XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
DISCUTINDO O MUNDO DO TRABALHO NA
GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE
PRODUÇÃO ATRAVÉS DA DISCIPLINA
FUNDAMENTOS DA ENGENHARIA DE
SEGURANÇA
Igor Rosa Dias de Jesus (UFF/EMBRAPA)
[email protected]
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta metodológica para a
disciplina de Fundamentos da Engenharia de Segurança no curso de
Engenharia de Produção. Esta disciplina tem em sua ementa, originalmente,
apenas assuntos que versam sobre a segurança do trabalho. A ementa é
calcada em assuntos de caráter eminentemente técnico, como elaboração de
mapas de risco, definição dos tipos e dos níveis de risco, etc. Muito pouco é
discutido sobre o trabalho propriamente dito, ou seja: as relações patrãoempregado, os aspectos legais existentes nesta relação, a função do trabalho
como fator de motivação, dentre outras abordagens. Ao observar o
fluxograma do curso de Engenharia de Produção, bem como suas respectivas
ementas, percebeu-se que praticamente não havia espaço para a discussão
destas questões em sala de aula. Estas questões são extremamente
relevantes e necessárias à formação do engenheiro e, em especial, ao
engenheiro de produção, e a temática da disciplina pôde ser percebida como
bastante favorável ao desenvolvimento do tema e suas discussões. Dessa
forma, o presente trabalho, de caráter descritivo, apresenta o
desenvolvimento do plano de aula de forma a incluir estas questões, e
algumas discussões interessantes que surgiram em sala de aula com os
alunos, ocorridas nas aulas ministradas no CEFET/RJ nos referidos curso e
disciplina.
Palavras-chave: engenharia de produção, segurança do trabalho, mundo do
trabalho, plano de aula
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1. Introdução
A Engenharia de Produção é, por si só, uma engenharia de caráter mais aberto, isto é, menos
tecnicista e com uma forte veia multidisciplinar. De acordo com Másculo (2015), o perfil
esperado para o engenheiro de produção é o de um profissional com sólida formação
científica e profissional que o permita identificar, formular e solucionar problemas ligados às
atividades de projeto, operação e gerenciamento do trabalho e de sistemas de produção de
bens e/ou serviços, considerando seus aspectos humanos, econômicos, sociais e ambientais,
com visão ética e humanística, em atendimento às demandas da sociedade.
Uma das disciplinas que existem no currículo dos cursos de graduação em engenharia de
produção tem foco na segurança do trabalho, ou na engenharia de segurança. Os nomes e as
ementas das disciplinas podem apresentar leves modificações de acordo com cada curso de
graduação, podendo ser apresentadas como Engenharia de Segurança, Segurança do Trabalho,
Higiene e Segurança do Trabalho, Fundamentos da Engenharia de Segurança e variações
congêneres. De acordo com Fernandes (2011), a segurança do trabalho pode ser definida
como o conjunto de medidas de prevenção que são adotadas visando minimizar os acidentes
de trabalho, doenças ocupacionais, bem como proteger a integridade e a capacidade de
trabalho do trabalhador.
É interessante notar que a disciplina de segurança do trabalho tem um caráter muito técnico,
não abrangendo em sua ementa aspectos relativos às questões trabalhistas de forma geral, isto
é: a forma através da qual se dá o trabalho, questões relativas ao valor do trabalho, as relações
de trabalho, os regimes jurídicos que tratam desta questão, etc.
Em alguns cursos de graduação, existem disciplinas que tratam da questão da organização do
trabalho e da análise do trabalho do ponto de vista psicológico e sociológico. No entanto,
essas disciplinas muitas vezes são encaradas pelos alunos sob um prisma distante, como se
aquelas discussões ocorressem em um campo muito teórico, tendo pouca aplicabilidade
prática na sua formação profissional.
Portanto, a proposta deste artigo é viabilizar a discussão sobre o mundo do trabalho, ou ainda,
sobre as dimensões do trabalho, a partir da disciplina de segurança do trabalho, não apenas
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como um anexo ou apêndice do conteúdo-base, mas como algo que se entrelaça em meio às
discussões técnicas.
2. Metodologia
Este trabalho está estruturado de forma descritiva, de forma que seja possível compreender o
desenlace das ações estabelecidas pelo professor na condução da disciplina e a repercussão
dessas mesmas ações em sala de aula.
As aulas foram estruturadas de forma a tentar transmitir tanto os conteúdos técnicos quanto
provocar discussões acerca do mundo do trabalho.
De acordo com Masetto (2003), o
planejamento de uma disciplina pode ser definido como a organização ou sistematização das
ações do professor e dos alunos tendo em vista a consecução dos objetivos e aprendizagem
estabelecidos. Saraiva Júnior e Costa (2011) complementam a ideia afirmando que o
planejamento de uma disciplina representa uma importante ferramenta no processo de
aprendizado, devendo incluir além da organização das ações do professor, as ações dos
alunos.
O plano de aulas foi elaborado de forma a contar com dezesseis aulas no semestre letivo,
divididas em dois bimestres, ou ciclos. No primeiro ciclo, as aulas são ministradas de forma
expositiva pelo professor e, no segundo, os alunos apresentam trabalhos, também de forma
expositiva. Em ambos os ciclos, as aulas ou os trabalhos acontecem com forte caráter
participativo da parte que não expõe. Ou seja, em todas as aulas é esperada alguma carga de
debate ou discussões, de forma que é sempre reservado um tempo para estes debates no plano
de aulas.
O livro-base utilizado foi “Higiene e Segurança do Trabalho” (Mattos & Másculo, 2011)
3. Dinâmica das aulas
3.1 Primeiro Ciclo
Na primeira aula, foi apresentado aos alunos o mundo do trabalho, que é composto por uma
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série de agentes, e dentre eles o engenheiro é apenas uma das partes. A Figura 1 apresenta
esses agentes e engendra uma discussão inicial de qual deve ser o papel da engenharia nesse
processo.
Figura 1 – Áreas de conhecimento associadas ao mundo do trabalho
Fonte: elaboração dos autores
Ainda na primeira aula, houve uma apresentação sobre o que são as relações de trabalho,
manifestadas através dos contratos de trabalho e da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), bem como uma pequena discussão sobre as precarizações dessas relações no mundo
contemporâneo. Segundo Lima (2011), esta precarização ocorre porque se acirra a
competitividade no mercado de trabalho, em que pesem a universalização crescente do acesso
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ao ensino básico e mesmo a expansão do ensino superior.
A segunda aula apresenta um panorama sobre a história da segurança do trabalho. De acordo
com Mattos & Másculo (2011), esta história pode ser dividida em três fases: a da medicina do
trabalho, na qual havia preocupação apenas com a doença do trabalhador, e não com a sua
saúde; a da saúde ocupacional, que tenta assegurar melhores condições de vida e de saúde no
ambiente de trabalho; e a da saúde do trabalhador, na qual a manutenção da qualidade de vida
e da saúde do trabalhador é oriunda de um processo participativo entre patrões e empregados,
e na qual o significado do trabalho e seu papel na construção dos valores da vida e da
liberdade são amplamente discutidos entre os empregados, os empregadores, o Estado e a
sociedade.
Na aula seguinte, discutiu-se os conceito de acidente de trabalho e de saúde do trabalhador e,
porque é importante, tanto do ponto de vista dos empregadores quanto dos empregados,
manter a saúde dos trabalhadores e sua respectiva qualidade de vida.
Às próximas aulas do primeiro ciclo, coube a apresentação do arcabouço legal que envolve a
segurança do trabalho: a CLT e as Normas Regulamentadoras (NRs). Algumas NRs foram
exploradas em suas exigibilidades, como por exemplo, a CIPA (Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes), o SESMT (Setor Especializado em Saúde e Medicina do Trabalho),
o PPRA (Plano de Prevenção de Riscos Ambientais), PCMSO (Programa de Controle Médico
da Saúde Ocupacional), etc...
Discutiu-se também sobre algumas normas que não têm força de lei, como as resoluções da
OIT (Organização Internacional do Trabalho) e as normas BS 8800 e OHSAS 18001,
ressaltando-se, conforme Ribeiro (2011), que apesar de as mesmas não terem força de lei, sua
aplicação é muitas vezes recomendada, pois as mesmas permitem que a organização controle
seus riscos de acidentes e doenças ocupacionais, aliando estes aspectos a uma melhora de
desempenho.
Somente então, a partir deste ponto, em que já havia uma conceituação teórica forte e
importante sobre o mundo do trabalho, da saúde do trabalhador e dos acidentes de trabalho,
foi que se julgou conveniente dar início à abordagem mais clássica da segurança do trabalho:
foram apresentados os diferentes tipos de riscos de acidentes de trabalho aos quais os
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trabalhadores estão submetidos, e algumas ferramentas de gestão destes riscos, como a Árvore
de Falhas, a Análise Preliminar de Riscos, a análise FMEA (Análise de Modos de Falhas e
Efeitos).
Como último tópico do primeiro ciclo, foi feita uma explanação sobre os Equipamentos de
Proteção Individual (EPIs), em oposição aos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs). Foi
explicado que, conforme Sheidti (2006) o uso dos EPCs deve ser sempre utilizado quando não
for possível eliminar ou controlar o risco na fonte do risco. Já os EPIs devem ser utilizados
quando, mesmo com a implantação do EPC, o risco não puder ser controlado ou eliminado.
Foram ressaltados também, em aula, os aspectos apontados por Neves et al. (2012), de que a
utilização dos EPIs deve sempre estar vinculada a um processo educacional e de construção
de valores para o trabalhador, sendo constantemente revalorizados nas relações interpessoais
existentes.
3.2 Segundo Ciclo
No segundo ciclo, os alunos assumem a posição de expositores. A turma foi dividida em dez
grupos, cada um com a tarefa de expor à turma alguns conceitos selecionados. A exposição
não se deu no formato clássico de “apresentação de trabalho”. Os grupos, na verdade,
deveriam expor assuntos como se fosse uma aula, ou seja: cada um dos grupos estava
apresentando um tema que ainda não tinha sido discutido em sala.
De forma geral, os temas escolhidos para apresentação estavam associados aos riscos e à parte
mais técnica da disciplina. Salvo duas apresentações, “Estresse e doenças psíquicas associadas
ao trabalho” e “Suicídio no trabalho”, todos os temas possuíam um caráter mais técnico,
voltado às questões dos riscos associados ao trabalho. Estes dois temas, na verdade, foram
oriundos das discussões surgidas em sala nas primeiras aulas, que ensejaram um maior
conhecimento sobre ambos os assuntos. Os temas de trabalho estão listados abaixo:
 Máquinas e vibrações;
 Incêndios, explosões e choques elétricos;
 Calor;
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 Ruídos;
 Iluminação e pressão;
 Radiação;
 Riscos químicos;
 Riscos biológicos;
 Estresse e doenças psíquicas associadas ao trabalho;
 Suicídio no trabalho.
Cabe ressaltar que, neste segundo ciclo, a lógica professor-aluno foi invertida tanto quanto foi
possível, dentro das possibilidades. Isto significa que o grupo que apresentava tinha de
dominar o assunto um pouco além dos slides apresentados, pois tanto o professor quanto os
outros alunos poderiam realizar perguntas que estavam fora da apresentação, mas dentro do
assunto em questão.
Tal inversão foi reforçada pelo fato de o professor ter ficado sentado em uma cadeira, na
mesma posição dos estudantes, e ter efetuado perguntas, em conjunto com os alunos, sobre o
tema apresentado. Nestas aulas do segundo ciclo, o espaço para discussão foi bastante
aproveitado. Oportunamente, o professor fazia questões tanto para testar o grupo que se
apresentava, quanto para promover debates e manter a turma atenta.
Manter a atenção da turma, em especial neste segundo ciclo, foi outro desafio que se
apresentou à prática didática. A solução encontrada foi informa-los de que haveria uma nova
prova ao final do segundo ciclo, com perguntas retiradas de todos os trabalhos apresentados.
Isto fez com que a presença dos alunos durante o andamento da disciplina neste segundo ciclo
mantivesse a sua regularidade e, mais do que isso, fez com que a atenção dos mesmos poucas
vezes se dispersasse.
3.3 Discussões
Algumas discussões interessantes aconteceram no decorrer da disciplina, e coube ao professor
tanto provocá-las quanto não sufocá-las, quando as mesmas surgiam espontaneamente.
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Uma das discussões, dentre as surgidas espontaneamente, ocorreu quando foi apresentado o
conceito de responsabilidade objetiva e subjetiva. De acordo com Mattos (2011), a
responsabilidade objetiva pode ser entendida como a responsabilização do empregador pelos
acidentes de trabalho desde que haja nexo de causalidade entre o acidente e a realização do
trabalho, ao passo em que a responsabilidade subjetiva depende da percepção da culpa quanto
ao acidente de trabalho ocorrido, se do empregado ou do empregador. Ainda de acordo com
Mattos (2011), no Brasil é vigente o paradigma da responsabilidade objetiva. Algumas das
perguntas surgidas nesta discussão foram “Mas e quando o empregado tem culpa do
acidente?” “E se conseguirem provar que outro empregado teve intenção de acidentar [sic] o
outro empregado?”
A parte da apresentação dos acidentes de trajeto, que está incluída na lei acidentária vigente, e
que é apresentada por Waldvogel (2003) como sendo aquele que ocorre no momento em que
o trabalhador desloca-se para o local de trabalho e nos horários das refeições, também
apresentou discussões interessantes: “E se o empregado tiver ido à padaria antes de ir para o
trabalho e for atropelado, isto configura um acidente de trajeto?” “E se o empregado não
estiver em seu caminho habitual e se acidentar?” “E se o empregado fosse mesmo faltar e, na
hora em que deveria ir trabalhar, o mesmo sofre um acidente?”
Ambas as discussões, tanto sobre a responsabilização pelo acidente de trabalho quanto sobre
os acidentes de trajeto foram extremamente importantes para que os alunos pudessem
perceber que, diferentemente de muitas outras disciplinas do curso de engenharia, o mundo do
trabalho pode apresentar questões complexas que não têm uma resposta fácil; muitas vezes
sequer têm resposta. Algumas das questões apresentadas envolvem aspectos jurídicos sobre os
quais ainda não há consenso ou jurisprudência, e cujas decisões dependem sempre de um
julgamento caso a caso e da percepção do juiz trabalhista.
A partir destas duas discussões, foi possível entrar no campo jurídico, do estudo das leis e das
normas, com os alunos. Estas discussões possibilitaram a compreensão de que os aspectos
jurídicos não são campo de conhecimento exclusivo dos advogados e juristas, mas que os
engenheiros também devem conhecer algumas dessas leis e normas. O entendimento do
direito pôde ser extrapolado à elaboração dos contratos e, mais ainda, ao próprio exercício da
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cidadania.
Outra discussão que surgiu no primeiro ciclo foi a discussão relativa às doenças psíquicas e ao
suicídio no trabalho. Foi exposto o caso dos trabalhadores de plataformas de petróleo e dos
mergulhadores de águas profundas, os quais, de acordo com Figueiredo e Athayde (2005)
sofrem diversos tipos de pressão psicológica em virtude não apenas da natureza do próprio
trabalho, mas também da forma de organização das relações trabalhistas neste setor. A
questão mais emblemática que surgiu no decorrer deste assunto, e que foi mote para toda a
discussão subsequente, foi a seguinte: “Professor, o suicídio no trabalho é um acidente de
trabalho?”
A questão do suicídio no trabalho é extremamente complexa e relativamente pouco estudada.
Seu enquadramento como acidente de trabalho é possível, mas não é corriqueiro e muito
menos óbvio. A pergunta, por não ter resposta clara, motivou uma discussão na turma entre
aqueles que consideram o suicídio um acidente de trabalho, por haver nexo causal entre o
trabalho e a causa do suicídio e aqueles que não consideram, porque o suicídio, em si mesmo
um ato doloso, não pode ser considerado um acidente, dado que houve intenção de causar
dano a outrem, neste caso, a si mesmo. A questão da causalidade e, portanto, da existência de
culpa ou de dolo no que concerne ao suicídio no trabalho é amplamente discutida em Bastos e
Gondim (2010), ao passo em que Venco e Barreto (2010) se debruçam sobre a temática do
suicídio no trabalho em seu sentido social, de modo que tal fenômeno tem se manifestado
mais, à medida que as relações de trabalho se tornam mais precárias.
O debate continuou com perguntas do tipo: Como pode haver dolo num ato que tão
francamente viola o princípio da manutenção da vida humana? Não seria este suposto dolo
uma forma última encontrada pelo trabalhador para solucionar problemas que passam a tornar
a vida um fardo insuportável? Por outro lado, como encarar como acidente algo que foi
propositalmente planejado? E se o empregado já tivesse “propensão ao suicídio”?
A grande vantagem deste tipo de debate é provocar a reflexão nos alunos, ao mesmo tempo
em que procura lidar com o fato de não haver respostas definitivas para as questões propostas.
Uma outra discussão interessante se apresentou já no segundo ciclo, com as palestras
apresentadas pelos próprios alunos. No grupo que apresentava o conceito de radiação e seus
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riscos associados, houve uma explanação sobre o acidente nuclear de Fukushima, no Japão.
Alguns questionamentos que surgiram a partir deste tema foram: E os trabalhadores, devem
ser incriminados por terem falhado na usina? E a pena obtida com a radiação vazante que terá
ficado em seus corpos já não terá sido suficiente? Mas houve uma tragédia natural de
proporções inimagináveis e isso fez com que a usina operasse em uma situação de
emergência: será que eles têm mesmo culpa?
O objetivo, novamente, não era chegar a um consenso sobre a imputabilidade dos
trabalhadores ou a um posicionamento consensual a respeito da razoabilidade do uso da
energia nuclear. O objetivo recai justamente sobre o debate e a livre circulação de ideias, que
permite a criação de novos pensamentos, valores e conceitos.
4. Conclusões
Podemos perceber que a emergência dos assuntos relativos ao mundo do trabalho na
disciplina de segurança do trabalho não apenas é produtiva, como enriquece bastante a ementa
original da disciplina. Os alunos passam a compreender melhor as técnicas e ferramentas
utilizadas pela segurança do trabalho quando passam a compreender e, sobretudo, a se
questionar, sobre o real significado do trabalho e quais são as suas complexas redes de
interações.
A abordagem dialética de provocação e fomento de debates se mostrou bastante adequada ao
curso da disciplina, sobretudo porque existem vários elementos que não possuem explicação
simples e, por vezes, não possuem sequer um consenso que seja assertivo a ponto de ser
apresentado como conceito.
A abordagem apresentada também aproximou os alunos dos aspectos jurídicos do trabalho,
que são indispensáveis à formação de qualquer profissional nos dias de hoje, em especial aos
engenheiros.
A parte técnica de segurança do trabalho também sai favorecida desta abordagem
metodológica, porque a subjetividade do debate acaba por reforçar, por outro lado, a
objetividade e a obrigatoriedade no cumprimento da lei.
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Um outro ponto importante é o fato de que, considerando a turma analisada, de estudantes de
engenharia de uma instituição pública federal, o CEFET/RJ, os alunos podem se enxergar
tanto no papel de empregados como no de empregadores. Por trazer à tona uma discussão
sobre o mundo do trabalho e, por contar com um público com aspirações diversas (tanto de
empregado como de empregador), o desafio que se apresentou foi o de mostrar os conceitos e
trazer à tona as discussões perseguindo uma difícil imparcialidade de ponto de vista.
Aproveitando esta multiplicidade de olhares, pôde ser trabalhada a ideia de que, para ambos
os posicionamentos, a saúde e a segurança do trabalho são percebidas como imprescindíveis
(ora para ter sua qualidade de vida assegurada, ora para aumentar a lucratividade e evitar
perdas por indenizações trabalhistas). A importância desta reflexão sobre o papel do
engenheiro em relação ao mundo do trabalho está em forte sintonia com os estudos de Tibério
e Tonini (2013).
Por fim, além das discussões, a abordagem de fazer com que os alunos, durante o segundo
ciclo, tivessem que ser os responsáveis pela exposição do conhecimento acabou por inverter
as relações aluno-professor no ambiente da sala de aula. Esta translação dos pontos de vista é
bastante positiva para os alunos se tornam, uma vez que permite que no seu exercício
profissional, após formados, seja mais fácil considerar as demandas e as necessidades de
quem está na outra ponta da relação trabalhista.
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