O íon lantanídeo no acoplamento Russell-Saunders e a classificação de seus estados
segundo os subgrupos do grupo GL(4  2)
O hamiltoniano, H, dos íons lantanídeos contém uma parte que corresponde ao
campo central, que fornece as energias dos baricentros das configurações eletrônicas, e
várias outras interações que são, em geral, tratadas como perturbações. Entre essas
interações a repulsão coulombiana e a interação spin-órbita são as mais relevantes. No
problema da resolução do determinante secular para esse hamiltoniano, as interações, como
por exemplo, spin-spin, spin-outra órbita e órbita-órbita são bem menos importantes,
embora em algumas situações, e principalmente quando se requer o cálculo de energias e
autofunções com certa precisão, elas devam ser consideradas. Assim, numa primeira
aproximação, as autofunções de H, na representação de momento angular, podem ser
consideradas como as autofunções de L̂2 , Ŝ2 , Ĵ 2 e Ĵ z , dado que H comuta com esses
  
operadores. Um esquema de acoplamento de momento angular do tipo J  L  S pressupõe
que a interação spin-órbita é menos importante que a repulsão coulombiana. Acopla-se
primeiramente os momentos angulares orbitais e de spin separadamente e depois acopla-se



L com S para se obter J . Este é o chamado acoplamento Russell-Saunders. No caso em
que a interação spin-órbita tem a mesma ordem de magnitude que a repulsão coulombiana
(o caso dos elementos mais pesados que os lantanídeos), o esquema apropriado é acoplar
  
inicialmente os momentos angulares orbital e de spin monoeletrônicos, ji   i  si , para


em seguida se obter o momento angular resultante J   ji , que é o chamado acoplamento
i
j j.
Na construção dos estados
(4f N )SLJM J
freqüentemente acontece que os
números quânticos S, L, J e M J não são suficientes para defini-los sem ambigüidade. Por
exemplo, uma configuração 4f N pode dar origem a diferentes termos espectroscópicos com
o mesmo L e mesmo S. Este problema pode ser resolvido através da teoria dos grupos.
  
Dado que em um mesmo termo espectroscópico, 2S1 L , os valores de J ( J  L  S ) são
distintos, basta se analisar, do ponto de vista da teoria dos grupos, o papel dos números
quânticos , S e L . Racah (
) demonstrou que as representações irredutíveis de certos
subgrupos do grupo contínuo GL(4 + 2) podem ser utilizadas como números quânticos
para classificar os estados (4f N )SLJM J . Isso se deve ao fato de que esses estados
constituem bases para essas representações irredutíveis. Para os elétrons f tem-se a seguinte
cadeia disponível
GL7  U 7  SU 7  R 7  G 2  R 3
iniciando com o grupo linear completo (GL7) e em seguida o grupo unitário (U7), o grupo
especial unitário (SU7), o grupo das rotações (R7), estes quatro em dimensão 7, o grupo
especial de Cartan (G2) e o grupo das rotações em três dimensões. A idéia central consiste
em encontrar a decomposição das representações irredutíveis de um grupo nas
representações irredutíveis de seu subgrupo mais próximo na cadeia, e assim classificar os
estados segundo essas decomposições sucessivas; em cada caso, as representações
irredutíveis são utilizadas como números quânticos.
Os estados de uma configuração 4f N são quase totalmente bem definidos pelos
números quânticos W, U, S, L, J e M J , onde W é constituído por um conjunto de três
números ( 12 3 ), 1  2  3 , que corresponde a uma representação irredutível de R7, e U
é constituído por um conjunto de dois números ( 1 2 ) que corresponde a uma
representação irredutível de G2. A classificação de acordo com as representações de U7 é
equivalente à especificação do número quântico de spin S. Entretanto, algumas
ambigüidades permanecem na decomposição G2  R3. Este problema foi resolvido por
Judd (
) através do chamado acoplamento L L. Dessa forma, na notação (4f N )SLJM J ,
 representa os números quânticos adicionais necessários para a especificação desses
estados sem ambigüidade.
Operadores tensoriais irredutíveis duplos e seus elementos de matriz
Um operador tensorial irredutível duplo T (k ) é uma quantidade definida por um
conjunto de (2  1)(2k  1) componentes T(qk ) que atuam como tensor de posto  com
relação ao spin total e posto k com relação ao momento angular orbital. A condição de
irredutibilidade é satisfeita se
L̂
( k )
 , Tq
  [k(k  1)  q(q  1)] T
( k )
 q 1
L̂ , T   q T
z
( k )
q
( k )
q
Ŝ , T   [(  1)  (  1)] T

( k )
1q
( k )
q
Ŝ , T    T
z
( k )
q
( k )
q











(1)
Esses operadores são de grande importância na utilização dos métodos de Racah. É
conveniente introduzirmos agora os operadores tensoriais unitários, os quais podem ser
definidos a partir de seus elementos de matriz reduzidos entre estados monoeletrônicos.
Para elétrons equivalentes temos
s t () s  (2  1)
1
2
ss
(2)
onde t () é um operador tensorial irredutível que atua no espaço de spin de um elétron, e
 v ( k )   (2k  1)
1
2

(3)
onde v ( k ) atua sobre a parte orbital deste elétron. Para uma dada configuração com N
elétrons equivalentes temos:
T ()   t () (i)
i
(4)
e
V ( k )   v ( k ) (i)
(5)
i
onde a soma em i percorre os N elétrons.
De maneira análoga introduzimos os operadores tensoriais unitários duplos
1
s w (k ) s  [(2  1)(2k  1)] 2  ss  
(6)
e
W (k )   w (k ) (i)
(7)
i
Essas definições constituem um dos aspectos fundamentais da técnica dos
operadores tensoriais irredutíveis, pois um elemento de matriz de qualquer operador de uma
partícula (soma de operadores que atuam em apenas um elétron) pode ser expresso como o
produto do elemento de matriz definido pela Eq.(4), ou pela Eq.(5), ou pela Eq.(7), e o
elemento de matriz reduzido monoeletrônico que dependerá, obviamente, da natureza do
operador em questão. Como exemplo, consideremos o operador
D (qk )   C (qk ) (i)
(8)
i
onde os C (qk ) 's são os operadores de Racah. A definição dos operadores tensoriais unitários
leva ao seguinte resultado
(n N )SLJM J D (qk ) (n N )SLJ M J  (2k  1)
1
2
 C(k)  
 (n N )SLJM J Vq( k ) (n N )SLJ M J
(9)
O cálculo do elemento de matriz do operador Vq( k ) requer um conhecimento
detalhado sobre a construção dos estados (n N )SLJM J . Inicialmente lembremos que
(n N )SLJM J 
1  S
L J 
 (n N )SM S LM L
(1) LS M J (2J  1) 2 
MS , M L
 MS M L  M J 

A construção dos estados (n N )SM S LM L
(10)
pode ser efetuada, de modo mais simples e
elegante, através dos chamados coeficientes de ascendência fracionária, os quais permitem
expressar os estados de uma configuração n N em função dos estados da configuração
n N1 . A denominação desses coeficientes vem do fato de que cada estado da configuração
com N-1 elétrons participa, com uma certa fração, da construção dos estados da
configuração com N elétrons. Essa fração de participação pode ser grande, pequena ou
nula, dependendo das características dos estados envolvidos. É como se houvesse uma
relação de parentesco entre os estados de uma configuração e da outra. Assim, em última
análise, conhecendo-se os estados da configuração n 2 pode-se chegar, por recorrência, aos
estados de n N . Este procedimento leva em conta, implicitamente, o princípio de Pauli e
garante que os estados finais obtidos são ortonormais. Várias relações envolvendo os
coeficientes de ascendência fracionária foram obtidas por Racah (
). A relação entre os
estados de n N e os estados de n N1 é dada por
1  S
s S 

(n N )SM S LM L   (1) s  S   L MS M L [(2S  1)(2L  1)] 2 

m

M
M
x
s
S
 S

 L  L 
 (n N 1 )(  S L)sSL
 

m

M
M
L
 L 
(n N )SL
(n N 1 )  S M S LM L sms m 
N
(11)
onde
x
representa
o
conjunto
( , S, M S , L, M L , m s , m  ), (n N1 )(  S L)sSL
ascendência fracionária e sms m 
N
de
(n N )SL
números
é
um
quânticos
coeficiente
de
é um estado monoeletrônico ocupado pelo N-ésimo
elétron.
Utilizando-se a definição de operador tensorial unitário, o teorema de WignerEckart, a relação de ortogonalidade para os símbolos 3-j e a Eq.(11), pode-se mostrar que
(n N )SM S LM L Vq( k ) (n N )SM S LM L 
 L k L 
 (n N )SL V ( k ) (n N )SL  SS 
 (1) LM L 

M
M
q
L
L 

1  L
 L   L  L 


 N  (1) M L M L m [(2k  1)(2L  1)(2L  1)] 2 
  M m  M  
m

M
M


L 
L 
x
L
 L 
  k  
 (n N )SL (n N 1 )(  S L)sSL (n N 1 )(  S L)sSL
 

m

m
q

 
(n N )SL SS
(12)
onde x representa o conjunto de números quânticos ( , S, L, M L , m  , m ). A Eq.(12) pode
ser manipulada utilizando-se a relação de ortonormalidade dos símbolos 3-j e a definição
dos símbolos 6-j para se obter
(n N )SL V ( k ) (n N )SL  N  (1) L L  k  [(2k  1)(2L  1)(2L  1)] 2 
1
 ,S ,L
 (n N )SL (n N 1 )(  S L)sSL (n N 1 )(  S L)sSL
L k L
 SS (13)
 L  
(n N )SL 
De maneira análoga pode-se mostrar que
(n N )SL W ( k ) (n N )SL  N  (1) S S s  L L  k  [(2  1)(2S  1)(2S  1) 
 ,S ,L
 (2k  1)(2L  1)(2L  1)]
1
2
(n N )SL (n N1 )(  S L)sSL 
S  SL k L



s S s   L  
(n N )SL
 (n N 1 )(  S L)sSL
(14)
O elemento de matriz reduzido de um operador


X ( K )   a () (i)b ( k ) (i)
(K)
(15)
i
onde a ( ) atua no espaço de spin e b ( k ) atua no espaço orbital, pode ser colocado em
termos do elemento de matriz reduzido dado pela Eq.(14) através da seguinte expressão
(n )SLJ X
N
(K)
 (2J  1)(2J   1)(2K  1) 
(n )SLJ   

(2  1)(2k  1)


N
1
2
s a () s  b ( k )  
S S  


 L L k  (n N )SL W ( k ) (n N )SL
 J J K


(16)
Um excelente trabalho apresentando tabelas de valores numéricos dos elementos de matriz
reduzidos (n N )SL U ( k ) (n N )SL e (n N )SL V (11) (n N )SL , onde
U ( k )  (2k  1)
1
2 V (k)
(17)
e
V (11)  6
1
2 W (11)
(18)
foi realizado, originalmente, por Nielson e Koster (
) para as configurações p N, dN e f N.
Nessas tabelas encontram-se também os valores numéricos dos coeficientes de ascendência
fracionária.
O acoplamento intermediário
Tendo em vista que a repulsão coulombiana não é diagonal com relação ao conjunto
 de números quânticos, assim como a interação spin-órbita não é diagonal com relação a
, S e L (mas é diagonal com relação a J e MJ), esses números quânticos deixam de ser
100% bons números quânticos, ou seja, essas duas interações misturam estados com 's, S's
e L's diferentes. Portanto, na resolução do determinante secular para o hamiltoniano H,
obtemos estados finais que são combinações lineares dos estados (n N )SLJM J
(n N )JM J 
 C(SL ) (n
,S, L
N
)SLJM J
(19)
Esse novo conjunto de estados deve satisfazer a condição de ortonormalização
(n N )JM J (n N )J M J     JJ  MJMJ
(20)
o que impõe a condição
 C(SL )
2
1
(21)
,S, L
Os estados dados pela Eq.(19) correspondem ao chamado acoplamento
intermediário. Note que J e MJ permanecem bons números quânticos, ou seja, a repulsão
coulombiana e a interação spin-órbita são diagonais com relação a esses dois números
quânticos, elas não misturam J's e MJ's diferentes. Esse acoplamento tem um papel
fundamental, principalmente na teoria das intensidades de transições intraconfiguracionais,
como, por exemplo, as transições 4f-4f nos íons lantanídeos, pois as regras de seleção em S
e L tornam-se bem menos restritivas (são relaxadas). Um exemplo típico disso são as
transições entre os níveis 5DJ e 7FJ do íon Eu3+, as quais seriam proibidas pela regra de
seleção para o spin se S fosse 100% um bom número quântico.
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Acoplamento Russel Saunders