A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E
O ENSINO DA LÍNGUA
MATERNA
Luiz Carlos Travaglia
 O que é variação linguística?
 Ao estudarmos variação linguística o que se
pretende?
 Abrir
a escola à pluralidade dos discursos.
 Todos
sabem que existe um grande
número de variedades linguísticas.
 Tradição
da sociedade → considerar a
variação numa escala valorativa e até
moral.
 Se
existem diversos tipos de situação, a
língua pode ser usada de diferentes
modos.
Devemos trabalhar apenas com a norma culta porque
o aluno já domina as demais?
Se acreditamos que em diferentes tipos de
situação tem-se ou deve-se usar a língua de
modos variados, não há por que, ao realizar as
atividades de ensino/aprendizagem da língua
materna, insistirmos no trabalho apenas com
uma das variedades.

Basicamente podemos ter dois tipos de
variedades linguísticas:
 DIALETOS
→ variedades que ocorrem em
função das pessoas que usam a língua.
 REGISTROS
(ESTILO) → variedades que
ocorrem em função do uso que se faz da
língua. Dependem do recebedor, da
mensagem ou da situação.
VARIAÇÃO DIALETAL
DIALETOS NA DIMENSÃO:
1- TERRITORIAL, GEOGRÁFICA OU REGIONAL
2- SOCIAL
3- DE IDADE
4- DO SEXO
5- DA GERAÇÃO
6- DA FUNÇÃO
1- OS DIALETOS NA DIMENSÃO TERRITORIAL,
GEOGRÁFICA OU REGIONAL
Representam a variação que acontece entre
pessoas de diferentes regiões em que se fala a
mesma língua.
Essa variação normalmente acontece:
a- pelas influências que cada região sofreu
durante sua formação;
b- porque os falantes de uma dada região
constituem uma comunidade linguística
geograficamente limitada em função de
estarem polarizados em termos políticos e/ou
econômicos e/ou culturais, e desenvolveram
então um comportamento linguístico comum
que os identifica e os distingue.
Diferença entre o português do Brasil e o de Portugal e o dos
países africanos de Língua Portuguesa (Angola, Moçambique,
Cabo Verde). Também se incluem falares que encontramos no
Brasil: os falares gaúcho, nordestino, carioca, o chamado
dialeto caipira, etc.
As diferenças entre a língua usada em
uma região e outra são:
 Plano fonético (pronúncia, entonação,
timbre).
 Plano léxico (palavras diferentes para
dizer a mesma coisa).
2- OS DIALETOS NA DIMENSÃO SOCIAL
Variações que ocorrem de acordo com a classe social a que
pertencem os usuários da língua.
No exemplo abaixo temos a fala de um grupo social (o dos
marginais):
A única testemunha do crime, encontrada num bar de Ipanema,
declarou:
“Távamos malocados no Vidigal cafungando uma legal,
quando embunecamos com a máquina de dois baitolas na
viseira. Meu chapa, numa péssima, neurotizou adoidado,
levou um caramelo no gorgolejo e meteu lá uma de decúbito
sem retorno. Por aí.”
A polícia já está no encalço de um tradutor.
(Revista Veja 21/09/1977)
3- OS DIALETOS NA DIMENSÃO DE IDADE
Representam as variações decorrentes da diferença no
modo de usar a língua de pessoas de idades diferentes,
normalmente em faixas etárias diversas: crianças,
jovens, adultos e velhos.
Vejam os exemplos:
a- Ê cara, tô azarando uma mina que é o maior
barato.
b- Estou interessado em uma mulher muito bonita,
elegante e inteligente.
Dois bons filhos (Paulo Mendes Campos)
Outro dia um senhor de cinquenta anos me falava
da mãe dele mais ou menos assim:
 Se há alguém que eu adoro neste mundo é minha
mãezinha. Ela vai fazer 73 anos no dia 19 de maio. Está
forte, graças a Deus e muito lúcida. Há 41 anos que está
viúva, papai coitado, faleceu muito moço, com uma
espinha de peixe atravessada no esôfago: pois não há dia
em que mãezinha não se lembre dele com um amor tão
bonito, com um respeito... (...)
Deu-se que no mesmo dia eu encontrei um rapaz de
dezoito anos, que me contou mais ou menos assim:
 Velha bacaninha é a minha. Quando ela está meio
adernada, mais pra lá do que pra cá, ela ainda me dá
uma broncazinha. Bronca de mãe não pega, meu chapa.
Eu manjo ela todinha: lá em casa só tem bronca
quando ela encheu a cara demais. A velha toma pra
valer! Ou então foi um troço que eu não meto a cara.
Que que eu tenho com a vida da velha? Pensa que eu
me manco. Quando ela tá de bronca, o titio aqui já
sabe: taco-lhe três equanil. É batata. Daí a pouco ela
fica macia e vai soltando o tutu (...)
4- OS DIALETOS NA DIMENSÃO DO SEXO
Representam as variações de acordo com o sexo de quem fala.
 Algumas diferenças são determinadas por questões
gramaticais.
Exemplo: Estou tão preocupada com a festa.
 Outras dizem respeito ao uso do léxico e de certas
construções, determinado por restrições sociais.
Exemplo a
- Rapaz (Cara), preciso te contar o que aconteceu ontem na
festa.
- Comprei uma camisa muito bonita (transada, legal).
Exemplo b
- Querido (Ai menina), preciso te contar o que aconteceu
ontem na festa.
- Comprei uma blusinha linda!
5- OS DIALETOS NA DIMENSÃO DA GERAÇÃO
Representam estágios no desenvolvimento da língua.
Alguns estudiosos preferem falar em variação histórica.
Exemplo: Texto Antigamente (Carlos Drummond de Andrade)
Antigamente as moças se chamavam mademoiselles e eram todas
mimosas e muito prendadas. Não faziam anos, completavam
primaveras, em geral dezoito.
(...) Os mais idosos depois da janta, faziam o quilo, saindo para
tomar a fresca.
(...) Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao
cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar
de aeroplano.
(...) As meninas... umas tetéias.
(...) Acontecia o indivíduo apanhar uma constipação; ficando perrengue,
mandava um próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica (...)
6- OS DIALETOS NA DIMENSÃO DA FUNÇÃO
Representam as variações na língua decorrentes da
função que o falante desempenha. Um exemplo dessa
variação seria o chamado plural majestático, em que
o governante ou altas autoridades expressam seus
desejos ou intenções com o pronome “nós”,
sinalizando sua posição de representante do povo.
Veja:
Nós queremos que o povo dessa cidade se sinta
seguro. Por isso reforçamos e aparelhamos nossa
polícia para que possa dar maior segurança aos
cidadãos.
VARIAÇÕES DE REGISTRO
São classificados em três tipos diferentes:
GRAU DE FORMALISMO, MODO e SINTONIA.
1- GRAU DE FORMALISMO
Representa uma escala de formalidade, entendida
como um maior cuidado e apuro no uso dos recursos
da língua
2- VARIAÇÃO DE MODO
Entende-se a língua falada em contraposição à
língua escrita. A língua escrita e a falada
apresentam uma série de diferenças devidas ao meio
(visual ou auditivo) em que são produzidas:
a- língua falada pode usar uma série de recursos do
nível fonológico que no escrito não podem ser usados
(entonação, ênfase de termos ou sílabas, duração dos
sons, velocidade em que se dizem as sequências
linguísticas, etc.);
Exemplo-A
João quebrou a vidraça. (Ênfase entonacional no
termo em itálico.)
Exemplo-B
Foi João que quebrou a vidraça. (Aqui a ênfase é
marcada pela locução expletiva “Foi...que”.)
b) na língua falada aparecem truncamentos (de
palavras e frases), hesitações, repetições e
retomadas, correções que não aparecem no escrito;
c) devido à interação face a face, no oral é possível:
■ observar as reações do interlocutor;
■ observar marcas da relação entre o falante e o ouvinte
na conversação como os marcadores conversacionais
(“uhn; né?; certo?; sabe?”);
■ sempre se valer de elementos do contexto imediato de
situação e formular frases que seriam incompreensíveis
na escrita sem a formulação de um prévio quadro de
referência, o que não é necessário na língua falada.
Como no Exemplo A abaixo:
Exemplo A
— Onde ele caiu?
— Ele caiu aqui.
Exemplo-B
O rapaz que testemunhou o acidente, em que
Carlos foi morto, acompanhou o delegado até o
local da tragédia. Lá o delegado perguntou-lhe
onde Carlos tinha caído antes de ser atingido
pelas rodas do caminhão que o matou. O rapaz
foi até a faixa de pedestres da rua Bernardo
Álvares, esquina com a avenida Afonso Pena,
indicou o local exato da queda, dizendo:
 Ele caiu aqui.
AS RELAÇÕES ENTRE FALA E ESCRITA
FALA
ESCRITA
Interação face a face.
Interação a distância (espaço-temporal).
Planejamento simultâneo ou quase
simultâneo à produção.
Planejamento anterior à produção.
Criação coletiva: administrada passo a
passo.
Criação individual.
Impossibilidade de apagamento.
Possibilidade de revisão.
Sem condições de consulta a outros textos.
Livre consulta.
A reformulação pode ser promovida tanto
pelo falante como pelo interlocutor.
A reformulação é promovida apenas pelo
escritor.
Acesso imediato às reações do
interlocutor.
Sem possibilidade de acesso imediato.
O falante pode processar o texto,
redirecionando-o a partir das reações do
interlocutor.
O escritor pode processar o texto a partir
das possíveis reações do leitor.
O texto mostra todo o seu processo de
criação.
O texto tende a esconder o seu processo de
criação, mostrando apenas o resultado.
É um erro a distinção que
frequentemente encontramos
enunciada por professores de
que a língua falada seria
informal e a escrita formal.
Considerando cinco graus de formalismo distintos, tanto na
língua oral quanto na escrita, Bowen (1972) propõe o seguinte
quadro das VARIEDADES DE MODO e GRAU DE
FORMALISMO:
Variedades de Modo
Língua Falada
Variantes de
Grau de
Formalismo
Língua Escrita
Oratório (1)
Hiperformal (1a)
Formal (Deliberativo) (2)
Formal (2a)
Coloquial (3)
Semiformal (3a)
Casual (Coloquial distenso) (4) Informal (4a)
Íntimo (Familiar) (5)
Pessoal (5a)
Grau de Formalismo
1- Oratório – Fala
Extremamente elaborado, enfeitado, inteiramente composto por
períodos equilibrados e construções paralelas. Usado exclusivamente
por especialistas: tais como sacerdotes, advogados, políticos, oradores
religiosos, etc. Utilizado em situações muito formais.
Exemplo:
Senhora Diretora, Sr. Vice-Presidente, Dignos Convidados, Estimados e
Distintos Colegas da nobre Profissão de Ensinar.
Considero uma honra e um privilégio ter sido convidado a vir diante de
vós nesta ocasião, um convite que aceitei com o mais profundo prazer e
gratidão. É meu propósito, estando aqui esta noite, repartir convosco um
pouco das experiências que tenho vivido na minha função de enriquecer os
conhecimentos das novas gerações, daqueles que continuarão quando já
tiver chegado ao fim o nosso tempo neste mundo. Espero e creio que estas
experiências não serão desprovidas de interesse para aqueles que estarão,
entre vós, trabalhando na mesma vinha, pois juntos conseguiremos a mais
rica colheita.
1a- Hiperformal – Escrita
Equivalente ao oratório. Temos como exemplos os Poemas épicos, os
romances como os de Machado de Assis e José de Alencar.
2- Formal (Deliberativo) – Fala
Usado quando se fala a grupos grandes e médios. Previamente
preparado, mantendo de propósito uma distância entre falantes e
ouvintes, excluindo, assim, respostas informais. Utiliza-se um
vocabulário mais rico.
Exemplo:
Senhoras e Senhores:
Estou realmente feliz por ter sido convidado pelo vosso vicepresidente, Senhor Paulo Mendes, para vós falar, esta noite sobre
o tema “A Variação Linguística e o Ensino da Língua Materna”.
Espero ser capaz de apresentar umas idéias que deverão ser tanto
sugestivas quanto relevantes para vossas tarefas como
professores de Português.
2a- Formal – Escrita
Características semelhantes ao deliberativo. Linguagem
cuidada na variedade culta e padrão.
3- Coloquial – Fala
Comumente aparecem nos diálogos entre duas pessoas. Ambas
participantes ativas, alternando-se no papel de falante e emitindo
sinais de realimentação, quando na posição de ouvinte. Não possui
planejamento prévio, mas é continuamente controlado. Léxico
constituído de palavras de uso mais frequente.
Exemplo:
Boa noite amigos:
O Senhor Paulo Mendes pediu-me para falar a vocês, esta noite,
sobre um assunto tão amplo como o Ensino do Português. Espero
ser capaz de dizer umas poucas coisas que serão de algum
interesse para vocês e que talvez possam ajudá-los a serem
professores mais eficientes.
3a- Semiformal – Escrita
Corresponde na escrita ao coloquial, mas tem um pouco mais de
formalidade que este. É o que encontramos nas cartas comerciais
e de recomendação, reportagens escritas para posterior leitura
pelos locutores nas rádios e televisão, relatórios, projetos, etc.
4- Casual (Coloquial distenso) – Fala
Nesse nível percebe-se uma completa integração entre falante e
ouvinte, com o uso frequente de gíria (linguagem particular ou
semiparticular de um grupo). É caracterizado pela omissão de
palavras e pouco cuidado em sua pronúncia, que pode ocorrer com
mudanças de sons, sem seus finais, etc. Seriam exemplos desse nível
as conversações descontraídas entre amigos, colegas de trabalho.
Exemplo:
Ei pessoal:
Paulo pediu que eu viesse aqui e falasse a vocês todos a respeito de
como ensinar Português. Disse-me que poderia tocar em qualquer
dos aspectos que quisesse, desde que eu não fosse muito técnico, pois
ao contrário ninguém entenderia uma só palavra do que dissesse.
4a- Informal – Escrita
Correspondência entre membros de uma família ou amigos íntimos.
Uso de formas abreviadas, abreviações padronizadas, sentenças
fragmentadas, ortografia simplificada, construções simples.
5- Íntimo (Familiar) – Fala
Inteiramente particular, pessoal, usado na vida
familiar privada. Este grau de formalismo é a língua
em que há a intimidade da afeição. Aparecem
portanto muitos elementos da linguagem afetiva com
função emotiva.
Exemplo:
Olá, meu amor! Oi, meu benzinho! Ei,
tchutchuquinho!
5a- Pessoal – Escrita
Quase sempre notas para uso próprio. Recado anotado
ao telefone, bilhete de recado, lista de compras.
SINTONIA
Pode ser descrita como o ajustamento na estruturação dos
textos, baseado nas informações específicas que se tem
sobre o ouvinte.
Há pelo menos quatro dimensões distintas de SINTONIA:
■ O STATUS
■ A TECNICIDADE
■ A CORTESIA
■ A NORMA
 O STATUS da pessoa a quem se dirige o falante
pode trazer grandes diferenças no uso das formas e
recursos da língua.
 A TECNICIDADE é a variação que ocorre em função
do volume de informações ou conhecimentos que o
falante supõe ter o ouvinte sobre o assunto.
Exemplos:
Webliografia – bibliografia da Web (informática)
AVC – Acidente Vascular Cerebral – Derrame (Saúde)
Data vênia – se você me permite, se você me der licença. (Direito)
Layout – esboço, rascunho preliminar (Arquitetura)
■ A CORTESIA é a variação que acontece devido à
dignidade que o falante considera apropriada ao(s) seu(s)
ouvinte(s) e/ou à ocasião. As variações de cortesia
abrangem uma escala que oscila entre a blasfêmia e a
obscenidade num extremo e o eufemismo no outro.
Exemplo A
— Vá a merda! Cê é um fedaputa!
Exemplo B
— Deixe-me em paz! Você é uma pessoa que não
merece consideração.
A VARIAÇÃO DA NORMA é aquela que ocorre
quando, ao nos dirigirmos a determinado(s)
ouvinte(s), consideramos o que este(s) julga(m)
“bom” em termos de linguagem. Ou seja, usamos
uma determinada variedade linguística porque a
julgamos apropriada para falar com aquele(s)
ouvinte(s) em particular. Pode ser uma variedade
social, geográfica, um registro mais ou menos
formal, técnico, cortês, etc.
“Como se vê, imbuída desses preconceitos, a
escola tende a esconder a relação entre língua
e grupos sociais, sobretudo entre norma culta
e padrão e classe social privilegiada
(econômica, cultural e politicamente); a
relação entre alterações sócioculturais e
mudança linguística. Isso precisa acabar de
vez. E é preciso substituir definitivamente a
idéia de uso certo ou errado pela de uso
adequado ou não adequado.”
Atividades em sala de aula que
trabalham diretamente com a questão
da variação linguística sem teorizar
sobre a mesma, mas levando o aluno a
sentir a necessidade e a propriedade de
determinados usos em determinadas
situações, são atividades do que
chamamos de gramática de uso.
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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA. - Uni