III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTOR DO TRABALHO: Ana Claudia Farranha
Sobre coordenação e controle social das políticas sociais: examinando
elementos do Pacto Federativo no Brasil
RESUMO: Este texto tem por finalidade examinar elementos da trajetória das políticas
sociais no Brasil, considerando as dimensões de coordenação e controle social destas
políticas, bem como a forma de intermediação de interesses e suas relações entre os
entes federados. A questão que busco discutir é: o que vem sendo alterado na prática
política brasileira, tendo por parâmetros as relações federativas, o processo de
coordenação e controle social destas políticas? Para tanto, na primeira parte do texto
apresento elementos acerca da construção da idéia de Federalismo, destaco a forma
como este processo foi construído no Brasil, apresento as alterações que a Constituição
de 1988 provocou neste modelo e, por fim, problematizo os desafios para coordenação e
controle social da política social.
Palavras-chaves: Controle social, Federalismo, Política Social
ABSTRACT: This paper seeks to discuss the main elements about social policies in Brazil.
The point is: how is it possible have a way to coordinate the social policies and have
more social control for these policies? In this way, I argue some questions about the
Brazilian Federalism with objective to discuss what changes happened in the politics after
Constitutional Letter (1988). In the first part, I present the Federalism model proposed
for Madison, Jay and Hamilton, and after I argue how this model was implemented in
Brazil. In the second part, I present the changes proposed for constitutional text,
principally concerns the federal and local level. And, in the end, I seek discuss main
challenges for social policies, considering the coordination process and the social control.
Key-words: Social control, Federalism, Social Policies
I – Introdução: Este texto tem por finalidade examinar elementos da trajetória das
políticas sociais no Brasil, considerando as dimensões de coordenação e controle social
destas políticas, bem como a forma de intermediação de interesses e suas relações entre
os entes federados. A questão que busco discutir é: o que vem sendo alterado na prática
política brasileira, tendo por parâmetros as relações federativas e processo de
coordenação e controle social destas políticas?
Neste sentido, as idéias, aqui, expostas, organizam-se da seguinte
maneira:
a) Apresentação da discussão mais geral acerca da natureza do
Federalismo. Para tanto, retomo, brevemente, algumas considerações
de Hamilton, Jay e Madison. O objetivo desta discussão é trazer a
noção histórica do conceito para a reflexão proposta.
b) Apresentação da forma como a noção e a prática do Federalismo foram
sendo incorporada ao espaço institucional brasileiro.
c) Discussão acerca das alterações decorrentes da Constituição de 88, no
plano da coordenação e do controle social das políticas sociais.
1
d) E, por fim, os desafios para pensar elementos capazes de articular, de
maneira igualitária, a produção de políticas sociais no Brasil. Neste
tópico, chamarei a atenção para as possibilidades de arranjos a partir
dos controles sociais exercidos pela institucionalidade conselhista,
presente na esfera pública brasileira, a partir de 88.
II – O sentido da Federação: elementos para compreensão dos processos de
coordenação política
No mundo contemporâneo a idéia de centralização do poder político constitui um
desafio histórico-politico a ser enfrentado pelas Nações que se tornaram independentes
de seus colonizadores e tinham diante de si a perspectiva de reorganizar a estrutura
jurídico-politica. Esta é a questão de fundo que anima os artigos escritos por Hamilton,
Jay e Madison (1787/1788), período subseqüente à independência das 13 colônias
inglesas na América. O principal debate levantado por estes autores era: como
centralizar o poder político sem reproduzir um poder tirânico? Em outras palavras, como
manter a autonomia política das ex-colônias, mas, ao mesmo tempo, congregar estas
características dentro de um modelo político coerente com a idéia de Nação/Estado?
Sob esta perspectiva a proposta dos autores é criar uma forma de articulação
política que tanto horizontaliza quanto verticaliza o poder político. Verticalmente, o poder
político se organizaria em dimensões territoriais, as quais seriam denominadas entes
federados, com competências políticas e administrativas definidas e articuladas ao poder
central denominado União. Cada um dos entes federados teria autonomia jurídicopolitica, mas o poder soberano caberia à União, que constituiria a medida para a não
dissolução desta articulação e, teria o papel de manter o equilíbrio entre os demais
componentes da Federação. (MADISON, JAY, HAMILTON, 1973, p. 124-129).
No plano horizontal, a organização do poder político se daria a partir do princípio
de balance e checks (freios e contrapesos), proposto por Montesquieu, em que um poder
freia outro poder e evita os excessos da centralização política. (MADISON, JAY,
HAMILTON, 1973, p. 130).
Tomando por referência central esta experiência história e considerando que o
processo de centralização política tem um conteúdo diferenciado nos países ocidentais
(BOBBIO et alli, 1992, p.475), apresento a seguir elementos da experiência brasileira
para, assim, discutir as questões que atravessam o processo de coordenação e controle
social das políticas sociais por estas terras.
III – A construção do Federalismo no Brasil: elementos acerca da coordenação
e do controle social da política pública
Considerando a diferenciação das experiências de construção do Federalismo,
conforme referência acima, no caso brasileiro, é possível observar que este modelo
constitui-se em uma adaptação dos princípios defendidos por Jay, Madison e Hamilton
em contraposição a uma efetivação da autonomia e equilíbrio dos poderes entre os entes
federados. Discutindo aspectos desta experiência, Vítor Nunes Leal ao analisar aspectos
da conservação de algumas práticas políticas na trajetória nacional assinala que o lugar
do município no arranjo federativo era de subserviência à União.
Por outro lado, Matias-Pereira (2008) ao analisar a conseqüência desta adaptação
afirma que a Carta de 1891 incorpora o princípio federativo, mas efetivamente não o
colocou em prática e, em 1930, quando se organizam as forças políticas no Brasil, o
autor destaca a existência de um pacto das oligarquias que não permite espaço para a
coordenação de políticas e nem para o equilíbrio dos poderes do Estado (MATIASPEREIRA, 2008, p.130). O que o autor chama atenção é que, no Brasil, há uma tendência
à centralização no Executivo e que a consequência deste modelo leva ao vácuo decisional
2
e à predação política, resultando em um modelo de intermediação de interesses cujas
características variam da prática clientelista, ao fisiologismo e à corrupção (MATIASPEREIRA, 2008, p.130).
Conferindo maior materialidade a esta afirmação e conectando com a produção
das políticas sociais podemos utilizar como exemplo a institucionalidade trabalhista
construída nos 30. Além do formato de articulação dos atores sociais remontar ao
conceito de cidadania regulada (SANTOS, 1979, p.75), em que, ainda haja um
licenciamento para ação política, o processo de elaboração das políticas públicas e de
desenvolvimento contou com a ação de um Estado forte, centralizador que “debilitou as
instituições representativas e solapou as formas autônomas de aglutinação de expressão
de interesses e conflitos” (DRAIBE, 1985, p.20).
A consequência desta perspectiva é que além de robustecer o papel do Executivo
Federal, em detrimento do enfraquecimento da atuação dos entes Federados (Estados e
Municípios) cria-se, também, uma ausência de controle popular sobre as políticas
públicas (MATIAS-PEREIRA, 2008, p.143-144), bem como esta forma de atuação
interfere no equilíbrio entre os poderes. Neste caso, o Executivo passa a ter um papel
central na formulação da política pública, esvaziando o poder legislativo da sua
atribuição.
IV – O que mudou com a Constituição de 88:
A Constituição de 1988 trouxe um conjunto de inovações e novos formatos de
relação entre os entes federados. Um exemplo ilustrativo desta afirmação é o papel que
os municípios passam a cumprir, ganhando autonomia para legislar sobre uma série de
questões (ordenamento urbano, políticas sociais, etc). Por outro lado, inaugura-se uma
perspectiva de separação das fontes tributárias discriminando impostos de competência
exclusiva dos Estados e da União, têm-se, assim, o que Arretche (2004) denomina de
descentralização fiscal (p.18). Ao mesmo tempo em que esta regra se estabelece, a
política de transferência de recursos da União, principalmente, para os municípios – que
não ganharam autonomia financeira –, é uma questão chave para a compreensão das
mudanças (ou não) provocadas pela Constituição de 88.
Discutindo e avaliando a perspectiva das transferências de receita da União,
Arretche chama a atenção para as conseqüências deste arranjo no plano da formulação e
implementação das políticas sociais1 Segundo a autora, esta lógica limita,
definitivamente, a possibilidade de cumprir os princípios mencionados pela Constituição
Federal (autonomia dos Estados e Municípios para gerenciarem e articularem suas
políticas) e mantém a centralização das ações da União, isto porque em 22 estados
brasileiros quanto menor a população do município, maior o seu ganho com as receitas
transferidas da União (Arretche, 2004, p.19).
Outras questões que se relacionam com esta perspectiva são: a) como Estados e
Municípios estabelecem a prioridade dos gastos. E, neste ponto uma tentativa de
disciplinar estes gastos foi a Lei de Responsabilidade Fiscal; b) o apoio às políticas
federais fica atrelada a lealdade política dos Estados e Municípios a hegemonia política
vigente na esfera federal; c) a implementação de programas e políticas sociais vinculada
a ação política da União, o que impede soluções criativas no âmbito da política pública
regional.
1
- Embora a discussão apresentada pela autora tome como referencia programas e políticas sociais
do inicio dos anos 2000, antes da formulação do Sistema Único de Assistência Social, a esta
discussão assinala elementos de coordenação intra e intergovernamental destas políticas ainda
bastante úteis para pensar as questões relativas ao tema.
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Analisando três experiências em que o papel centralizador da União se mantém,
Arrecthe destaca o caso das políticas de saúde, habitação e saneamento e da política de
educação. No primeiro caso, a autora destaca que há mais sucesso e mais possibilidade
de coordenação de ações, tendo em vista a experiência do Sistema Único de Saúde
(SUS) ter sido constituída a partir de um parâmetro de controle social, o que confere
maior equilíbrio no poder de decisão dos Estados e Municípios, uma vez que as decisões
federais são disputadas no âmbito dos conselhos estaduais e municipais de saúde e,
requerem maior participação dos gestores e usuários envolvidos.
Para o caso da habitação e saneamento, cuja referência é a articulação destas
políticas nos anos 1990 (privatização das companhias de esgoto no âmbito estadual) não
houve qualquer possibilidade de interferência dos entes federados neste processo e, por
fim, a autora assinala o caso da educação, em que embora haja descentralização na
elaboração da política, a determinação constitucional de gasto de 25% da receita do
município ou estado com esta área mantém fortes vínculos com a condução política
adotada pela política federal. Ressalta-se que mais recentemente esta condução vem
sendo baseada na organização dos fundos – primeiro o FUNDEF (Fundo de Educação
Fundamental) e, a partir de 2005, o FUNDEB (Fundo de Educação Básica), o que faz com
que as decisões tomadas no âmbito da política educacional estejam atreladas a lógica de
seu financiamento, ou seja, ao papel central da União.
A questão que surge é: haveria possibilidade de combinar mecanismos de
coordenação em que às políticas sociais implementadas por Estados e Municípios fossem
formuladas com maior autonomia e ao mesmo tempo estivessem em consonância com as
diretrizes e programas federais?
Alguns estudos sobre o tema têm assinalado que a construção de políticas
públicas no Brasil, mantendo-se o princípio federativo, requer cada vez mais mecanismos
de coordenação que articulem demandas do poder local com as estratégias de
desenvolvimento econômico e social no âmbito federal. Uma perspectiva de compreensão
desta realidade reside no estudo apresentado por Kerches e Nahas (2008). As autoras
buscam compreender aspectos da produção de políticas públicas no Estado de São Paulo,
considerando a perspectiva relacionada ao processo de qualificação profissional no
âmbito das políticas públicas de emprego.
Em um primeiro momento analisam a institucionalidade do Plano Nacional de
Política de Formação (Planfor), criado em 1995 e, em seguida destacam elementos
atinentes ao Plano Nacional de Qualificação (PNQ), que substituiu o Planfor em 2003.
Utilizando a comparação destes 02 momentos, a conclusão que as autoras chegam é que
se faz necessário a “repactuação das competências entre os níveis federativos e a
organização da sociedade civil, considerado-se a gestão tripartite de financiamento e
gestão do sistema.” (KERCHES & NAHAS, 2008,p.11).
Sob esta perspectiva, abre-se a perspectiva de discutir não somente o escopo da
política, mas, também, a destinação dos recursos que compõe o Fundo de Amparo ao
Trabalhador, cujo Conselho Gestor é constituído por governos, trabalhadores e
empresários. Esta é, talvez, uma possibilidade de quebrar a lógica decisional e de
alocação de recursos para o financiamento das políticas públicas tão centradas na força
política da União.
V- Desafios para coordenação e para o controle social: algumas pistas
conclusivas
Se a Constituição Federal introduziu aspectos para maior autonomia dos entes
federados instituiu, também, mecanismos que ampliam a participação política na
formulação e implementação das políticas públicas. Neste sentido, alguns estudos vêm
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mostrando a riqueza e os limites desta atuação (TEIXEIRA & TATAGIBA, 2008; PAULA,
2006). Do ponto de vista da riqueza, o processo de participação carrega a possibilidade
de quebrar com a lógica do modelo “manda quem pode obedece; obedece quem tem
juízo” e, conseqüentemente, de quebrar com a lógica da centralização política
evidenciada no federalismo brasileiro.
Entretanto, ao mesmo tempo em que, a ampliação da participação política se
apresenta como um antídoto contra as práticas clientelistas e fisiológicas, a construção
desta esfera vem encontrando entraves os quais assinalam da dificuldade na construção
de um modelo de intermediação de interesses pautados na nesta perspectiva. O trabalho
de Teixeira e Tatagiba (2008), analisando as dinâmicas de decisão do Conselho Municipal
de Saúde (CMS), do Conselho Municipal de Assistência Social (CMSA) e do Conselho
Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) da cidade de São Paulo, assinala que, no
cotidiano da sua atuação, estes Conselhos nem sempre conseguem efetivar um espaço
autônomo de decisão. Uma das razões para isto reside no fato de que muitas vezes os
Conselhos não conseguem articular suas decisões com a dinâmica decisional do poder
legislativo.
Tomando esta afirmação para o problema que este texto aborda, é possível
destacar que a criação de mecanismos de coordenação das políticas públicas deve se dar
não somente do ponto de vista das relações intergovernamentais e, neste caso, a
experiência da pactuação das políticas sociais, a partir do nível municipal vem se
mostrando eficaz, vide o caso do SUS.
Entretanto, pensar um processo mais democrático de elaboração de políticas
públicas requer uma compreensão do papel do Poder Legislativo e Judiciário. Neste
sentido, criar um elo maior entre a ação do Legislativo e uma institucionalidade
participativa (Conselhos, Fóruns, etc) parece ser um dos desafios que se coloca no
horizonte para um reequilíbrio do pacto federativo. Isto certamente requer uma reforma
política que crie mecanismos mais eficazes para mediar à atuação dos partidos.
Por outro lado, no que tange o papel do Judiciário, há um crescente processo de
judicialização da política (VIANNA, 2000) em que face às lacunas deixadas pelo
Legislativo e pelo Executivo, na produção das políticas públicas, o Judiciário profere o
cumpra-se a lei, o que interfere no equilíbrio do pacto federativo e não amplia a
perspectiva de maior participação política. Neste caso, o desafio da construção de
mecanismos de maior coordenação intergovernamental pode proporcionar uma atuação
mais propositiva do Legislativo, que articulada com a institucionalidade conselhista,
amplie a efetividade das decisões tomadas nesta esfera.
Pensando (e atuando) a partir deste possível arranjo, pode ser que um novo desenho do
equilíbrio do poder político se articule no plano político nacional, em outras palavras: a
reinvenção do federalismo brasileiro.
VI - Referências Bibliográficas:
MATHIAS-PEREIRA, J. Manual de Gestão Pública Contemporânea, São Paulo: Editora
Atlas, 2008.
BOBBIO, N. Dicionário de Política, vol.1 – verbete Federalismo, 4ª. Edição, Brasilia:DF,
Editora UNB.
ARRETCHE, M. Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: problemas de coordenação e
autonomia. São Paulo em Perspectiva, 2004.
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KERCHES,C. & NAHAS, S. Descentralização e relações intergovernamentais: a produção
de políticas sociais no estado de São Paulo (mimeo). Paper apresentado no 6º. Encontro
da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Campinas, 2008.
TATAGIBA, L. & TEIXEIRA, A.C. Dinâmicas de participação e institucionalização de
políticas públicas (mimeo). Paper apresentado no 6º. Encontro da Associação Brasileira
de Ciência Politica (ABCP), Campinas, 2008.
PAES, A.P.P. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência
contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
DRAIBE, S. Rumos e Metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as
alternativas para a industrialização no Brasil 1930-1960. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra, 1985.
SANTOS, W. Cidadania e Justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1979.
MADISON, J.; JAY, J. HAMILTON, A. O Federalista. In: Os Pensadores (XXIX), São Paulo:
Abril Cultural, 1973.
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