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III CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE TERESINA
Tema: EDUCAÇÃO, QUALIDADE E SUSTENTABILIDADE
Conferência VI
OS SABERES DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI: CONHECIMENTO,
IDENTIDADE, ÉTICA E COMPREENSÃO
Lucineide Barros Medeiros: UESPI; ISEAF
[email protected]
Saúdo a todas/os as/os participantes e organizadoras/es da III Conferência Municipal de
Educação de Teresina e reputo a este espaço a máxima importância, principalmente por pautar-se
na idéia de permitir aos agentes do Estado e da sociedade civil dialogarem a partir dos seus
saberes e convicções sobre diferentes temas relacionados ao desafio de promoção da política
educacional em nosso município.
Diante do tema específico que me foi apresentado vi a necessidade de tratá-lo a partir de dois
enfoques: a ecologia dos saberes (SANTOS, 2007, 2008a, 2008b) e a colonialidade do saber
(QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2005). Com isso não pretendo desmerecer o conjunto da
produção existente sobre o tema, mas reconhecer a minha incapacidade de abarcar o conjunto
das questões que o compõem, associado ao desejo de aportar elementos ao processo de reflexão
que vem sendo feito, inclusive por teóricos amplamente conhecidos como Edgar Morin, Maurice
Tardif, dentre outros/as.
Com a publicação no Brasil, em 1999, do Relatório da Comissão Internacional da Educação para
o Século XXI da UNESCO, conhecido com Relatório Jacque Delors1, apresentando os célebres
quatro pilares da Educação2 e posteriormente o livro do Edgar Morin, Os Sete Saberes
Necessários à Educação do Futuro, o tema dos saberes passou a merecer maior destaque nas
instituições de ensino e pesquisa, agenda de governos e de organizações da sociedade.
Esta preocupação está situada no contexto da chamada pós-modernidade, tida como um novo
momento histórico que se apresenta a partir da desorganização da chamada sociedade moderna,
consolidada ao longo do século XIX, de base industrial e nacional. Este outro momento tem
entre as suas características a emergência de novo padrão tecnológico na produção de bens e
serviços e o aperfeiçoamento do modo de acumulação do capital, impulsionada pelas novas
teorias e tecnologias da comunicação, favorecidas pelo processo de globalização capitalista.
Configura, pois, novas sociabilidades, idéias e saberes.
Na medida em que o pensamento chamado pós-moderno anunciou o fim da história, das classes
sociais, do trabalho, do sujeito, ocorreram sérias implicações nos paradigmas de construção do
conhecimento; novas teorias, conceitos e visões de mundo foram inscritas e toda a
desestabilização decorrente trouxe interrogações aos saberes anteriormente estabelecidos.
A partir desse cenário, o meu ângulo de visão sobre os saberes da Educação no século XXI busca
fundamento em dois argumentos. O primeiro, baseado nas contribuições de Boaventura de Sousa
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Publicado no Brasil com o título: Educação, um tesouro a descobrir.
Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
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Santos, afirma que a liberdade, igualdade e solidariedade, grandes promessas da modernidade,
não foram cumpridas e continuam como demandas atuais da sociedade. A pobreza, a fome, o
analfabetismo clássico e funcional, o trabalho infantil e escravo, a falta de assistência, a violência
generalizada, a destruição e esgotamento de reservas naturais são alguns dos problemas que
evidenciam o não cumprimento das promessas citadas. Tais problemas parecem querer afirmar
que, para muitos, o futuro ainda não chegou. No entanto, não podemos deixar de observar que
esse atraso se coloca lado a lado com avanços extraordinários, principalmente da ciência e da
técnica, que reportam a um novo tempo socialmente desejado.
Na condição de protagonistas na história é nossa obrigação pensar e (re)construir o futuro. Para
tanto necessitamos de referenciais. Neste sentido, para Boaventura Santos (2007, p. 331-2) a
utopia é o melhor caminho para pensar o futuro. A utopia, segundo ele, representa uma (contra)
parte integrante do que não existe e que nessa não-existência pertence a uma determinada época
pelo modo como está excluída dela.
Indo por essa via, considero que pensar os saberes do século XXI exige escavar o passado para
fazer emergir os sujeitos e saberes excluídos do modo de produção daquela realidade. Além
disso, exige reconhecer que os saberes dessa época não podem ser reduzidos aos saberes que
existiram dominantemente.
Continuando na trilha de Boaventura, no âmbito do que denominou de Sociologia das Ausências,
identificamos cinco tipos de produção de ausências, configuradas como monoculturas, ou seja,
como saberes exclusivos: a monocultura do saber e do rigor, a do tempo linear, a da
naturalização das diferenças, a da escala dominante e a do produtivismo capitalista. Na ausência
de condições para aprofundamento, chamo a atenção para a monocultura do saber e do rigor que,
segundo o autor, se realiza pela
ideia de que o único saber rigoroso é o saber científico; portanto, outros
conhecimentos não têm validade nem o rigor do conhecimento científico. Essa
monocultura reduz de imediato, contrai o presente, porque elimina muita
realidade que fica fora das concepções científicas da sociedade, porque há
práticas sociais que estão baseadas em conhecimentos populares, conhecimentos
indígenas, conhecimentos camponeses, conhecimentos urbanos, mas que não são
avaliados como importantes ou rigorosos. [...] Essa monocultura do rigor baseiase, desde a expansão européia, em uma realidade: a da ciência ocidental.
(SANTOS 2007, p. 29)
O segundo argumento nesta minha reflexão decorre da constatação de que a base ocidental do
conhecimento, referenciada na Europa, além de promover um tipo de saber dominante o faz por
um processo de colonização de saberes, ou seja, a partir de uma geopolítica de conhecimento,
baseada não somente em territórios, mas também, na desconstrução e eliminação de identidades
e, principalmente em desigualdades e exclusões.
A partir disso retomo Boaventura quando propõe uma forma de trazer presente as experiências
ausentes por meio do que denomina de ecologia dos saberes. Destaca que com isso não pretende
descredibilizar o saber científico, muito menos adotar um posicionamento “anticiência”. Para ele
a ecologia do saber (SANTOS, 2007) implica cinco posturas: (a) intencionalidade ético-política:
conhecer para que e para quem, ou seja, os saberes não são importantes em si, mas na relação
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com o que produzem na sociedade; (b) ecologia das temporalidades: trata-se do saber que
permite a existência e convivência de diferentes formas de sociabilidades, com suas devidas
temporalidades. Permite transpor barreiras territoriais e temporais, para conhecer o lugar do
outro/a, o tempo do outro/a; (c) ecologia do reconhecimento: consiste em saber o que é produto
das hierarquias e o que não é, tendo em vista que as diferenças só são verdadeiramente possíveis
depois de abolidas a hierarquia, pressuposto para a aceitação das diferenças, consensos e
construções coletivas; (d) permitir os trânsitos entre o local e o global: não existe conhecimento
fora de processos históricos e que não projete o futuro; além disso todo e qualquer aprendizado
individual implica ações e posturas coletivas; (e) rever a concepção de produtividade e de
trabalho, identificando a quem e a que pretendemos servir enquanto sujeitos produtivos,
assegurando um caráter ético à formação, de modo que seja também possível contemplar outras
necessidades vitais, dentre essas a satisfação pessoal.
A partir desse pensamento considero que os saberes do século XXI devem ser os saberes que a
humanidade produziu ao longo do seu processo histórico, considerando aí os formalmente
reconhecidos e os que necessitam da utopia para existirem, por estarem localizados no não-lugar,
no lugar da exclusão ou por terem sido indevidamente apropriados e resignificados. A existência
real dos mesmos exige um processo de valorização de sujeitos, de experiências e de
descolonização, que permita a afirmação de identidades, de espaços de tempos, de tensões e
conflitos que os determinaram como ausentes, o que não é possível obter sem a superação da
hierarquia que classifica saberes nobres e saberes pobres, subalternos.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro; Paz e Terra, 2004.
MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte
conceitual da modernidade. In LANDER, Edgardo (org) Buenos Aires: CLACSO, 2005
QUIJANO. Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In LANDER,
Edgardo (org) Buenos Aires: CLACSO, 2005
SANTOS. Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo:
Boitempo, 2007.
______. A gramática do tempo, para uma nova cultura política. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
______. A crítica da razão indolente, contra o desperdício da experiência. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
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