CONSELHO GERAL DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DO BONFIM-PORTALEGRE
ASSUNTO: MANUTENÇÃO DAS ESCOLAS DO 1º CICLO De ALAGOA E DE CARREIRAS
FUNDAMENTAÇÃO
Social e geográfica
1. Alagoa é uma freguesia do concelho de Portalegre e Carreiras um aglomerado
populacional da união das freguesias de Ribeira de Nisa e Carreiras, localizadas
a cerca de 15 Km da capital do distrito, Portalegre, com povoamento
concentrado, com um total de 669 habitantes - 317 homens e 352 mulheres e
583 habitantes – 298 homens e 285 mulheres, respetivamente (INE.2011),
distribuídos de acordo com os grupos de idade, figuras 1 e 2, com grande
%
%
relevância para o grupo etário dos idosos em detrimento do grupo dos jovens.
100
100
80
80
59,3
40
20
62,3
60
60
40
29,3
20
11,4
27,1
10,6
0
0
0-14 anos
0-14 anos
15-64 anos
15-64 anos
65 e + anos
65 e + anos
Grupos de idade
Grupos de idade
Figura 1 -Relação dos grupos de idade na
população residente (Alagoa-2011)
Figura 2 -Relação dos grupos de idade na
população residente (Carreiras-2011)
2. Ambas possuem um estabelecimento de ensino pertencente ao Agrupamento
de Escolas do Bonfim, dotados de recursos conducentes a um processo de
ensino/aprendizagem garante do sucesso escolar dos 14 alunos de Alagoa e dos
12 alunos de Carreiras, que o irão frequentar.
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3. Perante a perplexidade que o Conselho Geral do Agrupamento sentiu, ao tomar
conhecimento da perspetiva de encerramento das escolas de Alagoa e de
Carreiras, quis o mesmo manifestar o seu desagrado perante tal decisão, tendo
em consideração os seguintes aspetos:
i.
A socialização destas 26 crianças é um processo vasto, de grande
complexidade, que depende, em grande medida, da qualidade das
interações com o meio físico, social e simbólico que as rodeia, e das
vivências que se estabelecem, não só com os adultos que são as suas
referências, mas também com os espaços onde esses encontros
acontecem. E não é por contactarem com outras crianças que o
problema da socialização se resolve.
ii.
Porque razão têm estas crianças de ser discriminadas duas vezes, se já o
são pelo isolamento a que está refutado o interior do país, pois a terra
onde residem é por natureza geográfica isolada, localizando-se nesse
interior, numa das regiões mais deprimidas, que é Portalegre?
Ao estarmos a deslocá-las diariamente para outra freguesia e outra
escola, também as vamos penalizar face à sua comunidade de origem,
onde as vivências e o acompanhamento familiar a que estão habituados
serão quebrados com esta mudança. Muitos destes alunos são levados
e acompanhados diariamente pelos avós, de casa para a escola e viceversa, e a sua ida para outra escola, rompe com esta forte ligação, tal
como com hábitos familiares culturalmente incrementados ao longo de
gerações uma vez que os avós sempre desempenharam um papel
fundamental na educação dos netos, não só mas acima de tudo, nestes
meios mais rurais. Diversa bibliografia e pedagogos apontam para o
facto de que crianças que tiveram avós por perto, cresceram mais
felizes, pois como diz o ditado, os avós são “pais a dobrar”, uma
segunda parentalidade, tornando-se um importante contributo para
um desenvolvimento harmonioso das nossas crianças. Temos que
analisar o nosso país com lucidez, sentido crítico e coragem, fazendo um
balanço social esquemático, em que cada região é uma realidade cada
vez mais assimétrica face às suas congéneres.
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iii.
O afastamento das crianças relativamente aos mais idosos é prejudicial
não só para os primeiros, negligenciando o seu desenvolvimento, como
para os segundos, antecipando a sua solidão e sentimento de
inutilidade. Este corte umbilical coloca em causa uma das principais
responsabilidades dos avós que é a transmissão de valores: espirituais,
culturais, familiares, entre outros. Está comprovado que os mais velhos
gozam de melhor saúde quando estão em contacto com as gerações
jovens, as relações intergeracionais tornam-se alicerces de vivências
para uns e sobrevivência para outros. As nossas crianças que já são tão
poucas, não têm de ser vítimas de algo que lhes escapa, de tomadas de
decisão que tornam a sua felicidade mais improvável, reféns de
parâmetros economicistas, onde o seu bem-estar não tem lugar.
iv.
Muitas famílias encontram nos avós uma solução para os filhos e, na
freguesia de Alagoa onde o índice de envelhecimento era 257,9 e em
Carreiras de 254, 8 (INE.2011), a continuidade das crianças na escola de
Alagoa e de Carreiras tem, além das vantagens atrás referidas, um duplo
efeito: a valorização do envelhecimento, onde os idosos são encarados
como uma oportunidade, reflexo de um bem-estar e a segurança para o
núcleo familiar do idoso.
v.
Outro aspeto que não é tido em consideração, é o facto de o transporte
destas crianças se fazer pelas 07:00 horas da manhã, o que implica um
esforço adicional por parte destes alunos, que saem de casa muito cedo
regressando muito tarde, alguns pelas 19.00 horas, uma vez que os
transportes de regresso se iniciam a partir das 18h00, após a conclusão
das AEC’s.
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Pedagógica
i.
Não foram, certamente, contabilizados os riscos educativos do êxodo diário
destas 26 crianças rumo a outras escolas, nomeadamente dos Fortios e Monte
Carvalho, pelo que se torna extemporâneo e sem qualquer fundamento,
considerar que as escolas de Alagoa e Carreiras não os podem manter.
ii.
As escolas de Alagoa e Carreiras, intervencionadas recentemente, com
melhoramentos significativos, boas condições de acolhimento, dispondo de
salas para o 1º ciclo, pré-escolar e Biblioteca Escolar, estão equipadas com
recursos educativos de qualidade, em condições de proporcionarem
aprendizagens diversificadas e significativas conducentes a resultados
escolares positivos, semelhantes aos da média nacional.
iii.
É verdade e aceita-se que “os alunos que estão numa escola pequena ou muito
pequena, não têm as mesmas condições que outros que estão em centros
escolares, onde existem recintos desportivos, professores de música, atividades
complementares e turmas por ano de escolaridade.”(Agência Lusa,09/06/2014,
Nuno Crato). Mas não será aqui o caso, porque nesta situação, as escolas de
Alagoa e Carreiras equiparam-se às dos Fortios e Monte Carvalho, com a
agravante de que nas escola dos Fortios e Monte Carvalho o espaço dedicado
ao recreio é de menor dimensão. Esta realidade viria a ser agravada com um
maior número de alunos, colocando em causa, não só a sua segurança como o
seu superior interesse, o que significa que ao aumentar o número de alunos,
todos ficarão a perder. Desta forma, a lógica de encerramento de escolas com
menos de 21 alunos, corroborada também pelos argumentos apresentados na
notícia da Lusa, é questionável a todos os títulos, porquanto se comprova, a
nível social, geográfico, pedagógico e económico, que as escolas de
acolhimento dos Fortios e de Monte Carvalho, não apresentam vantagens
relativamente à escolas a encerrar, neste caso, de Alagoa e de Carreiras.
iv.
Por outro lado, sabe-se, pela estrutura curricular do 1º ciclo, que estes alunos
apenas permanecerão nas escolas de Alagoa e Carreiras, por um período
máximo de 4 anos, período esse também de permanência nas escolas de
acolhimentos, Fortios e Monte Carvalho, em turmas heterogéneas na génese
da sua constituição, ou seja, não há turmas únicas por ano de escolaridade.
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Em todo este trajeto existem crianças que vão frequentar o 4º ano de escolaridade;
estão habituadas a determinados ritmos e metodologias de trabalho; estão habituadas
à “senhora professora” que conhece a família, que partilha e compreende as alegrias
que veem de casa ou a tristeza que naquele dia se espelha no seu rosto. Ajuda e dá
apoio! Estas crianças necessitam do equilíbrio e do apoio de quem as acompanhou até
este momento do seu percurso escolar, pois frequentam um ano de escolaridade
determinante em que, a par dos novos conhecimentos que é preciso adquirir e
sistematizar, terão de enfrentar a primeira prova final de ciclo. A mudança brusca para
uma nova realidade trará, certamente, alguma instabilidade que se refletirá no bemestar destas crianças e nos seus desempenhos escolares.
v. Estas crianças são só números que fazem parte de uma fórmula algébrica, que se
sobrepõe aos seus reais interesses, onde esses números não têm os seus rostos,
porque se tivessem, espalhavam angústia, insegurança e mágoa.
vi. A este respeito, acresce ainda referir que integrar uma turma do 1º ciclo constituída
de forma heterogénea relativamente aos anos de escolaridade existentes na sala de
aula, pode comportar vantagens e potencialidades no ensino e na aprendizagem dos
alunos, nomeadamente:
- a aprendizagem entre pares (anos);
- a aprendizagem de conteúdos do ano posterior;
- o desenvolvimento da autonomia;
- a revisão e consolidação de conteúdos de anos anteriores.
vii. No entanto, sabemos que estas turmas são bastante trabalhosas e que os professores
de Alagoa e Carreiras, experientes, responsáveis e dedicados, organizam de forma
diferenciada o seu trabalho, com conteúdos transversais, com benefícios diretos, tanto
para si como para os alunos, reflexo das diferentes faixas etárias presentes na turma.
Ao nível das aprendizagens, esta pode ser uma mais-valia, pois promove o trabalho de
pares, colocando os alunos mais avançados a ajudar os do ano anterior ou organizando
grupos de trabalho constituídos por alunos de diferentes anos, permitindo esta
dinâmica a revisão e consolidação de conteúdos já lecionados ou a aquisição de
termos e domínio de uma linguagem facilitadora de uma aprendizagem subsequente.
Na nossa opinião, todos tiram proveito destas metodologias e o professor, enquanto
animador e estratega, promove a aprendizagem de todos, estando mais disponível
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para a gestão dos grupos e mais atento à individualidade, tornando-se num verdadeiro
mediador das aprendizagens. A este propósito, referimos o livro do “Outro lado da
Escola”, que em nosso entender é um exemplo de boas práticas em escolas do meio
rural, onde a pedagogia passa pelo “aprender a aprender“ não só dos alunos como
também dos docentes. Testemunhos destes não deviam ser ignorados no momento da
decisão. A formação das nossas crianças e jovens tem de ser dinâmica, deve valorizar
os saberes de quem aprende e não deve ser padronizada. Ensinar todos os alunos de
igual forma não significa ter uma atitude equitativa, mas sim, de estratificação e de
exclusão em termos profissionais, “arquitetando” o papel que cada um irá
desempenhar mais tarde na sociedade. Temos que pensar em termos de vantagens
competitivas para estas crianças e não será a retirada do seu ambiente natural, o vetor
promotor do seu desenvolvimento numa perspetiva sustentável. Pelo contrário, esta
promove precocemente a disponibilidade para a emigração, para o abandono da sua
região e das suas gentes, perdendo-se o sentido valorativo local. A ideia de que a
realidade local que nos viu nascer não chega para nos ver crescer implementa-se com
estas decisões, tendo a desertificação e o envelhecimento como resultado num
interior cada vez menos povoado. Deixem as crianças alentejanas ser livres, ter tempo
para brincar na rua, conviver com as pessoas que as veem crescer e sentir, mais tarde,
que a terra onde nasceram e fizeram a sua escola “primária” é um ponto de regresso.
Documento aprovado em reunião do Conselho Geral de 12/06/2014
O presidente do conselho geral
Nelson Leitão de Castro
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Não sei porque é que tão fácil afirmar que “as crianças não devem