O Cosems hoje: um cenário de possibilidades
Autor: Rodrigo Alves Torres de Oliveira – Médico, Secretário Municipal de Saúde de
Silva Jardim e Secretário Extraordinário de Regionalizaçãodo Cosems RJ
Vivemos um momento especial na história do Conselho das Secretarias Municipais de
Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Desde 2009, com a eleição da atual diretoria,
realizamos um conjunto de ações que visavam reposicionar o Cosems RJ no cenário da
política de saúde estadual e nacional. Ações como o Curso de Desenvolvimento
Gerencial com foco na Integralidade, em parceria com o Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ); a contratação de técnicos especializados capazes de
assessorar os municípios e a diretoria nos momentos de pactuações; a articulação com
Instituições de Ensino, o Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado de Saúde e
Defesa Civil (Sesdec) na construção de uma agenda no Programa Nacional de
Desenvolvimento Gerencial do Sistema Único de Saúde (PNDG-SUS); a realização de
Seminários pautando o nevrálgico tema da Gestão do Trabalho e o II Congresso
Estadual de Secretarias Municipais de Saúde, em abril de 2009.
Estas ações têm como meta construir um Cosems autônomo e propositivo, capaz de
“Contribuir para a formulação e implementação de políticas e apoiar tecnicamente as
Secretarias Municipais na condução das políticas de saúde”, conforme a missão do
Cosems RJ construída durante o Planejamento Estratégico desta diretoria.
A missão aponta ainda a necessidade de promover “a articulação e a pactuação técnica
e política em torno dos interesses municipais, com vistas à defesa dos princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde”, deixando claro nosso compromisso com a
defesa da vida individual e coletiva.
Associado a estes objetivos, quase como uma condição para alcançá-los, assumimos
também o desafio de ampliar a participação das Secretarias Municipais de Saúde no
cotidiano do Cosems e também nos espaços de pactuação bipartite, como a Comissão
Intergestores Bipartite (CIB) e os Colegiados de Gestão Regional (CGR). Fizemos isso
em conjunto com a democratização do processo decisório do Cosems, através, por
exemplo, das Assembléias mensais que antecedem as CIBs.
Estas ações aumentaram o papel do Cosems na política estadual de saúde e
consequentemente aumentaram também nossa responsabilidade na definição da agenda
da política de saúde no estado para o próximo período. É sobre isto que gostaria de
tratar neste artigo.
Um momento de avaliação e construção de agenda
Momentos eleitorais como o que vivemos hoje se caracterizam, entre outros aspectos,
por ser uma oportunidade para refletirmos sobre os rumos que o conjunto das políticas
públicas está tomando no Brasil e, em nosso caso, no estado do Rio de Janeiro.
Reconhecer e analisar as conquistas e dificuldades que tivemos neste último período,
bem como identificar os principais desafios que deveremos enfrentar, são condições
para construirmos uma agenda positiva para os governos (estadual e federal) que se
iniciarão em janeiro de 2011.
É com este intuito que proponho uma análise inicial, a partir dos compromissos
assumidos por nós gestores municipais de saúde na Carta de Búzios, documento
aprovado durante o II Congresso Estadual de Secretarias Municipais de Saúde do Rio de
Janeiro, realizado nos dias 16 e 17 de abril de 2009. Imagino, com isto, contribuir na
definição de uma agenda propositiva para o desenvolvimento do Sistema Único de
Saúde no estado do Rio de Janeiro. Concentrarei esta primeira análise nos aspectos
abordados pela Carta de Búzios que estão mais diretamente ligados ao debate nacional e
estadual da política de saúde, uma vez que pretendo iniciar uma discussão acerca da
agenda para os governos que se iniciam em 2011.
A Carta de Búzios hoje: um balanço inicial
Já em seu início a Carta pontua uma importante diretriz que orienta a atuação do
Cosems: “Defender e promover ações em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde
e Defesa Civil para o engajamento dos gestores do SUS na busca pela adesão e
fortalecimento do Pacto pela Saúde, com financiamento tripartite e solidariedade na
execução das políticas de saúde”. Esta diretriz de construção de parceria com o gestor
estadual permeou todas nossas iniciativas, tendo bons resultados, como no processo de
revisão da Regionalização e implantação dos CGRs.
Continuar este processo de diálogo franco é condição para aprofundarmos outro
compromisso assumido em Búzios: “Fortalecer o processo de regionalização solidária
e compartilhada dos sistemas de saúde, empoderando os Colegiados de Gestão
Regionais nas suas dimensões política, administrativa e técnica”. Neste aspecto penso
que muito se avançou com a implantação e funcionamento regular dos colegiados,
porém sinto que estamos chegando num teto, e fortalecer a figura da Secretaria
Executiva do CGR se apresenta como desafio para a efetivação dos pactos regionais.
Neste contexto, o resgate e reposicionamento dos Vice-Presidentes Regionais do
Cosems me parece também fundamental.
Financiamento e Atenção Básica
Em seguida, a Carta aborda a fundamental questão do financiamento: “Fortalecer a luta
pela aprovação imediata da regulamentação da EC 29, além de buscar garantir um
financiamento definitivo e sustentável para a saúde”. É muito claro, para nós, gestores
municipais, a importância deste debate para a consolidação do Direito à Saúde e, de
certa forma, é praticamente um consenso entre nós a necessidade da regulamentação da
Emenda 29, bem como o efetivo cumprimento desta por parte dos demais entes
federados.
A Carta segue mais um pouco e chega a outra questão central, a Atenção Básica: “Lutar
pela ampliação e fortalecimento do incentivo estadual aos municípios para a atenção
básica”. Interessante perceber que a Atenção Básica é abordada a partir de seu
financiamento, o que mostra como tem sido a realidade das gestões municipais e a
dificuldade enfrentada na sustentação desta política.
Para nós está claro que a responsabilidade com o desenvolvimento da atenção básica é
centralmente municipal, porém seu financiamento deve ser necessariamente solidário e
tripartite. Articulado com o apoio técnico e direcionamento no que tange o debate sobre
modelo assistencial.
Algumas tentativas de incentivo à atenção básica foram realizadas no último período,
como a política de ‘Co-financiamento da Atenção Básica’, porém esta pecou por uma
descontinuidade nos repasses e uma interrupção no monitoramento das ações. No caso
da Atenção Básica acho que a questão do financiamento é centralmente em relação ao
custeio das ações, daí a descontinuidade no repasse preocupar tanto os gestores
municipais.
Um pacto para o fortalecimento da Atenção Básica
A partir destas discussões, tanto em relação ao financiamento quanto em relação ao
modelo, penso ser necessário construirmos um pacto estadual de fortalecimento da
Atenção Básica e da promoção da saúde, outro ponto abordado na Carta de Búzios:
“Desenvolver estratégias de promoção da saúde com ênfase na intersetorialidade e na
construção de políticas públicas integradas” – que, na minha opinião, demanda uma
maior atenção.
Acredito que este fortalecimento deve ser operado em dois sentidos: um fortalecimento
financeiro e orçamentário, que garanta recursos que auxiliem os municípios no custeio
das ações e incentivem a implantação de um modelo de atenção pautado na defesa da
vida individual e coletiva. E um fortalecimento organizacional/político, que garanta a
visibilidade e governabilidade necessária para enfrentarmos este enorme desafio.
Uma possibilidade seria um repasse estadual fixo e mensal para cada equipe de saúde da
família habilitada pelo Ministério da Saúde, e outro repasse vinculado ao cumprimento
de um conjunto de metas do Pacto, sempre pautado pelo combate às desigualdades
regionais muito presentes em nosso estado, na Atenção Básica. Já no caso da promoção
da saúde, a abertura de crédito que contemple projetos de incentivo à alimentação
saudável, à prática de atividades físicas e a educação no trânsito, entre outros. E coloco
na roda também a proposta de criação de uma Subsecretaria Estadual de Atenção Básica
e Promoção da Saúde.
Gestão do Trabalho e Educação Permanente
Em relação ainda à Atenção Básica, é importante destacar mais um ponto bem abordado
pela Carta de Búzios, a saber, a questão da gestão do trabalho. Cito: “Implementar uma
política solidária de desprecarização dos vínculos de trabalho no SUS, com garantia
dos direitos constitucionais e com responsabilidade das três esferas de governo;
Fomentar a discussão e a implementação do plano de carreira no âmbito do SUS com
financiamento tripartite”; e “Discutir novos modelos de gestão que possibilitem,
inclusive, alternativas para contratação dos profissionais de saúde”. Neste ponto vale
reafirmar que não vejo solução para a desprecarização do trabalho e nem para o atual
‘mercado predatório’ que temos hoje no estado sem a participação do gestor estadual na
construção de um processo regulador deste mercado.
A Carta ainda traz outra importante questão para a efetivação do SUS que está
intimamente ligada à atuação do gestor estadual: “Efetivar a educação permanente no
Estado como instrumento e dispositivo de mudanças de práticas no trabalho”. A área
de formação na saúde sofreu profundas mudanças no último período. A adoção da
educação permanente como estratégia para a formação dos trabalhadores da saúde, além
de ser um importante marco, trouxe para o estado a atribuição de articular e coordenar
este processo em seu território. Aqui no Rio de Janeiro vivemos há algum tempo
dificuldades na execução dos volumosos recursos destinados para esta área.
Esta dificuldade nos indica a necessidade de trabalharmos dois aspectos prioritariamente
para que possamos aproveitar toda a potencialidade da Educação Permanente. Para
mim, é fundamental construirmos junto com a Sesdec maneiras mais ágeis de
executarmos estes recursos. É também importante iniciarmos um processo de avaliação
das necessidades nesta área para conseguirmos estabelecer uma priorização que garanta
a adequação das ações de Educação Permanente aos principais desafios para a
implantação do SUS no estado.
Regulação e garantia do acesso a procedimentos de média e alta complexidade
Um pouco mais adiante, a Carta trabalha uma questão nevrálgica para o
desenvolvimento da política de saúde no estado do Rio: o debate sobre regulação e
garantia do acesso a procedimentos de média e alta complexidade e o debate sobre o
Comando Único na gestão do território. Cito:
- “Garantir que a integralidade da atenção seja realizada por meio do
exercício do Comando Único com estabelecimento de processos regulatórios
em consonância com o modelo de atenção a saúde”;
- “Buscar a integração das ações de saúde no âmbito das três esferas de
governo, visando romper com a lógica da fragmentação e sobreposição, por
meio de Rede de Atenção a Saúde no Estado, orientadas por processos de
produção do cuidado e, sobretudo, fortalecendo a atenção básica como
ordenadora do sistema de saúde”;
- Integrar as Redes Hospitalares e Complexos de Saúde, Federal e Estadual,
às Centrais de Regulação do Estado do Rio de Janeiro”.
Escolhi terminar por esta questão por entender que talvez seja a que mais vai demandar
diálogo e maturidade por parte dos gestores das três esferas. Por outro lado, é uma
questão que se não for bem equacionada pode impedir o desenvolvimento mais pleno do
Direito à Saúde no estado.
É importante ressaltar que já foram iniciadas ações que visam enfrentar estes desafios,
como o início do processo para a assinatura dos Termos de Compromisso entre Entes
Públicos (TCEP) para os Hospitais Estaduais que estão no município do Rio de Janeiro.
Mas também vale colocar que muito ainda teremos que caminhar para garantir um
processo de regulação que seja equânime, transparente e contribua para a Integralidade
na atenção à saúde.
Este pequeno percurso que tentei fazer através de alguns compromissos assumidos pelo
Cosems RJ em seu último Congresso nos dá a dimensão de nossas tarefas para este
próximo período. Gostaria, porém, de terminar colocando o que para mim se constitui
no maior desafio para o setor saúde neste novo ciclo que se aproxima. Este se constitui
em um desafio eminentemente político: a saúde precisa entrar na agenda da sociedade
brasileira, precisa ocupar seu lugar neste processo de desenvolvimento e combate às
desigualdades por que passa o Brasil.
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O Cosems hoje: um cenário de possibilidades Autor: Rodrigo Alves