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Universidade Anhanguera-Uniderp
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA:
EXCLUDENTE DE
TIPICIDADE PENAL
WANDIRLEY RODRIGUES DE SOUZA FILHO
GOIÂNIA - GO
2011
Wandirley Rodrigues de Souza Filho, Penal, Teoria Geral, PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA: EXCLUDENTE DE TIPICIDADE PENAL - Editora Liber Liber
(www), revisado em: 05/10/11 - A4impP&B, 59 pgs. 0,33 MB
http://www.serrano.neves.nom.br/liber/02701_PrincipioInsignificancia.pdf
Universidade Anhanguera-Uniderp
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: EXCLUDENTE DE TIPICIDADE PENAL
WANDIRLEY RODRIGUES DE SOUZA FILHO
GOIÂNIA - GO
2011
WANDIRLEY RODRIGUES DE SOUZA FILHO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: EXCLUDENTE DE TIPICIDADE PENAL
Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação
lato
sensu
TeleVirtual
em
Ciências Penais, na modalidade Formação
para o Magistério Superior/ Formação para
Mercado
de
Trabalho,
como
requisito
parcial à obtenção do grau de especialista
em Ciências Penais.
Universidade Anhanguera-Uniderp
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Orientador: Prof. Luiz Carlos Branco Junior
GOIÂNIA - GO
2011
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento
completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio
Gomes, e os professores indicados para compor o ato de defesa presencial de toda
e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e idéias expressas na presente
monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso
de plágio comprovado.
Goiânia, 03 de março de 2011.
DEDICATÓRIA
A minha esposa Dra. Daniela Cristina Borges e Silva, aos meus
pais e irmãos; a minha avó Olinda Rodrigues de Moraes, ao
meu padrinho e minha madrinha, aos meus tios e tias, aos
meus primos, bem como aos amigos Dr. Paulo Maurício
Serrano Neves, Procurador de Justiça do Estado de Goiás, e
ao professor Ms. Humberto Rodrigues Moreira.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus.
A minha esposa Dra. Daniela Cristina Borges e Silva, pelo
estimulo a continuidade dos estudos.
Ao meu pai e à minha mãe, pelo amor e carinho dedicados a
minha pessoa, pela educação que me proporcionaram e por
todos os esforços que fizeram para que eu pudesse estudar.
Aos meus irmãos, tios e tias, primos e primas e a minha avó
Olinda Rodrigues de Morais, pelo incentivo ao estudo.
Ao meu padrinho e a minha madrinha, pela atenção e
satisfação que sempre demonstraram pela minha vida
acadêmica.
Ao Dr. Paulo Maurício Serrano Neves, Procurador de Justiça
do Estado de Goiás, e ao professor Ms. Humberto Rodrigues
Moreira, pelas orientações, empenho enquanto educadores e
pelo notório saber jurídico colocado à disposição da minha
formação profissional.
A todos os amigos presentes, fisicamente ou espiritualmente,
que contribuíram para realização dos meus estudos, em
especial a esta monografia, dando força e coragem para
prosseguir nessa caminhada.
EPÍGRAFE
Não basta indignar-se, é preciso deixar um rastro visível de
indignação. (Serrano Neves)
RESUMO
O Direito Penal tem como função tutelar os bens jurídicos mais relevantes em uma
sociedade. Ressalta-se que vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde o
Estado deve pautar suas ações da forma menos gravosa, assim, para tutelar os
bens jurídicos, sejam eles individuais ou supra-individuais, o estado, por meio do
Direito Penal, só deve intervir quando realmente houver necessidade da tutela e a
necessidade da tutela decorre somente quando há lesividade ao bem jurídico
tutelado, sendo o princípio a insignificância como causa de excludente da tipicidade
penal instrumento hábil e eficaz para garantir um direito penal mínimo.
Palavras-chave: Infração. Insignificância. Tipicidade. Exclusão.
.
ABSTRACT
The Criminal Law is to protect the legal function most relevant in a society. We
emphasize that we live in a democratic state, where the state should conduct their
actions in the least burdensome, thus, protect the legal interests, whether individual
or supra-individual, the state, through the Criminal Law, only should act when there
really is need for guardianship and the need for protection arises only when there
harmfulness to the legal interest being the principle cause of the insignificance as the
exclusive criminal typicality clever and efficient instrument to ensure a minimal
criminal law
Key words: Infraction. Insignificance. Typicality. Exclusion.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
CAPÍTULO 1 DO CRIME
2
1. Conceito de crime
2
1.1 Conceito formal de crime
3
1.2 Conceito material de crime
4
1.3 Conceitos analítico de crime
5
CAPÍTULO 2 TIPICIDADE PENAL
9
1. Tipo e Tipicidade
9
2 . Evoluções da teoria da tipicidade penal
9
2.1. Tipicidade formal e tipicidade material
13
CAPÍTULO 3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: EXCLUDENTE DE TIPICIDADE
PENAL
15
1. Conceito de principio
15
2. Origem do princípio da insignificância
18
2.1 Conceito de princípio da insignificância
19
2.3 Infração bagatelar
21
2.3.1 Infração bagatelar própria
21
2.3.2. Infração bagatelar imprópria
22
2.3.3 Punibilidade da infração bagatelar
23
3. Critérios para aplicação do princípio da insignificância
24
4. Princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade material
fato
27
2 CM
5. Incidência do princípio da insignificância no caso concreto
30
CONCLUSÃO
34
REFERÊNCIAS
40
INTRODUÇÃO
O Direito Penal tem como função tutelar os bens jurídicos mais relevantes
em uma sociedade. Ressalta-se que vivemos em um Estado Democrático de Direito,
onde o Estado deve pautar suas ações da forma menos gravosa, assim, para tutelar
os bens jurídicos, sejam eles individuais ou supra-individuais, o estado, por meio do
Direito Penal, só deve intervir quando realmente houver necessidade da tutela e a
necessidade da tutela decorre somente quando há lesividade ao bem jurídico
tutelado.
Esta monografia focará o estudo do princípio da insignificância que
ganhou destaque no trabalho proposto por Claus Roxin, no ano de 1964, que
postulou o reconhecimento da insignificância como causa de exclusão de tipicidade,
ou seja, possibilita excluir os tipos penais, em princípio, os que ocasionam danos de
pouco importância aos bens jurídicos, buscando defini-lo e caracterizá-lo, bem como
os seus critérios de aplicação no direito penal.
O tema é de grande relevância, uma vez que o princípio da insignificância
tem-se mostrado assunto cada vez mais em voga no cenário jurídico-penal,
vinculando-se, desse modo, ao movimento que busca um direito penal mínimo, por
isso, tem como causa e consequência, a evolução do Direito Penal em nossa
sociedade.
2
3
CAPÍTULO 1. DO CRIME.
1. Conceito de crime
O direito penal é dinâmico e acompanha a evolução da sociedade, desta
forma, o conceito de crime, por ser um fenômeno de cunho social e cultural, não
pode ser definido como um conceito único, imutável, estático no tempo e no espaço.
Por estes motivos, o conceito de crime sofreu e vem sofrendo várias evoluções
durante os tempos, neste sentido afirma Francisco de Assis Toledo:
O crime, além de fenômeno social, é um episódio da vida de uma pessoa
humana. Não pode ser dela destacado e isolado. Não pode ser reproduzido
em laboratório, para estudo. Não pode ser decomposto em partes distintas.
Nem se apresenta, no mundo da realidade, como puro conceito, de modo
sempre idêntico, estereotipado.1
O Código Penal Brasileiro não contém um conceito de crime, cabendo à
doutrina discutir, elaborar e aperfeiçoá-lo, assim “ao longo dos anos, os estudiosos
do Direito Penal se digladiam em torno de concepções opostas, com a finalidade de
encontrar a adequada conceituação do crime.”
2
Desta forma, o crime passou a ser conceituado diversamente pelas várias
de escolas penalistas. Além disso, dentro destas conceituações, existiam
subdivisões, levando-se em consideração o modo de observação do jurista. Nasce
então, o conceito formal, material e analítico do crime como expressões mais
relevantes, dentre outras de menor expressão.
1 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994,
p. 79.
2 TELES. Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral – I (arts. 1ºa 31 do Código Penal). Princípios
Constitucionais, Teoria da Lei Penal e Teoria do Crime. 1. ed. v.1. São Paulo: LED, 1996, p. 178.
4
1.1 Conceito formal de crime
O conceito formal visa apenas o aspecto externo do crime, ou seja, do
ponto de vista da exteriorização de crime, podemos conceituar crime com sendo, na
visão de Giuseppe Maggiore com sendo “qualquer ação legalmente punível” 3·, ou
nos dizeres de Heleno Fragoso “toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça
de pena” 4, ou então, nas colocações de Manoel Pedro Pimentel, “uma conduta
contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena” 5. Para Francisco Muñoz Conde “é
toda conduta que o legislador sanciona com uma pena.” 6
O artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal traz a definição legal de
crime:
Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a
que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas. alternativa ou cumulativamente.
Contudo, tais conceitos não são suficientes, uma vez que não informam a
atividade legislativa, não informam os elementos da conduta a ser punida e não
limitam o poder estatal de punir. Ney Moura Teles leciona acerca do tema:
Tais conceitos são insuficientes para o estudioso do direito penal que
pretende e deve ser debruçar-se sobre esse fenômeno de modo a conhecêlo em sua inteireza, na sua profundidade, porque não desnudam os
aspectos essenciais do crime, ou no dizer de MUÑOZ CONDE, porque um
conceito exclusivamente formal nada a dizer acerca dos elementos que
deve ter essa conduta para ser assim punida. Não informam a atividade
legislativa, não limitam o poder estatal de punir, não explicam nada a
ninguém. Não serve ao operador do direito, não servem ao estudante, não
serve a ninguém.7
3
4
MAGGIORE, Giuseppe. Diritto Penale. 5. ed. v. 1. Bolonha: 1994. p. 189.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral.13.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1991, p. 144.
5 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: RT, 1983.p.2 .
6 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria Geral do Delito. Porto Alegre: S. A. Fabris Editor, 1988, p.2.
7 TELES Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral – I (arts. 1ºa 31 do Código Penal). Princípios
Constitucionais, Teoria da Lei Penal e Teoria do Crime. 1. ed. v.1. São Paulo: LED, 1996, p. 178.
5
Crime, do ponto de vista formal é o comportamento humano, proibido pela
normal penal, ou simplesmente, a violação desta norma 8. Enfim, crime é aquilo que a
lei considera crime.
1.2 Conceito material de crime
Ao lado dos conceitos formais de crime, os doutrinadores penalistas
elaboram
conceitos
materiais,
substanciais,
que
objetivam
esclarecer
as
“profundezas” do crime, nos termo de Giuseppe Bettiol.
Para Heleno Fragoso, no sentido substancial, o crime é “ação ou omissão
humana que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com os valores ou
interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena.” 9
Segundo Giuseppe Bettiol o conceito material de crime “é todo fato
humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as condições de existência,
de conservação e de desenvolvimento da sociedade.”
10
Neste sentido “verifica-se a mesma exigência de que o crime seja um
comportamento que produza lesão ao bem jurídico, coo requisito de que tal lesão
seja capaz de comprometer- afetar de modo grave – a própria existência da
sociedade.” 11
Assim não pode o legislador criar definições de crimes que não
constituam graves lesões ou perigo de leões a bens jurídicos de grande relevância.
Ney Moura Teles assevera acerca do assunto:
(…) Podemos concluir que para o legislador definir certo fato humano como
crime, deve, previamente, verificar se o mesmo é daqueles que lesionam
bens jurídicos, ou pelo menos expõem-nos a grave perigo de lesão, e se
8
SIQUEIRA, Galdino. Tratado de Direito Penal: parte geral. Tomo I. 2. ed. rev. e atualizada. Rio de
Janeiro: J. Konfino, 1950, p.229. Apud. TELES, Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral – I (arts. 1ºa
31 do Código Penal). Princípios Constitucionais, Teoria da Lei Penal e Teoria do Crime. 1. ed. v.1.
São Paulo: LED, 1996. p. 179.
9 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral.13.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1991, p. 145.
10 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. 2. ed. rev. e atualizada da 8. ed. italiana, v. 1 e 2. São Paulo:
RT, 1977, p. 241.
11 TELES Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral – I (arts. 1ºa 31 do Código Penal). Princípios
Constitucionais, Teoria da Lei Penal e Teoria do Crime. 1. ed. v.1. São Paulo: LED, 1996, p. 180.
6
tais lesões são de gravidade acentuada, de modo a ser proibida soba a
ameaça da pena criminal.12
A definição de crime material, substancial é o fato originado de uma
conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem jurídico protegido pela lei.
1.3 Conceito analítico de crime
Se os conceitos formais e materiais não são suficientes para atender o
Direito Penal, então a solução foi procurar uma nova maneira de conceituar o crime,
conforme leciona Ney Moura Teles:
Se nenhum dos conceitos apresentados atende aos interesses do penalista,
a solução foi procurar uma nova forma de conceituar crime, partindo do
ordenamento jurídico vigente, analisando todas as normas penais,
incriminadoras, permissivas justificantes e permissivas exculpantes, bem
assim as explicativas, para construir, a partir do conjunto do ordenamento
jurídico-penal e dos fatos que a vida revela um conceito analítico de crime,
partindo do geral, para o particular, decompondo o crime em suas
características mais simples.13
Conceituar, analiticamente, o crime “é extrair, de todo e qualquer crime,
aquilo que for comum a todos eles, é descobrir as suas características, as suas
notas essenciais, os seus elementos estruturais.”
14
, assim temos que o conceito
analítico de crime “é a concepção da ciência do direito, que não difere, na essência,
do conceito formal. Na realidade, é o conceito formal fragmentado em elementos
que propiciam o melhor entendimento da sua abrangência.” 15.
Contudo, justamente quanto ao conceito analítico é que surgem, as
maiores divergências doutrinárias, formando-se a visão bipartida, tripartida e
quadripartida ao definir o crime analiticamente. Guilherme de Souza Nucci discorre
acerca do tema:
Há quem entenda ser o crime, do ponto de vista analítico:
12 TELES. Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral – I (arts. 1ºa 31 do Código Penal). Princípios
Constitucionais, Teoria da Lei Penal e Teoria do Crime. 1. ed. v.1. São Paulo: LED, 1996, p. 178.
13 Ibid. p. 182/183.
14 Ibid. p. 183.
15 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, 5. Ed. Ver.,
atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.161.
7
a)
Um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade apenas um
pressuposto de aplicação da pena ( René Ariel Dotti, Damásio de Jesus,
Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Flávio Augusto Monteiro de
Barros, entre outros);
b)
Um fato típico, antijurídico, culpável e punível (Basileu Garcia, Muñoz
Conde, Hassemer, Battaglini, Giorgio Marinuci e Emílio Dolcini, entre
outros);
c)
Um fato típico e culpável, estando a antijuridicidade ínsita ao próprio
tipo (Miguel Reale Júnior, entre outros adeptos da teoria dos elementos
negativos do tipo);
d)
Fato típico, antijurídico e punível, constituindo a ponto que liga o
crime à pena (Luiz Flávio Gomes);
e) Um fato típico, antijurídico e culpável. Neste corrente, que é
majoritária no Brasil e no exterior, e com a qual concordamos, dividem-se
os finalistas ( Assis Toledo, Heleno Fragoso, Juarez Tavares, José
Henrique Pierangeli, Eugenio Raúl Zaffaroni, Fernando Almeida Pedroso,
Jair Leonardo Lopes, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, Rodolfo
Tigre Maia, Jorge Alberto Romeiro, Luiz Luisi, David Teixeira de Azevedo,
Rogério Greco, Reinhart Maurach, Heinz Zipf, entre outros) e causalistas
( Nelson Hungria, Frederico Marques, Aníbal Bruno, Magalhães Noronha,
Paulo José da Costa Júnior, Vicente Sabino Júnior, Salgado Martins,
Euclides Custódio da Silveira, Manoel Pedro Pimentel, Roque de Brito
Alves, Baumann, Mezger, entre outros), além daqueles que são adeptos da
teoria social da ação, propondo-se uma tentativa de ajuste, num só quadro,
dos principais aspectos do Causalismo e do finalismo (Jescheck, Wessels,
Schimidt. Engisch, Wolff, entre outros).16
O Código Penal adotou a Teoria Finalista17 pela qual o crime é
caracterizado como um fato típico, antijurídico e culpável, a qual explicarei de forma
sucinta cada elemento.
A definição de crime contida na lei penal, por exemplo, “matar alguém”
(artigo 121 do Código penal), recebe da doutrina o nome de tipo, tipo legal de crime,
ou fato típico.
Por sua vez, o tipo penal é a descrição feita pela norma penal sobre a
conduta humana, correspondente ao crime. O tipo penal descreve uma ação ou
omissão humana a qual a lei determina uma sanção.
16 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, 5. Ed. Ver.,
atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.161/162.
17 Teoria finalista da ação - Doutrina criada por volta de 1930 pelo alemão Hans Welzel
sustentando que ação é a conduta do homem, voltada para um fim. Com isso, contestou a
chamada teoria causalista (mecanicista) da ação, que se contenta em divisar a relação psicológica
entre a conduta e o resultado. A teoria finalista implica deslocar o dolo para o núcleo da ação (ao
contrário da teoria causalista), reservando à culpabilidade a censurabilidade ao comportamento
humano. A ação (portanto, o dolo) passa a ser objeto de censurabilidade (quando socialmente
inadequada) e a culpabilidade a própria censurabilidade. A ação somente será delituosa se for
socialmente inadequada. In: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/291820/teoria-finalista-da-acao,
com acesso em 10/03/2011 às 17:48pm.
8
Os elementos definidores que formam o fato típico são: a conduta, o
resultado, a tipicidade e nexo causal.
A tipicidade é a adequação do fato da vida real ao modelo descrito
abstratamente em lei.
A conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária,
implicando em um comando de inércia ou de movimentação do corpo humano,
visando produzir um resultado que viole ou exponha a perigo o bem juridicamente
protegido pela lei penal.
O resultado e a modificação sensível do mundo exterior oriunda da
conduta que viole ou exponha a perigo o bem juridicamente protegido pela lei penal.
O nexo causal é o vínculo criado entre a conduta do agente e o resultado
por ele gerado.
Contudo, para a configuração do crime não basta que o fato seja típico,
também deverá ser ilícito, ou seja, contrariedade de uma conduta com o direito
(aspecto formal da antijuridicidade), causando lesão efetiva a um bem juridicamente
tutelado (aspecto material da antijuridicidade.). ·.
Por fim, não basta o fato ser típico e ilícito, e necessário que seja
culpável, ou seja, deve se fazer um juízo de reprovação, incidente sobre o fato e seu
autor, devendo ser este agente imputável, atuar com consciência da ilicitude (injusto
penal), bem como ser exigível comportamento diverso diante do fato, seguindo as
regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo). 18
Assim, diante do fato, analisando a reprovação da conduta e a reprovação
do resultado produzido pelo agente capaz, e que vai se orientar a aplicação do
princípio da insignificância.
18 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, 5. Ed. Ver.,
atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.283.
9
CAPÍTULO 2. A TIPICIDADE PENAL
1. Tipo e Tipicidade
Para adentrar ao estudo da tipicidade penal não devemos confundir o
conceito de tipo e de tipicidade, Eugênio Raúl Zaffaroni nos oriente sobre o assunto
além de esclarecer o que vem a ser tipo e tipicidade:
Não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a formula que
pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence a conduta. A tipicidade é a
característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo
penal, ou seja, individualizada como proibida por um tipo penal
“Tipo” e a fórmula legal que diz “matar alguém” (está no CP); tipicidade é a
característica de adequação ao tipo que possui a conduta de um sujeito “A”
que dispara cinco tiros contra “B”, causando-lhe a morte (está na realidade)
A conduta de “A”, por apresentar a característica de tipicidade, dizemos que
é uma conduta “típica”
Típica é a conduta que apresenta a característica específica de tipicidade
(atípica, a que não apresenta); b) tipicidade é a adequação da conduta a um
tipo; c) tipo é a formula legal que permite averiguar a tipicidade da
conduta.19
2 – Evoluções da teoria da tipicidade penal
19 PIERANGELI, José Henrique, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro. 7.
ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: RT, 2007, p. 384.
10
A tipicidade é a subsunção do fato à norma penalmente prevista. É o
perfeito encaixe entre o fato ocorrido e a norma abstrata. O Código Penal adotou a
Teoria Finalista20 pela qual o crime é caracterizado como um fato típico, antijurídico e
culpável. Pela ótica do penalista alemão Hans Welzel o exame do dolo e da culpa
passaram a integrar a análise típica acrescentando a valoração social quando
verificada a conduta.
A Teoria da Tipicidade Penal passou por cinco estágios evolutivos dos
quais culminaram nas definições estudadas hoje. O primeiro estágio é o Causalismo,
o tipo penal, no tempo do Causalismo de VON LISZT e de BELING (final do século
XIX e começo do século XX), era puramente objetivo (só causalidade). A tipicidade
era enfocada como “requisito neutro pelo seu criador (Beling, 1906), exigia: (a)
conduta; (b) resultado naturalístico (nos crimes materiais); (c) nexo de causalidade
(nesses crimes materiais) e (d) adequação típica (subsunção do fato à letra da
lei).”21.
O segundo estágio, o Neokantismo ou Neocritismo (defendido por autores
como Frank, Radbruch, Sauer, e outros, 1940.) criticou a concepção neutra da
tipicidade e destacou valoração no tipo penal. Desta maneira, o tipo deslocava-se da
esfera neutra e passava a apreciar a conduta em ambos os sentidos: objetivo e
valorativo, ou seja, a tipicidade penal, para o neokantismo, é tipicidade objetiva e
valorativa.22.
Já o terceiro estágio, o Finalismo o finalismo de WELZEL (cujo ápice, na
doutrina europeia, se deu entre os anos 1945 e a década de sessenta do século
passado) o tipo penal passou a ser retratado por duas dimensões: a objetiva e a
20 Teoria finalista da ação - Doutrina criada por volta de 1930 pelo alemão Hans Welzel
sustentando que ação é a conduta do homem, voltada para um fim. Com isso, contestou a chamada
teoria causalista (mecanicista) da ação, que se contenta em divisar a relação psicológica entre a
conduta e o resultado. A teoria finalista implica deslocar o dolo para o núcleo da ação (ao contrário da
teoria causalista), reservando à culpabilidade a censurabilidade ao comportamento humano. A ação
(portanto, o dolo) passa a ser objeto de censurabilidade (quando socialmente inadequada) e a
culpabilidade a própria censurabilidade. A ação somente será delituosa se for socialmente
inadequada. In: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/291820/teoria-finalista-da-acao, com acesso em
10/03/2011 às 17:48pm.
21 GOMES, Luiz Flávio. Tipo, tipicidade, tipicidade material e tipicidade conglobante. Direito Penal:
parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. Material da 3ª aula da Disciplina Princípios
constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Pós-Graduação
Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera- Uniderp |REDE LFG.
22 Ibid.
11
subjetiva. Esta última era integrada pelo dolo ou culpa (que foram deslocados da
culpabilidade para a tipicidade). No tempo do Causalismo (e do neokantismo) o dolo
e a culpa constituíam formas de culpabilidade. Eram elementos integrantes da
culpabilidade. O deslocamento da culpabilidade para a tipicidade veio a acontecer
com o finalismo de WELZEL.23
O quarto estágio, o Funcionalismo (Roxin e Jakobs 1970 e 1985,
respectivamente) cuja Teoria da Imputação Objetiva que contribuiu com a valoração
do tipo penal, o tipo penal passou a ganhar uma tríplice dimensão: (a) objetiva; (b)
normativa (valorativa) e (c) subjetiva, conforme leciona Luiz Flávio Gomes:
O tipo penal passou a ter configuração bem distinta a partir do conceito
normativo do funcionalismo (todas as categorias do delito acham-se em
função da finalidade da pena ou da norma), sobretudo o teleológico-racional
de ROXIN. A propósito, foi com o funcionalismo de ROXIN (1970)
(teleológico ou teleológico-racional) que o tipo penal passou a ganhar uma
tríplice dimensão: (a) objetiva; (b) normativa (valorativa) e (c) subjetiva.
O que o funcionalismo agregou como novidade na teoria do tipo penal
(como veremos detalhadamente mais adiante) foi a imputação objetiva, que
faz parte da segunda dimensão (normativa ou valorativa) do tipo penal.
Não se pode negar que a segunda etapa (normativa) tem também cunho
objetivo, porque também ela não pertence ao mundo anímico do agente.
Mas pela sua relevância acabou ganhando status diferenciado dentro da
tipicidade. Nós a denominados de dimensão material. A primeira, destarte,
passa a ser formal. Ambas, na verdade, são objetivas (não pertencem ao
mundo anímico do agente). Mas doravante bem definidas como formal e
material.
Não basta para a adequação típica o “causar a morte de alguém” (posição
do causalismo de von LISZT-BELING) ou mesmo “causar dolosamente ou
culposamente a morte de alguém” (posição do finalismo de WELZEL). O
tipo penal, depois do advento do funcionalismo, não conta só com duas
dimensões (a formal e subjetiva), sim, com três (formal, normativa ou
material e subjetiva).
Tipicidade penal, portanto, passou a significar (depois de ROXIN e após
todas as demais contribuições constitucionalistas que reputamos corretas)
tipicidade formal + tipicidade material ou normativa (desvaloração da
conduta e desvaloração do resultado jurídico) + tipicidade subjetiva (nos
crimes dolosos).
23 Ibid.
12
Do tipo penal passou a fazer parte a imputação objetiva (dimensão
normativa do tipo), que se expressa numa dupla exigência:
(a) só é penalmente imputável a conduta que cria ou incrementa um risco
proibido (juridicamente desaprovado);
(b) só é imputável ao agente o resultado que é decorrência direta desse
risco. O comerciante que vendeu a faca não pratica fato típico nenhum
porque sua conduta é criadora de risco permitido. Quem cria risco
permitido não realiza nenhum fato típico. Falta a tipicidade normativa. A
primeira dimensão da teoria da imputação objetiva pertence à valoração
da conduta (é o critério sobre o qual reside o juízo de valoração da
conduta), enquanto a segunda integra a valoração do resultado jurídico
(veremos tudo isso mais adiante).24
Por
último,
o
quinto
estágio
evolutivo,
baseado
na
Teoria
Constitucionalista do Delito (Luiz Flávio Gomes, atualidade), a tipicidade penal passa
a ser compreendida (necessariamente) também em sentido material. Ela é fruto de
todas as contribuições orientadas a conferir ao tipo penal uma clara relevância
selecionadora do que é penalmente importante, afirma Luiz Flávio Gomes:
De acordo com a teoria constitucionalista do delito que estamos adotando
(que aceita a crítica corretiva de FRISCH contra a teoria da imputação
objetiva de ROXIN – tal como veremos logo abaixo - e que agrega à teoria
da tipicidade a exigência de uma ofensa ao bem jurídico, nos termos do que
proclamam ZAFFARONI e tantos outros autores) a tipicidade penal tem que
ser compreendida (necessariamente) também em sentido material. Ela é
fruto de todas as contribuições orientadas a conferir ao tipo penal uma clara
relevância selecionadora do que é penalmente importante.
Além de aceitar os pressupostos materiais da moderna teoria da imputação
objetiva (de ROXIN), ela sustenta a imperiosa necessidade de também se
considerar (dentro do âmbito da dimensão material da tipicidade) a ofensa
ao bem jurídico (ou seja: o resultado jurídico, que é o desvalor do
resultado). Mesmo porque, por força do princípio da ofensividade, não há
crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico.
O tipo penal, portanto, nos crimes dolosos, a partir da teoria
constitucionalista do delito (que 2ª) a material ou normativa; 3ª) a subjetiva,
porém, a segunda delas (a material ou normativa) passa a contemplar dois
juízos valorativos sumamente relevantes que são:
1º) juízo de valoração (desaprovação) da conduta (cabe ao juiz verificar o
desvalor da conduta, ou seja, se o agente, com sua conduta, criou ou
incrementou um risco proibido relevante; essa criação ou incremento de
risco proibido relevante era enfocada por ROXIN como parte integrante da
teoria da imputação objetiva; Frisch, entretanto, muito acertadamente,
entende que a criação ou incremento de risco proibido não é uma questão
de imputação objetiva, sim, de desaprovação da conduta; cf. abaixo
detalhes sobre esse ponto);
2º) juízo de valoração (desaprovação) do resultado jurídico (isto é, desvalor
do resultado que é a ofensa ao bem jurídico).
O fato típico, assim, nos crimes dolosos, depois da moderna teoria da
imputação objetiva bem como da teoria constitucionalista do delito que
subscrevemos significa tipicidade formal + tipicidade material ou normativa
24 GOMES, Luiz Flávio. Tipo, tipicidade, tipicidade material e tipicidade conglobante. Direito Penal:
parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. Material da 3ª aula da Disciplina
Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de PósGraduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera- Uniderp |
REDE LFG.
13
(com dois momentos valorativos distintos, como vimos) + tipicidade
subjetiva (verificação do dolo e outros eventuais requisitos subjetivos do
injusto).1 A ausência de qualquer um desses requisitos implica
naturalmente na atipicidade do fato, que pode ser formal ou material ou
subjetiva (tudo conforme a natureza do requisito faltante). 25
25 GOMES, Luiz Flávio. Tipo, tipicidade, tipicidade material e tipicidade conglobante. Direito Penal:
parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. Material da 3ª aula da Disciplina Princípios
constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Pós-Graduação
Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera- Uniderp |REDE LFG.
14
Celso Delmanto leciona a respeito da evolução da tipicidade penal:
Como ensina Claus Roxin (Derecho Penal, cit. Pp. 276-278), o conceito de
tipo, com significado Político Criminal de garantia (Tatbsetand), teve o seu
embrião com Ernest von Beling em seu Die Lehre von Verbrechen, no início
do século XIX. Para Beling, contudo, o tipo era neutro, não sendo dotado de
qualquer caráter valorativo, mas somente objetivo. Para Beling, a prática de
uma conduta típica por si só nada significava, sendo somente um indício de
antijuridicidade, a qual seria aferida em uma segunda etapa, valorando-se o
caráter de contraditoriedade ao direito, ou não, da conduta típica (...). Todo
o processo subjetivo era, outrossim, tema vinculado à culpabilidade,
estando fora, portando, do tipo, como se verificou na Escola Clássica (...)
Contudo, Max Ernest Mayer e Edmond Mezger, entre outros, já nos idos de
1930 no denominado movimento neoclássico, apontavam que não se podia
renunciar, sempre, ao elemento subjetivo na própria configuração da
conduta típica em que o agente deve ter ânimo rem sib habendi, por
exemplo, no crime de apropriação indébita. Em continuação a este
processo, desenvolveu-se o Finalismo de Hans Welzel, possuindo o tipo
ambos os aspectos objetivo e subjetivo. Atualmente, portanto, no tipo penal
encontram-se descritas: a) a conduta comissiva ou omissiva, denominada
tipo objetivo; b) o dolo ou a culpa do agente, isto é, tipo subjetivo; c) o
resultado naturalístico (crimes materiais) ou normativo (crimes de perigo); d)
o nexo de causalidade. Por vezes há, ainda, e) elementos normativos do
tipo (como nas expressões “indevidamente”, “sem justa causa”...) e, em
alguns casos, f) elemento subjetivo do tipo, que impõe um especial fim de
agir (por exemplo, “em proveito próprio ou alheio”) 26 .
Contudo, verifica-se que como ocorre com outros Institutos do Direito
Penal, a tipicidade possui excludentes das quais afastam a responsabilidade do
agente em determinada situação fática, cuja prática do fato típico deixa de ser assim
caracterizado. As variações da tipicidade bem como suas características formais e
materiais serão estudadas no item a seguir.
2.1. Tipicidade formal e tipicidade material
A tipicidade formal equivale à materialização da tipicidade que nada mais
é senão a adequação do fato a norma abstrata. Ela pode ser direta como também
pode ser indireta. A tipicidade formal direta ocorre quando o fato se ajusta com
perfeição ao tipo penal. Já a tipicidade formal indireta se caracteriza quando o fato
para o ajuste necessita de norma de extensão, ou seja, há uma subsunção indireta.
O direito penal contemporâneo faz uma análise crítica das atuais normas
jurídicas penais, sopesando os valores em jogo, para averiguar se realmente houve
26 DELMANTO. Celso. Código Penal Comentado. 7 ed. Atual. E ampl.. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p.41/42
15
o efetivo dano ao bem jurídico tutelado na realização de uma conduta descrita no
tipo penal. É necessário enfocar nessa investigação, a tipicidade material, momento
em que será verificado se realmente a conduta do agente expôs concretamente ao
bem jurídico tutelado a um risco ou a um efetivo dano.
Quanto à tipicidade material ou normativa, exige dois juízos valorativos
distintos: (a) juízo de valoração (desaprovação) da conduta (criação ou incremento
de riscos proibidos relevantes) e (b) juízo de valoração (desaprovação) do resultado
jurídico (ofensa desvaliosa ao bem jurídico ou desvalor do resultado, que significa
lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico), assevera Luiz Flávio Gomes:
A tipicidade material tem por fundamento dois juízos distintos: (a) juízo de
valoração (desaprovação) da conduta e (b) juízo de valoração
(desaprovação) do resultado. Quando a conduta é socialmente aceita
(manutenção de motéis, por exemplo) fica afastada a desaprovação da
conduta (porque se trata de conduta que cria risco tolerado, aceito). Quando
é o resultado que é socialmente adequado (maus-tratos a animais em
rodeios, pequenas lesões corporais nas relações sexuais, perfuração da
orelha da criança, etc.) fica afastado o requisito da ofensa intolerável (não
há que se falar em desaprovação do resultado). Aparentemente não seria
difícil distinguir a incidência do desvalor da ação e do desvalor do resultado.
Na prática, entretanto, isso nem sempre é tão simples. Conclusão: havendo
dúvida insuperável, nada impede que a conduta socialmente adequada seja
desde logo afastada a tipicidade material em razão do juízo de valoração da
ação27.
Para que a tipicidade material reste configurada é necessário que a lesão
ao bem jurídico seja grave e altamente relevante face ao princípio da ofensividade
também coroado pela Constituição Federal. Desta forma, a lesividade é
imprescindível para que a materialização do fato típico ocorra, pois, afastada a
lesividade da conduta também é afastada a ilicitude do ato o que torna o fato
atípico28.
27 GOMES. Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2 ed. Ver.
Atual. E ampl. .São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p.173.
28 O fato típico consiste no fato que se enquadra na descrição do delito contido na lei. São
requisitos: a) a conduta dolosa ou culposa; b) o resultado (salvo nos crimes de mera conduta); c) o
nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; d) a imputação objetiva e e) a tipicidade. A
ausência de qualquer destes elementos torna o fato um indiferente penal, ou seja, atípico, não
ilícito.
16
3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: EXCLUDENTE DE TIPICIDADE PENAL
1. Conceito de princípio
Em consulta ao dicionário de língua portuguesa Aurélio, a palavra
princípio tem o significado de causa originária. A noção de princípio, mesmo que fora
do mundo jurídico, sempre se relaciona a causas, alicerces, orientações de caráter
geral. Trata-se, sem sombra de dúvidas, do começo ou origem de qualquer coisa.
A palavra “princípio” tem raízes do latim “principium”, que significa, numa
acepção superficial, início, começo, origem das coisas. No pensamento de Luís Diez
Picazo citado por Paulo Bonavides “onde designa as verdades primeiras”, bem como
têm os princípios, de um lado, “servido de critério de inspiração às leis ou normas
concretas desse Direito positivo” e, de outro, de normas obtidas “mediante um
processo de generalização e decantação dessas leis.” 29.
De Plácido e Silva leciona acerca do conceito de princípios no âmbito
jurídico:
No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas
elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como
alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras
ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação
jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação
jurídica. (...) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos,
que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito. 30
29 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
228/229.
30 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 447. Apud.
PRETEL, Mariana Pretel e. Princípios constitucionais: conceito, distinções e aplicabilidade. Conteúdo
Jurídico. Brasília-DF: 26 mar. 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?
17
Segundo Mariana Pretel os princípios são postulado éticos inspiradores,
não configuram apenas como lei, mas como o próprio direito em sua extensão:
caracterizam-se, efetivamente de postulados éticos inspiradores de toda
ordem jurídica, constantes nas normas ou próprios à interpretação dessas,
são os fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica. Na
verdade, não se configuram apenas como lei, mas como o próprio direito
em toda a sua extensão e abrangência.31
O princípio “é espécie normativa. Trata-se de norma que estabelece um
fim a ser atingido.”
32
. Assim, “o reconhecimento da normatividade dos princípios e
de suma importância como critério de decisão, sobretudo na solução de casos
difíceis.” 33.
Segundo Ronald Dworkin a diferença entre princípios e regras é de
natureza lógica. As regras "são aplicáveis à maneira tudo-ou-nada. Dados os fatos
que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela
fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a
decisão” 34. Por sua vez, um princípio traz "uma razão que conduz o argumento em
uma certa direção"35. Contudo pode existir outro princípio que explique no sentido
contrário. Desta forma, então, há a possibilidade de que aquele princípio não
prevaleça, "mas isso não significa que não se trate de um princípio de nosso
sistema jurídico, pois em outro caso, quando essas considerações em contrário
estiverem ausentes ou tiverem menor força, o princípio poderá ser decisivo” 36.
artigos&ver=2.23507>. Acesso em: 28 mar. 2011.
31 PRETEL, Mariana Pretel e. Princípios constitucionais: conceito, distinções e aplicabilidade.
Conteúdo Jurídico. Brasília-DF: 26 mar. 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?
artigos&ver=2.23507>. Acesso em: 28 mar. 2011.
32 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 12. ed. v. 1. Salvador: Editora JusPODIVM, 2010, p. 30.
33 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO,
2011, p. 209.
34 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2007, p.39/42. Apud. CUNHA, Guilherme Bohrer Lopes. A situação atual da
teoria dos princípios no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2410, 5 fev. 2010. Disponível
em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14289>. Acesso em: 30 maio 2011.
35 Ibid.
36 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p.39/42. Apud. CUNHA, Guilherme Bohrer Lopes. A situação atual da teoria
dos princípios no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2410, 5 fev. 2010. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/14289>. Acesso em: 30 maio 2011.
18
Para Robert Alexy os princípios "são normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes”
37
, considerados, assim, como mandamentos de otimização (com esse
conceito o autor também inclui as permissões e as proibições), satisfeitos em grau
variados, dependendo das possibilidades jurídicas e fáticas.
Já as regras "são normas que são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas", que contêm determinações. Se a regra é válida, então, "deve se fazer
exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos” 38.
Por fim, devemos destacar a diferenciação feita por Humberto Ávila entre
princípios e regras:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na
finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o
estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção..39
37 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2008, p. 90. Apud. CUNHA, Guilherme Bohrer Lopes. A situação atual da teoria
dos princípios no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2410, 5 fev. 2010. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/14289>. Acesso em: 30 maio 2011.
38 Ibid.
39 ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed.
aum. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 78/79.
19
2. Origem do princípio da insignificância
A origem histórica do principio da insignificância é muito controvertida na
doutrina. Segundo Fernando Capez “originário do Direito Romano, e de cunho
civilista, o princípio da insignificância ou bagatela funda-se no conhecido brocardo
de minimis non curat praetor. “40
Maurício Antônio Ribeiro Lopes não atribui de imediato a origem deste
princípio pelos romanos, visto que estes possuíam bom desenvolvimento apenas no
âmbito civil, não tendo a mínima noção do princípio da legalidade penal. Para o
referido autor, o brocardo romano é não passa de uma máxima, e não um estudo
calculado.41
A evolução do princípio da insignificância está relacionada ao princípio da
legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege, passando por transformações ao
longo dos tempos, tornando a mais forte e sólida garantia à liberdade individual
dentro de um Estado de Direito.
Com o decorrer do tempo, foi sendo explicada a idéia do nullum crimen
nulla poena sine iuria, ou seja, não existe crime sem lesão ou perigo lesão grave a
um bem juridicamente tutelado, para a incidência da sanção criminal.
Assim, verifica-se a preocupação destinada a evitar que lesões ou perigo
de lesões insignificantes aos bens juridicamente tutelados sofram os gravames do
direito penal.
40 CAPEZ, Fernando. Princípio da insignificância ou bagatela. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n.
2312, 30 out. 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/13762>. Acesso em: 28 mar.
2011.
41 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. O princípio da insignificância no direito penal. São Paulo: RT,
2000, p. 41/42.
20
Contudo, o estudo do princípio da insignificância ganhou destaque no
trabalho proposto por Claus Roxin, no ano de 1964, que postulou o reconhecimento
da insignificância como causa de exclusão de tipicidade, conforme discorre Luiz
Flávio Gomes:
Se por um lado não se pode duvidar que é muito controvertida a origem
histórica da teoria da insignificância, por outro, impõe-se sublinhar que o
pensamento penal vem (há tempos) insistindo em sua recuperação (pelo
menos desde o século XIX). São numerosos os autores que desde esse
período a invocam e pedem sua restauração: assim Carrara, Von Liszt,
Quintiliano Saldaña, Roxin, Baumann, Blasco e Fernández de Moreda,
Soler, Zaffaroni etc. Nas últimas décadas desta-se o trabalho de Roxin,
surgido em 1964, que postulou o reconhecimento da insignificância como
causa de exclusão da tipicidade penal.42
2.1 Conceito de princípio da insignificância.
O princípio da insignificância ou da bagatela, como se sabe, não conta
com reconhecimento normativo explícito no nosso ordenamento jurídico (salvo
algumas exceções no CPM: art. 209, § 6º, por exemplo - em caso de lesão
levíssima, autoriza que o juiz considere o fato como mera infração disciplinar -; art.
240, § 1º, para o furto insignificante etc.), cabendo à doutrina discutir, elaborar e
aperfeiçoá-lo.
O princípio da insignificância ou da bagatela 43 é tanto no direito brasileiro
como no internacional, “a via dogmática mais apropriada para se alcançar o
reconhecimento da irresponsabilidade penal do fato ofensivo ínfimo ou da conduta
banal e sem relevância penal.” 44.
42 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.54/55.
43 Princípio da insignificância é a denominação dada por ROXIN (Kriminalpolitik und
Strafrechtssystem, p. 24, em JUS, 1964) enquanto princípio de bagatela foi o nome dado por
TIEDEMANN (em JUS, p. 108-113) (Cfr. ZAFFARONI, Eugenio R., ALAGIA, A. e SLOKAR, A.,
Derecho penal:PG, Buenos Aires: Ediar, 2001, p. 471, notas 53 e 54). Apud GOMES, Luiz Flávio.
Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev. atul. ampl. São Paulo:
RT, 2010, p.52.
44 GOMES, Luiz Flávio. Op. cit, p.52.
21
Em um Direito penal que tem como eixo central uma concreta e
intolerável ofensa aos bens juridicamente tutelados “O chamado princípio da
insignificância (Geringfügirkeitsprinzip), na esteira da lição de ROXIN, é justamente
o que permite, na maioria dos tipos legais, excluir desde logo danos de pouca
importância.” 45.
O princípio da insignificância “que se revela por inteiro pela sua própria
denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja
necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve se ocupar de bagatelas.” 46
Abel Cornejo afirma que o princípio da insignificância é uma forma pela
quais fatos ínfimos não se transformem em estigmas para seus autores, além de
desafogar a Justiça:
é o que permite não processar condutas socialmente irrelevantes,
assegurando não só que a Justiça esteja mais desafogada, ou bem menos
assoberbada, senão permitindo também que fatos nímios não se
transformem em uma sorte de estigma para seus autores. Do mesmo modo,
abre a porta a uma revalorização do direito constitucional e contribui para
que se imponham penas a fatos que merecem ser castigados por seu alto
conteúdo criminal, facilitando a redução dos níveis de impunidade.
Aplicando-se este princípio a fatos nímios se fortalece a função da
Administração da Justiça, porquanto deixa de atender fatos mínimos para
cumprir seu verdadeiro papel. Não é um princípio de direito processual,
senão de Direito penal
Conforme
ensinamento
.47.
de
Carlos
Vico
Mañas
o
princípio
da
insignificância é instrumento de descriminalização de condutas:
ele é um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção
material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via
judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a
proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de
condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante
os bens jurídicos protegidos pelo direito penal 48
45 Ibid. p.53.
46 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
1994, p. 132.
47 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.52/53.
48 MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância no direito penal. Disponível em:
<http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm>. Acesso em: 29 mar. 2011.
22
Assim, temos que o princípio da insignificância ou bagatela pode ser conceituado como um princípio implícito de interpretação do direito penal que possibilita
afastar a tipicidade material de condutas que provocam ínfima lesão ao bem jurídico
tutelado.
2.3. Infração bagatelar
A infração bagatelar é que resulta de uma conduta ou ataque ao bem
jurídico de forma tão irrelevante, que não merece a intervenção do penal. Luiz Flávio
Gomes assevera acerca do conceito de infração bagatelar:
infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o
fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras
palavras é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que
não requer (ou não necessita da) intervenção penal. O fato insignificante,
destarte, deve ficar reservado para outra áreas do Direito (civil,
administrativo, trabalhista etc.) Não se justifica a incidência do Direito penal
(com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre fato
verdadeiramente insignificante.49
A infração bagatelar está divida em duas espécies: a própria e a
imprópria.
2.3.1 Infração bagatelar própria
A infração bagatelar própria é aquela que surge sem relevância penal,
porque não ocorre um relevante desvalor da ação ou desvalor do resultado, não
merecendo a tutela do direito penal, afirma Luiz Flávio Gomes:
já nasce sem nenhuma relevância penal, porque não há (um relevante)
desvalor da ação (ausência de periculosidade na conduta, falta de
reprovabilidade da conduta, mínima ofensividade ou idoneidade) ou um
relevante desvalor do resultado jurídico (não se trata de ataque grave ou
significativo ao bem jurídico, que mereça a incidência do Direito penal) ou
ambos.50
49 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.21.
50 Ibid, p.20.
23
Desta forma, há insignificância da conduta ou do resultado. Quem furta
uma caixa de bombons de outra pessoa, v.g., pratica um fato insignificante,
irrelevante, em sentido próprio. O fato já nasce insignificante para o direito penal.
Diante de fatos de infração bagatelar própria o princípio a ser aplicado é o
da insignificância, assevera Luiz Flávio Gomes:
infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o
fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras
palavras é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que
não requer (ou não necessita da) intervenção penal. O fato insignificante,
destarte, deve ficar reservado para outra áreas do Direito (civil,
administrativo, trabalhista etc.) Não se justifica a incidência do Direito penal
(com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre fato
verdadeiramente insignificante.51
2.3.2. Infração bagatelar imprópria
A infração bagatelar imprópria é a que surge relevante para o Direito
penal, mas depois se constata que a aplicação de qualquer pena no caso apresentase como totalmente desnecessária, é esta ligada ao princípio da irrelevância penal
do fato, conforme aduz Luiz Flávio Gomes:
Infração bagatelar imprópria é a que não nasce relevante para o Direito
penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado),
mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso
apresenta-se totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da
pena conjugado pelo princípio da irrelevância pena do fato).52
No direito legislado há vários exemplos da ocorrência da infração
bagatelar imprópria: no crime de peculato culposo, v.g., a reparação dos danos
antes da sentença irrecorrível extingue a punibilidade. Isto é, a infração torna-se
bagatelar (em sentido impróprio) e a pena torna-se desnecessária.
Assim temos que o princípio da insignificância está para a infração
bagatelar própria assim como o da irrelevância penal do fato está para a infração
bagatelar imprópria.
51 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.21.
52 Ibid, p.29.
24
Contudo, não podemos confundir a infração bagatelar própria com a
infração bagatelar imprópria, com bem ressalta Luiz Flávio Gomes:
Em outras palavras: as circunstâncias do fato assim como as condições
pessoais do agente podem induzir ao reconhecimento de uma infração
bagatelar imprópria cometida por um autor merecedor do reconhecimento
da desnecessidade da pena. Reunidos vários requisitos favoráveis, não há
como deixar de aplicar o princípio da irrelevância penal do fato
(dispensando-se a pena, tal como se faz no perdão judicial). O fundamento
jurídico para isso reside no art. 59 do CP (visto que o juiz, no momento da
aplicação da pena, deve aferir sua suficiência e, antes de tudo, sua
necessidade).
Do exposto infere-se: infração bagatelar própria = princípio da
insignificância; infração bagatelar imprópria = princípio da irrelevância penal
do fato. Não há como se confundir a infração bagatelar própria (que
constitui fato atípico – falta tipicidade material) com a infração bagatelar
imprópria (que nasce relevante para o Direito penal). A primeira é
puramente objetiva. A segunda está dotada de uma certa subjetivização,
porque são relevantes para ela o autor, seus antecedentes, sua
personalidade etc.53
2.3.3 Punibilidade da infração bagatelar
A indagação que surge é se o autor do fato insignificante ou do fato
penalmente irrelevante ficaria impune, fazendo com que estes princípios se tornem
instrumento de descrédito do sistema legal fomento ao sentimento de impunidade.
Temos que para o cometimento de infração bagatelar (própria ou
imprópria) não se justifica a aplicação do direito penal, uma vez que o fato que
nasce irrelevante ou torna-se irrelevante para o ordenamento penal, não merece
atenção do mesmo, uma vez que o Direito Penal é a proteção subsidiária de bens
jurídicos essenciais à paz social, porém como ultima ratio, ou seja, como última
opção de controle, tendo em vista o fracasso dos outros meios formais de controle
social em relação à proteção dos bens da vida relevantes.
53 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.31.
25
Isso significa que, em sendo possível evitar determinadas condutas e
consequentemente proteger certos bens da vida importantes por meio de outros
ramos do direito (civil, administrativo, trabalhista), o Estado está proibido de lançar
mão do Direito Penal para tal. 54
54
ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Direito Penal como ultima ratio. Disponível em
http://www.lfg.com.br. 08 de abril de 2009. Acesso em: 29/03/2011.
26
O alicerce dessa premissa (direito penal da ultima ratio) está na
Constituição Federal de 1988, especialmente no princípio da dignidade da pessoa
humana.55
O fato insignificante não constitui ilícito penal, mas é um ilícito, devendo
cair sobre o seu autor todas as sanções cabíveis, conforme afirma Luiz Flávio
Gomes.
Mas ficaria impune o autor do fato insignificante ou do fato penalmente
irrelevante? Não. O fato insignificante não constitui ilícito penal, mas é um
ilícito. Deve recair sobre seu autor todas as sanções cabíveis: civis
(indenização), trabalhistas (despedida do empregado, quando o caso),
sociais (admoestação), administrativas etc. O que não se justifica é a
aplicação do Direito penal (em fato absolutamente destituídos de significado
penal). Não podemos utilizar um canhão para matar um passarinho!
(JESCHECK). De outro lado, no que diz respeito ao fato penalmente
irrelevante, é certo que o juiz reconhece a desnecessidade de pena na
sentença ( o que significa que o sujeito sofreu todos os constrangimentos
das atividades investigatórias, do processo etc.).56
3. Critérios para aplicação do princípio da insignificância
Durante muitos não possuíamos uma doutrina nem uma jurisprudência
que explicitavam os requisitos validos para a aplicação do princípio da insignificância
ou da bagatela, até que o Supremo Tribunal Federal, em linhas gerais, depois de
inúmeros julgados, com o argumento de que o princípio da insignificância deve ser
analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a
própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, fixou tal
postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade
penal, a presença de 4 (quatro) vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da
conduta do agente (isto é mínima idoneidade ofensiva da conduta (b) ausência de
periculosidade social da ação, (c) falta de reprovabilidade da conduta e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada. 57
55
ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Direito Penal como ultima ratio. Disponível em
http://www.lfg.com.br. 08 de abril de 2009. Acesso em: 29/03/2011
56 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.32.
57 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84687, Relator(a):Min. CELSO DE MELLO, Segunda
Turma, julgado em 26/10/2004, DJ 27-10-2006 PP-00063 EMENT VOL-02253-02 PP-00279 RTJ
VOL-00202-02 PP-00682 LEXSTF v. 29, n. 337, 2007, p. 333-346)
27
A maior dificuldade relacionada com o princípio da insignificância não é
tanto a pertinente à sua admissibilidade, mas sim confusão que ainda predomina na
esfera dos seus limites e, nesse sentido, por conseguinte, a inexistência de uma
clara distinção (sobretudo dogmática) entre o princípio da insignificância (que exclui
a tipicidade, como causa supra legal - STJ, REsp 308.307, rel. Min. Laurita Vaz, j.
18.03.04) e o da irrelevância penal do fato (que tem por fundamento o art. 59 do CP,
tornando-se a pena desnecessária no caso concreto, tal como ocorre com o perdão
judicial).58
Dessa distinção ainda não cuidou o legislador nem tampouco com
precisão indiscutível a doutrina brasileira. Daí se infere a natural confusão que a
jurisprudência vem espelhando nessa área. Dois julgados recentes, cuidando do
mesmo delito (descaminho), demonstram o que acaba de ser dito: 59
(a) (...) para o reconhecimento do aludido corolário (princípio da
insignificância) não se deve considerar tão-somente a lesividade mínima da
conduta do agente, sendo necessário apreciar outras circunstâncias de
cunho subjetivo, especialmente àquelas relacionadas à vida pregressa e ao
comportamento social do sujeito ativo, não sendo possível absolvê-lo da
imputação descrita na inicial acusatória, se é reincidente, portador de maus
antecedentes ou, como na espécie ocorre, reiteradamente pratica o
questionado ilícito como ocupação."60
(b) A lesividade da conduta, no delito de descaminho, deve ser tomada em
relação ao valor do tributo incidente sobre as mercadorias apreendidas.
Circunstâncias de caráter eminentemente subjetivo tais como reincidência,
maus antecedentes e, também, o fato de haver processos em curso visando
à apuração da mesma prática delituosa, não interferem na aplicação do
princípio da insignificância, pois este está estritamente relacionado com o
bem jurídico tutelado e com o tipo de injusto. Writ concedido." 61
58 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.40/41.
59 Ibid. p.41.
60 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 33.655-RS, rel. Minª. Laurita Vaz, dj. 01.06.04.
61 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 34.641-RS, rel. Min. Felix Fischer, dj. 15.06.04.
28
A linha jurisprudencial mais acertada (a última) reconhece o princípio da
insignificância ou da bagatela levando em conta (unicamente) o desvalor do
resultado ou o desvalor da ação, é dizer, é suficiente (para a atipicidade) que o nível
da lesão (ao bem jurídico) ou do perigo concreto verificado seja ínfimo ou ainda que
a conduta do agente não tenha tido relevância "penal" (séria) para a produção do
resultado. Cuidando, ao contrário, de ataque intolerável ou de conduta relevante o
fato é típico (e, portanto, punível).62
Existe outra corrente jurisprudencial (cada vez mais recorrente) que, para
o reconhecimento da infração bagatelar e do princípio da insignificância, não se
satisfaz apenas com o desvalor do resultado ou da ação, acentuando, ademais, a
imprescindibilidade de outras exigências: o fato é penalmente irrelevante quando
são insignificantes (cumulativamente) não só o desvalor do resultado, senão
também o desvalor da ação bem como o desvalor da culpabilidade do agente (isto é:
quando todas as circunstâncias judiciais - culpabilidade, antecedentes, conduta
social, personalidade, motivos do crime, consequências, circunstâncias etc. - sejam
favoráveis).63
A confusão está aqui: os critérios que orientam o princípio da
insignificância ou da bagatela são somente os do desvalor do resultado e do
desvalor da conduta (e nada mais). Não se pode unir os critérios fundantes de cada
princípio, sob pena de se incorrer em grave confusão (que não se coaduna com a
boa técnica). O injusto penal é constituído de desvalor do resultado e desvalor da
ação. A insignificância correlaciona-se indubitavelmente com o âmbito do injusto
penal. Logo, não entram aqui critérios subjetivos típicos da reprovação da conduta
(ou da necessidade da pena).64
62 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.41/42.
63 Ibid. p.41/42.
64 Ibid. p.41/42.
29
Não existe dúvida que não podemos conceber que o autor de um fato
insignificante fique totalmente impune. Alguma punição ele pode ter que
experimentar (tudo depende do caso concreto, ou seja, caso a caso): sanção moral,
civil, trabalhista, quando o caso, pagamento de multas etc. Só não se justifica,
evidentemente, a incidência do Direito penal que, em face das drásticas
consequências que resultam à vida do condenado, deve ser reservado para fatos
igualmente graves, relevantes.65
Toda referência que é feita (na esfera do princípio da insignificância ou da
bagatela) ao desvalor da culpabilidade (réu com bons antecedentes, motivação do
crime, personalidade do agente etc.) está confundindo o injusto penal com sua
reprovação, leia-se, está misturando a teoria do delito com a teoria da pena (ou, na
linguagem de Graf Zu Dohna, o objeto de valoração com a valoração do objeto). Não
se pode utilizar um critério típico do princípio da irrelevância penal do fato (teoria da
pena) dentro do princípio da insignificância (que reside na teoria do delito). Essa é a
confusão que precisa ser desfeita o mais pronto possível, para que o Direito penal
não seja aplicado incorretamente (ou mesmo arbitrariamente).
66
4. Princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade material
do fato
O princípio da insignificância ou da bagatela “que se revela por inteiro
pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai
até onde seja necessário para proteção do bem jurídico.”
67
. Assim temos “que a
gradação qualitativa e quantitativa do injusto, permite que o fato penalmente
insignificante seja excluído da tipicidade penal.”
68
Segundo Pierangeli e Zaffaroni as afetações de bens jurídicos exigidas
pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade, assim a insignificância da
afetação exclui a tipicidade penal:
65 Ibid. p.43.
66 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.43.
67 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
1994, p. 133.
68 Ibid. p. 134
30
Há relativamente pouco tempo, observou-se que as afetações de bens
jurídicos exigidas pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade,
isto é, alguma gravidade, posto que nem toda afetação mínima do bem
jurídico era capaz de configurar a afetação requerida pela tipicidade penal.
A insignificância da afetação exclui a tipicidade.69
Na visão de Ney Moura Teles “o princípio da bagatela exclui a tipicidade
do fato, aplicando-se a todo e qualquer tipo legal de crime.” 70.
Guilherme de Souza Nucci afirma que a insignificância “é excludente
supralegal de tipicidade, demonstrando que lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado
não são suficientes para, rompendo o caráter subsidiário do Direito penal, tipificar a
conduta.” 71.
O fato insignificante (em razão da exiguidade penal da conduta ou do
resultado) é formalmente típico, mas não é materialmente típico. Ressalta-se, que a
tipicidade formal (composta da conduta, resultado naturalístico, nexo causal e
adequação do fato a norma) já não exauri toda a globalidade da tipicidade penal,
que ainda exige a dimensão material (desaprovação da conduta e desaprovação do
resultado jurídico). Nos crimes dolosos, como sabemos, ainda se requer a terceira
dimensão, ou seja, subjetiva (imputação subjetiva). 72
Assim, temos que a consequência dogmática decorrente da aplicação do
princípio da insignificância e a exclusão da tipicidade do fato, ou seja, o fato deixa de
ser materialmente típico, conforme aduz Luiz Flávio Gomes:
A consequência dogmática inevitável decorrente da incidência do princípio
da insignificância e a exclusão da tipicidade do fato. O fato deixa de ser
materialmente típico.
69 PIERANGELI, José Henrique, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro. 7.
ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: RT, 2007, p. 3
70 TELES, Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral – I (arts. 1ºa 31 do Código Penal). Princípios
Constitucionais, Teoria da Lei Penal e Teoria do Crime. 1. ed. v.1. São Paulo: LED, 1996, p. 299.
71 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, 5. Ed. Ver.,
atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 218
72 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.74/73.
31
Não bata, assim, que a conduta realizada tenha produzido o resultado
naturalístico exigido por alguns tipos penais (crimes materiais), que haja
nexo de causalidade entre a conduta e esse resultado, que a conduta esteja
devidamente descrita numa formulação típica legal. Esse lado formal do
delito (da tipicidade penal) é necessário, mas, não suficiente.
Ademais da tipicidade formal impõe-se também a presença da tipicidade
material, que exige um duplo juízo de valorativo: (a) de desaprovação da
conduta e (b) de desaprovação do resultado jurídico. Nos crimes dolosos,
ainda se requer a dimensão subjetiva (dolo e outros eventuais requisitos
subjetivos especiais).
O fato que produz um resultado jurídico insignificante (uma lesão ou perigo
concreto de pouca importância ao bem jurídico como é o caso do furto de
um objeto de R$ 25,00, segundo decisão do Min. Celso de Mello) é
formalmente típico (preenche os quatro requisitos formais: conduta,
resultado naturalístico, nexo de causalidade e adequação típica formal),
mas não materialmente típico (porque lhe falta justamente a presença do
requisito material consistente na desaprovação do resultado).73
O Supremo Tribunal Federal reconhece o princípio da insignificância
como causa de exclusão da tipicidade material da conduta, em acordão paradigma
de relatoria do Ministro Celso de Mello:
73 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. rev.
atul. ampl. São Paulo: RT, 2010, p.75.
32
E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS
VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE
POSTULADO
DE
POLÍTICA
CRIMINAL
CONSEQÜENTE
DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO
MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM
DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA"
NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO
ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO
DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA
QUALIFICA-SE
COMO
FATOR
DE
DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio
da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados
da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada
na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que
considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a
presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta
do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo
grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da
lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação
teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal
reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a
intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA
INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON
CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima
circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do
indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria
proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes
sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores
penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,
impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar
de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em
lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso
mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à
integridade da própria ordem social.74
5. Incidência do princípio da insignificância no caso concreto
O princípio da insignificância tem incidência em crimes de furto de bens
de pequeno valor, ou seja, em que há mínimo grau de lesividade da conduta:
74 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84412, Relator (a): Min. Celso de Mello, segunda turma,
julgado em 19/10/2004, dj 19-11-2004 pp-00037 ement vol-02173-02 pp-00229 rt v. 94, n. 834,
2005, p. 477-481 rtj vol-00192-03 pp-00963.
33
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE FURTO
(CAPUT DO ART. 155, COMBINADO COM O INCISO II DO ART. 14,
AMBOS DO CÓDIGO PENAL). OBJETO – APARELHO CELULAR - QUE
NÃO SUPERA O VALOR DE R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS). ALEGADA
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE
MATERIAL DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE UM INDIFERENTE
PENAL. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ANÁLISE OBJETIVA. ORDEM
CONCEDIDA. 1. O objeto que supostamente se tentou subtrair não
ultrapassa o valor de R$ 200,00 (duzentos reais): aparelho de telefone
celular. Objeto que foi restituído à vítima, sendo certo que o acusado não
praticou nenhum ato de violência. 2. Para que se dê a incidência da norma
penal não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo legal. É
preciso que a conduta delituosa se contraponha, em substância, ao tipo em
causa. Pena de se provocar a desnecessária mobilização de u’a máquina
custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder
em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal,
não ter o que substancialmente tutelar. 3. A inexpressividade financeira do
objeto que se tentou furtar salta aos olhos. Risco de um desfalque
praticamente nulo no patrimônio da suposta vítima, que, por isso mesmo,
nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento
da atipicidade da conduta do agente. 4. Habeas corpus deferido para
determinar o trancamento da ação penal, com a adoção do princípio da
insignificância penal.75
Os crimes tributários e de descaminho também estão sujeitos à aplicação
do princípio da insignificância:
EMENTA : Habeas Corpus. Descaminho. Tributos não pagos na importação
de mercadorias. Habitualidade delitiva não caracterizada. Irrelevância
administrativa da conduta. Parâmetro: art. 20 da Lei n° 10.522/02.
Incidência do princípio da insignificância. Atipicidade da conduta. Ordem
concedida. A eventual importação de mercadoria sem o pagamento de
tributo em valor inferior ao definido no art. 20 da Lei n° 10.522/02
consubstancia conduta atípica, dada a incidência do princípio da
insignificância. O montante de tributos supostamente devido pelo paciente
(R$ 1.645,26) é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a
execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos
congêneres em nome do paciente. Ausência, na hipótese, de justa causa
para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não
pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da
fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o
Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
Precedentes. Habitualidade delitiva não caracterizada nos autos. Ordem
concedida para o trancamento da ação penal de origem. 76
EMENTA: CRIME DE BAGATELA – TRIBUTO – CONFIGURAÇÃO. Na
dicção da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, o fato de o
tributo sonegado ser inferior a dez mil reais atrai a teoria da insignificância
do ato para efeito penal. Óptica suplantada ante o somatório de valores
considerados processos diversos a ultrapassar o montante referido. 77
75 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 105974, Relator (a): Min. Ayres Britto, segunda turma,
julgado em 23/11/2010, processo eletrônico dje-020 divulg 31-01-2011 public 01-02-2011.
76 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 96852, Relator (a): Min. Joaquim Barbosa, segunda
turma, julgado em 01/02/2011, dje-049 divulg 15-03-2011 public 16-03-2011 ement vol-02482-01
pp-00017.
77 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, HC 97257, Relator (a): Min. Marco Aurélio, primeira turma,
julgado em 05/10/2010, dje-233 divulg 01-12-2010 public 02-12-2010 ement vol-02443-01 pp-
34
Os crimes de estelionato e de receptação podem ser abarcados pelo
princípio da insignificância:
EMENTA : Habeas Corpus. Estelionato. Lesão patrimonial de valor
insignificante. Incidência do princípio da insignificância. Atipicidade da
conduta. Precedentes. Ordem concedida. Constatada a irrelevância penal
do ato tido por delituoso, principalmente em decorrência da
inexpressividade da lesão patrimonial e do reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento, é de se reconhecer a atipicidade da conduta praticada
ante a aplicação do princípio da insignificância. Ausência, na hipótese, de
justa causa para a ação penal. Incidência dos princípios da subsidiariedade,
da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o
Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
Precedentes. Ordem concedida para o reconhecimento da atipicidade da
conduta.78
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME
DE RECEPTAÇÃO. OBJETO DE VALOR REDUZIDO. DEVOLUÇÃO
ESPONTÂNEA À VÍTIMA. REQUISITOS DO CRIME DE BAGATELA
PREENCHIDOS NO CASO CONCRETO. ATIPICIDADE MATERIAL DA
CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A incidência do princípio da
insignificância depende da presença de quatro requisitos, a serem
demonstrados no caso concreto: a) mínima ofensividade da conduta do
paciente; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo
grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão
jurídica provocada. 2. A via estreita do habeas corpus não admite um
profundo revolvimento de provas nem o sopesamento das mesmas. A
aplicação do princípio da insignificância só será permitida se os autos
revelarem claramente a presença dos requisitos mencionados. 3. No caso,
a receptação de um walk man, avaliado em R$ 94,00, e o posterior
comparecimento do paciente perante à autoridade policial para devolver o
bem ao seu dono, preenchem todos os requisitos do crime de bagatela,
razão pela qual a conduta deve ser considerada materialmente atípica. 4.
Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal de
origem.79
Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, delito
previsto no artigo 183, da Lei 9.472/1997, está passível da aplicabilidade do princípio
da insignificância:
00074.
78 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 100937, Relator (a): Min. Joaquim Barbosa, segunda
turma, julgado em 07/12/2010, dje-020 divulg 31-01-2011 public 01-02-2011 ement vol-02454-03
pp-00550.
79 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 91920, Relator (a): Min. Joaquim Barbosa, segunda
turma, julgado em 09/02/2010, dje-045 divulg 11-03-2010 public 12-03-2010 ement vol-02393-02
pp-00372 lexstf v. 32, n. 376, 2010, p. 252-256.
35
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA.
OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. IMPUTAÇÃO
AOS PACIENTES DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183
DA
LEI
9.472/1997.
BEM
JURÍDICO
TUTELADO.
LESÃO.
INEXPRESSIVIDADE.
PRINCÍPIO
DA
INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. EXCEPCIONALIDADE.
PRESENÇA.
APURAÇÃO
NA
ESFERA
ADMINISTRATIVA.
POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. I – Consta dos autos que o
serviço de radiodifusão utilizado pela emissora é considerado de baixa
potência, não tendo, deste modo, capacidade de causar interferência
relevante nos demais meios de comunicação. II – Rádio comunitária
localizada em pequeno município do interior gaúcho, distante de outras
emissoras de rádio e televisão, bem como de aeroportos, o que demonstra
que o bem jurídico tutelado pela norma – segurança dos meios de
telecomunicações – permaneceu incólume. III - A aplicação do princípio da
insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta
minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii)
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV)
inexpressividade da lesão jurídica. IV – Critérios que se fazem presentes,
excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado
crime de bagatela. V – Ordem concedida, sem prejuízo da possível
apuração dos fatos atribuídos aos pacientes na esfera administrativa.80
O delito de posse ou porte de drogas para consumo próprio está
amparado pelo principio da insignificância:
E M E N T A: CRIME MILITAR (CPM, ART. 290) - PORTE (OU POSSE) DE
SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - QUANTIDADE ÍNFIMA - USO
PRÓPRIO - DELITO PERPETRADO DENTRO DE ORGANIZAÇÃO
MILITAR - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O
RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM
SEU ASPECTO MATERIAL - PEDIDO DEFERIDO. - Aplica-se, ao delito
castrense de porte (ou posse) de substância entorpecente, desde que em
quantidade ínfima e destinada a uso próprio, ainda que cometido no interior
de Organização Militar, o princípio da insignificância, que se qualifica como
fator de descaracterização material da própria tipicidade penal.
Precedentes.81
O princípio da insignificância também é aplicável no crime de lesão
corporal leve:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. LESÃO CORPORAL LEVE
[ARTIGO 209, § 4º, DO CPM]. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância é aplicável no âmbito da
Justiça Militar de forma criteriosa e casuística. Precedentes. 2. Lesão
corporal leve, consistente em único soco desferido pelo paciente contra
outro militar, após injusta provocação deste. O direito penal não há de estar
voltado à punição de condutas que não provoquem lesão significativa a
80 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 104530, Relator (a): Min. Ricardo Lewandowski, primeira
turma, julgado em 28/09/2010, dje-236 divulg 06-12-2010 public 07-12-2010 ement vol-02446-01
pp-00001 rsjadv jan., 2011, p. 26-30.
81 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 97131, Relator (a): Min. Celso de Mello, segunda turma,
julgado em 10/08/2010, dje-159 divulg 26-08-2010 public 27-08-2010 ement vol-02412-01 pp00212 rjsp v. 58, n. 394, 2010, p. 171-184 lexstf v. 32, n. 381, 2010, p. 408-424.
36
bens jurídicos relevantes, prejuízos relevantes ao titular do bem tutelado ou,
ainda, à integridade da ordem social. Ordem deferida.82
Os crimes ambientais estão sujeito à aplicação do princípio da
insignificância.83, bem como o delito de falsificação de moeda:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO
GROSSEIRA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA.
ORDEM CONCEDIDA. 1. O crime de moeda falsa exige, para sua
configuração, que a falsificação não seja grosseira. A moeda falsificada há
de ser apta à circulação como se verdadeira fosse. 2. Se a falsificação for
grosseira a ponto de não ser hábil a ludibriar terceiros, não há crime de
estelionato. 3. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em meio
a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente
impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de
maneira que a conduta do paciente é atípica. 4. Habeas corpus deferido,
para trancar a ação penal em que o paciente figura como réu.84
Desta forma, o princípio da insignificância ou da bagatela tem sido
aplicado constantemente pelo Supremo Tribunal Federal, em vários tipos de crimes
(formais, materiais, de dano, dolosos, culposos e etc.), uma vez que possibilita a
interpretação restritiva da norma penal, alcançando a atipicidade de condutas que,
embora formalmente típicas, são materialmente atípicas, pois não lesam de forma
relevante um bem jurídico tutelado, seja em razão do desvalor da conduta, seja pelo
desvalor do resultado, ou ambos.
82 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 95445, Relator (a): Min. Eros Grau, segunda turma,
julgado em 02/12/2008, dje-152 divulg 13-08-2009 public 14-08-2009 ement vol-02369-05 pp00929.
83 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AP 439, Relator (a): Min. Marco Aurélio, tribunal pleno,
julgado em 12/06/2008, dje-030 divulg 12-02-2009 public 13-02-2009 ement vol-02348-01 pp00037 rtj vol-00209-01 pp-00024 rt v. 98, n. 883, 2009, p. 503-508.
84 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 83526, Relator (a): Min. Joaquim Barbosa, primeira
turma, julgado em 16/03/2004, dj 07-05-2004 pp-00025 ement vol-02150-02 pp-0027.
37
CONCLUSÃO
38
O direito penal é dinâmico e acompanha a evolução da sociedade, desta
forma, o conceito de crime, por ser um fenômeno de cunho social e cultural, não
pode ser definido como um conceito único, imutável, estático no tempo e no espaço.
Por estes motivos, o conceito de crime sofreu e vem sofrendo várias evoluções
durante os tempos.
O Crime, do ponto de vista formal é o comportamento humano, proibido
pela normal penal, ou simplesmente, a violação desta norma. Enfim, crime é aquilo
que a lei considera crime. Já a definição de crime material/substancial é o fato
originado de uma conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem jurídico
protegido pela lei. Por fim, chegamos ao conceito analítico de crime, no qual o
Código Penal Brasileiro adotou a Teoria Finalista pela qual o crime é caracterizado
como um fato típico, antijurídico e culpável.
Desta maneira, verificamos que o tipo penal é a descrição feita pela
norma penal sobre a conduta humana, correspondente ao crime. O tipo penal
descreve uma ação ou omissão humana a qual a lei determina uma sanção.
Os elementos definidores que formam o fato típico são: a conduta, o
resultado, a tipicidade e nexo causal.
A tipicidade é a adequação do fato da vida real ao modelo descrito
abstratamente em lei.
A conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária,
implicando em um comando de inércia ou de movimentação do corpo humano,
visando produzir um resultado que viole ou exponha a perigo o bem juridicamente
protegido pela lei penal.
O resultado e a modificação sensível do mundo exterior oriunda da
conduta que viole ou exponha a perigo o bem juridicamente protegido pela lei penal.
O nexo causal é o vínculo criado entre a conduta do agente e o resultado
por ele gerado.
39
Estudamos a Teoria da Tipicidade Penal, constatando que esta passou
por cinco estágios evolutivos dos quais culminaram nas definições estudadas hoje.
O primeiro estágio é o Causalismo, o tipo penal, no tempo do Causalismo de VON
LISZT e de BELING (final do século XIX e começo do século XX), era puramente
objetivo (só causalidade). A tipicidade era enfocada como requisito neutro pelo seu
criador (Beling, 1906), exigia: (a) conduta; (b) resultado naturalístico (nos crimes
materiais); (c) nexo de causalidade (nesses crimes materiais) e (d) adequação típica
(subsunção do fato à letra da lei).
O segundo estágio, o Neokantismo ou Neocritismo (defendido por autores
como Frank, Radbruch, Sauer, e outros, 1940.) criticou a concepção neutra da
tipicidade e destacou valoração no tipo penal. Desta maneira, o tipo deslocava-se da
esfera neutra e passava a apreciar a conduta em ambos os sentidos: objetivo e
valorativo, ou seja, a tipicidade penal, para o neokantismo, é tipicidade objetiva e
valorativa.
Já o terceiro estágio, o Finalismo o finalismo de WELZEL (cujo ápice, na
doutrina europeia, se deu entre os anos 1945 e a década de sessenta do século
passado) o tipo penal passou a ser retratado por duas dimensões: a objetiva e a
subjetiva. Esta última era integrada pelo dolo ou culpa (que foram deslocados da
culpabilidade para a tipicidade). No tempo do Causalismo (e do neokantismo) o dolo
e a culpa constituíam formas de culpabilidade. Eram elementos integrantes da
culpabilidade. O deslocamento da culpabilidade para a tipicidade veio a acontecer
com o finalismo de WELZEL.
O quarto estágio, o Funcionalismo (Roxin e Jakobs 1970 e 1985,
respectivamente) cuja Teoria da Imputação Objetiva que contribuiu com a valoração
do tipo penal, o tipo penal passou a ganhar uma tríplice dimensão: (a) objetiva; (b)
normativa (valorativa) e (c) subjetiva,
Por
último,
o
quinto
estágio
evolutivo,
baseado
na
Teoria
Constitucionalista do Delito (Luiz Flávio Gomes, atualidade), a tipicidade penal passa
a ser compreendida (necessariamente) também em sentido material. Ela é fruto de
40
todas as contribuições orientadas a conferir ao tipo penal uma clara relevância
selecionadora do que é penalmente importante.
A tipicidade formal equivale à materialização da tipicidade que nada mais
é senão a adequação do fato ao tipo penal incriminador. Ela pode ser direta como
também pode ser indireta. A tipicidade formal direta ocorre quando o fato se ajusta
com perfeição ao tipo penal. Já a tipicidade formal indireta se caracteriza quando o
fato para o ajuste necessita de norma de extensão
Quanto à tipicidade material, exige que a lesão ao bem jurídico seja grave
e altamente relevante face ao Princípio da Ofensividade também coroado pela
Constituição Federal. Desta forma, a lesividade é imprescindível para que a
materialização do fato típico ocorra, pois, afastada a lesividade da conduta também
é afastada a ilicitude do ato o que gera o fato atípico.
Neste contexto, passamos ao estudo origem histórica do principio da
insignificância é muito controvertida na doutrina. Parte da doutrina, afirma que
originário do Direito Romano, e de cunho civilista, o princípio da insignificância ou
bagatela funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Por outro
lado alguns doutrinadores não atribuem de imediato a origem deste princípio pelos
romanos, visto que estes possuíam bom desenvolvimento apenas no âmbito civil,
não tendo a mínima noção do princípio da legalidade penal, ou seja, o brocardo
romano não passa de uma máxima, e não um estudo calculado.
Contudo, o estudo do princípio da insignificância ganhou destaque no
trabalho proposto por Claus Roxin, no ano de 1964, que postulou o reconhecimento
da insignificância como causa de exclusão de tipicidade.
O princípio da insignificância ou bagatela pode ser conceituado como um
princípio implícito de interpretação do direito penal que possibilita afastar a tipicidade
material de condutas que provocam ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.
41
A infração bagatelar é que resulta de uma conduta ou ataque ao bem
jurídico de forma tão irrelevante, que não merece a intervenção do penal. Está divida
em duas espécies: a própria e a imprópria.
42
A infração bagatelar própria é aquela que surge sem relevância penal,
porque não ocorre um relevante desvalor da ação ou desvalor do resultado, não
merecendo a tutela do direito penal.
A infração bagatelar imprópria é a que surge relevante para o Direito
penal, mas depois se constata que a aplicação de qualquer pena no caso apresentase como totalmente desnecessária, é esta ligada ao princípio da irrelevância penal
do fato
O princípio da insignificância ou da bagatela, como se sabe, não conta
com reconhecimento normativo explícito no nosso ordenamento jurídico (salvo
algumas exceções no CPM: art. 209, § 6º, por exemplo - em caso de lesão
levíssima, autoriza que o juiz considere o fato como mera infração disciplinar -; art.
240, § 1º, para o furto insignificante etc.), cabendo a doutrina discutir, elaborar e
aperfeiçoá-lo
Durante muitos não possuíamos uma doutrina nem uma jurisprudência
que explicitavam os requisitos validos para a aplicação do princípio da insignificância
ou da bagatela, até que o Supremo Tribunal Federal, em linhas gerais, depois de
inúmeros julgados, com o argumento de que o princípio da insignificância deve ser
analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a
própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, fixou tal
postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade
penal, a presença de 04 (quatro) vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da
conduta do agente (isto é mínima idoneidade ofensiva da conduta (b) ausência de
periculosidade social da ação, (c) falta de reprovabilidade da conduta e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada.
43
A maior dificuldade relacionada com o princípio da insignificância não é
tanto a pertinente à sua admissibilidade, mas sim confusão que ainda predomina na
esfera dos seus limites e, nesse sentido, por conseguinte, a inexistência de uma
clara distinção (sobretudo dogmática) entre o princípio da insignificância (que exclui
a tipicidade, como causa supra legal) e o da irrelevância penal do fato (que tem por
fundamento o art. 59 do CP, tornando-se a pena desnecessária no caso concreto, tal
como ocorre com o perdão judicial).
Dessa distinção ainda não cuidou o legislador nem tampouco com
precisão indiscutível a doutrina brasileira. Daí se infere a natural confusão que a
jurisprudência vem espelhando nessa área.
Temos que os critérios que orientam o princípio da insignificância ou da
bagatela são somente os do desvalor do resultado e do desvalor da conduta (e nada
mais). Não se pode unir os critérios fundantes de cada princípio, sob pena de se
incorrer em grave confusão (que não se coaduna com a boa técnica). O injusto
penal é constituído de desvalor do resultado e desvalor da ação. A insignificância
correlaciona-se indubitavelmente com o âmbito do injusto penal. Logo, não entram
aqui critérios subjetivos típicos da reprovação da conduta (ou da necessidade da
pena).
O fato insignificante (em razão da exiguidade penal da conduta ou do
resultado) é formalmente típico, mas não é materialmente típico. Ressalta-se, que a
tipicidade formal (composta da conduta, resultado naturalístico, nexo causal e
adequação do fato a norma) já não exauriu toda a globalidade da tipicidade penal,
que ainda exige a dimensão material (desaprovação da conduta e desaprovação do
resultado jurídico). Nos crimes dolosos, como sabemos ainda se requer a terceira
dimensão, ou seja, subjetiva (imputação subjetiva).
44
Assim, temos que a consequência dogmática decorrente da aplicação do
princípio da insignificância e a exclusão da tipicidade material do fato, ou seja, o fato
deixa de ser materialmente típico.
O princípio da insignificância ou da bagatela tem sido aplicado
constantemente pelo Supremo Tribunal Federal, em vários tipos de crimes (formais,
materiais, de dano, dolosos, culposos e etc.), uma vez que possibilita a interpretação
restritiva da norma penal, alcançando a atipicidade de condutas que, embora
formalmente típicas, são materialmente atípicas, pois não lesam de forma relevante
um bem jurídico tutelado, seja em razão do desvalor da conduta, seja pelo desvalor
do resultado, ou ambos.
Ressaltemos que não existe dúvida que não podemos conceber que o
autor de um fato insignificante fique totalmente impune. Alguma punição ele pode ter
que experimentar (tudo depende do caso concreto, ou seja, caso a caso): sanção
moral, civil, trabalhista, quando o caso, pagamento de multas etc. Só não se justifica,
evidentemente, a incidência do Direito penal que, em face das drásticas
consequências que resultam à vida do condenado, deve ser reservado para fatos
igualmente graves, relevantes.
Em suma, O Direito Penal tem como função tutelar os bens jurídicos mais
relevantes em uma sociedade. Ressalta-se que vivemos em um Estado Democrático
de Direito, onde o Estado deve pautar suas ações da forma menos gravosa, assim,
para tutelar os bens jurídicos, sejam eles individuais ou supra-individuais, o estado,
por meio do Direito Penal, só deve intervir quando realmente houver necessidade da
tutela e a necessidade da tutela decorre somente quando há lesividade ao bem
jurídico tutelado, sendo o princípio a insignificância como causa de excludente da
tipicidade penal instrumento hábil e eficaz para garantir um direito penal mínimo.
.
45
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