instrumento profissional na área
empresarial ou da informática e em estudos universitários, como também a que lhe
possibilitará a comunicação e contato com outras culturas.
Entrevistadora: O que levou você a procurar fazer um curso livre ?
Rafael: Eu procurei estar fazendo o curso livre devido o interesse na língua, porque
a gente deve estar sempre pensando no futuro e o futuro hoje em dia, o inglês se
não me engano é o mais falado no mundo. Então, em nível empresarial, para se
estar crescendo no nível empresarial, você tem que falar. Se você quer fazer um
mestrado ou doutorado, você tem que saber pelo menos dois idiomas. Não ficar
apenas no idioma, no caso, como eu posso falar... Você tem que procurar conhecer
novas culturas.
Entrevistadora: Isso você considera bom para sua vida e para a sua profissão?
Rafael: Sem sombra de dúvidas! É uma coisa excelente, construtiva tanto pra minha
profissão quanto para o meu eu, é uma nova cultura, é um novo modo de ver as
coisas no mundo. Hoje todos estão falando em globalização. Todo mundo falando
nessa interligação de países e sem sombra de dúvidas, é necessário estar se
comunicando com essas pessoas e nem sempre essas pessoas vão estar falando
no idioma da gente.
Kátia também associa os anglicismos aos objetos e tecnologias produzidos e
importados da cultura dos Estados Unidos. Como proprietária de locadora de
vídeos, destaca Hollywood na condição de responsável pela exportação de palavras
da língua inglesa importadas juntamente com os filmes distribuídos para o Brasil.
Na sua profissão, precisa estar informada sobre os filmes e o inglês para atender
bem os clientes.
Então o cliente fala: “Ah, eu vi um filme assim, assado, mas eu não sei o nome”
porque o nome estava, geralmente em inglês. Então pelo que ele fala, você tem que
estar por dentro ou estar lendo o que vai sair nos Estados Unidos ou em Hollywood,
vamos dizer assim... Pra tá trazendo para o seu cliente (Kátia – empresária e
comerciante).
Aí entra um pouco de tecnologia que eu falei, porque um DVD, por exemplo, é pura
tecnologia. Um CD é pura tecnologia. Coisa que o Brasil está fazendo, mas por
tecnologias desenvolvidas por eles. (Kátia – empresária e comerciante)
Quando lhe perguntei o que achava da presença do inglês no cenário urbano
brasileiro, ela defendeu a presença de expressões da língua inglesa, pois acredita
ser ela um meio de conhecer outra língua e outra cultura e de ser o instrumento de
comunicação nas transações comerciais. Querer conhecer o inglês é oportunizar e
ampliar as perspectivas de intercâmbio comunicativo e comercial com outros
países, ou seja, é ampliar o “mundinho” do brasileiro e sair do provincianismo.
Eu acho benéfico, porque eu acho que deveria saber umas quatro ou cinco línguas.
Eu penso assim. Como eu sou burra, mal sei o português e um pouquinho de inglês,
eu gostaria de saber muito mais. Mas eu acho interessante às pessoas saberem
outras línguas, outras culturas, é uma coisa assim só para o conhecimento da
pessoa. Imagina você fazer uma viagem de negócios, uma transação...Você vai ficar
naquele mundinho? Eu prefiro ir pra Miami fazer compra, eu procuro alguma coisa
nesse sentido pra mim, mas têm pessoas que não pensam realmente. Você vê que
a cultura nossa é muito pequena, falha, não só no ensino de inglês, mas também no
geralzão (Kátia – empresária e comerciante).
Diná também entende que o conhecimento da língua inglesa pode resultar
em benefício profissional na sua área, gerente de intercâmbios culturais e
profissionais, além de ampliar o conhecimento cultural pessoal. Revelou o desejo de
querer fazer um curso de inglês para poder melhorar o seu desempenho
comunicativo para atender os clientes sem a necessidade de um intérprete.
Eu quero fazer inglês bem rápido agora. Eu já assisto filme e não coloco para o
português. Assisto em inglês pra ver se eu entendo o que eu estou vendo, mesmo
que eu não saiba falar, mas eu quero ver se eu entendo o que a história está me
mostrando, mesmo que eu não entenda as terminologias, mas eu vou tentar fazer
porque eu sei que isso me traz cultura, me faz pensar, raciocinar também. (Diná –
gerente de intercâmbios)
O meu interesse em aprender a língua inglesa é porque se eu continuar no que
estou fazendo, cada dia mais eu vou ter que contatar com pessoas de outros países.
Talvez amanhã ou daqui a alguns dias alguém possa ligar pra mim desses países
que um cliente meu deixou o meu endereço e eu não vou poder entendê-los. Essa é
a minha preocupação: eu quero poder me comunicar com eles, pelo menos
entendê-los. Ou quando, por exemplo, eu vou receber um grupo de americanos e
vou levar para conhecer o Mato Grosso, eu vou ter que pegar um intérprete. Pra
mim intérprete não é o que eu gosto. Eu gosto de conversar contigo e conversar
igual a você. Se eu tenho que ter um intérprete pra você me entender, isso já quebra
o diálogo, na minha opinião. (Diná – gerente de intercâmbios)
Para o bancário José Luís, o inglês penetra na língua portuguesa em
decorrência do comodismo e passividade dos brasileiros, conveniência econômica e
pelo desejo e necessidade de ter acesso à tecnologia criada e exportada pelos
Estados Unidos, presente em vários objetos que usamos.
No meu caso, como bancário, eu vejo essa entrada de palavras... são os americanos
com sua tecnologia, entrando e vendendo para nós e nós simplesmente comprando
e aceitando, porque nós ainda não detemos essa tecnologia. Nós já temos tudo isso
nos micro-computadores, na nossa televisão, no vídeo cassete, nos DVDs e por aí
afora (José Luís - bancário).
Somada à influência lingüística, ao falar da sua profissão como veterinária,
Talita deixa claro que, juntamente com a importação dos produtos vendidos e
usados no tratamento de animais e a tecnologia empregada em produtos
veterinários dos Estados Unidos, ocorre a importação de uma tendência cultural de
valorizar a medicina veterinária (e lucrar com a atividade!).
A veterinária é uma ciência que está crescendo agora, está sendo valorizada agora.
Nos países mais desenvolvidos, a veterinária é mais respeitada, mais usada. Então
todos os produtos, os melhores produtos ainda estão vindo de fora do Brasil.
Primeiro vem a tecnologia de fora, por exemplo, rações, produtos, muitos são daqui,
até tem a fábrica aqui, mas as tecnologias não são daqui, as pesquisas são feitas
todas fora, então já vem com o nome em inglês (Talita – médica veterinária).
No entanto, como diz o ditado popular “nem tudo que reluz é ouro”. Ao
desejo de identificação com os Estados Unidos, associado a bens desejados
(riqueza, desenvolvimento, modernidade, cultura), se junta uma terceira subcrença
a busca de identificação com os Estados Unidos numa demonstração de atitude
subserviente acarreta perda de identidade nacional. É disso que tratamos na
Subcrença 3 abaixo.
Subcrença 3: A língua inglesa ameaça à língua e cultura brasileiras
Se o uso de anglicismos no cotidiano de brasileiros funciona como
propaganda imprimindo status, beleza e qualidade (Subcrença 1) ao objeto, à
atividade profissional, ao estabelecimento comercial, ou possibilita acesso a bens
econômicos e culturais (Subcrença 2), há também uma percepção, por parte de
alguns participantes, de que o uso de expressões da língua inglesa consiste em
ameaça, desvalorização, agressão à língua portuguesa e à cultura brasileira como
uma forma de colonização lingüístico-cultural do Brasil, de submissão à cultura
americana.
Por exemplo, Diná, a gerente de intercâmbios, acredita que o uso de
palavras estrangeiras é resultado da insegurança de brasileiros ao buscarem
identificação com países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos. Para
ela, ao usar a língua inglesa, os brasileiros elevam a língua e a cultura do Outro e
inferiorizam o Brasil.
Entrevistadora: O que você pensa da presença de tantas palavras escritas em
língua inglesa no nosso contexto, em qualquer lugar do Brasil que você vai você
encontra... O que você pensa sobre isso?
Diná: Eu penso que em parte os brasileiros fazem isso porque eles têm um pouco
de insegurança. Eu tenho impressão porque esses são países desenvolvidos e nós
ainda não. Então as pessoas pensam assim: “Vou dar um nome que seja em inglês,
ou em francês ou qualquer outro idioma” e que isso vai dar uma outra ênfase para
aquilo que eles estão fazendo, que é uma maneira ainda de ver os países
desenvolvidos lá no pedestal e olhar nós brasileiros como se estivéssemos
mendigando de outros países. (Diná – gerente de loja de intercâmbio)
Diná, a gerente de intercâmbios, aquela que quer fazer o seu curso de inglês
porque entende que isso é importante para a sua profissão, por outro lado, critica o
uso de expressões estrangeiras em estabelecimentos comerciais por achar que as
pessoas estão desvalorizando a cultura brasileira. Ela se autodenomina patriota por
dar preferência a nomes nacionais. A sua escolha pessoal seria usar termos da
língua portuguesa, pois para ela, se não há trocas mútuas na relação de igualdade
entre as línguas portuguesa e inglesa, o brasileiro se apouca mediante o uso de
anglicismos e desvaloriza a sua identidade ao substituir palavras de sua língua por
termos de outras.
Entrevistadora: E o que você acha de nomes escritos em inglês, por exemplo, no
comércio?
Diná: Sinceridade? Eu acho que é não valorizar o que é nosso. Mas isso é opinião
minha, porque eu jamais ia propor que se você vai começar um comércio, você vai
por um nome em inglês, em francês ou sei lá. Eu não iria te criticar. Eu,
pessoalmente, daria sempre nome que tenha a ver com o país onde eu moro, o país
que me acolhe... aquela história minha como patriota.
Entrevistadora: Você falou que seria não valorizar o que é seu. Você poderia
esclarecer melhor?
Diná: Sim. Por exemplo, eu vou dar um nome em inglês a minha empresa que eu
trabalho, se a minha empresa tivesse um nome em inglês as pessoas perguntariam
“por que um brasileiro com um nome em inglês?” Eu iria parar pra pensar realmente,
por que os estrangeiros não escolhem nomes nossos, eles colocam o deles. Então,
nós precisamos valorizar o que é nosso, que é brasileiro. Não que eu seja bairrista,
não, tanto que eu amo esse intercâmbio, esse trazer pessoas, esse levar alunos,
esse trazer alunos. Eu quero um trabalho bonito de trazer gente de fora para vir
conhecer a minha cultura. Induzi-los a levar que eles vão ter que dar nomes para os
trabalhos deles em português não.
Diná entende língua e cultura como tudo o que diz respeito à existência
social de um povo, nação ou grupo no interior de uma sociedade (Santos: 2002),
como patrimônio do Brasil. Ao mesmo tempo em que vê significância no trabalho
de intercâmbio ao favorecer o conhecimento entre países e sua cultura, salienta os
perigos advindos desse contato, no sentido da adoção de termos em língua inglesa.
Para ela, cada país deve valorizar a sua própria língua e cultura sem induzi-las ou
impô-las ao outro.
Quando lhe perguntei se vocábulos em inglês deveriam ser proibidos no
Brasil para nomear estabelecimentos comerciais ou produtos, ela, referindo-se
especificamente aos Estados Unidos, disse não se importar se um determinado
objeto tiver qualidade, mas prefere atribuir um nome em língua portuguesa a um
suposto estabelecimento comercial de sua propriedade por ser uma maneira de
valorizar o Brasil. Para ela, o ato de repelir a língua do outro implicaria em afrontar o
país falante daquela língua e seria um agravo que poderia gerar desentendimentos
entre países, ou seja, entre Brasil e Estados Unidos.
Bom, por exemplo, esses nomes não me incomodam. Cada um cada um. Desde os
meus aparelhos que tem nomes importados, se eles são bons pra mim eu não vou
brigar para que eles sejam trazidos ou traduzidos para a minha língua. Por que que
eu vou brigar? Eu não quero briga com os Estados Unidos. Eu não quero briga com
país nenhum, eu quero viver em paz. Mas se eu tiver que dar um nome, eu tiver que
escolher então eu... não vou mudar o nome, eu não, eu tenho que mudar a mim, se
cada um muda a si, o mundo melhora. (Diná – gerente de loja de intercâmbio).
Rafael, o técnico em informática, aquele que percebe a importância do inglês
para a sua profissão e vida pessoal, igualmente, considera o uso de expressões da
língua inglesa no cenário cotidiano como aceitação do modelo de vida norteamericana salientando, que ao usar anglicismos, o brasileiro tenta camuflar a
realidade e a identidade brasileira de país ainda em desenvolvimento para mostrar
traços de país desenvolvido. Para ele, parece haver um processo de transmutação
cultural na atitude e conduta de brasileiros ao tentarem ser aquilo que não são para
esconderem sua condição de país pobre, não desenvolvido.
Eu acredito que temos hoje, os primeiros países do mundo, no caso dos Estados
Unidos fala em inglês. Eu acredito que seja uma forma de tentar se tornar um pouco,
um país de primeiro mundo, se assemelhar, igualar-se, tentar maquiar como se fosse
um país de primeiro mundo, na verdade não somos (Rafael – técnico em
informática).
Por sua vez, a publicitária Vera Lúcia entende os empréstimos do inglês
como resultado de uma penetração programada e ideológica dos Estados Unidos
baseado em um “modelo a ser seguido”, lapidado na idéia de competência e
perfeição que influencia as pessoas a buscarem identificação através da “cópia do
modelo” divulgado. Aponta que os brasileiros “mesmo sendo melhores” se
submetem ao poderio estadunidense como autênticos colonizados. Para ela, usar a
língua portuguesa é assumir a identidade brasileira, é explicitar amor pelo Brasil,
valorizar o que é nacional. Se o Brasil é valorizado no exterior, por que os
brasileiros não podem fazer o mesmo?
Mais praticamente como sendo... como os colonizados. Praticamente em todos os
níveis. Os Estados Unidos, ele sempre teve com a cordinha dizendo para onde a
gente ia e deixava de ir. E esse trabalho... ele fez um trabalho na consciência das
pessoas, de que lá é um país muito feliz, que a família americana é perfeita e blá,
blá, blá. A gente sempre, os idiotas, querendo copiar esse modelo, que não é bem
assim, para nós não combina. Eu acho que nós temos que mostrar o Brasil mesmo,
o Brasil está na moda. Temos que mostrar pros brasileiros que lá já gostam da
gente, então agora o pessoal daqui tem que gostar (Vera Lúcia – formada em
publicidade).
Vera Lúcia, conforme o excerto abaixo, afirma ter estabelecido ao longo de
sua vida, mais precisamente a partir de sua adolescência, uma grande resistência a
tudo o que tem relação com os Estados Unidos, inclusive quanto à aprendizagem
da língua e a presença de anglicismos na sua área de formação e no seu contexto
social. Para ela, tudo o que vem de lá é impregnado de uma ideologia americana
que objetiva conseguir riqueza e poder com a colonização de outros países e de
que o Brasil é inferior. Ela afirma que, mesmo tendo consciência de que a língua
inglesa não seja somente dos Estados Unidos, não consegue se desvencilhar
dessa idéia, criada desde a sua adolescência e a partir da leitura de livros que
tratavam da penetração estadunidense na América Latina. Para ela, os EUA
prejudicam o mundo todo por terem como meta apenas conseguir vantagens
econômicas e políticas na relação com outros países.
Entrevistadora: Não sei se estou certa, mas estou sentindo na sua fala uma certa
resistência à língua inglesa. Você poderia justificar o porquê ?
Vera Lúcia: Olha, desde a minha adolescência eu tenho uma resistência não é nem
pela língua inglesa, é pelo método, a ideologia americana. Nunca aceitei muito a
ideologia americana desde a minha época então, da década dos anos 60 que todo
mundo usava aquela calça Lee, escrito com “e”, não sei o que, aquele negócio todo.
Eu nunca aceitei isso. Eu não sei o que é, sabe. Eu comecei a ler sobre o que eles
faziam com a América Latina e que eles fazem ainda.
Entrevistadora: Mas na sua concepção, o que eles fazem ?
Vera Lúcia: Eu acho que eles fazem mal ao mundo todo. Eles levaram o Brasil... Li
em vários livros que levam as coisas pra trás. Eles são totalmente materialistas,
sabe. Tá na deles, eles querem enriquecer, querem ter poder, mas eu sou mais
humanista, eu sou mais pro lado europeu, uma tendência mais humanista do que
eles. Não é certo, de repente, eu generalizar, dizer que não gosto de ninguém, mas
eu tenho essa antipatia já de muito tempo e aquilo é um trabalho que foi feito em
mim mesmo de associar o inglês à ideologia americana.
Entrevistadora: No caso a sua repulsa, pode-se dizer, é por causa dos Estados
Unidos, não seria, no caso, por causa da Inglaterra ou de outros países ...
Vera Lúcia: É por causa dos Estados Unidos, a mentalidade deles... que apesar de
tudo combina com o inglês, que combina com alguns descendentes dessa linhagem
de inglês. Mas o meu problema é isso mesmo: me irrita a língua porque eu lembro
deles, é engraçado, é um processo engraçado que até eu não sei explicar, mas é
isso que acontece.
Na visão de Marilene, a proprietária de loja de confecções, o uso de nomes
em inglês para lojas, comércios e produtos serve como meio de priorizar e abrir
espaço em benefício dos “americanos” consistindo em desvantagem para as
empresas nacionais. O brasileiro estaria perdendo lucros e espaço dentro do seu
país para os estrangeiros. Esses aspectos convergem para o entendimento de que
ela atesta uma desvalorização da nossa língua e dos produtos nacionais em
detrimento do americano ao usar anglicismos.
Entrevistadora: E você acha viável a americanização, colocar nomes, por exemplo,
em língua inglesa ? Você acha viável para nós? O que você acha de escrever
nomes em língua inglesa já que você está falando em americanizar?
Marilene: Eu não acredito que tenha vantagem nisso, por quê? Porque nós estamos
deixando de existir enquanto empresas, como nome, para dar mais atitude para os
americanos, ao invés de investir num nome brasileiro, dar mais ênfase para os
nossos artigos aqui. (Marilene – proprietária de loja de confecções)
Ao lhe perguntar se colocaria daria um nome em inglês para um
estabelecimento comercial, afirmou sua crença de que isso estaria “tirando o nosso
mérito”:
Entrevistadora: Você colocaria o nome da sua loja em inglês ?
Marilene: Não.
Entrevistadora: Por quê ?
Marilene: Não por preconceito. Porque eu acho que no Brasil eu estaria assim...
tirando o mérito nosso aqui, eu não faria não. Eu acho que o mérito é nosso aqui e
vai ficar aqui.
O bancário José Luís vê o uso de expressões da língua inglesa também
como ato de desvalorização do Brasil e agressão à língua portuguesa. Quando lhe
perguntei se usaria camisetas com expressões em inglês, ele justificou que já o fez,
mas sabendo o significado.
Entrevistadora: Você usaria uma camiseta escrita em inglês ?
José Luís: Já usei, mas sempre sabendo o que estava escrito ali. Portanto,
continuo falando que a gente valoriza a língua inglesa ao invés do português, sendo
que moramos no Brasil e falamos português, mas o povo pensa que é bonito, é
diferente. (...) Nós deixamos de falar o que é nosso para falar o que é deles, isso já
é uma forma de desvalorização, não estamos valorizando o nosso.
No entanto, para ele, apesar das palavras em língua inglesa consistirem
numa “agressão” à língua portuguesa no cenário urbano, diz não ser contra a sua
presença desde que as pessoas entendam o que elas significam.
Acho que essas palavras agridem a língua portuguesa, mas também não sou contra
a presença delas, desde que exista uma familiarização com esta língua e que passe
a ser um processo normal e de aceitação (José Luís – bancário).
O agente de segurança Dario César acredita que a presença de anglicismos é
um meio de imposição e de poder que exercem os Estados Unidos sobre aqueles
que usam, mas desconhecem o seu significado. No entanto, o conhecimento da
língua é importante como ferramenta comunicativa. Para ele os anglicismos são
impostos, pois, mesmo desconhecendo o significado, as situações geradas pela
modernidade impõem o seu uso.
(...) a partir do momento que você fala uma coisa, mas não sabe o significado, a
gente tá fazendo papel de bobo na mão, digamos assim, dos americanos. Mas eu
vejo que também é uma coisa muito difícil de ser evitada. Para isso deveria haver,
podemos dizer, consciência maior de até que ponto isso é ruim, porque uma coisa é
você conhecer a língua por uma questão de necessidade e até mesmo por causa do
conhecimento, mas outra é você ter essa língua, esses termos impostos como é
hoje. Hoje você precisa falar, usar, por exemplo aquela pecinha do computador que
você manuseia (...) você é obrigado a adotar como mouse. Então à medida que é
imposto ... Eu vejo tudo o que é imposto é porque não é bom, porque se fosse bom
não precisaria ser imposto (Dario César – agente de segurança estadual)
As falas dos participantes nesta seção e algumas na Subcrença 1 (caso de
Mara e Alísson) deixam entrever que, na relação de identificação com a cultura
norte-americana, marcada por aspectos intrínsecos e extrínsecos de que “o de fora
é bonito e melhor”, e por aspectos de ganhos sociais e financeiros (Subcrença 2), a
presença de anglicismos na sociedade brasileira constitui-se também em ameaça à
língua e cultura brasileira, aguçando o aspecto ufanista na medição de forças entre
a língua/cultura brasileira e a língua/cultura americana. Nesse caso, a língua
portuguesa também é bonita, os produtos nacionais e a cultura brasileira também
são de boa qualidade.
Crença 2: Língua inglesa: insígnia de influência da mídia
A presença, uso e valorização de empréstimos do inglês, sob o ponto de
vista de alguns participantes, revelam um outro sentido associado ao intenso uso de
expressões em inglês: a influência da mídia como promotora e disseminadora de
idéias e estilo de linguagem que propaga e reforça o uso de expressões em língua
inglesa ao usá-las em propagandas em outdoors, revistas, jornais, etc. com o
objetivo de chamar a atenção do consumidor, como estratégia de marketing para
melhor vender o produto de consumo que está sendo divulgado.
A atendente de biblioteca Luíza, por exemplo, assinala:
(...) Dá pra colocar uma palavra em português, não precisa buscar uma palavra na
outra língua. Isso é questão, principalmente na mídia, chamar muito o leitor, o
telespectador, tenta prender ele de alguma forma (Luíza – atendente de biblioteca).
Marilene, no ramo das confecções, reforça a idéia de que a televisão
influência o consumo no mercado de confecções, principalmente, divulgando o
gosto americano de se vestir.
Para ela os nomes em inglês são um grande
chamariz para o consumidor ao despertar o desejo pelo importado.
Tudo que a mídia insere na televisão aquilo vira modinha, atualizou-se. Então, o que
acontece no mercado de roupa e calçado queira ou não é influenciado pela mídia,
não importa a marca, mas os modelos para se atualizarem elas são influenciadas
pela mídia querendo ou não. (....) Acabamos vivendo o que realmente influencia os
autores hoje, artistas de televisão, por exemplo. Eles usam muito a moda
americana, você sabe que hoje a maioria das pessoas da mídia eles estão mais
com roupas da grife americana do que nossa (Marilene – proprietária de loja de
confecções).
Para impressionar o consumidor, só para impressionar o consumidor. Um nome
diferente chama a atenção, ou às vezes até aquela pessoa grava aquele nome, tudo
que estiver dentro daquele salão que ele vai trabalhar,o que qualquer outro falou. O
que tem o nome brasileiro, português, ele vai trabalhar com os mesmos artigos
porque a maioria dos cosméticos hoje tem uma boa parte que é importada. Então o
fato dele trabalhar com a mercadoria importada ele não precisa trabalhar
exatamente com um nome importado também, que é um nome de fantasia, que ele
está colocando na loja nome de fantasia. Isso é só para impressionar mesmo o
consumidor, não tem outra, eu não usaria outro termo, acho que é isso mesmo
(Marilene – proprietária de loja de confecções).
Clóvis, proprietário e instrutor de academia de ginástica e promoter, é enfático
ao afirmar que as expressões em inglês é apenas uma estratégia de marketing para
atrair a atenção do consumidor e para marcar a diferença no mercado competitivo.
Usar inglês converge com as expectativas do mercado, embora a tradução dos
termos para a língua materna não impede a qualidade do trabalho da empresa.
Diálogo 1:
Entrevistadora: Você acha que se você não usasse termos da língua inglesa dentro
da sua profissão aqui na sua academia faria alguma diferença para os seus clientes,
deixaria de ser procurada ou não?
Clóvis: Eu acho que não, são termos que vem de fora, então se todas as academias
usassem termos que não fossem nenhuma palavra em inglês, eu acho que a gente
estaria adaptado da mesma forma. Às vezes você chega para um aluno e diz que
agora nós filiados no “body system”, na hora ele quer saber o que é o “body system”.
É diferente de você falar que é franqueado em umas aulas que já vêm
coreografadas. Então é diferente você falar em inglês, é o termo em inglês que faz a
diferença o soar do inglês como marketing dentro da empresa é bom.
Entrevistadora: Você acha que impressiona mais?
Clóvis: Impressiona mais!
Entrevistadora: Você acha que dá um resultado maior para sua academia?
Clóvis: Sim. Dá um resultado maior.
Para Vera Lúcia, a publicitária, o papel da mídia muitas vezes “democratiza”
o conhecimento ao usar expressões em inglês. Algumas expressões divulgadas
como Fashion Week, por exemplo, podem ser compreendidas por muitas pessoas
que acompanham esse evento independentemente de situação sócio-econômica.
Seria um termo pertinente à comunicação universal e que transcende as fronteiras
dos países falantes do inglês. Nesse momento, o termo em inglês insere a platéia
ou o espectador num contexto globalizado, mundial funcionando como instrumento
de comunicação. Todavia, ressalva que os anglicismos veiculados pela mídia são
marketing burro quando esses não são compreendidos pela maioria das pessoas.
Isso aí a maioria convive e é uma coisa mundial. Nesse ponto a língua inglesa está
sendo usada para se entender no mundo todo. É uma atitude diferente. Não inclui só
aqui ou só os Estados Unidos. Só que ele é mundial. “Fashion Week” de São Paulo
tudo tem. Então vem muita gente de fora, os costureiros são estrangeiros, também
tem brasileiros, mas têm estrangeiros. Então é uma questão de todo mundo se
entender e saber o que ta acontecendo. Aí é interessante.A hora que você vê
“fashion”, você já vê moda, manequins, modelos. Então você já faz uma a ligação de
“fashion”. Aí já é um facilitador, por quê ? Porque todos os meios de comunicação
estão ali mostrando o que é fashion. Entrevista fulano, a costureira, o estilista (...)
Agora, esses termos que você não conhece quase e que é inserido num jornal,
revista ou num “outdoor” ... Agora, esses termos que você não conhece quase e que
é inserido num jornal, revista ou num “outdoor”...É, aí é um “marketing” burro que
fala. Essas coisas eu não gosto. Mas aí é uma questão que a moda é universal e
que o “fashion” é justamente uma mensagem dos outros países, na moda e do
Brasil. Então tem que ser uma língua que todo mundo entenda (Vera Lúcia –
formada em publicidade)
Da mesma forma, o bancário José Luís e a empresária e comerciante Kátia
reconhecem que as expressões em inglês nas suas atividades de trabalho ou no
cenário urbano são estratégias de marketing para promover o estabelecimento
comercial, a atividade ou o objeto a ser vendido e atrair o cliente-alvo que aprecia o
diferente, o estrangeiro como reflexo da influência da mídia.
O inglês está presente com palavras soltas ou em algumas frases por aí, portanto eu
vejo que nomes de lojas, mais as fantasias que são as mais utilizadas é “marketing”,
ou seja, as pessoas acham bonito estar ali com nome em inglês, acreditam que
também isso valoriza mais o seu comércio no mercado, por isso eu vejo que utilizam
no sentido de que nós brasileiros mesmo, estamos gostando de que o inglês está
entrando, então, isso pode valorizar, o comércio pode chamar mais a atenção (José
Luís – bancário).
Eu acho que “marketing”, você pode ver que a maioria desses nomes em inglês,
vamos dizer assim, é “marketing” e a gente estuda muito em relação a isso. Na
realidade o desenvolver de todo comércio vem de lá, vamos dizer assim, eles fazem
estudos em cima de produtos de como vai sair, qual a aceitação, então isso tudo é
“marketing”, e muitas, vamos dizer assim, algumas palavras chaves passam a ser
usadas em inglês, ou em francês, em que língua que for, mas que têm o peso, que
têm uma importância. (Kátia – comerciante e proprietária de loja de produtos
importados e locadora de vídeos)
É inegável a influência da mídia na vida das pessoas. Hoje, dificilmente
podemos encontrar um lar que não tenha aparelho de TV e rádio. Os comerciais
lançados na mídia afetam a sociedade de consumo – crianças, adolescentes,
adultos e idosos. Materiais para todos os gostos e crenças chegam ditando regras e
estabelecendo diferentes linguagens e signos que são assimilados pela nossa
cultura. A mídia divulga, influencia e impõe tendências mercantis com base no que
o consumidor almeja, quer dizer, ao mesmo tempo em que a mídia pesquisa/sente
as necessidades e desejos do consumidor, ela lhe impõe, sutil ou agressivamente,
os produtos desejados, agindo no pensamento e ditando a linguagem ao
consumidor. Essa troca mútua entre mídia x anseios das pessoas está conectada
com as tendências do marketing, entendido aqui como o estudo das atividades
comerciais que, com base no conhecimento das necessidades e da psicologia do
consumidor, procura dirigir a produção adaptando-a ao mercado.
Os participantes desta pesquisa compreendem o poder da mídia na
divulgação de uso de anglicismos, de grande penetração no cotidiano urbano
brasileiro, e apontam o uso de anglicismos como excelente estratégia de marketing,
reproduzindo o modelo difundido pela mídia, para favorecer a venda de produtos
e/ou serviços por imprimir-lhes uma marca diferencial.
b) DAS AÇÕES:
Como agem os homens comuns mediante os anglicismos
Os anglicismos presentes na vida do homem comum para alguns
participantes se caracterizam por uma espécie de não-visibilidade referente ao
sentido (significado) do signo que é apenas notado como significante ou
materialidade física sonora ou escrita. Quer dizer, o sentido atribuído ao anglicismo
pode não ocorrer em conseqüência da relação significado e significante, mas por
força da aprendizagem na prática.
Assim, a maioria das pessoas diante de empréstimos do inglês cujo sentido
não compreendem se valem dos recursos contextuais disponíveis ao seu redor
como, por exemplo, a própria embalagem de um produto para determinar o seu
conteúdo. No caso de produtos alimentícios, limpeza, cosméticos entre outros a
leitura é feita pelo formato, indicações e imagens do rótulo, na ausência de
tradução. No manuseio de aparelhos eletrônicos, computador, TV ou som, o
comando de determinadas operações é realizado por meio de atividades repetitivas
de erro e acerto para descobrir como operacionalizá-los. Aliás, na cultura brasileira,
é muito comum até mesmo na leitura de manuais em português aprenderem a
operação executando-a ou pedindo a alguém que explique como fazê-la.
Além disso, muitos que têm o hábito de recorrer a manuais buscam a função
das palavras escritas em inglês em figuras representativas sem necessariamente
recorrer a sua tradução. Dessa forma, o anglicismo se neutraliza como palavra de
outra língua e dá lugar a um comando operacional.
Para a vendedora da loja de produtos importados Mara, por exemplo, a
palavra play (presente em aparelhos de TV, rádios, celulares e brinquedos) apenas
representa o meio pelo qual a função de ligar o aparelho se realiza sem que ela
precise compreender o que a palavra significa.
Entrevistadora: Por exemplo, o “play”, o que significa “play” em inglês tem ou não
importância?
Mara: Não, não tem importância, porque todo mundo sabe que é videogame, é um
jogo de videogame então já não procura muito porque a maioria do pessoal já sabe.
Entrevistadora: (Mostrando a função play do gravador usado na entrevista): E
nesse caso?
Mara: “Play” todo mundo sabe que tem... é ali que a gente vai ligar o aparelho e tudo.
Entrevistadora: Sem se incomodar com o que significa?
Mara: Sem se incomodar, aí tem muitas coisas que às vezes, tem coisas lá que é do
Paraguai, aí quando chega alguma coisa que vem do Japão que vem com os nomes
esquisitos aí tem hora que a gente tenta identificar.
No excerto acima, ela relaciona o vocábulo play com dois contextos sem
considerar o seu significado na língua de origem. No primeiro momento, ela
associou play ao uso de videogame em que a palavra play pode significar o
comando “jogar” ou “iniciar o jogo”. No segundo contexto, play está ligado à função
de acionar. Ligar o aparelho torna-se um ato automático para a maioria das pessoas
que possui objetos com comandos em inglês. Em ambas as situações, Mara
assegura que não é necessário saber o significado da palavra, mas saber executar
a ação.
Segundo o bancário José Luís, tanto para ele quanto para seus colegas de
trabalho no banco, palavras em inglês, mesmo não sendo compreendidas não os
impedem de operacionalizar os processos indicados por elas.
Diálogo 1:
Entrevistadora: Você acha que a presença de termos na língua inglesa beneficia ou
atrapalha a sua profissão ou a sua vida?
José Luís:: No meu dia-a-dia ela não atrapalha, estou falando particularmente no
meu dia-a-dia. A questão é que às vezes esses nomes em inglês que vem para nós,
nós não trabalhamos a palavra em si e sim a operacionalização.. Então o nome fica
como nome técnico puramente da operação em que nós vamos trabalhar. Não só eu,
mas percebo isso em toda a agência.
Diálogo 2:
Entrevistadora: Você nunca teve curiosidade ou habitualmente você não procura
traduzir de forma mais literal?
José Luís: Olha, eu percebo em mim e até nos colegas que não se busca a tradução
ao pé da letra, mas fazer com que a operacionalização aconteça, a meta seja
atingida e o objetivo da operação também seja atingido em prol de uma coisa maior
que se chama a permanência do banco.
Os diálogos a seguir, enumerados de 1 a 3, também revelam que Genilda, a
empregada doméstica, se vale de outras estratégias que não entender o significado
da palavra em inglês para comprar os produtos que recebem nomes em inglês, tais
como ler o rótulo (escrito em língua portuguesa) na embalagem ou a própria
embalagem pode também revelar o conteúdo. Às vezes, chega a abrir a embalagem
para ver o que contém como no caso dos lenços umedecidos Baby Wipes por não
saber qual seria o seu conteúdo se baseando apenas no nome.
Diálogo 1:
Entrevistadora: Você não se preocupa com o nome, com o que significa? Você liga
mais para o produto?
Genilda: É, eu procuro mais o produto mesmo, vejo para serve no rótulo, não vou
muito pelo nome não.
Diálogo 2:
Entrevistadora (Mostrando a imagem do creme para cabelos Hair Life): Se você
batesse os olhos aqui, por exemplo, como você leria essa palavra?
Genilda: Não consigo ler não.
Entrevistadora: Se eu lesse para você Hair Life, faria algum sentindo ou não?
Genilda: Eu conheço o produto pelo vidro.
Diálogo 3:
Entrevistadora: Aqui, por exemplo, só está a marca e como você conseguiu
identificar que é lenço umedecido, “Baby Wipes”?
Genilda: É porque eu já usei, então eu conheço. Quando eu comprei pela primeira
vez eu abri para ver.
Entrevistadora: Você percebe então pela embalagem?
Genilda: Pela embalagem. Se for pelo nome fica meio difícil.
Dario César, agente de segurança estadual, acredita que expressões em
inglês, embora vistas ou usadas pelas pessoas, são percebidas, mesmo grafadas
em inglês, como parte integrante da língua portuguesa. O uso dos anglicismos é
apreendido pela convivência com outras pessoas de forma automatizada sem estar
vinculada ao significado original ou à noção de que determinada palavra está escrita
em inglês. Ele atribui essa “indiferença” ou “passividade” aos anglicismos àquilo que
chama de “falta de cultura” dos brasileiros e à “imposição sutil de forças
econômicas”.
Olha, pelo que eu observo a maioria, a grande maioria acaba sendo indiferente. Igual
eu estava dizendo há pouco, a maioria usa termos que não sabem o significado. Fala
coisa que não tem a menor idéia do que significa, mas fala porque ouviu alguém
dizer, viu escrito em algum lugar, e a grande maioria acaba sendo indiferente até
porque a grande maioria não tem um conhecimento mais aprofundado sobre nenhum
tipo de cultura, nem sobre a nossa própria cultura, então isso faz com que as
pessoas sejam indiferentes. Muitas vezes tem termos em inglês e as pessoas
pensam que é em português, e as vezes não sabe que é inglês. Então eu penso que
acaba sendo indiferente, mas isso é também uma coisa que é normal, a gente tem
que observar que é normal, esse tipo de imposição é uma imposição muito sutil, a
imposição econômica não é aquela imposição pura que chega e fala que você é
obrigado a fazer uma coisa, ela é colocada devagarzinho, mesma coisa aquele
tempo “fashion” que eu estava falando agora pouco, acaba muitas vezes até mais
gostoso você falar e acaba que a pessoa sendo embriagada com essa coisa do
chique, do bonito, do mais importante, do mais grandioso, e acaba as vezes
assimilando isso de forma talvez não possa ser voluntária, que muitas vezes as
pessoas não sabe, mas de uma forma totalmente passiva sem nenhum tipo de
questionamento e sem nenhum tipo de rejeição também (Dario César – agente de
segurança estadual).
Diná, a gerente de intercâmbios, que por muitos anos vendeu cosmético e
ainda
conserva
alguns
clientes,
fazendo
esse
trabalho
esporadicamente,
apresentou-me o catálogo dos produtos de venda com vários nomes em inglês e
observou que não é preciso saber inglês ou o significado das palavras para
desenvolver suas atividades profissionais com desenvoltura. Não somente ela, mas
também os consumidores, pois o interesse tanto dela quanto dos clientes é o efeito
que o cosmético causa na pele, a fragrância e atuação do produto.
Entrevistadora: Quando você vendia esses produtos, como que convivia com esses
nomes?
Diná: Nós trabalhávamos com amostra. Então você tinha o nome, mas trabalha com
o produto em si. Então você não precisava se especializar no nome, você se
especializava no que o produto faz, o que ele contém, o que vai fazer na tua pele,
qual a fragrância, e sempre tocando, fazendo com que o produto seja sentido pela
pessoa, não pelo nome, mas pela fragrância, e pelo o que vai fazer na pele. Então
essa era a nossa maneira de trabalhar.
Entrevistadora: Então em termos de significado você nunca se incomodou?
Diná: Não. As pessoas nunca me perguntaram o que aquilo significava e sim o que
aquilo fazia.
Entrevistadora: O mais importante era a função?
Diná: A função. Ninguém nunca perguntou por que deram esse nome, o que ele
significava.
A publicitária Vera Lúcia acredita que os anglicismos usados na publicidade
não são compreendidos pela maioria das pessoas, mas apenas por aquelas de
poder aquisitivo melhor e que tenham algum conhecimento da língua inglesa.
Portanto, seriam impróprios se o objetivo for atingir consumidores de forma mais
abrangente.
Entrevistadora: Quanto à presença de termos na propaganda, qual o nível de
influência que você acha que tem em relação àquelas pessoas que os visualizam?
Vera Lúcia: Inglês, quem sabe o inglês vai entender, quem não, eu acho até meio
burro você colocar um termo em inglês dentro de uma publicidade. Que o
consumidor você quer quem? Quer todo mundo que tem poder aquisitivo? Nem todo
mundo vai entender aquilo, vai sacar o que é. Então não sei se funciona muito.
Entrevistadora: Com as pessoas que você convive, você acha que as pessoas
compram produtos escritos em inglês por quê? Você acha que elas se preocupam
em saber o que tem ou o que significa a marca? Termos como “diet”, “light” escritos
em inglês, por exemplo, para um consumidor, qual o significado?
Vera Lúcia: É, depende do estudo do consumidor, da classe social, a maioria, a
massa... A intenção da propaganda é vender muito, a empresa não quer vender só
pra um segmento. O ideal é quanto mais vender mais lucro tanto para a
comunicação quanto para a empresa. Então, não atinge todos os gostos. Agora,
existe aquele produto que é direcionado pra segmento tal. Aí sim, pode ser utilizado,
por exemplo um “outdoor” em inglês. Você colocar em inglês não funciona pra todo
mundo, pra minoria, apesar de que o inglês tem muita gente, agora os cursos que
estão tendo nos colégios em inglês ...
Marilene, a proprietária e administradora de loja de confecções e que
esporadicamente vende roupas, considera que o fato de desconhecer o significado
de palavras ou textos da língua inglesa não interfere na escolha ou rejeição de uma
peça do vestuário, pois as pessoas a escolhem pela beleza ou por desejarem o que
o outro tem.
Entrevistadora: Mas a grande maioria entende ou não?
Marilene: A grande maioria não entende o que está escrito.
Entrevistadora: Não compra?
Marilene: Às vezes compra, a grande maioria não entende, mas alguns compram,
porque o outro está usando, porque ele acha bonito, porque o filho da fulana está
usando. Então eu também quero.
A cabeleireira Renata também declarou que os empréstimos do inglês
presentes em atividades que desenvolve no seu dia-a-dia no salão de beleza, no
banco onde tem uma conta e faz operações monetárias e nos supermercados onde
compra produtos para seu consumo não lhe trazem problema por não saber o
significado do nome de algum produto em inglês. Ela desempenha suas ações sem
o menor problema. Por exemplo, no salão o que lhe interessa é saber o
custo/benefício do cosmético e se o seu efeito é o desejado pelo cliente.
Diálogo 1:
Sobre as tintas destinadas a colorir os cabelos que a cabeleireira tem no seu salão:
Entrevistadora: As mais caras geralmente são escritas em outra língua, ou não?
Renata: Sim, em outra língua. Por exemplo, essa de dezoito é “Evolution”, eu não sei
o que quer dizer “Evolution”, mas é caríssima. A “Italy”.
Nos diálogos abaixo, quando lhe foi perguntado se conhecia o termo personal
banking, associou o termo personal a outro contexto, com o significado de
“treinador”, provavelmente fazendo analogia ao personal trainer da academia de
ginástica. Também diz não prestar atenção nas expressões em inglês nos produtos
de supermercados.
Diálogo 2:
Entrevistadora: “Personal banking”, por exemplo, termo de banco, já diz alguma
coisa para você? Tem algum significado para sua vida, você entende o que é?
Renata: “Personal” quer dizer treinador, agora o bank [bεĩki]...
Entrevistadora (Mostrando uma revista escrita Personal Banking): Bank não seria
banco?
Renata: Não eu não prestei a atenção, é escrito assim?
Entrevistadora: Você nunca prestou atenção?
Renata: Nunca prestei a atenção.
Entrevistadora: Você vai ao banco?
Renata: Vou, eu tenho conta, tenho tudo.
Entrevistadora: Mas você não liga?
Renata: Não.
Diálogo 3:
Entrevistadora: No mercado que você vai quando bate os olhos nos produtos, você
consegue ver algum escrito em outra língua?
Renata: Não. Eu não prestei a atenção.
A médica veterinária Talita comenta que o hábito em usar determinado
produto prioriza a sua função, e os anglicismos passam a não ser percebidos como
palavras de outra língua não sendo nem mesmo imprescindíveis que se conheça o
significado para desenvolver suas atividades profissionais. Além disso, hoje há
rótulos que descrevem o produto em português.
Entrevistadora: Você atenta para termos na língua Inglesa, ou para você o que
importa é se é uma boa ração, se a vacina é boa e não importa se está escrito em
inglês ou não, ou faz alguma diferença?
Talita: Para mim não, tem os termos em inglês, mas as explicações já vêm todas em
português. Então para mim não tem diferença. É diferente para a gente, do que para
o cliente, pois, desde a faculdade a gente já está presente na nossa vida, as rações
e vacinas tal marca, com nomes em inglês é como se fosse em português para
gente, talvez para o cliente tenha mais problema, mas para a gente não tem.
Rafael, o técnico em informática, esclarece que as pessoas do seu convívio
profissional (técnicos em informática) e social (especificamente jovens) não
percebem ou não dão atenção para o significado de palavras, expressões ou textos
e músicas escritos ou falados/cantados em língua inglesa. Na área da informática,
as funções do hardware e a operacionalização de softwares é que são importantes e
resultam em atos automatizados, após aprendizagem em ação por erro e acerto, por
parte dos usuários dos computadores e programas.
Entrevistadora: Esses outros técnicos tiveram a preocupação que teve de estudar a
língua inglesa e se não fizeram isso, como eles lidam com os termos escritos em
inglês?
Rafael: Eu não conheço ninguém que tenha feito o curso, não sei se por falta de
interesse ou por falta de condição mesmo, financeira, mas, porque um curso bom
hoje é caro. Eles acabam trabalhando mecanicamente, aprendendo com o erro.
Na relação social com outros jovens, Rafael comenta que músicas em inglês
atraem pela melodia e ritmo da canção e que a maioria não atenta para o conteúdo
ou a letra da música.
Entrevistadora: Na maioria dos jovens do seu convívio eles gostam, e das pessoas,
elas gostam de ouvir música em inglês, elas procuram, buscam saber e entender o
que é, ou eles preferem músicas em português?
Rafael: Acredito que grande parte goste da música em inglês, mas, na minha
concepção eles não têm o interesse em saber o está querendo dizer a música, não
tem interesse em saber o que a letra quer passar para você, se é uma música que
tem um som legal, eles estão ali escutando o som.
Kátia, na função de proprietária de loja de produtos importados, afirma que
seus clientes, até mesmo crianças pequenas que não têm a menor noção de língua
inglesa, identificam o brinquedo de sua preferência pela logomarca da empresa.
Eles não sabem nem o que que é. Se ele vê, até pela logomarca da empresa, como
é colocado no mercado, passa em televisão e tudo mais, eles já decoraram. Então
eles olham e os olhinhos correm assim... `Eu quero mãe, eu quero aquele carrinho!’
Então eles já sabem aquela marcazinha lá: “Hot Wills” é o carrinho que eles querem
(Kátia – comerciante e proprietária de loja de importados e de locadora de vídeo)
Quando mostrei ao pugilista Alisson que estava usando uma camiseta com
palavras em inglês (inclusive já desgastada possivelmente pelo tempo de uso), disse
não saber o que elas significavam.
Entrevistadora: Você, por exemplo, está usando uma camiseta escrita em língua
inglesa, você tem preferência quando você vai comprar se é escrita em língua
portuguesa ou inglesa? Você atenta para o significado?
Alisson: Não, quando eu compro lá nem sei o que está escrito.
Também
esclareceu
que,
nas
atividades
rotineiras,
ele
prioriza
a
aplicabilidade prática das funções do aparelho de som ao invés de buscar o
significado em inglês.
Entrevistadora: No seu aparelho de som, por exemplo, está on, off, você já atentou
que está tudo escrito em língua inglesa?
Alisson:: Algumas palavras a gente sabe pelo fato de estar mexendo e o próprio
aparelho ensina, mas não tentei pesquisar para saber o que é, não.
Para os participantes deste estudo, a compreensão do significado de
anglicismos por homens e mulheres na língua de origem ou mediante sua tradução
não são os únicos recursos para entender expressões de outra língua. As pessoas
têm ao seu redor outras estratégias com base em experiências concretas de que
podem lançar mão para executar suas tarefas sociais e profissionais.
Segunda Seção: DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
As crenças e subcrenças, inferidas a partir das entrevistas realizadas com os
participantes, podem ser associadas a três vertentes ou princípios teóricos: a
vertente do “apelo esnobe” e adesão ou rejeição à cultura norte-americana, a da
crítica ao imperialismo norte-americano e a instrumental ou pragmática.
O termo “apelo esnobe”31 é utilizado por Ortiz (2003: 193) como um dos
traços a caracterizar a língua inglesa como língua mundial em que a modernidade-
31
Devo dizer que a discussão do princípio do “apelo esnobe” de Renato Ortiz (1994) e usado aqui por
analogia para discutir os meus dados me foi apontado pela minha orientadora, Ana Antônia, em
comunicação pessoal, bem como as metáforas da bricolage e bricoleur a serem usadas mais adiante
associadas à vertente da função pragmática em forma de analogia.
mundo substitui a língua inglesa como sendo britânica ou americana. Conforme
Ortiz:
A tradição e as artes não se configuram mais como padrões mundiais de
legitimidade. (...) Por serem globais, independentes das histórias peculiares a cada
lugar, pela sua amplitude, abarcam o planeta como um todo, e por expressarem um
movimento sócio-econômico que atravessa as nações e os povos, os novos padrões
de legitimidade superam os anteriores. (Ortiz, 1994:191-192)
O exemplo da língua inglesa é sugestivo, diz Ortiz (1994: 192), porque ao se
caracterizar como língua mundial, deixa de ser inglês britânico ou norte-americano
perdendo sua territorialidade original para se constituir “em língua bastarda”,
adaptada às distorções que as culturas lhes infligem”. Ortiz prossegue dizendo que
hoje o inglês falado e escrito em diferentes países não anglófonos é no fundo uma
variedade lingüística acrescida de marcas nativas. No entanto, assinala Ortiz, isso
não quer dizer que tal realidade do inglês no cenário internacional resulte apenas do
desejo de comunicação entre as pessoas ou povos. Há outras fontes de autoridade
em instância mundial. O prestígio das palavras inglesas na música, na informática,
nos esportes e a absorção desses termos não correspondem a nenhum anglicismo
(empréstimos de palavras), mas “trata-se da conformidade a um padrão
hegemônico de prestígio” associado ao inglês. De acordo com Ortiz (1994: 193), a
utilização de alguns termos em inglês mostra que na publicidade ela não se deve a
questões de comunicação, mas a um “apelo esnobe” (termo introduzido por
Gorback e Schroder in Greenbaum 1985: 231 e citado por Ortiz, 2003:193) em que
as pessoas que usam inglês muitas vezes o entendem mal ou não o entendem.
A Crença 1 (Língua inglesa: insígnia de maxi-valorização e de busca de
identificação com os Estados Unidos) e as Subcrenças 1 (A língua inglesa é símbolo
de status, beleza e qualidade e identificação com a cultura norte-americana) e 2 (A
língua inglesa é ponte de acesso a bens econômicos e culturais) podem ser
associadas a essa primeira vertente, uma vez que os participantes da pesquisa
demonstraram que não é preciso compreender o que se está dito em inglês (o
significado), basta notar o significante (o que se apresenta em inglês) para que a
pessoa use expressões ou produtos em inglês ou o próprio objeto seja associado a
status, beleza e qualidade. Nessa vertente, portanto, os participantes destacam a
força simbólica positiva da influência dos termos em inglês por força do prestígio
que imprime aos objetos de desejo ou acesso aos bens culturais e econômicos.
O princípio do “apelo esnobe” também está presente na Crença 2 (Língua
inglesa: insígnia de influência da mídia). É extramente comum encontrarmos
anglicismos, especialmente em revistas destinadas prioritariamente a leitores do
high society32 e classe média, ou seja, a “grã-finagem” brasileira ou como apresenta
o Dicionário Aurélio, o “soçaite”, um termo similar e já aportuguesado definido como
“elite econômica da sociedade que se distingue por suas atividades mundanas”.
Em revistas de moda, páginas de propagandas, artigos de fofocas de pessoas
famosas encontramos em abundância empréstimos do inglês bem como nas
revistas destinadas aos homens de negócios nas quais, às vezes, há trechos
completos escritos em inglês. Os participantes desta pesquisa mencionaram a
influência da mídia no sentido de realçar os atributos de seus produtos mediante o
uso de expressões em inglês reforçando o padrão de prestígio social e econômico
do inglês ou de “apelo esnobe”.
O marketing dos produtos mencionado pelos participantes tem suporte na
visão ideologizada do uso da língua inglesa no contexto brasileiro. A mídia se veste
de uma língua que tem status privilegiado para vender os seus produtos e a
ideologia norte-americana. O “apelo esnobe” permeia a posição da mídia em usar a
língua inglesa (língua de um país “rico e poderoso”) para sustentar uma posição
simbólica que impõe status àquilo que divulga. Disneylândia, Hollywood, o “sonho
americano”, o American way of life são constantes nos meios de comunicação.
Como podemos perceber, palavras em inglês são utilizadas pela mídia mesmo que
essas tenham outras correspondentes em língua portuguesa, o que se configura em
um apelo esnobe para marcar posições simbólicas diferenciadas na sociedade. Tal
aspecto é notado pelos participantes. Nesse sentido, segundo Paiva (1996: 26), “a
importação de palavras estrangeiras atende muito mais a uma necessidade
simbólica de identificação com uma sociedade de grande poder político e
econômico do que a necessidade de nomear novos conceitos e objetos”.
Conforme Garcez & Zilles (2001:22-21), a máquina capitalista globalizante
age sobre as mídias (da informação, do entretenimento e da publicidade) no sentido
de que elas não deixem de explorar as associações semióticas entre a língua
inglesa e o grande repositório de recursos simbólicos, econômicos e sociais
mediados pela mídia. O uso de anglicismos, para os autores, marca a diferenciação
32
De acordo com Nicola et alli (2003:133) significa alta sociedade, elite.
entre quem dispõe de capital simbólico para consumir e a massa não-consumidora
em linha com o pensamento de Bourdieu (1983) de que as forças simbólicas
determinam o mercado lingüístico entre os que falam, ou seja, os que têm poder –
que manipulam e ditam regras – e os que escutam, quer dizer, os que agem e se
comportam com base nas regras ditadas pelos primeiros. Tal aspecto também é
notado pelos participantes.
A vertente da crítica ao imperialismo norte-americano oferece suporte à
Subcrença 3 (Língua inglesa: insígnia de ameaça à língua e cultura brasileira) em
que se evidencia o sentido ufanista em contraposição ao sentido de adesão à
cultura norte-americana proporcionado pela insígnia de status social e acesso a
bens cultuais e econômicos. Os participantes desta pesquisa percebem as
expressões em inglês como uma ameaça à língua portuguesa, cultura e economia
brasileira. Nesse sentido, eles se aproximam da crença do deputado Rebelo (2001:
181) de que a dominação de um povo se dá também através da imposição da
língua. Com a globalização, diz Rebelo, esse fenômeno se repete não de forma
violenta, mas impertinente, insidiosa e preocupante e se manifesta de forma
abusiva, enganosa e lesiva ao patrimônio nacional.
No entanto, os participantes não demonstram tal ira dispensada pelo
deputado às expressões em inglês a ponto de dispensar o seu uso no cotidiano.
Uma terceira vertente, a da função pragmática ou instrumental ( presente na parte
“b”: Das ações: como agem os homens comuns mediante os anglicismos),
atravessa as duas primeiras oferecendo um equilíbrio entre a adesão subserviente
e a rejeição irada. Nessa vertente, no caso de não conhecerem o significado da
palavra, os participantes assumem uma atitude pragmática, semelhante a um
bricoleur em processo de bricolage (Levi-Strauss: 1966, 2003), diante das
expressões em inglês no seu cotidiano lançando mão da improvisação e de suas
experiências concretas ao recorrerem a recursos disponíveis ao seu redor para
compreender a palavra e executar a tarefa.
Os conceitos de bricoleur e bricolage foram usados na antropologia por
Claude Levi-Strauss (1966, 2003), ao estudar grupos indígenas, para entender a
natureza processual de como as pessoas trabalham com recursos materiais e
simbólicos de modo concreto, improvisado e criativo. O bricoleur é, portanto aquela
pessoa (ou grupo de pessoas) que pode se identificada com “aquele-que-é-paupara toda-obra” ou representada no ditado popular “quem não tem cão caça com
gato”, isto é, aquele que é capaz de usar quaisquer materiais que encontram ao seu
redor para executar determinada tarefa ou objetos. Bricolage é o processo de
montar pequenos fragmentos aqui e ali em uma forma ou estrutura. Hoje é um
conceito desdobrado abrangendo outras áreas de estudo como a interação
comunicativa e de definição de relações pessoais. Aqui ele serviu para explicitar
que as pessoas comuns, muitas vezes, ao invés de usar uma abordagem abstrata
na resolução de um problema, agem com base nas suas experiências concretas
improvisando como um bricoleur modos de desempenhar suas tarefas.
Rajagopalan (2005:140-150) ao examinar propostas de enfrentamento em
relação “à invasão da língua inglesa em nossa vida” discute alguns tipos de atitudes
recorrentes na literatura: a rejeição sumária do inglês em que se ergue uma
muralha de rejeição psicológica contra o idioma e contra tudo que ele representa e
a aceitação resignada do inglês sob o argumento de que não há o que fazer diante
da expansão do inglês do mundo. Os participantes desta pesquisa atribuem valores
positivos e negativos ao uso de expressões em inglês, no entanto, não se arrimam
apenas de atitudes derrotistas ou de enfrentamento quixotesco de que nos fala o
autor. A vertente do pragmatismo (fazer uso do inglês para servir aos seus
objetivos) lhes permite enfrentar a “invasão” de anglicismos de modo realista,
conforme Rajagopalan aponta, em que a língua inglesa pode servir aos interesses
dos participantes, não o contrário.
Para concluir este capítulo retomo Maffesoli (1988), o estudioso do
conhecimento comum, para dizer que o conhecimento dos participantes desta
pesquisa, vistos como pessoas comuns (não são especialistas em linguagem), é
construído com o propósito de suprir suas necessidades impostas pela própria
modernidade. Esse conhecimento é construído, compartilhado e propagado no
ambiente sócio-cultural de uma economia globalizada ou cultura mundializada que
imprime a toda pessoa conviver com tecnologias e linguagens repletas da cultura
estrangeira. Para tanto, as pessoas improvisam, formulam novas formas para atingir
seus objetivos.
Essas três vertentes demonstram que dicotomias embora instigantes não
sejam suficientes para mostrar a complexidade envolvida em questões de linguagem
que podem ser abordadas de diferentes perspectivas que mais se atritam do que
vivem em harmonia. Assim, a voz do político, do jornalista, do gramático purista e do
homem comum pode oferecer diversos ângulos ao fenômeno em estudo, e quase
nunca um só.
Este estudo demonstrou que há entrecruzamentos de princípios (outros diriam
discursos) nas crenças dos participantes desta pesquisa em relação aos anglicismos
que ora se aproximam mais da idéia de homogeneidade da força capitalista que
impõe padrões hegemônicos de língua e cultura e ora se afinam mais com a visão
de fragmentação das culturas em que se permite a improvisação, o escape.
Também demonstrou que conceber nossos participantes como pessoas comuns que
pensam e têm sentimentos e não como pessoas ingênuas, apolíticas, acríticas à
presença de anglicismos pode acrescentar uma nova camada de sentido ao
conhecimento científico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se as transformações recentes nos levam a
afirmar a existência de uma sociedade global,
isto significa que a problemática nacional
adquire um só sentido. Só iremos entendê-la
quando a situarmos dentro desta nova
totalidade. (Renato Ortiz)
A presença de anglicismos no contexto urbano não é privilégio do Brasil nem
de países em desenvolvimento e tampouco as atitudes das pessoas em relação aos
termos em inglês deixam de despertar a ira de um grupo de pessoas que tentam
legislar sobre o assunto (França, Espanha, por exemplo) e outros que tendem a
conviver com eles (Japão) de forma menos conflituosa.
Neste estudo, percebemos que no Brasil as crenças inferidas acerca da
presença e uso de anglicismos convergem para três princípios diferentes:
1.
Os anglicismos denunciam um sentimento de esnobismo ou
prestígio atribuindo ao inglês uma valoração positiva por estar
associado à idéia de beleza, elegância, superioridade de objetos,
modernidade, desenvolvimento e, em conseqüência, acesso a bens
culturais e econômicos propagados pelos Estados Unidos.
2.
Os anglicismos sob a égide do apelo esnobe suscitam dois tipos de
atitudes, ora num movimento de aproximação com a língua e cultura
norte-americana, eles despertam sentimentos de resignação e
identificação, ora sob a égide da crítica ao imperialismo norteamericano despertam a recusa à adesão e a ira dos participantes
por se sentirem atingidos na sua identidade nacional ao perceberem
que sua língua e cultura estão sendo desvalorizadas.
3.
Os anglicismos sob a égide da função pragmática ou instrumental
são acolhidos em uma atitude realista quando os participantes
diante da necessidade de usá-los em atividades profissionais o
fazem com o propósito de desempenharem suas tarefas.
Seja sob o princípio do apelo esnobe, da função pragmática, ou da crítica ao
imperialismo norte-americano, os brasileiros demonstram estar sintonizados e ser
inevitável a mundialidade e expansão do inglês na vida cotidiana. A função
pragmática embutida nos outros dois princípios e que permeia a maioria das falas
dos participantes, parece imprimir um sentido realista, equilibrado e eficiente às
atitudes de aceitação resignada ou de embate derrotista. Embora os dois primeiros
princípios estejam atrelados à tendência de perceber a língua inglesa como norteamericana e, com todas as conseqüências que isso possa acarretar, os participantes
desta pesquisa também percebem que o inglês perde, de certa forma, sua
territorialidade original para se constituir em língua sem pátria ou, nos dizeres de
Ortiz (1994: 192) em língua “bastarda”, adaptada às distorções que as culturas lhe
infligem. Anglicismos ou estrangeirismos acabam sendo acolhidos por questão
prática, sejam eles compreendidos ou não, originalmente aceitos ou transformados
pelas marcas lingüísticas e culturais brasileiras.
Essa visão pragmática os exime de entrar num embate acirrado ao modo do
Projeto de Lei do político Aldo Rebelo atacando os estrangeirismos como ameaça à
integridade da língua portuguesa e soberania nacional, ou ao modo dos lingüistas
que os vêem como parte do processo natural das línguas vivas em que expressões
em língua estrangeira, geralmente se insurgem no léxico, sofrem diferentes
processos de transformação, ora sendo incorporadas, ora sendo aportuguesadas,
ora sendo descartadas, conforme discutimos nos pressupostos deste trabalho.
Para concluir, gostaria de apontar algumas limitações e implicações que
reconheço neste estudo.
Primeiro, o estudo é limitado pelos seus números de participantes (quatorze)
e de entrevistas (uma com cada participante). No entanto, tendo em vista o tempo
limitado para elaborar uma dissertação de mestrado, tal escolha me pareceu realista.
No entanto, se existe essa limitação, ela é mais relevante em pesquisa quantitativa,
já que aqui o objetivo do meu estudo não buscou generalizações para todos os
grupos, mas um entendimento de como quatorze participantes retratam sua visão
acerca dos anglicismos ao seu redor, nas suas atividades sociais e profissionais.
Segundo, neste estudo, não tentei induzir padrões normativos de como as
pessoas devem reagir diante da presença ou uso de anglicismos no cotidiano
urbano brasileiro. Por exemplo, não tentei apresentar aos participantes as teorias da
expansão ideológica do inglês como inculcação do regime capitalista. Ao contrário,
tentei descrever a forma e o processo de entendimento dos participantes do meu
estudo.
Gostaria também de mencionar algumas contribuições deste estudo para
futuras pesquisas.
Primeiro, o fato da maioria dos participantes ter declarado que, quando não
conhece o sentido da palavra em inglês, procura identificá-lo por meio de recursos
disponíveis ao seu redor mediante o uso de outros recursos materiais para executar
a tarefa, nos levou a pensar na noção de bricolage e de bricoleur, usada na
antropologia e na etnografia para explicar ações de grupos culturais, que em um
processo analógico pode ser usado para explicar a atitude realista na reação
pragmática diante de anglicismos que devem ser entendidos para desempenho de
tarefas profissionais. A metáfora da bricolage me parece relevante para ser
explorada em futuros estudos para entender a interação simbólica em processos de
comunicação diante de anglicismos.
Segundo, apesar deste estudo ter caráter introdutório e exploratório (é a
minha primeira pesquisa qualitativa), acredito que, ao trazer um aspecto pouco
explorado ainda na área da Lingüística Aplicada − o ponto de vista de pessoas
comuns acerca da presença e uso de estrangeirismos no cotidiano urbano brasileiro
− possa ter contribuído com o debate acerca dos estrangeirismos desencadeado por
lingüistas e gramáticos puristas, formadores de opinião, e com a crença de que o
conhecimento do homem comum pode fornecer subsídios valiosos para a
compreensão do fenômeno aqui estudado.
Terceiro, como professora de Língua Inglesa
acredito que os resultados
deste estudo também podem contribuir para o ensino de inglês no sentido de
compreender as percepções de pessoas comuns sobre o uso da linguagem e quais
as implicações que trazem para suas vidas. As concepções da maioria dos
participantes são, também, de alunos, ex-alunos e de pessoas que têm contato, de
alguma maneira, com a aprendizagem e o ensino de língua inglesa (e fazem uso!)
nas escolas ou no meio social.
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Seriam imprescindíveis esses estrangeirismos?
Não. Desejados? Sim, por muitos de nós. Fazem
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APÊNDICE A - Roteiro da entrevista feita com Genilda
Questionar, a partir das imagens de produtos e objetos que tenham anglicismos e
observar os seguintes aspectos:
01. Genilda identifica e utiliza produtos e objetos com nomes em inglês?
02. Ela consegue perceber que estão em outra língua?
03. Quais as estratégias que utiliza para adquirir ou usar um produto que tenha
terminologias em língua inglesa?
04. O que ela pensa da presença de anglicismos na vida dela e de outras
pessoas? Por que são usados?
05. Tem preferência por palavras ou produtos escritos na língua portuguesa ou
inglesa? E as pessoas com as quais convive? Buscar a justificativa.
06. Pedir que enumere produtos que usa em língua inglesa (que são “estranhos,
diferentes, desconhecidos” para ela).
07. Solicitar se tem curiosidade ou procura saber o que significam as expressões
na língua de origem. Se houver, que meios usa?
08. Acredita que no seu dia-a-dia, os anglicismos ajudam ou atrapalham o
desenvolvimento de suas atividades?
09. Pensa que os anglicismos deveriam permanecer, serem coibidos ou
substituídos?
10. Num sentido mais amplo, como define, descreve, vivencia e entende a
presença e uso de anglicismos nas atividades que desenvolve.
APÊNDICE B - Roteiro da entrevista feita com Clóvis
Introduzir os seguintes tópicos e questionamentos ao longo da entrevista:
01. Perguntar sobre sua profissão/atividades, se gosta, como a desenvolve, o
que pensa e como a vivencia.
02. Verificar se observa os anglicismos em sua profissão.
03. O que pensa a respeito da presença e uso de anglicismos em suas
atividades?
04. Há preocupação em saber o significado na língua de origem?
05. O que acredita que leva as pessoas a usarem anglicismos?
06. Nas suas atividades, a presença de empréstimos do inglês ajuda ou
atrapalha?
07. Quais as estratégias que usa para identificar comandos e termos escritos em
língua inglesa nas suas atividades?
08. Pensa que os anglicismos deveriam permanecer, serem coibidos ou
substituídos?
09. Prefere expressões escritas em língua inglesa ou portuguesa? E os seus
clientes? Justificar a opção.
10. Qual o papel dos anglicismos em sua profissão?
11. Estabelecer um paralelo entre expressões comumente usadas em suas
atividades (língua inglesa e língua portuguesa) e observar como define e
qual a opção feita.
12. Num sentido mais amplo, como define, descreve, vivencia e entende a
presença e uso de anglicismos nas atividades que desenvolve.
APÊNDICE C -Entrevista feita com Genilda
Materiais utilizados: gravador e fita cassete; fotos e imagens de produtos
comestíveis, de limpeza, bebidas e cosméticos; aparelhos de som; camisetas com
palavras em língua inglesa.
Data: 25 de novembro de 2004
Local da entrevista: residência onde trabalha
Duração: 1 hora
Número de páginas da transcrição: 13
Entrevistadora: Genilda, eu vou lhe mostrar algumas figuras de produtos que a gente
encontra em mercados. Eu gostaria que você desse uma olhada e visse se você
conhece esses produtos e para que você acha que servem. Esse, por exemplo, você
conhece? (Apresentando a imagem de toalhas de cozinha da marca Snob)
Genilda: Papel higiênico.
Entrevistadora: Você observa o nome quando você usa, por exemplo?
Genilda: Eu não observo isso muito não.
Entrevistadora: Se a gente perguntasse hoje sobre essa marca, por exemplo, você
saberia? (Indicando a imagem)
Genilda: Hoje eu não saberia dizer. Não guardo na mente, não.
Entrevistadora: Se você vai ao mercado e vê o Snob, não interessa o nome dele,
para você interessa o produto ou o quê?
Genilda: O produto, o preço também.
Entrevistadora: O nome para você, é comum ou parece estranho? O que você acha
quando você bate os olhos?
Genilda: Não é comum, não sei dizer se é comum.
Entrevistadora: Você acha que ele é da nossa língua?
Genilda: Não.
Entrevistadora: De que língua ele poderia ser?
Genilda: Inglês?
Entrevistadora: É, mas isso para você tem alguma importância?
Genilda: Para mim creio que não.
Entrevistadora: E esse produto agora? (Mostrando a imagem da toalha de papel de
cozinha Top Residence.)
Genilda: Esse eu já conheço, eu já usei.
Entrevistadora: O que você olha nele, quando você pega, você se preocupa, por
exemplo, com o nome dele, isso é familiar para você?
Genilda: É, eu já usei, não uso freqüentemente desse mesmo, mas já usei.
Entrevistadora: Como você diria o nome dele?
Genilda: Residence?
Entrevistadora: Para você significa o que residence? E esse top, o que significa pra
você? Ou não tem importância?
Genilda: Para mim não tem importância.
Entrevistadora: Você batendo os olhos, o residence lembra você de alguma coisa?
Genilda: O lar, né? O lar que é a residência.
Entrevistadora: E este, para que você usa esse tipo de produto? (Apresentando as
toalhas de papel para cozinha da marca Kitchen)
Genilda: Esse eu nunca usei.
Entrevistadora: Você no mercado, você bate os olhos, você vê que o que está
escrito aqui, não é familiar para você?
Genilda: Não.
Entrevistadora: Você nunca usou, então. Você se incomoda
escrita que não é familiar?
com esse tipo de
Genilda: Às vezes sim, porque dependendo do produto que a gente não souber ler
não sabe o que é. Se você não conhece, não consegue ler, não dá para entender
saber o que é.
Entrevistadora: Como você leria, por exemplo, essa marca?
Genilda: Kitchen [kit∫εĩ]?
Entrevistadora: Você não faz nem idéia do que seja, para que seja?
Genilda: Não.
Entrevistadora: Isso incomoda muito você quanto você vai ao mercado, por exemplo,
e se depara com nomes estranhos assim?
Genilda: Não me incomoda, porque eu procuro comprar os que eu já conheço
somente, os que eu faço uso, não me incomoda muito por isso.
Entrevistadora: Que tipo de produto, você lembra agora, que você usa, que marca?
Genilda: Difícil é lembrar a marca agora. No momento não lembro.
Entrevistadora: Vamos passar para outra. Por exemplo, você bate os olhos nesse
produto, você sabe para que serve ou poderia supor para que é, ou até mesmo
entender o que está escrito? (Mostrando os guardanapos de papel Snack)
Genilda: Não entendo o que está escrito, não conheço esse produto.
Entrevistadora: Isso atrapalha você?
Genilda: Atrapalha, porque talvez é uma coisa que você precisa usar você não sabe,
não conhece o produto, não sabe o que é.
Entrevistadora: Não sabe o que está escrito.
Genilda: Pode até usar e não usar por não conhecer.
Entrevistadora:: Quando você se depara com alguma coisa estranha que você não
consegue ler ou não identifica o que você faz?
Genilda: Eu deixo. Deixo para trás.
Entrevistadora: Aqui, por exemplo, você consegue identificar para que serve, o que é
ou que palavra que é? (Apontando os guardanapos de papel da marca Lips).
Genilda: Lips. É isso?
Entrevistadora: Sim.
Genilda: Sabonete, né?
Entrevistadora: Na verdade são guardanapos.
Genilda: Ah, nem parece.
Entrevistadora: Mas o nome assim, você (+)33 O que você pode supor que seja lips?
Genilda: (+)
Entrevistadora: Você não se incomoda também em saber, entender?
Genilda: Não procuro muito, não.
Entrevistadora: Aqui, por exemplo, nós temos Eficaz, este produto de limpeza aqui
(apontando o detergente Vanish), você já usou ele?
Genilda: Não. Essa marca não.
Entrevistadora: E esse aqui? (referindo-se ao detergente Superclean).
Genilda: Já.
Entrevistadora: Como você chama?
Genilda: Eu já comprei, mas eu (+) Superclean (superklĩ)?
Entrevistadora: Sim. O que você acha que significa isso?
Genilda: (+)
Entrevistadora: Você não se preocupa com o nome, com o que significa? Você liga
mais para o produto?
Genilda: É, eu procuro mais o produto mesmo, vejo para serve no rótulo, não vou
muito pelo nome não.
Entrevistadora: Vanish, por exemplo, você teria alguma idéia do que significa?
Genilda: Não. Não tenho idéia.
Entrevistadora: E se tiver, por exemplo, um Eficaz e um Vanish, faz alguma
diferença para você levar um ou outro quando você vai comprar?
Genilda: Às vezes eu procuro pelo preço.
Entrevistadora: Então não incomoda você o que ta escrito, qual a marca?
Genilda: Não. Me interesso pelo valor também.
Entrevistadora: Aqui são produtos de beleza, você conhece algum desses?
(Mostrando imagens de Hair Life, Viena Hair)
33
A convenção (+) significa que houve uma pausa na fala ou o turno não foi preenchido.
Genilda: Já vi, só que nunca usei. Eu não conheço, nunca usei, já vi nas prateleiras ,
mas não conheço.
Entrevistadora: Quando você vai ao mercado, você se interessa em olhar. Que
significado que traz para você?
Genilda: Esses produtos eu não olho, porque eu nunca fui de comprar esse tipo de
coisa, creio que serve para cabelo, para tintura, nunca me interessei.
Entrevistadora: Você não pinta o cabelo.
Genilda: Não, nunca pintei.
Entrevistadora: (Mostrando a imagem do creme para cabelos Hair Life)Se você
batesse os olhos aqui, por exemplo, como você leria essa palavra?
Genilda: Não consigo ler não.
Entrevistadora: Se eu lesse para você Hair Life (hεr laif), faria algum sentindo ou
não?
Genilda: Eu conheço o produto pelo vidro.
Entrevistadora: Esse aqui talvez seja mais familiar para você (Mostrando o Shampoo
Clear).
Genilda: É, com certeza.
Entrevistadora: O que você desses produtos serem escrito em outra língua, como
darling, clear, porque você acha que tem tantos produtos escritos em outra língua
nos supermercados e que a gente usa?
Genilda: Não sei por que, eu creio que (+) será que vem de lá, de outros países?
Entrevistadora: Não, também existem produtos nacionais que são escritos assim.
Genilda: Não faço idéia por que.
Entrevistadora: Você se deu conta porque tanto gente usa escrito em outra língua?
Genilda: É com certeza porque se o que não é brasileiro vem para cá pode ler, né.
Agora o significado eu não entendo, não.
Entrevistadora: Não o significado da palavra em si, o que você acha que leva as
pessoas a pôr esses nomes nos produtos e o que leva as pessoas a consumirem
tantos produtos escritos em outra língua?
Genilda: Eu creio pela qualidade que deve ter.
Entrevistadora: Você acha que o produto que vem escrito em outra língua seria
melhor ou pior?
Genilda: Depende de como se faz o produto. Eu por exemplo a linha Capi Vida eu já
conheço, agora o outro eu nunca usei, não conheço.
Entrevistadora: E o nome clear, por exemplo, significa alguma coisa, o darling, por
exemplo, tem algum significado para você?
Genilda: Pra mim não.
Entrevistadora: Se no lugar desse Darling, fosse Querida faria alguma diferença?
Genilda: Não sei se faria alguma diferença.
Entrevistadora: Se tivesse dois xampus, um escrito darling e outro escrito querida
qual você compraria?
Genilda: Não sei. Se eu não conhecesse nenhum dos dois, poderia ser que ficasse
com o Querida. É uma palavra mais bonita de dizer. Talvez seja Querida que eu
pegaria.
Entrevistadora: E esse tipo de produto você já viu? Seria para criança. A palavra
baby, por exemplo, você acha que ela é da nossa língua?
Genilda: Baby? Creio que não.
Entrevistadora: Você usa o baby normalmente?
Genilda: Não. Já usei essa marca no meu filho. É lenço umedecido, né? Mas não
gostei.
Entrevistadora:: Como você sabe que é lenço umedecido?
Genilda: Eu leio no rótulo.
Entrevistadora: Aqui, por exemplo, só está a marca e como você conseguiu
identificar que é lenço umedecido “Baby Wipes”?
Genilda: É porque eu já usei, então eu conheço. Quando eu comprei pela primeira
vez, eu abri para ver.
Entrevistadora: Você percebe então pela embalagem?
Genilda: Pela embalagem. Se for pelo nome fica meio difícil.
Entrevistadora: E esse produto aqui, você usa? (Apresentando a imagem do creme
dental Close Up).
Genilda: Dessa marca não.
Entrevistadora: Como você chama?
Genilda: Close up (krozapi).
Entrevistadora: Você sabe, que batendo os olhos é aquilo?
Genilda: Creme dental.
Entrevistadora: E para você Close Up, é familiar para você, ou é esquisito?
Genilda: O nome é esquisito. Eu acho esquisito, diferente.
Entrevistadora: Aqui, é um produto que todo mundo usa, como você chama?
(Mostrando o curativo Band-Aid).
Genilda: Band (+) Band-Aid (bãdeidĵi).
Entrevistadora: Como você conseguiu identificar que é Band-Aid, se está escrito em
outra língua? Como você conseguiu identificar?
Genilda: Algumas palavras a gente consegue. Algumas palavras eu consigo ler.
Identificar eu não sei. Eu aprendi assim, eu creio que na escola eu devo ter
aprendido.
Entrevistadora: Aqui, por exemplo, essa marca o que significa para você?
(Mostrando imagens dos bloqueadores solares Kids e Baby Block)
Genilda: Eu não sei.
Entrevistadora: Agora eu vou mostrar para você alguns produtos alimentícios,
bebidas, para ver se você conhece, o que você acha. Por exemplo, o primeiro aqui?
(Apontando o refrigerante Sprite versão Diet)
Genilda: Sprite (ispraiti).
Pesquisadora: E essa palavra em cima, para você significa alguma coisa?
Genilda: Diet (+) dietético, né?.
Entrevistadora: Quando você bate os olhos sabe que é Sprite, e você sabe o
significado na nossa língua?
Genilda: Não.
Entrevistadora: Faz alguma diferença para você se é Sprite ou se é Guaraná?
Genilda: Depende o gosto, para mim. Eu prefiro o Guaraná.
Entrevistadora: Então não interesse se está escrito em outra língua?
Genilda: Não.
Entrevistadora: E você conhece?
Genilda: Não.
Entrevistadora: Popcorn, tem algum significa para você e termo light, por exemplo?
(Mostrando a imagem da pipoca para forno microondas Popcorn versão light)
Genilda: O light é light (+) Popcorn eu não conheço.
Entrevistadora: Aqui você bate os olhos você acha que seja o que? (Imagem do
repositor energético Susteen que apresenta no rótulo um líquido rosa sendo
derramado no copo).
Genilda: Suco.
Entrevistadora: E aqui, como você chamaria? (Referindo-se à imagem do produto
Diet Shake).
Genilda: Eu não sei o que é isso. Suco também?
Entrevistadora: É alguma coisa semelhante. Você leria como?
Genilda: (Sampi)?
Entrevistadora: E esse produto também: Will34 é comum você usar?
Genilda: Não, eu não uso ele. Para que é de pôr no sorvete, parece.
Entrevistadora: Esse, por exemplo? (Apresentando o chocolate Hershey´s White).
Genilda: Eu não conheço, não sei.
Entrevistadora: É chocolate. Que tipo de chocolate você acha que seja?
Genilda: Não faço a mínima.
Entrevistadora: White significa alguma coisa para você?
Genilda: Não.
Entrevistadora: Esse você conhece? (Apontando os biscoitos Club).
Genilda: Conheço.
34
Marca de calda de chocolate para coberturas.
Entrevistadora: O que você acha da marca do produto, por exemplo, significa o que
para você?
Genilda: É uma marca boa para mim. Já comprei vários produtos dessa marca.
Entrevistadora: Que palavra que você acha que é?
Genilda: Marilan?
Entrevistadora: Não, não, a marca o nome? Você acha que significa o quê?
Genilda: Não sei.
Entrevistadora: É Club (kl^b), né?
Genilda: Club(klubi).
Entrevistadora: Mas a maioria fala como se escreve, a maioria fala club (klubi). E
isso aqui o que significa para você. (Mostrando a imagem dos biscoito Hobby).
Genilda: O nome eu não sei.
Entrevistadora: O que é hobby para você?
Genilda: Gosto.
Entrevistadora: Big bolão, por exemplo (apresentando a imagem de um pacote das
balas Big Bolão), a gente vê em Cuiabá, por exemplo, Big lojas, Big lar, Big bolão. O
que você acha que significa esse big?
Genilda: Grande.
Entrevistadora: Grande?
Genilda: Eu creio que sim.
Entrevistadora: E como você aprendeu que big é grande?
Genilda: Eu imagino.
Entrevistadora: Será que alguém falou?
Genilda: Não, eu imagino que seja, pelo fato de “Big Loja”, é uma big loja de
variedades, enorme, grande. “Big Lar” é um supermercado enorme. É pelo fato de
ser grande. Big bolão, é porque tem um pequenininho e tem um grande.
Entrevistadora: Big para você é uma coisa grande?
Genilda: Eu creio que sim.
Entrevistadora: E aqui para você, o que significa? (Mostrando os salgadinhos da
marca Baby Boy).
Genilda: Baby boy.
Entrevistadora: Você não se preocupa se tem uma palavra estranha, por exemplo,
nos produtos, isso não te incomoda?
Genilda: Se eu conhecer, usar ele e gostar eu não me incomodo não.
Entrevistadora: Esses produtos, por exemplo, você lê aqui Big Chicken (mostrando
os congelados de frango) te remete à que? Você lê na embalagem o que é na língua
portuguesa, como você age?
Genilda: Pela figura que a gente conhece, pela figura exposta na caixa.
Entrevistadora: Os títulos assim, você nem se incomoda também em saber o que é?
Genilda: Não.
Entrevistadora: Aqui também né. (Mostrando os congelados Chicken Friends).
Genilda: É
Entrevistadora: Chicken Friends (t∫ikεn frεnds) por exemplo. Esse você conhece já?
Genilda: Esse já.
Entrevistadora: A marca, por exemplo. Esse nome, por exemplo, diz alguma coisa?
Genilda: Eu não consigo ler esse nome. (Mostrando a imagem da embalagem dos
cereais Snow Flakes).
Entrevistadora: Snow Flakes ( snou fleiks)?
Genilda: Não lembro, não sei.
Entrevistadora: Genilda, a gente vê que em salão de beleza escritos em inglês. Por
exemplo: Princess, Classic. Há nomes de lojas escritos em inglês. O que você acha
que leva as pessoas a colocar nome de loja, por exemplo, escrito em outra língua?
Você colocaria em uma sua?
Genilda: Não!
Entrevistadora: Por que não?
Genilda: Porque eu acho que o português é tão bonito, as palavras em português.
Eu creio que preferiria o português.
Entrevistadora:: E o que você acha que leva as pessoas a colocar tantos nomes de
lojas e produtos em inglês?
Genilda: Sei lá! Pela beleza dos nomes, pelo gosto, pelo significado do produto que
eles trabalham.
Entrevistadora: Se você tivesse uma fábrica de perfumes, você colocaria mais
nomes na nossa língua ou em outra língua?
Genilda: Eu creio que colocaria na nossa língua.
Entrevistadora: Por quê?
Genilda: Por que colocar nome estrangeiro ou em outras línguas, se a nossa
também tem como você colocar nome bonito, um nome significativo para ele. Eu
colocaria em português.
Entrevistadora: Você tem equipamento eletrônico na sua casa, você vê lá nas
funções, por exemplo, quando você vai ligar que tem play, stop, você tem
conhecimento do que significa em outra língua?
Genilda: Sim.
Entrevistadora: Como você lida com isso, como você aprende a manusear o
aparelho de forma que você consiga ouvir música, por exemplo? Como você
aprendeu a mexer se é em outra língua?
Genilda: Apesar de não conhecer a língua inglesa a gente assiste muita televisão,
você vê muita coisa que você aprende ali. E aí você vai mexendo ata encontrar. Por
exemplo, se eu compro um celular eu não sei mexer nele, vou ter que mexer nele
para conhecer. É assim que eu aprendo.
Entrevistadora: Para você seria melhor que fosse na nossa língua?
Genilda: Ah, com certeza.
Entrevistadora: Você preferiria então que fosse/
Genilda: Em português.
Entrevistadora: Por quê?
Genilda: Porque a gente sabe.
Entrevistadora: Aqui, por exemplo, você consegue ver aqui que produto que é?
(Apresentando a imagem de um rádio gravador e CD player).
Genilda: Sim.
Entrevistadora: Que produto é esse para você?
Genilda Um rádio, um CD.
Entrevistadora: Então, CD é o quê?
Genilda: Eu não sei não.
Entrevistadora: O que é um CD player pra você? Você ouve falar no CD player e tal?
Genilda: Não sei não, o lá de casa não é assim, e para começar eu nem uso CD.
Entrevistadora: Como você chama o aparelho de CD?
Genilda: Rádio.
Entrevistadora: Rádio, né. Acho que é isso. Eu só queria ver como você vive com
todas essas palavras diferentes e se isso é difícil para você, se você consegue
tranqüilamente conviver e não faz diferença.
Genilda: O nome não faz diferença, porque a gente procura olhar mais o produto do
que o nome. Mas é difícil você mexer no aparelho de som, por exemplo, aprender
em aparelho de som fica difícil se você não souber mexer acaba estragando o
aparelho, se fosse em português era super fácil.
Entrevistadora: Eu só gostaria te mostrar alguns produtos a mais pra você. Esse
produto aqui, por exemplo (referindo-se à imagem do detergente Fresh). Como você
lê?
Genilda: Fresh (frε∫i).
Entrevistadora: É compreensível pra você?
Genilda: É diferente, para mim não tem nada a ver com o produto.
Entrevistadora: Aqui, você bate os olhos, por exemplo, o termo fresh (frε∫), você falou
fresh (frε∫), você não falou fresh (fre∫), e como você sabe que é fresh ( frε∫)?
Genilda: Eu devo ter ouvido já alguém falar (+) na televisão mesmo.
Entrevistadora:: Que significado você acha que tem o fresh?
Genilda: É um produto de limpeza profunda, uma limpeza rápida, creio que seja isso.
Entrevistadora:: O termo fresh você acha que seja isso?
Genilda: Pode ser, não tenho certeza.
Entrevistadora: Se a gente pegar aqui o gravador está escrito stop e eject, tem
algum significado para você.
Genilda: Stop, é para desligar.
Entrevistadora:: E eject?
Genilda: Não sei.
Entrevistadora: O rec seria o quê?
Genilda: Não sei.
Entrevistadora: Play?
Genilda: É para ligar.
Entrevistadora: Está certo. É isso. Genilda, aqui eu tenho uma camiseta que não
está escrito na nossa língua. Para os seus filhos, você compra camiseta assim, com
palavra que não seja escrito na nossa língua?
Genilda: Eu procuro não comprar. Não só pelo fato de que eu não conheço a palavra
e o significado, mas pela minha doutrina também.
Entrevistadora: Ah é! O que a sua doutrina diz?
Genilda: Que a gente não pode usar emblemas ou palavras que a gente não
conheça, principalmente inglês, porque você não sabe o que está escrito. Pode estar
escrito palavrão ou qualquer coisa que não seja agradável aos olhos de Deus.
Entrevistadora: Muito interessante. A sua doutrina já prega isso também? Então
você nunca compra para seus filhos uma camiseta escrita em inglês?
Genilda: Não.
Entrevistadora: E se eles ganhassem, por exemplo?
Genilda: Eu procuro saber o que está escrito pra poder usar. Porque eles têm
algumas camisetas que eu ganho da minha irmã lá de São Paulo, eu procuro saber,
se tiver alguma palavra indecente eu não uso.
Entrevistadora: Como você procura saber?
Genilda: Eu já cheguei mandar para o professor dela ler as camisetas, o boné que o
meu filho ganhou. Aí ele explica pra ela, então eu deixo usar. Outras coisas que eu
não conheço, as figuras indecentes também eu não deixo usar.
Entrevistadora: OK, Genilda. Obrigada !
APÊNDICE D - Entrevista feita com Clóvis
Materiais utilizados: gravador e fita cassete; imagens de produtos e anúncios e
propagandas em revistas de modas, artigos e conteúdo de revistas destinadas a
profissionais da ginástica em academias (fitness), marcas de produtos destinados
aos freqüentadores de academias (sucos, lanches, repositores energéticos,
vestuário e equipamentos de ginástica – expostos no empresa) em língua inglesa.
Data: 01 de fevereiro de 2005
Local da entrevista: empresa onde trabalha
Duração: Aproximadamente 1 hora.
Número de páginas da transcrição: 15
Entrevistadora: Clóvis, eu gostaria que você falasse das atividades profissionais que
você desenvolve, como você vê essas atividades profissionais, as experiências que
você tem, as vantagens e desvantagens dessas atividades que você que são
dividias entre academia de ginástica e como promotor de eventos.
Clóvis: Eu gosto dessas atividades que envolvem mexer com pessoas. Eu sempre
gostei de mexer com pessoas, essas duas áreas envolvem isso. Então, eu agora
como dono de academia e instrutor, a gente instruir os alunos quanto à carga, peso,
atividades física, a dieta mais apropriada para o tipo físico. E na área da moda, que
eu sempre lidei, aqui em Cidade A35 a área da moda é mais restrita porque poucas
lojas e confecções, desde que eu vim para cá eu faço o Miss Cidade A, inclusive há
quatro anos que as misses daqui ganham como Miss Mato Grosso e representaram
o Mato Grosso no Miss Brasil. Em ano x, nós tivemos a felicidade de ter a Cláudia
daqui de Mato Grosso como Miss Brasil. São atividades na área que eu gosto. Eu
estou sempre em contato com o público, eu gosto bastante de falar e as pessoas
gostam de ouvir. Eu me dou bem nessas áreas, tenho facilidade de fazer amizades e
expressar minha opinião e fazer com que as pessoas acatem o que eu falo.
Entrevistadora: Eu vejo que essas duas atividades que você desenvolve, estão
ligadas à beleza, ao cuidado com o corpo, enfim o ponto que têm em comum é
busca da beleza. Eu vejo tanto numa área como em outra a presença de muitos
termos da língua inglesa, inclusive no cartão que você me entregou de sua empresa,
35
Nome fictício. O nome da cidade, o ano e os nomes de pessoas, empresas e lojas que aparecem
durante a entrevista são todos fictícios.
há termos escritos em língua inglesa. Como você convive com essas palavras e com
esses termos?
Clóvis: Como são termos que a gente usa diariamente, a gente aprende a conviver.
Hoje nem parece serem termos em inglês, como tem os exercícios físicos como o
“fly”, “body jump”, “step”, “jump”, e hoje todo mundo entende. Como por exemplo, se
você falar “cama elástica” poucas pessoas entendem. Se eu digo “tem aula de body
jump” todos entendem. Esses termos a gente aprende a usar no dia-a-dia, não em
curso, são termos que já vêm prontos e que a gente é obrigado a assimilar.
Entrevistadora: Você se preocupa em buscar uma tradução ou você usa os termos
conforme a ligação da função que eles desempenham?
Clóvis: Na área da musculação, os termos em inglês eles descrevem praticamente
os exercícios, como o “fly” que é uma abertura de braços com o peso. Então são
coisas que no dia-a-dia nós convivemos. Como o tempo da gente é muito corrido
acabamos pensando nesses termos quando estamos mais sossegados, como o
“Body System”. Quando fizemos a franquia dele, ficamos pensando o que queria
dizer. Então sabemos o que pode significar, mas tem gente que pede a tradução do
exercício: “ Por que fly?”
Entrevistadora: Para você o que é o “Body System”? É uma empresa, o que é dentro
da ginástica?
Clóvis: O Body System é uma empresa na área de fitness que desenvolve nove tipos
de formatos de aulas. A aula já vem pronta, essas aulas são apresentadas nos
workshops a cada noventa dias. Então, a cada noventa dias muda a música, muda a
coreografia. Essas novidades são trazidas para a sala de aula, tanto que as mesmas
aulas dadas daqui são as aulas dadas lá na Companhia Atlética em São Paulo, na
Bioritmo, nas grandes academias de São Paulo.
Entrevistadora: É uma empresa nacional ou de outro país?
Clóvis: É uma empresa australiana que está há doze anos está aqui no Brasil, os
exercícios mais conhecidos deles é o body jump que é uma coreografia com peso e
barra, body combat que é artes marciais e o body balance que é ioga.
Entrevistadora: Como eu percebi na sua fala, em questão de minutos você despejou
uma série de termos da língua inglesa. O que você acha que leva as pessoas, na
área de ginástica, a optarem por termos da língua inglesa e não um termo
semelhante da língua portuguesa?
Clóvis: Eu acho que falta aquela confiabilidade, porque tudo que é importado tem
aquela impressão de ótima qualidade. Hoje tudo que a gente monta, até o sistema
de musculação é computadorizado e vem tudo em inglês, já vem pronto para nós.
Eu penso que é devido a isso, o que vem de fora infelizmente tem mais credibilidade
do que nós temos na nossa língua.
Entrevistadora: Para você enquanto profissional, instrutor e proprietário de academia
de ginástica, esses termos na sua profissão ajudam ou atrapalham?
Clóvis: São termos usados no meu dia-a-dia, no meu cotidiano acabam passando
naturalmente. No começo se nós falarmos para o aluno fazer um exercício tipo o fly,
ele já não esquece mais. Eles têm facilidade de guardar os termos, porque não são
todos os termos que são americanos tem dorsal, da polia. Mas eu já notei que os
termos que são em inglês eles têm mais facilidade de guardar, não fazem questão
de mudar isso.
Entrevistadora: Não atrapalha?
Clóvis: Não atrapalha de forma alguma
Entrevistadora: Ajuda na sua profissão? Em que sentido poderia ajudar?
Clóvis: Não ajuda, mas também não atrapalha, porque se tivesse que mudar o que
já vem pronto, eu teria uma mão de obra muito grande, porque todos os meus
instrutores que geralmente vêm de outras academias também conhecem. Então,
isso iria causar um transtorno, então o que me atrapalharia seria mudar o que já vem
pronto de fora.
Entrevistadora: Você diz que já vem pronto, você acha que lá no comecinho deveria
ser traduzido, deveria ser mudado ou deveria permanecer assim mesmo?
Clóvis: Eu não sou aquele “tupiniquim” que quero que tudo seja na língua
portuguesa, como eu acho que tudo tem as influências americanas, que não é só na
área do fitness. Na área da moda você vê “São Paulo Fashion Week”, o Miss Brasil
mesmo, ele é com dois “s”. A Miss Brasil desfila com a faixa do Brasil escrito com
“Z”. Então tudo já vem de fora, importado. Na minha opinião, eu não mudaria,
deixaria do jeito que tá.
Entrevistadora: Você já citou alguns termos, mas tem vários termos na sua atividade.
Vamos pegar primeiro a área da ginástica, o que vem à mente que você sabe que é
em inglês, que você tem segurança em dizer que é em inglês? Ou por exemplo,
termos que passaram por um processo de transformação, que deixou de ser em
língua inglesa e que já está incorporado na nossa língua.
Clóvis: Eu não me preocupo em tentar mudar, eu acho que o que deixa mais prático
é o nosso cotidiano que é um facilitador, porque todo o estudo que eu pego de fora
já vem com esses termos. Alunos que já malham em outras academias eles já vêm
com esses termos. Isso não ocasiona de precisar passar esses termos para o
português ou achar que isso vai me trazer uma facilidade, parece que os termos em
inglês são mais facilmente assimilados pelos alunos do que os em português. Não
me interessa em mudar.
Entrevistadora: Quando surge um termo novo da língua inglesa, como você procede
para entender dentro da sua profissão?
Clóvis: Eles lançaram o “body balance” que é o mesmo sistema do “body system”.
Então, eu não sabia o que era o “Body balance”, a gente busca para saber o que é,
a definição da aula e a definição dos termos. Então quando vem algum termo novo
que a gente não sabe, nós vamos atrás buscar saber. No workshop é passado a
tradução para o português do que significa o termo para a gente explicar para o
aluno e qual a relação que tem com o exercício que eles estão fazendo.
Entrevistadora: Por que workshop e não oficina? Por que você acha que existe essa
diferença? Por que se usa o workshop e não oficina?
Clóvis: Como eu falei, essa franquia vem da Austrália. Então, eu creio que tudo que
é americanizado as pessoas acham mais interessantes. Como eu disse para você,
todos os meus instrutores que são para esses cursos, eles mesmos marcam
workshop na agenda, aprendem a escrever, ninguém coloca oficina ou vai ter um
curso do Body Balance ou do Body Combat. Todo mundo escreve workshop.
Entrevistadora: Você acha que se você não usasse termos da língua inglesa dentro
da sua profissão aqui na sua academia faria alguma diferença para os seus clientes,
deixaria de ser procurada ou não?
Clóvis: Eu acho que não, são termos que vem de fora, então se todas as academias
usassem termos que não fossem nenhuma palavra em inglês, eu acho que a gente
estaria adaptado da mesma forma. Às vezes, você chega para um aluno e diz que
agora nós somos filiados no Body System. Na hora ele quer saber o que é o Body
System. É diferente de você falar que é franqueado em umas aulas que já vêm
coreografadas. Então é diferente você falar em inglês, é o termo em inglês que faz a
diferença, o soar do inglês como marketing dentro da empresa é bom.
Entrevistadora: Você acha que impressiona mais?
Clóvis: Impressiona mais!
Entrevistadora: Você acha que representa um resultado maior para sua academia?
Clóvis: Sim. Dá um resultado maior.
Entrevistadora: Quando você lida com esses termos, ou mesmo seus alunos,
procuram mais um entendimento da função ou eles querem saber também o que
significa mais ao pé da letra?
Clóvis: Tem alunos que pedem o significado, porque no programa que a gente
imprime para o aluno existem termos em inglês. Por exemplo, existe o fly, muitos
vêm me perguntar o é “pulling” o que é o “fly”. Se você for explicando no momento,
com o movimento do exercício, ele assimila rápido. É diferente de você explicar para
ele sem mostrar o exercício. Fly na verdade por ser asa, abertura de braços. Então
se você fala fly e mostra o exercício o aluno acompanha o que você fala aí a pessoa
entende mais fácil, muda o sentido quando mostramos o exercício e o significado ao
pé da letra.
Tanto que alguns perguntam se fly não é asa, porque tem alguns alunos que já têm
um pouco de conhecimento na área de inglês e associa.
Entrevistadora: Qual o significado do termo “Personal Trainer” para você?
Clóvis: Todos que pedem um personal trainer querem um acompanhamento de um
profissional da área com acompanhamento exclusivo como aluno. Por exemplo, em
um determinado horário (das sete às oito). Inclusive eu tenho alguns instrutores da
academia que trabalham exclusivo para os alunos e em outro horário. Eles
trabalham individualmente, mas aí eles pagam à parte, os alunos que querem
exclusividade do personal pagam à parte.
Entrevistadora: E hoje, se fosse introduzido treinador pessoal?
Clóvis: Aí nós temos que explicar o que é, porque todos chegam e dizem se temos
um personal trainer. Até hoje eu vi ninguém chegar e perguntar se eu tenho um cara
que pode acompanhar sozinho, nunca ninguém me pediu isso, já vem com o termo
personal trainer.
Entrevistadora: Por que você acha que as pessoas usam esses termos comumente?
Eles buscam um significado ou eles já colocaram uma definição específica para
aquela pessoa?
Clóvis: Eu acho que eles nem buscam o significado, é um definição de uma classe
na área de Educação Física, de uma pessoa que vai me ensinar, de um instrutor.
Instrutor é diferente de um personal trainer. O instrutor dá atenção e instrui a
academia inteira. Agora, se o aluno chega e fala que quer um personal, é só para
ele. Muitas vezes a pessoa nem sabe o quer dizer personal trainer, mas ela já sabe
que é uma pessoa que vai dar atenção exclusiva para ela na área de fitness.
Entrevistadora: Nunca ninguém cogitou que pudesse usar um termo diferente para
esse tipo de profissional?
Clóvis: Nunca, já fazem oito meses que eu sou dono da academia e ninguém
questionou isso.
Entrevistadora: Você acha que é por hábito que as pessoas usam esses termos?
Clóvis: É um hábito, são os termos novos que chegam com as profissões novas.
Agora tem até aquele personal stylist que veste as pessoas. É um termo
americanizado, hoje ninguém fala personal estilista, ele não fala que quer um
personal para me vestir, ele já vem com o termo pronto da forma que aprendeu.
Entrevistadora: Digamos que sejam dois exemplos, um poderia ser “ Fitness Show” e
o outro fosse o “Show de Ginástica”, ou Amostra de Ginástica, em qual você iria?
Clóvis: Nós iríamos saber o workshop o que é. Como eu disse para você, tudo que
vem de fora, o brasileiro é assim, na verdade a gente sabe que nós estamos muito à
frente de muitos países nessa área do fitness, mas tudo que é importado, tudo que
vem em termos em inglês ele causa mais confiabilidade. Isso eu falo para qualquer
área, até na escola, se você pegar um método, uma parte em inglês, você vê que
chama mais a atenção do pai, chama mais atenção do aluno e dá mais
confiabilidade. Pois existe uma mesma empresa aqui no Brasil que faz o que a
“Body System” faz, mas eles não atingem 10% da camada. Ele é um programa mais
barato e usa o nome nacional.
Entrevistadora: E você conhece o método?
Clóvis: Conheço. É um método bom também. Só que é como eu falei para você,
agora eles são fundadores da pró-fitness. Eles estão trazendo uma empresa
venezuelana para trazer um nome estrangeiro para acoplar nesse nome e agregar
mais uns tipos de aulas para que melhore o atendimento. A de fitness eles vieram
pessoalmente aqui, mas como o Body System está em todas as academias do país,
a confiabilidade é muito maior, a dificuldade dessa empresa nova é de entrar no
mercado que hoje já predomina uma marca super conhecida.
Entrevistadora: Você acha que diante desse fato a língua é coadjuvante, ela
interfere, ou as pessoas optam mais pelo fato de ser importado, de ser americano
independente da língua ou não?
Clóvis: Eu acho assim, de uns tempos para cá eu tenho notado cada vez mais uma
influência da língua inglesa no meio da gente. Antes não existiam esses termos que
hoje são usados, parece que nem são mais termos em inglês, já são termos
abrasileirados, que já fazem parte da nossa língua. Acabamos acoplando dentro do
dia-a-dia da vida da gente. Não é mais uma questão de você querer usar ou não,
você é obrigado a usar. Tudo hoje, você pega uma revista na área de fitness, ela
tem um monte de termos técnicos em inglês e você é obrigado a saber, acaba tendo
que interagir. O que eu acho é que existe um “interagir” da língua inglesa com o
português não é um diferencial é um interagir, está entrando dentro da língua
nacional e está virando termo da língua nacional.
Entrevistadora: Mas só voltando ao evento, você optaria pelo evento escrito em
língua inglesa, porque você faria isso?
Clóvis: Aquela confiabilidade, com certeza um curso desses, com pessoas de fora
dando palestras de outros países, com certeza eu encontraria a tecnologia de ponta
para a minha área. Mesmo que eu venha a participar desse outro curso, por
exemplo, congresso, com propaganda que irão estar apresentando uma feira com
produtos de última geração, exposta para quem quiser comprar. Mas no caso de
uma feita escrita em inglês, a gente já imagina que virão produtos importados, tudo
que vem de fora é novidade. Como eu falei, tá mudando essa concepção, o Brasil é
o 6º país na área do fitness já. Então, percebe-se que o Brasil está buscando, só
que o tem feito o Brasil crescer foram essas áreas americanas que vieram para cá e
que estão fazendo o fitness no Brasil dar uma mudada geral de 180º na academia.
Entrevistadora: Essa presença maciça e mesmo a presença enquanto método,
enquanto empresas aqui dentro, principalmente pelo que você tem destacado as
norte-americanas, incomodam você?
Clóvis: Não. Não me incomoda em nada, é um diferencial para se buscar, muitas
vezes a gente deixa de optar por um produto nacional pra comprar um produto
importado. Os dois podem ter boa qualidade, já é do brasileiro buscar, nem que for
para dar uma olhada no produto importado ele vai dar. Nem que esse custo possa
ser diferente do que fator aquisitivo do que ele possa ter, mas ele vai buscar pelo
interesse em saber.
Entrevistadora: Você normalmente opta pelo importado ou pelo nacional?
Clóvis: Se eu tenho condição financeira, eu opto sempre pelo importado. Eu fechei
agora essas duas franquias de aulas, fiz opção por essa franquia pelo conhecimento
já, são franquias que começaram juntas praticamente, mas a Body System é uma
franquia que cresceu e a outra parece que não, são esses diferenciais que fazem
que a gente tenha o interesse de sempre buscar lá fora, pois tudo que vem de fora é
melhor.
Entrevistadora: Bem na entrada aqui da sua loja está escrito “Shop Suplementos”,
quando você bate os olhos assim em shop, o que lhe vem a mente?
Clóvis: Seria a loja do suplemento, se fosse loja do suplemento dentro de uma
academia não soaria legal para a academia, porque tudo acompanha. Os nomes
todos acompanham, eu optei por shop, fica mais legal. Shop Suplementos, pronto,
casou.
Entrevistadora: Esse é o nome da sua loja?
Clóvis: Isso.
Entrevistadora: Shop Suplementos?
Clóvis: É.
Entrevistadora: Você optou então pelo nome shop ao invés de outro.
Clóvis: Shop Suplemento, porque fica um termo mais bonito um termo que chama a
atenção, diferente de loja do suplemento, ou comércio do suplemento. Hoje todos
gravam os termos, dizem: “A shop está aberta, está fechada”. O pessoal liga para
mim: “A shop já está aberta”, “já tem gente na shop ”. É um termo que tem facilidade
de pegar.
Entrevistadora: É por isso que você acha mais bonito?
Clóvis: É tudo marketing.
Entrevistadora: Vamos agora para o outro setor da sua atividade, a atividade de
promoter que você desenvolve. Quais são as vantagens e desvantagens e como
você desenvolve essa atividade?
Clóvis: Agora não, eu tenho a minha academia assistente, tenho a minha academia.
Eu já vivi disso, agora não, mas eu tenho bastante experiência, aqui na Cidade A
quando querem fazer um desfile, todos me procuram antes. Eu já fiz bastante aqui,
quando eu tinha mais tempo, agora o que me poda para mexer com essa área de
moda é o tempo que eu me dedico aqui na minha empresa.
Entrevistadora: Eu vejo que quando eu me refiro às palavras da língua inglesa, eu
vejo que é outra área que tem uma presença maciça, como você vê a presença
dessas palavras inglesas no mundo da moda?
Clóvis: A moda brasileira, de uns quatro anos para cá, é que a moda brasileira
engatou na moda internacional. Hoje se ouve falar de alguns estilistas brasileiros ali
fora. Mas antes, tudo que era bom era importado, toda roupa que era importada era
Calvin Klein ou outra. Eram marcas que vinham para o Brasil, eram marcas caras.
Então, tem muitas marcas nacionais que têm nomes em inglês, isso tem ficado, mas,
a moda brasileira avançou bastante. Então, termos que são usados hoje na moda é
porque vieram praticamente todos importados, a presença da moda no Brasil só
começou a crescer com a influência da moda americana, italiana, Milão, Paris. Como
por exemplo, São Paulo Fashion Week, hoje é um evento que quase noventa por
cento é feito com estilistas nacionais, mas para abrilhantar, sempre trazem alguma
modelo americana, e sempre trazem uma marca de fora de algum estilista
americano.
Entrevistadora: Por que você acha que eles usam São Paulo Fashion Week ao invés
de Semana da Moda em São Paulo?
Clóvis: Pelo marketing. São Paulo Fashion Week é a facilidade de gravar o
diferencial. Em São Paulo existe a Semana da Moda, que acontece antes do
Fashion Week. Aconteceu agora faz uns dez dias atrás, a Semana de Moda em São
Paulo. Só que o São Paulo Fashion Week é o “São Paulo Fashion Week” até hoje. É
um evento maior, mais glamuroso, todos os estilista disputam um espaço no São
Paulo Fashion Week. É o peso da língua inglesa ainda no Brasil.
Entrevistadora: Você estava falando das palavras importadas no mundo da moda.
Você lembra, assim, das palavras que você usa no seu dia-a-dia quando você lida
com moda?
Clóvis: Tem alguns termos técnicos que a gente usa, exemplo, fashion. Isso é
fashion, isso não é fashion.
Entrevistadora: O que é o fashion para você?
Clóvis: O fashion é que está na moda, démodé, não sei nem o que é, mas démodé é
que está fora de moda.
Entrevistadora: Tá fora de moda?
Clóvis: É, não sei o que é, démodé é o que caiu fora de moda e o fashion é o que
está acontecendo. Mas tem várias palavras em inglês, que são usadas hoje. O
personal stylist, agora me deu um branco, mas tem bastante.
Entrevistadora: Eu fiz aqui uma lista de palavras. Para você o que soa melhor,
estilista ou personal stylist?
Clóvis: O estilista é aquele que desenha a roupa e o personal stylist é aquele que
veste a pessoa. Exemplo: as atrizes, as modelos elas têm um personal que veste
elas. Você vai em uma festa tal. O personal stylist vai dizer “ Você vai usar esta
roupa, com esta bijouteria ou com a jóia, com esse sapato e com essa bolsa. É essa
a diferença. Hoje já existe essa diferenciação, do estilista que é aquele que desenha
e que cria a roupa do personal.
Entrevistadora: Moda e fashion?
Clóvis: O fashion é mais usado, porque fashion é mais fashion! (risos)
Entrevistadora: Fashion Rio e o Rio Moda, por exemplo, Curitiba Fashion Art, e Arte
da Moda de Curitiba. Para qual você iria?
Clóvis: O Curitiba Fashion Art, com certeza!
Entrevistadora: Por quê?
Clóvis: É o eu falei, tudo que é termo. Existem profissões ligadas, especialmente a
área de beleza, estética, se você falar a questão de cremes importados. Tudo o que
vem de fora soa melhor, é diferenciado, é belo, é mais novo, mais chique. E
infelizmente nessa área de beleza e de estética é o que pede, é o que vale.
Entrevistadora: Você acha que faz diferença para as pessoas que estão inseridas no
mundo da moda? Gostam de usar esses termos ou não?
Clóvis: Elas gostam de usar e existem termos que são usados em inglês e muitas
pessoas usam, sabem o que é o termo só não sabem passar ele para o português.
“Underwear” muita gente fala, mas não sabem o que significa em inglês.
Entrevistadora: Como é definido o termo underwear para as pessoas que fazem uso
do termo?
Clóvis: Underwear é mais roupa íntima, mas usamos também para shortinho, roupa
leve, saia curta, blusinha, roupinha, tipo a roupinha do dia-a-dia, modinha mais
curtinha, a modinha mais sensual, mais curta, mais fresca.
Entrevistadora: Roupas leves?
Clóvis: Mais leves! Isso, exatamente! Ele não define só roupas íntimas, tem essa
definição também para roupas mais leves.
Entrevistadora: Design e desenho, têm alguma diferença?
Clóvis: Design é aquele que cria a moda, agora desenho é aquele que não foi
formado ainda, que está aprendendo a desenhar. Designer é aquele que já chegou
no top do topo.
Olandina: Estaria acima do desenhista?
Clóvis: Muito acima. Na área de moda sim.
Entrevistadora: Designer, por exemplo, e estilista?
Clóvis: O estilista ele cria o estilo, o designer vai botar isso no papel. O estilista vai
criar todo um estilo. Existem roupas que não dá para se usar na rua, aqueles
vestidos, aquelas roupas enormes e tal. Mas são tendências que os estilistas pegam
e jogam na passarela e depois os designers criam as roupas em cima daquilo que foi
apresentado.
Entrevistadora: Ah, sim!
Clóvis: Então, tem essa diferenciação também.
Entrevistadora: Digamos que se houver duas grifes e que você deveria optar por
uma delas para um desfile seriam: Crystal Fashion e a outra Moda Cristal. Qual
você acha que chocaria mais?
Clóvis: Crystal Fashion. Seria até um exemplo de uma etiqueta que teria tudo para
chegar e estourar. Agora, Moda Cristal, se eu chego para você e digo, é uma
confecção, e como é nome da confecção é Moda Cristal, todo mundo vai achar que
é uma confecção de fundo de quintal, de fundo de casa de quem está começando e
tal. Há diferença, né? Não adianta, a influência da língua inglesa na nossa língua é
grande. Hoje quer queira ou não o brasileiro tem que falar um pouco de inglês. Ele já
aprende até a falar um pouco, é “hot dog” o “cachorro quente”. Até nos cardápios
das lanchonetes daqui, eles trocaram o termo cachorro quente por hot dog.
Entrevistadora: Faz alguma diferença o book e o álbum?
Clóvis: Toda modelo que vai buscar uma carreira solo, ela tem que fazer o book.
Esse book é pedido em toda agência, agência de publicidade ou agência de
modelos, pedem o book da modelo.
Entrevistadora: E não o álbum?
Clóvis: E não o álbum. O álbum vai soar assim: o álbum de fotos da casa dela, que
ela tirou totalmente na casa dela, um álbum assim, do conforto da casa dela. Agora
o book não. É um livro profissional, para a vida profissional dela.
Entrevistadora: Enquanto modelo?
Clóvis: Isso, enquanto modelo. Com fotos do que ela já fez. O book seria um livro da
vida dela. Pra ela atingir o grau de modelo que ela deseja, ela vai colecionando
porque dentro dos books de modelo tem as capas de revistas que elas fazem, tem
as fotos de editais, então elas vão formando o book.
Entrevistadora: Que são vários estágios?
Clóvis: Isso, então o termo book para álbum é diferenciado. Apesar de ser a mesma
coisa. Se for na tradução é a mesma coisa. Só que para a gente que mexe na área é
um termo totalmente diferenciado. Exemplo: eu vou trazer meu álbum de fotos, mas
eu não quero ver teu álbum de você com tua cachorra, teu papagaio, com a tua mãe
ao lado. A gente quer teu book fotográfico, a gente quer o teu book empresarial.
Entrevistadora: Ah, tá.
Clóvis: Já virou um termo. Já o último termo na moda é esse aí, não existe álbum na
moda brasileira, o que existe é o book.
Entrevistadora: Entre look e visual?
Clóvis: Look também.
Entrevistadora: Existe uma diferença?
Clóvis: O look é mais agressivo, a gente já fala nem que a outra palavra venha, um
look mais sensual, abrasileirado. A primeira palavra tem que ser look. Não é o visual
o mais sensual, é o look o mais sensual. Então, são palavras que já fazem parte, já
tinham que estar nos dicionários de língua portuguesa porque são palavras que
ninguém vai mudar, porque ninguém vai chamar um book de álbum e muito menos
um look de visual. Ninguém vai fazer isso.
Entrevistadora: Você acha politicamente correto?
Clóvis: Que está correto o uso do inglês na língua nacional?
Entrevistadora: Isso!
Clóvis: Olha, eu não sei se seria certo ou se seria errado. O país que hoje não
acompanha isso, é como eu falei, o país, a profissão e a pessoa que não
acompanha esse crescimento ela está totalmente fora do mercado. Então hoje eu
nem ligo. Se fosse aquela visão tupiniquim, como eu já falei, dizer “não” e que tudo
tem que ser do Brasil, dar valor às coisas do Brasil. Ótimo! Eu sou brasileiro, visto
verde e amarelo, amo o Brasil e é um país que eu não troco por nada, mas na área
empresarial, a gente é obrigado a conviver com esses termos e a gente não pode
mudar. Como eu falei, hoje já faz parte da linguagem do brasileiro.
Entrevistadora: Você mudaria se você tivesse possibilidade de fazer?
Clóvis: Não mudaria porque pra mim isso não iria mudar em nada. Como eu falei, eu
não mudaria, eu acho que é um diferencial em termos de cultura. A pessoa que
aprende de termos pequenos ela acaba, queira ou não, é como eu falo, tem horas
que você ouve umas palavras em inglês, você vai passar. Quando chega na área
que surge alguma coisa nova na área de inglês, algum exercício novo, como o body
balance”, eu fiquei pensando o que é balance. Então o balance se você for pegar na
tradução do balance para o português não tem muito a ver com que quer dizer o
termo body balance da aula do body balance. Esse balance que eles colocaram na
aula foi assim, de equilíbrio, porque é tudo ioga, de movimentos de alongamento
onde você faz equilíbrio, desestressa e tal. Então, não adianta mais tentar pegar o
inglês “na lata”, e tentar passar ele para o português para definir um termo. Não
existe mais isso.
Entrevistadora: Cada atividade...
Clóvis: Cada atividade você é obrigado, por exemplo, o balance a generalizar ele.
Não adianta pegar um termo assim único, tem pegar um termo mais amplo, porque a
língua inglesa já faz parte, e eu não mudaria não, hoje eu convivo muito bem com
isso, de vez em quando eu tenho dificuldades com meus alunos e não atrapalha.
Entrevistadora: Não atrapalha?
Clóvis: Não atrapalha em nada não.
Entrevistadora: Eu enumerei algumas grifes aqui, Água Doce, André Lima, Cavalera,
Complexo B, BR Men´s Wear, Blue Man? Você conhece? Algumas dessas?
Clóvis: A que eu conheço a BR eu conheço, a Blue Man e algumas não.
Entrevistadora: Para você adquirir ou colocar, por exemplo, num desfile, faria alguma
diferença se fosse em língua portuguesa? Aqui no caso, as primeiras que eu
elenquei Água doce, André Lima, Cavalera. E se fosse em língua inglesa faria
alguma diferença? Você optaria por qual?
Clóvis: Por exemplo, para uma passarela, a Cavalera já é um marca conhecida. Hoje
ela não tem o peso de uma Ellus e da BR. Mas hoje a Cavalera é mais forte que a
Blue Man. É como eu falo...
Entrevistadora: Água doce?
Clóvis: Água doce, como eu falo assim, o soar da Água Doce... Eu prefiro iniciar com
uma Ellus, que é um marca fortíssima. Aí você pega uma BR que também é ali de
fora, aí você intercalaria com outras nacionais. Mas o chamariz seria realmente
alguma coisa de fora.
Entrevistadora: Carro chefe seria?
Clóvis: Carro chefe seria em inglês. É como eu falo para minha área. E quem falar
que não existe isso é demagogia, que uma pessoa que mexe na área de moda e
fitness que dá para ficar alheio a todos esses termos e falar que não se pode usar,
que isso não pode estar acoplado na língua portuguesa hoje.
Entrevistadora: O pessoal que você lida aqui no mundo da moda e mesmo na
academia é mais ou menos de que nível sócio-econômico?
Clóvis: Aqui na academia o nível é classe A. Logicamente que eu tenho pessoas de
classe mais baixa. Mas a grande maioria é “A”.
Entrevistadora: E na moda?
Clóvis: Moda também é a mesma coisa. É como eu falo para você, a moda, esta
parte estética, essa parte da beleza gera uma auto-estima para as pessoas. É como
eu falei, 90% das pessoas que me procuram aqui na academia é para a parte
estética. Não é só pra manter forma, pra manter a saúde. Se dizem que é só pra
saúde, mentira, 90 % é para a parte estética. Hoje a parte estética no mundo é muito
importante. Quem não souber desses termos, é considerado fora da moda, uma
pessoa “out”, então você pega assim...
Entrevistadora: Pessoa out?
Clóvis: É uma pessoa out.
Entrevistadora: Dentro do mundo da moda é usado o out?
Clóvis: É isso. Up e out. Out é o que está caindo.
Entrevistadora: Out é o que está fora?
Clóvis: Então, existe isso no mundo da moda, no mundo da beleza, da estética, se
você pegar um esteticista, ele vai te falar mais termos em inglês do que eu. Todos
aqueles aparelhos importados, os lasers novos de última geração são todos em
língua inglesa.
Entrevistadora: Do seu conhecimento na área da língua o que você estudou e o que
você pensa hoje sobre o ensino diante daquilo que você estudou?
Clóvis: Eu já fui dono de uma escola de ensino infantil, fundamental e médio e o
inglês que é passado nas escolas particulares a gente leva ele mais a sério. Apesar
de que existem falhas gravíssimas dentro dessa área do ensino. Um aluno ele pode
estudar na melhor escola, mas se ele não fizer um curso conjuntamente específico
do inglês, ele não consegue sair com um inglês bem fluente. E principalmente a
língua estrangeira no Estado, é muito vago. Muito vago, muito vago, então todos os
alunos que estudam numa escola estadual. Eles sabem os termos que todo mundo
ouve, o fashion, o Fashion Week, o hit da moda, tudo...
Entrevistadora: Não foi ensinado?
Clóvis: Que não foi ensinado na escola.
Entrevistadora: E onde você acha que é ensinado?
Clóvis: Essa palavras são todas ensinadas no convívio na nossa sociedade, no
nosso meio, dentro da academia e da área de moda em que fala-se muito mais
termos em inglês do até mesmo na área de esportes, eu acho. Na área dos esportes
fala-se mais do na área alimentícia, eu acho. Então existem áreas onde o inglês tem
mais influência: na área da moda, da estética, da beleza eu acho que o inglês tem
um peso muito grande aí.
Entrevistadora: Duas camisetas, uma com uma mensagem escrita em inglês a outra
em língua portuguesa, por qual você optaria? Por quê?
Clóvis: Eu tiro uma base, se você for em uma loja, você não vai achar uma camiseta
com uma mensagem em português. As únicas mensagens em camisetas que vem
em português são dos evangélicos.
(Entra a secretária na sala onde está sendo feita a entrevista e menciona uma
frase que tem o termo “top”).
Entrevistadora: Na fala da sua secretária que acabou de entrar ela disse top. O que
é o top para você? No mundo da moda?
Clóvis: Top é o topo onde a gente chegou.
Entrevistadora: No máximo?
Clóvis: O top é a melhor parte, onde está o melhor.
Entrevistadora: O que você acha que se usa para chamar a atenção, por exemplo,
(mostrando uma revista de moda ). Esta é uma revista de moda, “Elegance is an
atitude!” e não “Elegância é uma atitude”. Qual é o impacto? O que diferencia um do
outro?
Clóvis: Vai chamar a atenção para a pessoa que vai tentar passar para ver o que
quer dizer essa palavra e já a própria fotografia de mulher maravilhosa, linda, e esse
relógio com os diamantes de lado, já profere que seja um artigo importado. É por
isso que eu falo que é o peso da língua inglesa na beleza, na moda.
Entrevistadora: As pessoas que manuseiam essas revistas você acha que elas
procuram saber o que significa ou não faz diferença ou é mais o look da revista?
Clóvis: Eu acho que é mais o look da revista mesmo. A pessoa só vai se interessar
em conhecer alguma palavra só se, de repente, ela achar alguma coisa mais
interessante, uma palavra que ela acha que é diferente e alguma coisa que chame a
atenção dela. Então ela vai querer saber o que a outra palavra quer dizer para
complementar. Se for uma palavra que ela não tem conhecimento nenhum eu acho
que ela passa meio despercebida.
Entrevistadora: A maioria?
Clóvis: A maioria.
Entrevistadora: Mesmo do mundo da moda?
Clóvis: Mesmo do mundo da moda.
Entrevistadora: Neste anúncio tem “Backstage São Paulo Fashion Week”. O que
representa o backstage para você?
Clóvis: Aqui eu acho que deve ser uma marca, uma grife. Esse nome eu acho que é
uma grife nacional e que está usando um termo em inglês para chamar a atenção.
Não sei.
Entrevistadora: Você conhece uma grife nacional que optou por usar o nome em
língua inglesa?
Clóvis: Eu conheço a Camisaria. Deixa eu lembrar... Camisaria Podium. Tem
bastante, só que agora assim, eu não lembro.
Entrevistadora: Mas você acha que isso faz diferença para vender produtos?
Clóvis: Tudo que soa em inglês chama mais a atenção. Se você ponha uma menina
vestida com uma roupa diferente e ponha o nome em inglês, chama mais atenção do
que estar com a mesma roupa e o nome em português. Todo mundo quer uma grife
americana, uma grife inglesa, uma coisa chique.
Entrevistadora: O que você acha das pessoas que defendem a permanência de
palavras em inglês e daquelas que querem limitar e até proibir, que não aceitam o
uso de termos da língua inglesa no Brasil?
Clóvis: Eu sou da parte das pessoas que para mim a língua inglesa entrando é um
termo facilitador. Uma pessoa que já tem noção de inglês e vai ouvir, vai aprender
muito mais fácil, pode fazer uma associação de idéias queira ou não você acaba
pegando um pouquinho. Se eu pegar um texto que tem termos que eu uso mais ou
menos direto que ser o que quer dizer mais ou menos o texto, não vou saber certo,
mas tenho mais ou menos aquela idéia de passar o que quer dizer. Quanto a proibir,
isso eles não conseguem nunca, porque não é apenas no Estado de São Paulo, ou
em uma determinada região, já tá a nível nacional. Hoje ninguém estranha mais, por
exemplo, São Paulo Fashion Week, quem vai querer mudar o nome de um evento
desses? Então, não tem como mudar isso, mais. E também eu acho que isso não vai
trazer benefício nenhum pra nossa língua o que vai alterar e vão ser criados termos
para essa mesma definição. É como eu falo, existem palavras em inglês que não
tem em português. Uma academia de ponta é uma top academia, uma academia de
ponta é uma super academia, mas não é uma top. Então, não existe um termo
nacional que defina esse top da academia. Uma top model como a Gisele
Bündchen, por exemplo, tem a modelo de sucesso, mas uma top como a Gisele, ela
é a top. Não existe ainda um termo nacional que eu acho que defina isso. É super
modelo, mas super mesmo, mas que chega no final é aquilo e acabou.
Entrevistadora: É isso então. Obrigada pela entrevista e pela atenção.
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PRESENÇA E USO DE ANGLICISMOS NO COTIDIANO