Do Vasa à Estrutura de Basileia: os perigos da instabilidade
Discurso do Sr. Stefan Ingves, Chairman do Comitê de Basileia e Presidente do Sveriges Riskbank,
apresentado na palestra da Convenção Anual da Associação de Mercados Financeiros de 2015, em 2 de
novembro de 2015 em Madri, Espanha. Traduzido e adaptado pela Assessoria Econômica da ABBC.
Introdução
Boa tarde e muito obrigado pela oportunidade para palestrar nesta Convenção Anual.
Estou contente em estar neste magnífico Casino de Madrid, um prédio histórico. Como parte
de meu discurso, trarei algumas lições da história sueca.
Focarei na formação da estrutura regulatória de Basileia e nos trabalhos que serão ainda
desenvolvidos pelo Comitê da Basileia. Para tanto, pela importância das histórias marítimas da
Espanha e do meu próprio país, Suécia, acredito que inicialmente será instrutivo discorrer
brevemente sobre a história do infame navio sueco de guerra, o Vasa.
O Vasa e a busca pela perfeição
A Suécia e a Espanha do século XVII eram semelhantes em muitos aspectos. O dois países eram
Estados fiscais-militares. Isso significa que seus modelos econômicos eram centrados em
assegurar a sua força militar 1. Em 1625, o rei Gustavo II Adolfo da Suécia ordenou a construção
de novos navios de guerra. Um destes galeões reais foi o intrépido Vasa.
Para construir o Vasa, foram necessários 3 anos, 300 homens e derrubados 40 acres de florestas.
O resultado final foi impressionante. O Vasa possuía 2 decks de armas, primeiro do gênero na
Suécia, 64 canhões de bronze e seu mastro mais alto atingia 57 metros de altura2. A nau foi
resultado de uma busca pela perfeição. Perfeição esta que, no entanto, teve uma vida curta.
Tragicamente, o Vasa naufragou em sua viagem de inauguração, após velejar apenas 1.300
metros, em 10 de agosto de 1628. O navio só seria resgatado 300 anos mais tarde e encontrase agora em um museu em Estocolmo.
Após tanto planejamento, tantos recursos, tanto tempo e esforço, por que o Vasa afundou? De
acordo com o rei, foi resultado de “idiotice e incompetência”!3 Mas os historiadores geralmente
concordam que o fator chave do destino do Vasa foi a falta de estabilidade e o excesso de rigidez
do casco. Por exemplo, a parte submersa do casco era muito pequena e o lastro era insuficiente.
Em suma, o Vasa era bem construído, porém com proporções incorretas4.
Qual a conexão entre esse histórico acidente e o quadro regulatório da Basileia? Eu acredito que
existam algumas similaridades, mas também diferenças importantes, em relação à evolução da
estrutura regulatória dos bancos.
1
Glete (2002).
Mayol (2006)
3
Cederlund (2006).
4
Military History Monthly (2013)
2
Basileia e a busca pela precisão quantitativa na mensuração de risco
Retornado ao passado recente, em 1999 o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia (BCBS)
efetuou uma consulta pública de uma nova proposta para uma nova estrutura de capital que
substituísse o antigo acordo de Basileia I.
Seis anos foram gastos no desenvolvimento do novo modelo. Centenas de pessoas foram
envolvidas – bancos centrais, reguladores e supervisores, sem mencionar os banqueiros,
acadêmicos e outros que comentaram e discutiram as propostas. Talvez o equivalente a 40 acres
de florestas tenham sido consumidos em forma de papéis internos do BCBS, papéis de consulta
e respostas recebidas pelos stakeholders!
No papel, o resultado final parecia impressionante. Na busca do Comitê por maior sensibilidade
ao risco, a Basileia II introduziu os modelos internos para apuração dos riscos de crédito e
operacional e expandiu o papel desses modelos para risco de mercado.
Mas as coisas não ocorreram precisamente conforme planejadas. A crise financeira evidenciou
diversas deficiências no sistema bancário e no modelo regulatório, incluindo:





Alto grau de alavancagem, com insuficiência de capital de alta qualidade lastreando os
ativos dos bancos;
Crescimento excessivo do crédito, alimentado em parte por baixos níveis de garantia e
subestimação do risco de crédito e de liquidez;
Alto grau de risco sistêmico, interconexão entre as instituições financeiras e exposições
comuns a choques similares;
Colchões de capital inadequados para mitigar a prociclicidade inerente ao
funcionamento dos mercados financeiros e para dar continuidade aos empréstimos em
situações de estresse; e
Colchões de liquidez insuficientes e exposição excessiva ao risco de liquidez. Isso tanto
em forma direta como indireta (por exemplo, através do sistema de shadow banking).
Quando os primeiros choques da crise financeira global foram sentidos em 9 de agosto de 2007
– quase 379 anos após a viagem inaugural do Vasa – Basileia II estava apenas em seus primeiros
estágios de implementação. Na maioria dos países, o modelo não tinha sequer sido
implementado.
A lição aprendida com o incidente do Vasa – a necessidade crítica por um modelo estável – vale
da mesma forma para o modelo regulatório. As reformas pós-crise promovidas pelo Comitê
foram motivadas precisamente por este desejo: um modelo robusto que promovesse segurança
e estabilidade independentemente dos inevitáveis mares revoltos. O modelo de Basileia III busca
endereçar as fraquezas que eu mencionei e providenciar bases para um sistema bancário
resiliente.
Além disso, outra lição importante é que a busca pela perfeição – ou, neste caso, cada vez mais
precisão na mensuração de riscos – pode ser ilusória. Gastar anos desenvolvendo uma estrutura
sensível ao risco “perfeita” pode não trazer os resultados almejadas. Ao contrário, múltiplas
limitações regulatórias proporcionam mais garantias contra o risco de defeito em um único
elemento do modelo.
A política de reformas do Comitê da Basileia: o que se há para fazer?
O modelo regulatório pós-crise ainda não está bem estabelecido. Estamos claramente próximos
de finalizar o pacote de reformas da Basileia III. Esta é uma conquista importante que trará a
necessária transparência aos mercados, bancos e supervisores para execução de seus trabalhos.
Mas para que isso aconteça precisamos ainda finalizar algumas reformas excepcionais e também
calibrar todo o pacote. Deixem-me agora dizer algumas palavras sobre as atuais reformas do
Comitê e o que há ainda para se fazer em nossa agenda.
Conforme eu já mencionei anteriormente, as reformas da Basileia III buscam enfrentar algumas
das maiores lacunas destacadas pela crise financeira. O novo modelo emergente apresenta
múltiplas restrições regulatórias. Adicionalmente ao índice ponderado de risco, ele agora inclui
a razão de alavancagem, limites de alta exposição, índice de cobertura de liquidez de curto prazo
e o de financiamento estável. Estas restrições se complementam umas às outras, resultando em
um modelo regulatório mais robusto.
Não obstante essas melhorias, o modelo permaneceu inalterado em relação a Basileia II em duas
amplas dimensões:


Primeiro, no pós-crise o modo como o risco é medido permaneceu o mesmo – e em
particular, a credibilidade nas estimativas de risco dos próprios bancos; e
Segundo, as abordagens ponderadas pelo risco são essencialmente as mesmas desde
antes da crise.
Os principais elementos da agenda da política atual para a reforma do Comitê apresentam
respostas às lacunas geradas. A reforma é construída na estratégia do Comitê de revisão do
modelo de capital ponderado pelo risco para avaliar se ele cumpre o balanço adequado em
termos de simplicidade, comparabilidade e sensibilidade ao risco. A reforma pode ser agrupada
em três grandes categorias:
(i)
(ii)
(iii)
Melhorar a sensibilidade ao risco e a robustez dos modelos padronizados;
Revisar o papel dos modelos internos na estrutura de capital; e
Finalizar o desenho e calibragem da razão de alavancagem e os pisos de capital.
Melhorando as abordagens padrão
Iniciarei discutindo o papel das abordagens padronizadas. Essas abordagens padrão facilitam a
comparação dos índices de capitalização entre os bancos. Porém, a crise apontou uma série de
deficiências nos modelos atuais.
O Comitê está trabalhando na revisão das abordagens padronizadas aplicadas ao modelo
regulatório para melhorar sua robustez e sensibilidade ao risco. Isso inclui revisões nas
abordagens atuais:

Risco de crédito: Em dezembro de 2014, o Comitê efetuou consultas públicas para
propostas de revisão da abordagem padronizada ao risco de crédito e, até o final de ano,
irá fazer nova consulta para as propostas revisadas.


Risco de mercado: A revisão fundamenta do Comitê do trading book, que será concluída
ao final de 2015, incluirá uma abordagem padrão revisada que é suficientemente
sensível ao risco para agir como uma alternativa crível ao modelo proposto.
Risco operacional: No ano passado, o Comitê efetuou uma consulta pública sobre a
revisão da abordagem padrão para risco operacional. O Comitê está considerando
mudanças neste modelo e fará nova consulta ao modelo revisado no final deste ano.
Revendo o papel dos modelos internos
Deixem-me agora dizer algumas palavras sobre modelos internos. Conforme mencionei
anteriormente, o uso de abordagens modeladas internamente era um item determinante de
Basileia II. Porém, mesmo quando Basileia II estava em desenvolvimento, o Comitê já tinha
preocupações a respeito da confiabilidade e robustez destes modelos. Por exemplo, deixem-me
ler um trecho de um discurso de um de meus predecessores, presidente Tom de Swaan, em
1998:
“Ainda existem sérios obstáculos... Primeiramente, os modelos de risco de crédito vêm com
substanciais dificuldades estatísticas e também conceituais. Para mencionar algumas: os dados
de crédito são esparsos, as correlações não são facilmente observadas, o retorno de crédito é
enviesado e... fazer “backtesting” para testar a eficácia dos modelos nem sempre é viável.
Claramente, aqui há riscos de modelagem.”
Desde então, acumularam-se amplas evidências que sugerem que o papel atual dos modelos
internos na abordagem regulatória não atinge o balanço adequado entre simplicidade,
comparabilidade e sensibilidade ao risco.
O Comitê publicará uma série de propostas ao final deste ano relacionadas ao uso destes
modelos. Em alguns casos, as propostas desconsiderarão abordagens internas para algumas
categorias de risco. Um exemplo é o risco operacional, onde a maioria concorda que os
benefícios da Abordagem Avançada de Mensuração não são proporcionais ao custos relativos e
à complexidade. Em outros casos, as propostas consistirão em introduzir restrições adicionais
às abordagens internamente modeladas. Mais detalhes sobre o posicionamento do Comitê
nestas áreas serão apresentadas em seu devido tempo.
Finalizando a razão de alavancagem e pisos de capital
Finalmente, paralelamente às revisões apresentadas acima, o Comitê está trabalhando na
finalização do desenho e calibragem do índice de alavancagem para o Pilar I e o uso de pisos de
capital com base em abordagens padronizadas. Tais medidas devem reforçar o quadro de
“múltiplas restrições” que temos atualmente, com cada medida compensando as lacunas da
outra.
Revisões ao modelo ponderado de risco
Em adição às revisões relacionadas à variabilidade dos ativos ponderados de risco que eu
mencionei, o Comitê está trabalhando em outras revisões chave ao quadro ponderado de risco.
Estas incluem:

Securitizações simples, transparentes e comparáveis: o Comitê da Basileia e a
Organização Internacional das Comissões de Securitização definiram os critérios para


securitização simples, transparente e comparável (STC) no início deste ano5. A
incorporação destes critérios no quadro revisado de securitização está planejada para
ser finalizado em 2016.
Risco de juros no banking book: o Comitê está revisando o tratamento regulatório do
risco de taxa de juros no banking book. Este ponto é particularmente importante à luz
do atual ambiente com baixas taxas de juros em muitas jurisdições. O objetivo desta
revisão é duplo. Primeiro, para garantir que os bancos tenham o capital apropriado para
cobrir potenciais perdas por exposição a mudanças nas taxas de juros. Segundo, para
limitar a arbitragem de capital entre trading book e banking book, bem como entre os
portfólios do banking book sujeitos a diferentes tratamentos contábeis. O Comitê
realizou uma consulta em relação a uma série de medidas no início deste ano, e
pretende finalizar este ponto em 2016.
Risco soberano: Eu mencionei no início de minha palestra que Suécia e Espanha eram
Estados fiscais-militares. Como resultado dos altos gastos com governo e impostos para
subsidiar suas conquistas militares, ambos os países omitiram suas dívidas6. Felizmente,
ambos os países, desde então, reduziram suas ambições militares, porém continuamos
a ver episódios de risco soberano. O Comitê iniciou uma revisão do atual tratamento
regulatório de risco soberano e irá considerar opções de políticas potenciais. A revisão
será conduzida de maneira cuidadosa, holística e gradual.
Conclusão
Deixem-me concluir. As reformas pós-crise buscam definir as fraquezas chave da estrutura
regulatória conforme destacadas pela crise financeira. Muitas destas reformas estão agora
completas. Além disso, o direcionamento de trabalho excepcional está bem definido e sua
finalização está ao alcance. Completar esta tarefa trará uma orientação necessária aos
mercados, bancos e entidades supervisoras.
Uma peça-chave do quadro regulatório pós-crise é a confiança em múltiplas restrições
regulatórias. Assim como o modelo é mais resistente a fraquezas resultantes de índices
regulatórios específicos.
A atual política de reformas do Comitê está fundamentada em equilibrar simplicidade,
sensibilidade ao risco e comparabilidade do quadro de risco ponderado. Por volta do final
deste ano, o Comitê planeja publicar o resultado desta revisão estratégica do modelo de
capitais.
Em meu discurso de hoje, eu abordei uma história que muitos já esqueceram –
naturalmente estou me referindo à recente crise financeira e não ao Vasa! As reformas póscrise do Comitê serão repletas de lições de história e ajudarão a delinear um quadro
regulatório estável. Em troca, isso proverá a base de um sistema bancário resiliente, que
consegue suportar a economia real.
5
6
Disponível em: www.bis.org/bcbs/public/d332.pdf
Ver Reinhart and Rogoff (2009). A Espanha entrou em default por diversas vezes entre os séculos 16 e
19 e a Suécia em 1812.
Referências
Cederlund, C and F Hocker (2006): Vasa I, the Archaeology of a Swedish Royal Ship of 1628,
National Maritime Museum of Sweden.
Glete, J (2002): Spain, the Dutch Republic and Sweden as Fiscal-Military States, 1500-1660,
Routledge.
Mayol, D (1996): "The Swedish Ship Vasa's Revival", University of Miami, November,
www.abc.se/~pa/publ/vasa.htm .
Military History Monthly (2013): "Back to the drawing board - Vasa", September.
Reinhart, C and K Rogoff (2009): This time is different: eight centuries of financial folly,
Princeton University Press.
Download

Boa tarde e muito obrigado pela oportunidade para