Ordem dos Advogados do Brasil
Seção do Paraná
Curitiba, 16 de setembro de 2011.
Of. nº 382/2011GP
Ao
Excelentíssimo Senhor
Desembargador MIGUEL KFOURI NETO
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Curitiba - PR
Senhor Presidente,
De acordo com a Resolução n. 14/2011, “as petições iniciais dos
recursos de AGRAVO DE INSTRUMENTO, MANDADO DE SEGURANÇA e
HABEAS CORPUS” sujeitam-se ao “SISTEMA DE PRÉ-CADASTRO ELETRÔNICO
(SPCE)”. Tal sistema aplicar-se-á, em um primeiro momento, a tais remédios
processuais; teme-se, no entanto, que em breve o mesmo se estenda a todos os
recursos e ações de competência originária do TJPR.
De acordo com o referido sistema, as petições e recursos, antes de
serem protocoladas no Centro de Protocolo Judiciário, no Sistema de Protocolo
Integrado ou enviada pelos correios, deverão ser, previamente, cadastradas pelas
partes no portal que este E. Tribunal mantém na internet (www.tjpr.jus.br). Após
realizar tal cadastro, deverá a parte imprimir termo que deverá acompanhar a
respectiva petição no ato do protocolo.1 Caso a petição não esteja acompanhada de
tal termo, a mesma não será recebida pelo Centro de Protocolo Judiciário. 2
1
Art. 1º - Implantar, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o SISTEMA DE PRÉCADASTRO ELETRÔNICO (SPCE) de ações e recursos de competência originária do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, onde serão cadastradas, num primeiro momento, as petições iniciais
dos recursos de AGRAVO DE INSTRUMENTO, MANDADO DE SEGURANÇA e HABEAS CORPUS.
I - O Sistema de Pré-Cadastro Eletrônico de ações e recursos deverá acessado diretamente no portal
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no sítio www.tjpr.jus.br. II - No ato do pré-cadastro o
sistema gerará um número identificador e uma senha a fim de possibilitar, antes da protocolização do
documento no Tribunal, a alteração dos dados já inseridos. III - No ato da protocolização do
documento no Centro de Protocolo Judiciário os dados serão automaticamente excluídos do Sistema
de Pré-Cadastro Eletrônico, impossibilitando qualquer alteração; o mesmo ocorrerá 30 (trinta) dias
após a formalização do pré-cadastro sem a subsequente protocolização. IV - Efetivado o précadastro, deverá ser impresso o respectivo termo, que conterá todos os dados inseridos e deverá
capear a petição a ser protocolizada, sob pena de não recebimento pelo Centro de Protocolo
Judiciário do Tribunal de Justiça.
2
“Art. 3º - A partir da vigência da presente Resolução, o Centro de Protocolo Judiciário somente
receberá petições de AGRAVO DE INSTRUMENTO e de MANDADO DE SEGURANÇA de
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A referida Resolução entrará em vigor em 30.09.2011.3
De acordo com o art. 22, inc. I da Constituição Federal, “compete
privativamente à União legislar sobre [...] direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho” (g.n.). Os Estados,
por sua vez, têm competência legislativa concorrente com a União para legislar
sobre “procedimentos em matéria processual” (cf. art. 24, XI da Constituição
Federal).
As normas processuais ligam-se à finalidade do processo, ao
exercício do direito de ação, à relação entre os sujeitos do processo e à tutela
jurisdicional a ser prestada às partes. Normas procedimentais, por sua vez,
relacionam-se a aspectos exteriores do processo. Como é assente na doutrina,
enquanto processo é método ou sistema por meio do qual realizam-se os direitos
subjetivos das partes a fim de compor a lide, o procedimento é a forma material
através da qual se manifesta o processo.4
Coerentemente com esta distinção é que, como se observou, a
Constituição atribui à União competência privativa para, a um só tempo, legislar
sobre direito material (ou substantivo) e direito processual (cf. art. 22, inc. I da
Constituição Federal). Se é através do processo que as partes podem tornar
proteger ou concretos seus direitos subjetivos ameaçados ou violados, não faria
sentido a Constituição Federal permitir que regras de direito material fossem criadas
privativamente pela União, e regras processuais pudessem variar em cada um dos
Estados do País. Por isso que, como se afirma na doutrina, matérias referentes ao
exercício do direito de ação, às provas, aos recursos e aos poderes decisórios do
juiz devem ser previstas em lei federal, porque relacionadas intrinsecamente ao
direito material.5
A Resolução n. 14/2011 do TJPR cria, para a interposição do
recurso de agravo de instrumento e para o ajuizamento de mandado de segurança e
habeas corpus (quando estes últimos forem de competência do Tribunal), requisitos
processuais inexistentes no sistema jurídico. Afinal, estabelece que a parte deve
realizar, antes de protocolar um dos remédios processuais mencionados, cadastrálos previamente no portal que o Tribunal de Justiça do Paraná mantém na internet
(www.tjpr.jus.br) e imprimir o respectivo termo, que deverá acompanhar a respectiva
petição no ato do protocolo, sob pena de não recebimento.
competência originária do Tribunal de Justiça se estiverem previamente cadastradas no sítio do
Tribunal de Justiça e com o respectivo extrato acostado, sendo facultativo, portanto, o pré-cadastro
das petições de HABEAS CORPUS, quando não impetrado por Advogado.” Cf. também art. 1.o, inc.
IV da referida Resolução.
3
Cf. art. 6.o da Resolução 14/2011.
4
Cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, 51. ed., n. 43, p. 55.
5
Cf. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, 2. ed., vol. 1, n. 4.7.6, p. 258-260; Nelson Nery
Jr., Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, 5. ed., p. 213; José Miguel Garcia Medina,
CPC Código de Processo Civil Comentado, p. 254.
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O remédio processual manejado pela parte, assim, não será
admitido, se não observado o requisito formal criado pela Resolução ora referida.
Sob o ponto de vista do recurso de agravo de instrumento, trata-se
de requisito referente à regularidade formal, criado por norma administrativa do
Tribunal, não previsto no Código de Processo Civil. Note-se que os arts. 525 e 526
do CPC, dentre outros, disciplinam requisitos relativos à regularidade formal do
agravo de instrumento. O CPC, no entanto, é lei federal, e a criação de requisitos
processuais por lei de tal natureza encontra-se amparada pelo art. 22, inc. I da
Constituição Federal.
Algo similar ocorre, mutatis mutandis, com o mandado de segurança
e o habeas corpus.
Conclui-se, assim, que a Resolução n. 14/2011 é inconstitucional,
por criar requisitos processuais para o exercício de direito de recorrer e para o
exercício do direito de ação, nos casos que enuncia, o que somente poderia ser feito
por lei federal, nos termos do art. 22, inc. I da Constituição Federal.
Em situações análogas, o Supremo Tribunal Federal tem se
pronunciado no sentido da inconstitucionalidade de normas estaduais ou de tribunais
que disciplinem direito processual:
“A exigência de depósito recursal prévio aos recursos do Juizado
Especial Cível, criada pelo art. 7º da Lei estadual (AL) 6.816/2007,
constitui requisito de admissibilidade do recurso, tema próprio de
Direito Processual Civil e não de „procedimentos em matéria
processual‟ (art. 24, XI, CF). Medida cautelar deferida para
suspender a eficácia do art. 7º, caput, e respectivos parágrafos, da
Lei 6.816/2007, do Estado de Alagoas.” (STF, ADI 4.161-MC, Rel.
Min. Menezes Direito, julgamento em 29-10-2008, Plenário, DJE de
17-4-2009.)
“Competência legislativa. Procedimento e processo. Criação de
recurso. Juizados Especiais. Descabe confundir a competência
concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre
procedimentos em matéria processual; art. 24, XI, com a privativa
para legislar sobre direito processual, prevista no art. 22, I, ambos da
Constituição Federal. Os Estados não têm competência para a
criação de recurso, como é o de embargos de divergência contra
decisão de turma recursal.” (STF, AI 253.518-AgR, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 9-5-2000, Segunda Turma, DJ de 18-82000.)
"Interrogatório do réu. Videoconferência. (...) A Lei 11.819/2005 do
Estado de São Paulo viola, flagrantemente, a disciplina do art. 22, I,
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da Constituição da República, que prevê a competência exclusiva da
União para legislar sobre matéria processual." (STF, HC 90.900, Rel.
p/ o ac. Min. Menezes Direito, julgamento em 30-10-2008,
Plenário, DJE de 23-10-2009.) No mesmo sentido: AI 820.070-AgR,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7-12-2010, Segunda
Turma, DJE de 1º-2-2011; HC 99.609, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 9-2-2010, Primeira Turma, DJE de 53-2010; HC 91.859, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 4-112008, Primeira Turma, DJE de 13-3-2009. Vide: HC 88.914, Rel.
Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-8-2007, Segunda
Turma, DJ de 5-10-2007.
"À União, nos termos do disposto no art. 22, I, da Constituição do
Brasil, compete privativamente legislar sobre direito processual. Lei
estadual que dispõe sobre atos de Juiz, direcionando sua atuação
em face de situações específicas, tem natureza processual e não
meramente procedimental." (ADI 2.257, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 6-4-2005, Plenário, DJ de 26-8-2005.)
“Invade a competência da União, norma estadual que disciplina
matéria referente ao valor que deva ser dado a uma causa, tema
especificamente inserido no campo do Direito Processual.” (ADI
2.655, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-3-2004,
Plenário, DJ de 26-3-2004.)
No mesmo sentido é, também, a doutrina mais abalizada, antes
referida.
Neste sentido, solicitamos a especial atenção de Vossa Excelência
para que seja analisada a possibilidade de revogação da Resolução nº 14/2011.
Com o testemunho de consideração e apreço.
José Miguel Garcia Medina
Conselheiro Federal da OAB
José Lucio Glomb
Presidente da OAB Paraná
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